Wladimir Pomar no Correio da Cidadania | |
O fim da civilidade, decretado pela direita tucano-pefelista, neste
último mês de campanha, está trazendo à luz pelo menos três aspectos da
realidade brasileira.
Primeiro, a natureza reacionária e antidemocrática dos novos
representantes políticos da burguesia financeira e da burguesia agrária.
Segundo, a oposição de grandes parcelas das camadas populares e das
classes médias a tal reacionarismo. E, terceiro, as clivagens da
esquerda diante dessa polarização.
A nova direita política é, em grande parte, formada por parcelas
oriundas da intelectualidade política democrática e de esquerda que se
defrontou com a ditadura militar. No curso da emergência das lutas
operárias e populares e da formação do PT, assim como da ofensiva
ideológica e política do neoliberalismo, muitos de seus membros se
transformaram no oposto do que representaram no passado.
Com isso, repetem uma experiência histórica peculiar da esquerda
brasileira, que teve em Carlos Lacerda seu expoente mais significativo.
Quem conheceu esse personagem da história brasileira certamente se
lembrou dele ao assistir ao candidato Serra deblaterando sobre a suposta
tolerância de Lula com "quem rouba", e qualificando a candidata Dilma
de "envelope fechado". A grande desvantagem de Serra é que não tem a
oratória de Lacerda, nem um ambiente de conspiração militar
generalizada. Mas a natureza golpista e reacionária é a mesma.
Essa truculência tucano-pefelista também está colocando em evidência
algo que uma parte da esquerda se nega a ver. Isto é, que grandes massas
do povo brasileiro consideram as atuais eleições como um acerto de
contas com a herança de FHC e depositam uma firme confiança em Lula e no
PT. Ou seja, além de encararem as atuais eleições como polarizadas e
plebiscitárias, grandes parcelas do povo estão convictas de que as
mudanças implantadas pelo governo Lula, mesmo contendo erros e
problemas, relacionados ou não com suas alianças políticas, apontam para
um caminho seguro de transformação social e política.
Uma parte da chamada esquerda democrática se encontra perdida na enseada
tucano-pefelista, sem se dar conta de que está dormindo com o inimigo. É
doloroso ver candidatos dessa esquerda, com discursos de mudanças
democráticas e populares, sendo apresentados por FHC, Serra, César Maia e
outros personagens que quase quebraram o Brasil e levaram o povão ao
desemprego e à miséria.
A parte da esquerda que se considera revolucionária está na oposição.
Embora procure se distanciar da direita que também é oposição, seu
inimigo principal e alvo de seus ataques tem sido o governo Lula e a
esquerda que apóia Dilma. Na prática, o povão acaba confundindo-a com
seus inimigos de direita.
A maior parte da esquerda, que apóia Dilma, também se debate diante da
realidade complexa do país. Isto parece ser mais evidente dentro do PT,
onde havia uma corrente que pregava abertamente a impossibilidade de uma
eleição polarizada e trabalhava para construir pontes com o tucanato. A
evolução da campanha eleitoral, apesar da ausência de ataques petistas
ao tucanato, está demonstrando que aquela corrente estava totalmente
enganada, pelo desconhecimento da natureza antidemocrática e reacionária
do tucano-pefelismo.
Também é dentro do PT que continuam se apresentando brechas relacionadas
com a tibieza em adotar procedimentos ideológicos, políticos e
organizativos condizentes com um partido de esquerda que quer
transformar o Estado e a sociedade. Um partido desse tipo não pode ter
aloprados, filiados facilmente cooptáveis por dinheiro fácil, nem
agentes infiltrados que possam navegar tranqüilamente por suas fileiras.
Se o PT não adotar procedimentos que o blindem contra os arrivistas e
oportunistas que procuram fazer carreira em qualquer partido que seja
governo, aquelas brechas podem se tornar voçorocas, deixando-o indefeso
diante das armações que tendem a crescer nas disputas institucionais.
Nessas condições, a vitória do PT e Dilma não representará apenas um
acerto de contas com a ideologia e as políticas neoliberais, condensadas
na candidatura Serra. Nem apenas um impacto muito sério na esquerda que
se aliou à direita, formal ou informalmente, nos ataques ao governo
Lula e à candidatura Dilma. Ela deverá representar também uma
reestruturação ideológica, política e organizativa do PT, se esse
partido quiser enfrentar com sucesso os desafios para aprofundar as
mudanças democráticas, econômicas e sociais que as camadas populares
reclamam.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
O futuro da esquerda
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Eduardo Galeano: 70 anos de América Latina
No último 3 de setembro aniversariou um importante nome do jornalismo
e da literatura latino-americanos: o uruguaio Eduardo Galeano completou
70 anos de vida. E, com a data, celebra-se também sua importante
contribuição para o imaginário social dos povos da América Latina, e
também o marcante papel na luta contra o regime militar uruguaio, que
durou de 1973 a 1984.
“Para os que
concebem a História como uma disputa, o atraso e a miséria da América
Latina são o resultado de seu fracasso. Perdemos, outros ganharam. Mas
acontece que aqueles que ganharam, ganharam graças ao que nós perdemos: a
história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já se
disse, a história do desenvolvimento do capitalismo mundial”, escreveu
Galeano em 1971, no livro As Veias Abertas da América Latina, que fala
sobre o processo de exploração colonial pelo qual passou o continente
americano desde sua descoberta até o neo-colonialismo da Revolução
Industrial.
Anos mais tarde, em
1976, deixou o Uruguai rumo ao exílio na Espanha após ter seu nome
incluído em uma lista de execuções do regime militar, liderado pelo
ditador Jorge Videla.
Para falar sobre
vida e obra do jornalista uruguaio, a Revista Fórum entrevistou o
professor Alexandre Barbosa, mestre e doutorando em Ciências da
Comunicação pela ECA-USP. Especialista em Jornalismo Internacional,
Borges é o idealizador do site www.latinoamericano.jor.br.
Fórum: Na sua opinião, qual a importância de Eduardo Galeano para o jornalismo e literatura latino-americanos?
