No último 3 de setembro aniversariou um importante nome do jornalismo
e da literatura latino-americanos: o uruguaio Eduardo Galeano completou
70 anos de vida. E, com a data, celebra-se também sua importante
contribuição para o imaginário social dos povos da América Latina, e
também o marcante papel na luta contra o regime militar uruguaio, que
durou de 1973 a 1984.
“Para os que
concebem a História como uma disputa, o atraso e a miséria da América
Latina são o resultado de seu fracasso. Perdemos, outros ganharam. Mas
acontece que aqueles que ganharam, ganharam graças ao que nós perdemos: a
história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já se
disse, a história do desenvolvimento do capitalismo mundial”, escreveu
Galeano em 1971, no livro As Veias Abertas da América Latina, que fala
sobre o processo de exploração colonial pelo qual passou o continente
americano desde sua descoberta até o neo-colonialismo da Revolução
Industrial.
Anos mais tarde, em
1976, deixou o Uruguai rumo ao exílio na Espanha após ter seu nome
incluído em uma lista de execuções do regime militar, liderado pelo
ditador Jorge Videla.
Para falar sobre
vida e obra do jornalista uruguaio, a Revista Fórum entrevistou o
professor Alexandre Barbosa, mestre e doutorando em Ciências da
Comunicação pela ECA-USP. Especialista em Jornalismo Internacional,
Borges é o idealizador do site www.latinoamericano.jor.br.
Fórum: Na sua opinião, qual a importância de Eduardo Galeano para o jornalismo e literatura latino-americanos?
Alexandre Barbosa:
Galeano foi além do jornalismo e da literatura. Muitos, tanto na
academia quanto no jornalismo, enxergam sua obra apenas do ponto de
vista literário. De fato, ele escreveu obras belíssimas, como Palavras
Andantes e Memórias do Fogo. Esta última, uma crônica da história
latino-americana contada de maneira poética. Porém, mesmo na literatura e
principalmente no jornalismo, Galeano é essencial para a construção de
um pensamento de resistência latino-americana. Sua obra mais conhecida,
As Veias Abertas da América Latina, é uma leitura que não pode faltar na
vida de qualquer cidadão deste continente.
Fórum: De que maneira ele contribuiu para o imaginário histórico do continente latino-americano?
Barbosa: Enquanto a
indústria jornalística insistia na visão de que as alianças com os
países centrais do capitalismo eram uma alternativa para o atraso da
região, Galeano mostrou como a riqueza da Europa e dos EUA foi
construída com base na exploração dos recursos naturais e humanos da
América Latina. A cidade boliviana de Potosí, que tem mina de estanho e
prata, hoje é uma região pobre, que enriqueceu os cofres dos países
ibéricos. A miséria da América Central é a riqueza dos comerciantes
norte-americanos.
Como a escrita de
Galeano tem forte apelo de denúncia, seu texto flui e serve de
inspiração para os movimentos que hoje pregam uma nova ordem da política
e da economia latino-americana. Ao ler a obra de Galeano, é possível
entender melhor como funcionam os governos de Evo Morales e Rafael
Correa. Quem leu As Veias Abertas da América Latina jamais teria coragem
de criticar a ação boliviana de nacionalização dos recursos minerais.
Fórum: Galeano
participou ativamente de movimentos culturais contrários à ditadura
uruguaia de 1973. Para você, qual obra dele melhor representa a
resistência contra o regime militar?
Barbosa: Galeano e
outros da classe artística e jornalística podem ser considerados parte
de um movimento que Michael Löwy chamou de Romantismo Revolucionário
que, entre outras características, entende as manifestações artísticas
como instrumentos de denúncia, resistência e revolução.
Há contos e
crônicas belíssimas de Galeano sobre a ditadura uruguaia. Recomendo a
leitura de um texto sobre os desenhos que a filha de um preso levava
para o pai no cárcere. O guarda proibia imagens e desenhos de pássaros,
pois eles eram sinônimos de liberdade. Um dia, a filha desenhou uma
árvore com frutas e o desenho passou. O pai elogiou o desenho e filha
confidenciou-lhe que os pássaros estavam escondidos entre as folhas...
Fórum: Hoje em dia,
Eduardo Galeano figura como um dos maiores nomes da literatura na
América Latina, ao lado de Gabriel García Marquez e outros. O que ainda
podem fazer para estabelecer um ponto de reflexão nos povos do
continente contra a dominação cultural e ideológica?
Barbosa: É
essencial seguir estudando as obras desses dois autores. Além de As
Veias Abertas da América Latina, um latino-americano não pode se
considerar latino-americano sem ler Cem Anos de Solidão, de García
Marquez. Um curso sobre América Latina tem de incluir uma discussão
sobre “As Veias Abertas” e um debate sobre a metáfora da cíclica
história do continente que está encarnada em “Cem Anos”.
Tanto Galeano
quanto Gabo continuam fortes em suas posições. Continuam a defender a
América Latina e suas lutas. Gabo mantém a FPNI (Fundación Nuevo
Periodismo Iberoamericano), que incentiva a construção de um jornalismo
que tenha olhar latino-americano. A última obra de Galeano, Espelhos, se
dedica às histórias esquecidas não só da América Latina, mas de todo o
mundo.
Fonte: Revista Fórum