Alexandre Barbosa:
Galeano foi além do jornalismo e da literatura. Muitos, tanto na
academia quanto no jornalismo, enxergam sua obra apenas do ponto de
vista literário. De fato, ele escreveu obras belíssimas, como Palavras
Andantes e Memórias do Fogo. Esta última, uma crônica da história
latino-americana contada de maneira poética. Porém, mesmo na literatura e
principalmente no jornalismo, Galeano é essencial para a construção de
um pensamento de resistência latino-americana. Sua obra mais conhecida,
As Veias Abertas da América Latina, é uma leitura que não pode faltar na
vida de qualquer cidadão deste continente.
Fórum: De que maneira ele contribuiu para o imaginário histórico do continente latino-americano?
Barbosa: Enquanto a
indústria jornalística insistia na visão de que as alianças com os
países centrais do capitalismo eram uma alternativa para o atraso da
região, Galeano mostrou como a riqueza da Europa e dos EUA foi
construída com base na exploração dos recursos naturais e humanos da
América Latina. A cidade boliviana de Potosí, que tem mina de estanho e
prata, hoje é uma região pobre, que enriqueceu os cofres dos países
ibéricos. A miséria da América Central é a riqueza dos comerciantes
norte-americanos.
Como a escrita de
Galeano tem forte apelo de denúncia, seu texto flui e serve de
inspiração para os movimentos que hoje pregam uma nova ordem da política
e da economia latino-americana. Ao ler a obra de Galeano, é possível
entender melhor como funcionam os governos de Evo Morales e Rafael
Correa. Quem leu As Veias Abertas da América Latina jamais teria coragem
de criticar a ação boliviana de nacionalização dos recursos minerais.
Fórum: Galeano
participou ativamente de movimentos culturais contrários à ditadura
uruguaia de 1973. Para você, qual obra dele melhor representa a
resistência contra o regime militar?
Barbosa: Galeano e
outros da classe artística e jornalística podem ser considerados parte
de um movimento que Michael Löwy chamou de Romantismo Revolucionário
que, entre outras características, entende as manifestações artísticas
como instrumentos de denúncia, resistência e revolução.
Há contos e
crônicas belíssimas de Galeano sobre a ditadura uruguaia. Recomendo a
leitura de um texto sobre os desenhos que a filha de um preso levava
para o pai no cárcere. O guarda proibia imagens e desenhos de pássaros,
pois eles eram sinônimos de liberdade. Um dia, a filha desenhou uma
árvore com frutas e o desenho passou. O pai elogiou o desenho e filha
confidenciou-lhe que os pássaros estavam escondidos entre as folhas...
Fórum: Hoje em dia,
Eduardo Galeano figura como um dos maiores nomes da literatura na
América Latina, ao lado de Gabriel García Marquez e outros. O que ainda
podem fazer para estabelecer um ponto de reflexão nos povos do
continente contra a dominação cultural e ideológica?
Barbosa: É
essencial seguir estudando as obras desses dois autores. Além de As
Veias Abertas da América Latina, um latino-americano não pode se
considerar latino-americano sem ler Cem Anos de Solidão, de García
Marquez. Um curso sobre América Latina tem de incluir uma discussão
sobre “As Veias Abertas” e um debate sobre a metáfora da cíclica
história do continente que está encarnada em “Cem Anos”.
Tanto Galeano
quanto Gabo continuam fortes em suas posições. Continuam a defender a
América Latina e suas lutas. Gabo mantém a FPNI (Fundación Nuevo
Periodismo Iberoamericano), que incentiva a construção de um jornalismo
que tenha olhar latino-americano. A última obra de Galeano, Espelhos, se
dedica às histórias esquecidas não só da América Latina, mas de todo o
mundo.
Fonte: Revista Fórum
Ramadã à brasileira: como os muçulmanos de São Paulo passam o mês sagrado do Islã
O relógio da família Jarouche, que mora em São Bernardo
do Campo, região metropolitana de São Paulo, toca às cinco horas da
manhã. Eles acordam, fazem uma refeição leve e se preparam para fazer a fajr, primeira oração do dia. A mãe, Fátima, e a filha mais velha, Tamara, fazem o wudu,
o ritual de lavar as mãos antes das orações e rezam em casa. O pai e o
filho Youssef vão à mesquita e, em seguida, saem para o trabalho.
Por volta do mesmo horário, a chegada dos fiéis para a primeira oração do dia na mesquita xiita do Brás, na zona leste de São Paulo, se mistura com a de lojistas que montam barracas. Dentro da mesquita, alguns poucos fiéis começam a ler o Alcorão em voz alta, e o som da frase “Allahu Akbar" (“Deus é o maior!”, em árabe), a voz do imame (sacerdote), transmitida pelos alto-falantes chamando para oração, mistura-se com o sucesso de Lady Gaga que toca do outro lado da rua.
Leia mais:
Galeria de imagens: Muçulmanos no Brasil celebram o Ramadã
Islã ganha adeptos no Brasil como religião que une povos perseguidos
Islamismo cresce na periferia como instrumento para largar coisas ruins
Glossário explica termos mais comuns no islamismo
Em um cenário nada típico, começa o dia dos muçulmanos que vivem no Brasil durante o Ramadã, mês sagrado do calendário islâmico. Durante 30 dias, a rotina dos fiéis é alterada. Do nascer ao pôr do sol, não podem comer nem beber nada. A exceção ao jejum é para pessoas doentes, mulheres grávidas, lactantes ou em período menstrual. As crianças começam a praticá-lo aos poucos, a partir dos sete anos e começam completamente aos 14 anos.
Laisa Beatris/Opera Mundi
A mesquita xiita do Brás em São Paulo, instantes antes da primeira oração
Esta segunda-feira (6/9), é o 27º dia do Ramadã, uma data especial porque foi na noite entre os dias 26 e 27 do mês sagrado do islamismo que o profeta Maomé teria recebido a primeira revelação do Alcorão.
Vizinhos
Se não fossem pelas reclamações dos não-muçulmanos que moram perto da mesquita, os fiéis da mesquita do Brás seriam chamados para fazer oração pelo adhan – som emitido pelos alto-falantes no minarete, como acontece em algumas mesquitas do Brasil e é comum em outros países. Em São Bernardo do Campo, os vizinhos fizeram uma reclamação e a prática foi proibida.
“Chamava antes, aí o povo começou a reclamar. A gente reza às cinco da manhã, mas não tocava às cinco da manhã. Tocava meio-dia, tocava às 15h e às 20h. Ai o povo [os vizinhos] começou a fazer abaixo assinado, começou a reclamar”, contou Tamara Jarouche. Segundo Fátima, os vizinhos se sentiam incomodados porque o chamado é feito em árabe e eles diziam não poder entender o que estava sendo dito.
Laisa Beatris/Opera Mundi
Tamara mostra o relógio que a família usa para saber o horário das orações
Este é apenas um dos contratempos que os brasileiros que são fiéis do Islã enfrentam para fazer a resignação do Ramadã. No Brasil, alguns muçulmanos encontram dificuldades para interromper o trabalho e rezar, contou o jovem xeque Mohamad al-Bukai, da mesquita sunita do Brás. O problema é mais comum entre aqueles que não são autônomos e que não trabalham para outros muçulmanos.
No Egito, onde 90% da população é muçulmana, o governo implementou o horário de inverno para adiantar em uma hora o pôr do sol durante o Ramadã. Nos Emirados Árabes Unidos, um decreto religioso autorizou os operários expostos ao calor a quebrar o jejum para não terem problemas de saúde. Na Arábia Saudita, a jornada de trabalho foi trocada.
Convivência
Para Youssef Jarouche, um dos maiores problemas de fazer o Ramadã no Brasil é que a maioria da população não está de jejum.
“Sinto uma boa dificuldade no Brasil. Porque, como não tem muitos muçulmanos, você vê todo mundo na rua diferente de você, todo mundo comendo, fazendo outras coisas que você não pode fazer”, disse Youssef.
Sua irmã Tamara conta que, atualmente, estuda em um colégio islâmico e, portanto, as dificuldades diminuíram. Mas nem sempre foi assim: quando estudava em outro colégio, ela ficava com outros colegas muçulmanos, sentada na escada durante o intervalo para não ver os outros comendo.
Já Aisha – como prefere ser chamada Jeane Pires Manzolini, que se converteu ao Islã há um ano e meio – afirma que não sente dificuldades para conviver com não-islâmicos, mas que o mais difícil é suportar a sede nos dias quentes e secos. “Sinto falta da água; da água eu sinto bastante”, disse. Atualmente, ela recorre à Justiça para incluir em seu registro o nome islâmico que escolheu, em homenagem à terceira esposa do profeta Maomé.
Purificação
O jejum – um dos cinco pilares do Islã, praticado por cerca de 1 bilhão de fiéis pelo mundo e mais de 1,5 milhão no Brasil – não é visto pelos muçulmanos como punição, mas como uma “purificação espiritual que enfraquece o corpo e fortalece a alma”.
“O jejum serve para que você também pense nas pessoas que não podem comer, que não podem beber, que têm dificuldades para isso. Para que você se compadeça, seja solidário com eles e entenda o que eles estão passando”, afirmou Aisha.
Além do jejum, há o acréscimo de uma oração não obrigatória, o tarawih, que significa " oração dos descansos", feita após a quinta reza do dia, o ichá. As outras orações diárias são fajr, zuhr, asr e maghrib.
Desjejum
O relógio da família muçulmana no ABC volta a tocar pouco depois das 17h. Enquanto Fátima prepara o jantar, pega uma tâmara, come, e grita para avisar a filha que é hora de quebrar o jejum. Fátima, Tâmara e Leila, a caçula de sete anos, esperam os homens para fazer a refeição.
O Ramadã – que, em árabe, significa “ser ardente” – começou no dia 11 de agosto no Egito, na Arábia Saudita, na Indonésia, nos Emirados Árabes Unidos, na Jordânia, na Síria, nos territórios palestinos, no Marrocos, na Argélia, na Tunísia, na Líbia, no Afeganistão, na Malásia e em Cingapura. Os xiitas do Irã e do Iraque começam no dia 12, assim como os indianos e os paquistaneses, que esperam que a lua marque o início do nono mês do calendário islâmico. O Ramadã é considerado sagrado porque se acredita que foi nesse período que o Alcorão, o livro sagrado para o islamismo, foi revelado ao profeta Maomé em Meca.
Para o ano gregoriano de 2010, o equivalente ao último dia do Ramadã será 9 de setembro. Ao chegar ao final do mês sagrado, os muçulmanos se reúnem em clubes, associações, nas mesquitas e nas próprias casas para um almoço em família, e realizam grande festa religiosa.
Por volta do mesmo horário, a chegada dos fiéis para a primeira oração do dia na mesquita xiita do Brás, na zona leste de São Paulo, se mistura com a de lojistas que montam barracas. Dentro da mesquita, alguns poucos fiéis começam a ler o Alcorão em voz alta, e o som da frase “Allahu Akbar" (“Deus é o maior!”, em árabe), a voz do imame (sacerdote), transmitida pelos alto-falantes chamando para oração, mistura-se com o sucesso de Lady Gaga que toca do outro lado da rua.
Leia mais:
Galeria de imagens: Muçulmanos no Brasil celebram o Ramadã
Islã ganha adeptos no Brasil como religião que une povos perseguidos
Islamismo cresce na periferia como instrumento para largar coisas ruins
Glossário explica termos mais comuns no islamismo
Em um cenário nada típico, começa o dia dos muçulmanos que vivem no Brasil durante o Ramadã, mês sagrado do calendário islâmico. Durante 30 dias, a rotina dos fiéis é alterada. Do nascer ao pôr do sol, não podem comer nem beber nada. A exceção ao jejum é para pessoas doentes, mulheres grávidas, lactantes ou em período menstrual. As crianças começam a praticá-lo aos poucos, a partir dos sete anos e começam completamente aos 14 anos.
Laisa Beatris/Opera Mundi
A mesquita xiita do Brás em São Paulo, instantes antes da primeira oração
Esta segunda-feira (6/9), é o 27º dia do Ramadã, uma data especial porque foi na noite entre os dias 26 e 27 do mês sagrado do islamismo que o profeta Maomé teria recebido a primeira revelação do Alcorão.
Vizinhos
Se não fossem pelas reclamações dos não-muçulmanos que moram perto da mesquita, os fiéis da mesquita do Brás seriam chamados para fazer oração pelo adhan – som emitido pelos alto-falantes no minarete, como acontece em algumas mesquitas do Brasil e é comum em outros países. Em São Bernardo do Campo, os vizinhos fizeram uma reclamação e a prática foi proibida.
“Chamava antes, aí o povo começou a reclamar. A gente reza às cinco da manhã, mas não tocava às cinco da manhã. Tocava meio-dia, tocava às 15h e às 20h. Ai o povo [os vizinhos] começou a fazer abaixo assinado, começou a reclamar”, contou Tamara Jarouche. Segundo Fátima, os vizinhos se sentiam incomodados porque o chamado é feito em árabe e eles diziam não poder entender o que estava sendo dito.
Laisa Beatris/Opera Mundi
Tamara mostra o relógio que a família usa para saber o horário das orações
Este é apenas um dos contratempos que os brasileiros que são fiéis do Islã enfrentam para fazer a resignação do Ramadã. No Brasil, alguns muçulmanos encontram dificuldades para interromper o trabalho e rezar, contou o jovem xeque Mohamad al-Bukai, da mesquita sunita do Brás. O problema é mais comum entre aqueles que não são autônomos e que não trabalham para outros muçulmanos.
No Egito, onde 90% da população é muçulmana, o governo implementou o horário de inverno para adiantar em uma hora o pôr do sol durante o Ramadã. Nos Emirados Árabes Unidos, um decreto religioso autorizou os operários expostos ao calor a quebrar o jejum para não terem problemas de saúde. Na Arábia Saudita, a jornada de trabalho foi trocada.
Convivência
Para Youssef Jarouche, um dos maiores problemas de fazer o Ramadã no Brasil é que a maioria da população não está de jejum.
“Sinto uma boa dificuldade no Brasil. Porque, como não tem muitos muçulmanos, você vê todo mundo na rua diferente de você, todo mundo comendo, fazendo outras coisas que você não pode fazer”, disse Youssef.
Sua irmã Tamara conta que, atualmente, estuda em um colégio islâmico e, portanto, as dificuldades diminuíram. Mas nem sempre foi assim: quando estudava em outro colégio, ela ficava com outros colegas muçulmanos, sentada na escada durante o intervalo para não ver os outros comendo.
Já Aisha – como prefere ser chamada Jeane Pires Manzolini, que se converteu ao Islã há um ano e meio – afirma que não sente dificuldades para conviver com não-islâmicos, mas que o mais difícil é suportar a sede nos dias quentes e secos. “Sinto falta da água; da água eu sinto bastante”, disse. Atualmente, ela recorre à Justiça para incluir em seu registro o nome islâmico que escolheu, em homenagem à terceira esposa do profeta Maomé.
Purificação
O jejum – um dos cinco pilares do Islã, praticado por cerca de 1 bilhão de fiéis pelo mundo e mais de 1,5 milhão no Brasil – não é visto pelos muçulmanos como punição, mas como uma “purificação espiritual que enfraquece o corpo e fortalece a alma”.
“O jejum serve para que você também pense nas pessoas que não podem comer, que não podem beber, que têm dificuldades para isso. Para que você se compadeça, seja solidário com eles e entenda o que eles estão passando”, afirmou Aisha.
Além do jejum, há o acréscimo de uma oração não obrigatória, o tarawih, que significa " oração dos descansos", feita após a quinta reza do dia, o ichá. As outras orações diárias são fajr, zuhr, asr e maghrib.
Desjejum
O relógio da família muçulmana no ABC volta a tocar pouco depois das 17h. Enquanto Fátima prepara o jantar, pega uma tâmara, come, e grita para avisar a filha que é hora de quebrar o jejum. Fátima, Tâmara e Leila, a caçula de sete anos, esperam os homens para fazer a refeição.
O Ramadã – que, em árabe, significa “ser ardente” – começou no dia 11 de agosto no Egito, na Arábia Saudita, na Indonésia, nos Emirados Árabes Unidos, na Jordânia, na Síria, nos territórios palestinos, no Marrocos, na Argélia, na Tunísia, na Líbia, no Afeganistão, na Malásia e em Cingapura. Os xiitas do Irã e do Iraque começam no dia 12, assim como os indianos e os paquistaneses, que esperam que a lua marque o início do nono mês do calendário islâmico. O Ramadã é considerado sagrado porque se acredita que foi nesse período que o Alcorão, o livro sagrado para o islamismo, foi revelado ao profeta Maomé em Meca.
Para o ano gregoriano de 2010, o equivalente ao último dia do Ramadã será 9 de setembro. Ao chegar ao final do mês sagrado, os muçulmanos se reúnem em clubes, associações, nas mesquitas e nas próprias casas para um almoço em família, e realizam grande festa religiosa.
Fonte: OperaMundi
A batalha Venezuela
Por Ignacio Ramonet - Adital
Na pugna pela supremacia ideológica na América Latina, dois
confrontos decisivos se desenvolverão nas próximas semanas: eleições
legislativas na Venezuela, no dia 26 de setembro; votação presidencial
no Brasil, no dia 3 de outubro. Se a esquerda democrática não ganhar
nesse país gigante, o pêndulo político se inclina majoritariamente, em
escala continental rumo às direitas que já governam no Chile, na
Colômbia, na Costa Rica, em Honduras, no México, no Panamá e no Peru.
Porém, essa eventualidade é pouco provável: é inverossímil que José
Serra, do PSDB (centro-direita) consiga impor-se a Dilma Rousseff, do
Partido dos Trabalhadores (PT), apoiada pelo muito popular Luiz Inácio
Lula da Silva, presidente atual, que, se não fosse impedido pela
Constituição, facilmente poderia ser reeleito para um terceiro mandato.
Em consequência, as forças conservadoras internacionais concentram
todos os seus ataques sobre a outra frente -a Venezuela- para tentar
debilitar ao presidente Hugo Chávez e à revolução bolivariana. O eu está
em jogo é a eleição dos 165 deputados da Assembleia Nacional (não
existe Senado na Venezuela). Com uma particularidade: quase todos os
legisladores que estão terminando seus mandatos são chavistas, pois a
oposição, na eleição anterior de 2005, boicotou o processo eleitoral.
Dessa vez não o fará; existe um sem fim de partidos e de organizações
díspares (1), aglutinados pelo rancor antichavista; apresentam-se sob o
estandarte comum da Mesa da unidade Democrática (MUD) contra o Partido
Socialista Unificado da Venezuela (PSUV) (2), do Presidente Chávez.
Inevitavelmente, o governo bolivariano contará com menos deputados na
nova Assembleia. Em que proporção? Poderá continuar executando seu
programa de grandes reformas? A oposição terá a força de colocar freio à
revolução?
Tais são os desafios. 60% dos cargos são repartidos de modo nominal;
os 40% restantes, de modo proporcional. A lista que obtenha mais de 50%
dos votos receberá 75% das vagas reservadas ao escrutínio proporcional.
Isso é importante porque a Constituição prevê que as leis orgânicas
devem ser votadas pelos dois terços dos deputados e as leis que
habilitam o presidente a legislar por decreto devem ser votadas pelas
quintas partes dos legisladores. Em outras palavras: bastaria à oposição
obter 56 vagas (sobre 165) para impedir a adoção de leis orgânicas e 67
vagas para impossibilitar a aprovação de leis habilitantes. Quando, até
agora, as principais reformas puderam ser realizadas graças
precisamente a leis habilitantes.
Daí que a batalha Venezuela mobiliza tantas energias e que as
campanhas internacionais de difamação contra o presidente Hugo Chávez
resumem malignidade. Nesses últimos meses, as investidas têm sido
alternadas. Primeiro, insistiram nos problemas de abastecimento de água e
de cortes de energia elétrica (já solucionados), jogando-os para o
Governo, sem mencionar sua causa climática: a seca do século que atingiu
ao país. Depois, continuaram repetindo até a exaustão as imputações sem
provas do ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, sobre uma suposta
"Venezuela santuário de terroristas". Denúncias abandonadas hoje pelo
novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, após seu encontro com
Hugo Chávez, em Santa Marta, no dia 10 de agosto, no qual este, uma vez
mais, reiterou que as guerrilhas devem abandonar a luta armada: "O mundo
de hoje não é o dos anos 60. Não há condições na Colômbia para que
possam tomar o poder. Em troca, converteram-se na principal desculpa
para o império penetrar na Colômbia a fundo e daí agredir a Venezuela, o
Equador, a Nicarágua e Cuba" (3).
Contra toda evidência, os meios de ódio continuam sustentando que, na
Venezuela, as liberdades políticas estão cerceadas e que uma suposta
censura impede a liberdade de expressão. Omitem assinalar que 80% das
emissoras de rádio e dos canais de televisão pertencem ao setor privado,
enquanto que somente 9% deles são públicos (4). Oo que, desde 1999,
foram realizadas quinze eleições democráticas nunca questionadas por
nenhum organismo supervisor internacional. Como realça o jornalista José
Vicente Rangel: "Cada venezuelano pode filiar-se a qualquer partido
político, sindicato, organização social ou associação e mobilizar-se por
todo o território nacional para debater suas ideias e pontos de vista
sem nenhuma limitação" (5).
Após a chegada de Hugo Chávez à presidência, foi quintuplicado o
investimento social em comparação ao investido no período de 1988 e
1998; decisão chave para que a Venezuela tenha alcançado quase todas as
Metas do Milênio fixadas pela ONU para 2015 (6). A pobreza baixou em
49,4% em 1999; a 30,2% em 2006; e a indigência passou de 21,7% a 7,2%
(7).
Esses resultados esperançadores merecem realmente tanto ódio?
Ignácio Ramonet, jornalista, sociólogo e diretor da versão espanhola de Le Monde Diplomatique.
Notas:
(1) Acción Democrática (social-demócrata), Alianza Bravo Pueblo
(derecha), Copei (demócrata cristiano), Fuerza Liberal (ultraliberal),
La Causa R (ex comunistas), MAS (Movimiento al socialismo), Movimiento
Republicano (neoliberal), PPT (Patria para todos), Podemos (Por la
democracia social), Primero Justicia (ultraliberal) e Un Nuevo Tiempo
(social-liberal).
(2) Criado em 2007, agrupa a maioria das forças políticas que apóiam a revolução bolivariana (Movimiento Quinta República, Movimiento Electoral del Pueblo, Movimiento Independiente Ganamos Todos, Liga Socialista, Unidad Popular Venezolana, etc.). O Partido Comunista da Venezuela (PCV) não se integrou no PSUV, porém, o respalda e é seu aliado nessas eleições.
(3) Clarín, Buenos Aires, 25 de julho de 2010.
(4) Também não divulgam que em Honduras, por exemplo, nos seis primeiros meses deste ano, nove jornalistas já foram assassinados.
(5) www.abn.info.ve/node/12781
(6) http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/specials/2009/chavez_10/newsid_
7837000/7837964.stm
(7) www.radiomun
(2) Criado em 2007, agrupa a maioria das forças políticas que apóiam a revolução bolivariana (Movimiento Quinta República, Movimiento Electoral del Pueblo, Movimiento Independiente Ganamos Todos, Liga Socialista, Unidad Popular Venezolana, etc.). O Partido Comunista da Venezuela (PCV) não se integrou no PSUV, porém, o respalda e é seu aliado nessas eleições.
(3) Clarín, Buenos Aires, 25 de julho de 2010.
(4) Também não divulgam que em Honduras, por exemplo, nos seis primeiros meses deste ano, nove jornalistas já foram assassinados.
(5) www.abn.info.ve/node/12781
(6) http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/specials/2009/chavez_10/newsid_
7837000/7837964.stm
(7) www.radiomun
Usina de candidato mantém 207 em quadro de trabalho escravo
Aliciados no Nordeste, cortadores
eram submetidos a condições de escravidão na usina Vale do Paranaíba, em
Capinópolis (MG). Unidade pertence ao Grupo João Lyra, do candidato a
deputado federal por Alagoas, João Lyra (PTB)
Por Bianca Pyl no Repórter Brasil
Aliciados em estados do Nordeste, 207 trabalhadores eram mantidos em
condições análogas à escravidão nos canaviais da Laginha Agroindustrial,
na unidade Vale do Paranaíba, em Capinópolis (MG). A empresa faz parte
do Grupo João Lyra, do candidato a deputado federal por Alagoas, João
Lyra (PTB). A libertação ocorreu entre 9 e 20 de agosto.
Parte do Programa Nacional de Investigação e Combate às Irregularidades do Setor Sucroalcooleiro no Estado de Minas Gerais, a fiscalização contou com a participação de integrantes da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (SRTE/MG), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Segundo o procurador do trabalho Fábio Lopes, que participou da ação, os contratantes se valeram dos contratados para dificultar a comprovação do crime de aliciamento (Art. 207 do Código Penal). "Os empregados da usina entraram em contato com conhecidos nos estados nordestinos e pediram para que viessem a Minas, pois havia trabalho garantido".
Os trabalhadores chegaram a Capinópolis (MG) entre janeiro e março deste ano e tiveram que alugar moradia por conta própria. A empresa não ofereceu abrigo. Superlotadas, as casas feitas de alojamentos estavam em péssimo estado de conservação. Algumas não tinham sequer luz elétrica e outras tinham mofo. O risco de incêndio era iminente: o fogão e o botijão de gás ficavam no quarto, próximo às camas. Não havia água filtrada nas residências e os trabalhadores consumiam água direto da torneira.
Além de pagar aluguel e arcar com os custos da viagem entre a Região Nordeste e o Sul de Minas Gerais, as vítimas tinham que comprar alimentos e preparar as refeições sem auxílio algum. Toda a estrutura das casas também era bancada pelos cortadores, como as contas de água e luz.
Um dos aliciadores cobrava dos empregados valor acima de mercado pelo fornecimento de cama e de colchões de péssima qualidade. Até o seguro de vida era descontado diretamente da conta corrente dos empregados, no valor de R$ 78, de acordo com o MPT. A empresa também descontava a contribuição sindical dos salários mesmo sem nenhuma filiação.
Parte do Programa Nacional de Investigação e Combate às Irregularidades do Setor Sucroalcooleiro no Estado de Minas Gerais, a fiscalização contou com a participação de integrantes da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (SRTE/MG), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Segundo o procurador do trabalho Fábio Lopes, que participou da ação, os contratantes se valeram dos contratados para dificultar a comprovação do crime de aliciamento (Art. 207 do Código Penal). "Os empregados da usina entraram em contato com conhecidos nos estados nordestinos e pediram para que viessem a Minas, pois havia trabalho garantido".
Os trabalhadores chegaram a Capinópolis (MG) entre janeiro e março deste ano e tiveram que alugar moradia por conta própria. A empresa não ofereceu abrigo. Superlotadas, as casas feitas de alojamentos estavam em péssimo estado de conservação. Algumas não tinham sequer luz elétrica e outras tinham mofo. O risco de incêndio era iminente: o fogão e o botijão de gás ficavam no quarto, próximo às camas. Não havia água filtrada nas residências e os trabalhadores consumiam água direto da torneira.
Além de pagar aluguel e arcar com os custos da viagem entre a Região Nordeste e o Sul de Minas Gerais, as vítimas tinham que comprar alimentos e preparar as refeições sem auxílio algum. Toda a estrutura das casas também era bancada pelos cortadores, como as contas de água e luz.
Um dos aliciadores cobrava dos empregados valor acima de mercado pelo fornecimento de cama e de colchões de péssima qualidade. Até o seguro de vida era descontado diretamente da conta corrente dos empregados, no valor de R$ 78, de acordo com o MPT. A empresa também descontava a contribuição sindical dos salários mesmo sem nenhuma filiação.
Risco de ferimentos: empregados trabalhavam com equipamentos de proteção irregulares (MPT) |
A
usina não fornecia equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados
e os cortadores compravam os materiais por conta própria. Alguns
empregados tiveram que comprar até ferramentas de trabalho. Apesar do
pagamento do salário em dia, pouco sobrava aos migrantes, já que tinham
de arcar com muitas despesas para continuar trabalhando.
Os 13
ônibus que faziam o transporte dos empregados até as três frentes de
trabalho da usina eram irregulares. Nas frentes de trabalho a Norma
Regulamentadora (NR) 31, que estabelece regras para o trabalho
rural, era ignorada. Os empregados comiam sentados no chão, no meio do
canavial, sem nenhuma proteção contra o sol forte ou chuvas. Além disso,
não havia banheiros ou fornecimento de água potável.
Após a
conclusão da fiscalização, auditores fiscais da SRTE/MG lavraram 56
autos de infração pelas irregularidades encontradas e 13 termos de
interdição. A empresa fez a rescisão indireta de contrato dos empregados
e mais de R$ 670 mil foram pagos. As vítimas também foram indenizadas
em R$ 348 mil por gastos relativos ao trabalho realizado, como o custeio
da passagem de ida e a compra de EPIs, camas e colchões.
O objetivo da ação foi verificar o cumprimento das obrigações determinadas em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado pela usina com a Procuradoria do Trabalho no Município de Uberlândia (MG) em 2004.
HistóricoEsta não foi o primeiro flagrante de escravidão em áreas ligadas às usinas do Grupo João Lyra. Na usina Laginha de União dos Palmares (AL), em 2008, foram libertados outros 61 trabalhadores.
Na época, o auditor fiscal Dercides Pires da Silva, que chefiou a operação na área a 85 km da capital Maceió (AL), assim descreveu o cenário encontrado. "O alojamento é de alvenaria, mas é muito sujo, fedido. Os trabalhadores não recebem colchões, mas espumas velhas, rasgadas, que quando se aperta com a mão, dá pra encostar um dedo no outro". Outro problema grave, conforme relato de Dercides, foi a má condição dos EPIs.
Em 2007, a Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Uberlândia (MG) encontrou 15 trabalhadores que foram aliciados na mesma Usina Laginha, unidade Vale do Paranaíba, em Capinopólis (MG), mas o quadro foi regularizado e não houve libertação.
Os trabalhadores foram aliciados por um empregado da usina nos estados do Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte. Os cortadores se endividaram para pagar a passagem de ida Segundo os auditores fiscais, as condições encontradas no alojamento eram precárias. Pessoas dormiam em colchões estendidos no chão e em redes e vizinhos chegaram a doar comidas porque os empregados da usina não conseguiam comprar no comércio local, devido as dívidas que tinham com os comerciantes de Ipiaçu (MG).
Na ocasião, a usina assinou a Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) dos cortadores com data retroativa e regularizou a situação dos alojamentos, além de doar cestas básicas. Os cortadores continuaram trabalhando na usina até o final da safra daquele ano.
O objetivo da ação foi verificar o cumprimento das obrigações determinadas em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado pela usina com a Procuradoria do Trabalho no Município de Uberlândia (MG) em 2004.
HistóricoEsta não foi o primeiro flagrante de escravidão em áreas ligadas às usinas do Grupo João Lyra. Na usina Laginha de União dos Palmares (AL), em 2008, foram libertados outros 61 trabalhadores.
Na época, o auditor fiscal Dercides Pires da Silva, que chefiou a operação na área a 85 km da capital Maceió (AL), assim descreveu o cenário encontrado. "O alojamento é de alvenaria, mas é muito sujo, fedido. Os trabalhadores não recebem colchões, mas espumas velhas, rasgadas, que quando se aperta com a mão, dá pra encostar um dedo no outro". Outro problema grave, conforme relato de Dercides, foi a má condição dos EPIs.
Em 2007, a Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Uberlândia (MG) encontrou 15 trabalhadores que foram aliciados na mesma Usina Laginha, unidade Vale do Paranaíba, em Capinopólis (MG), mas o quadro foi regularizado e não houve libertação.
Os trabalhadores foram aliciados por um empregado da usina nos estados do Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte. Os cortadores se endividaram para pagar a passagem de ida Segundo os auditores fiscais, as condições encontradas no alojamento eram precárias. Pessoas dormiam em colchões estendidos no chão e em redes e vizinhos chegaram a doar comidas porque os empregados da usina não conseguiam comprar no comércio local, devido as dívidas que tinham com os comerciantes de Ipiaçu (MG).
Na ocasião, a usina assinou a Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) dos cortadores com data retroativa e regularizou a situação dos alojamentos, além de doar cestas básicas. Os cortadores continuaram trabalhando na usina até o final da safra daquele ano.
Grupo
No site do Grupo João Lyra, é possível ler que a "atuação empresarial com visão de futuro e responsabilidade social" é o principal lema do conglomerado de empresas. A empresa tem sede em Alagoas, com ramificações nos estados da Bahia e de Minas Gerais. São dez empresas dos ramos da agroindústria sucroalcooleira e de fertilizantes e adubos, além das que pertencem aos setores automobilístico, de transportes aéreos e hospitalar.
Só no setor sucroalcooleiro, possui cinco usinas de grande porte: Laginha, Uruba e Guaxuma, em Alagoas, além da Triálcool e Vale do Paranaíba, em Minas Gerais. Juntas, as unidades produzem de mais de 300 mil metros cúbicos de álcool e de mais de 6,5 milhões de sacas de açúcar dos tipos VHP, cristal e refinado, de acordo com o site corporativo.
O candidato João Lyra declarou R$ 240 milhões em bens. A Repórter Brasil tentou contato por vários meios com o deputado e não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
Confira outras matérias da série Política e Escravidão:Fazenda de primo de ruralista mantinha trabalho escravo
Sete pessoas são libertadas de área de esposa de deputado
Área de ex-governador e chiqueiro abrigavam escravos em SC
No site do Grupo João Lyra, é possível ler que a "atuação empresarial com visão de futuro e responsabilidade social" é o principal lema do conglomerado de empresas. A empresa tem sede em Alagoas, com ramificações nos estados da Bahia e de Minas Gerais. São dez empresas dos ramos da agroindústria sucroalcooleira e de fertilizantes e adubos, além das que pertencem aos setores automobilístico, de transportes aéreos e hospitalar.
Só no setor sucroalcooleiro, possui cinco usinas de grande porte: Laginha, Uruba e Guaxuma, em Alagoas, além da Triálcool e Vale do Paranaíba, em Minas Gerais. Juntas, as unidades produzem de mais de 300 mil metros cúbicos de álcool e de mais de 6,5 milhões de sacas de açúcar dos tipos VHP, cristal e refinado, de acordo com o site corporativo.
O candidato João Lyra declarou R$ 240 milhões em bens. A Repórter Brasil tentou contato por vários meios com o deputado e não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
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segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Atualizar a pedagogia face ao mundo mudado
|
Leonardo Boff * Adital
Séculos de guerras, de confrontos, de lutas entre povos e de conflitos
de classe nos estão deixando uma amarga lição. Este método primário e
reducionista não nos fez mais humanos, nem nos aproximou mais uns dos
outros e muito menos nos trouxe a tão ansiada paz. Vivemos em permanente
estado de sítio e cheios de medo. Alcançamos um patamar histórico que,
nas palavras da Carta da Terra, "nos conclama a um novo começo". Isto
requer uma pedagogia, fundada numa nova consciência e numa visão
includente dos problemas econômicos, sociais, culturais e espirituais
que nos desafiam.
Esta nova consciência, fruto da mundialização, das ciências da Terra
e da vida e também da ecologia nos está mostrando um caminho a seguir:
entender que todas as coisas são interdependentes e que mesmo as
oposições não estão fora de um Todo dinâmico e aberto. Por isso, não
cabe separar mas compor, incluir ao invés de excluir, reconhecer, sim,
as diferenças mas também buscar as convergências e no lugar do
ganha-perde, buscar o ganha-ganha.
Tal perspectiva holística vem infuenciando os processos
educativos. Temos um mestre inolvidável, Paulo Freire, que nos ensinou a
dialética da inclusão e a colocar o "e" onde antes púnhamos o "ou".
Devemos aprender a dizer "sim" a tudo aquilo que nos faz crescer no
pequeno e no grande.
Frei Clodovis Boff acumulou muita experiência trabalhando com os
pobres no Acre e no Rio de Janeiro. Na esteira de Paulo Freire,
entregou-nos um livrinho que se tornou um clássico: "Como trabalhar com o
povo". E agora face aos desafios da nova situação do mundo, elaborou um
pequeno decálogo daquilo que poderia ser uma pedagogia renovada. Vale a
pena transcrevê-lo e considerá-lo pois nos pode ajudar e muito.
1."Sim ao processo de conscientização, ao despertar da consciência crítica e ao uso da razão analítica (cabeça). Mas sim também à razão sensível (coração) onde se enraizam os valores e de onde se alimentam o imaginário e todas as utopias.
2. Sim ao "sujeito coletivo" ou social, ao "nós" criador de história ("ninguém liberta ninguém, nos libertamos juntos"). Mas também sim à subjetividade de cada um, ao "eu biográfico", ao "sujeito individual" com suas referências e sonhos.
3. Sim à "praxis política", transformadora das estruturas e geradora de novas relações sociais, de um novo "sistema". Mas sim
também à "prática cultural" (simbólica, artística e religiosa),
"transfiguradora" do mundo e criadora de novos sentidos ou,
simplesmente, de um novo "mundo vital".
4. Sim à ação "macro" ou societária (em particular à "ação revolucionária"), aquela que age sobre as estruturas. Mas sim também à ação "micro", local e comunitária ("revolução molecular") como base e ponto de partida do processo estrutural.
5. Sim à articulação das forças sociais sob a forma de "estruturas unificadoras" e centralizadas. Mas sim
também à articulação em "rede", na qual por uma ação decentralizada,
cada nó se torna centro de criação, de iniciativas e de intervenções.
6. Sim à "crítica" dos mecanismos de opressão, à denúncia das injustiças e ao "trabalho do negativo". Mas sim também às propostas "alternativas", às ações positivas que instauram o "novo" e anunciam um futuro diferente.
7. Sim ao "projeto histórico", ao "programa político" concreto que aponta para uma "nova sociedade". Mas sim também às "utopias", aos sonhos da "fantasia criadora", à busca de uma vida diferente, em fim, de "um mundo novo".
8. Sim à "luta", ao trabalho, ao esforço para progredir, sim à seriedade do engajamento. Mas sim também à "gratuidade" assim como se manifesta no jogo, no tempo livre, ou simplesmente, na alegria de viver.
9. Sim ao ideal de ser "cidadão", de ser "militante" e "lutador", sim a quem se entrega, cheio de entusiasmo e coragem, à causa da humanização do mundo. Mas também sim à figura do "animador", do "companheiro", do "amigo", em palavras pobres, sim a quem é rico de humanidade, de liberdade e de amor.
10. Sim a uma concepção "analítica" e científica da sociedade e de suas estruturas econômicas e políticas. Mas sim
também à visão "sistêmica" e "holística"da realidade, vista como
totalidade viva, integrada dialeticamente em suas várias dimensões:
pessoal, de gênero, social, ecológica, planetária, cósmica e
transcendente."
* Teólogo, filósofo e escritor
Paulo Henrique Amorim: o PiG vai morrer no próximo governo
Comentário extraído de uma manchete do UOL com a trepidante informação de que o caseiro não conhecia o contador, mas sabia que o jardineiro passava em frente à casa do padeiro, às 03h57 da manhã:
O
Serra, tenho que ir dormir, trabalho de madrugada. Só dei uma
passadinha aqui pra dizer ao Senhor que acabei de vê-lo na televisão.
Era uma reportagem de outubro de 2009. Dizia que o sigilo do Senhor, de
sua família, do Lula e família também, havia sido violado. É que tá
parecendo que o senhor anda mentindo descaradamente agora, não é não???
Fica mais grave ainda aquela coisa de correr qualquer risco e usar qq
arma para ganhar uma eleição, até usar a filha. Eu vou de Dilma, a vovó
do ano!!!!
O Alexandre se refere a esse vídeo devastador, com a reportagem do SBT sobre o vazamento de 17 milhões de contas na Receita. Veja aí que o Zé Baixaria (José Serra) acha absolutamente normal que, numa esquina da capital do Estado que ele governa, se vendam disquetes com o sigilo dele e da filha. Normal.
(Outra coisa, amigo navegante: por que será que, entre milhões de violações, o vazador — quem será? — só vaze nomes de tucanos amigos do jenio? Que coincidência, não?)
O Conversa Afiada está convencido de que o sigilo é mais um problema do PiG (*) do que do Zé da Baixaria. O Zé, que já foi Pedágio e Alagão, o Zé Baixaria já sabe que o sigilo da filha não ganha a eleição.
Mas, o PiG (*) tem que tentar até o último traque. Dificilmente o PiG (*) resiste a outros quatro anos de governo trabalhista. A Globo, O Globo, a Veja e a Folha (**), nessa ordem, devem estar na linha de tiro do próximo governo.
É óbvio que o próximo governo vai ter que rever a Lei da Radiodifusão, de 1963! É obvio que a não revisão só ajudou a Globo. E a revisão prejudicará a Globo.
Quando Lula assumiu, a Globo, com 50% da audiência, engolia 90% da verba publicitária oficial. Ou seja, o Farol de Alexandria (Fernando Henrique Cardoso) subsidiava a Globo: a Globo levava 90% e entregava 50%. Pode?
Isso já mudou e vai mudar mais. Hoje, com 44% da audiência, a Globo leva 48% da verba oficial. Qualquer redução do market share e a Globo não aguenta manter a programação que tem hoje no ar. Não aguenta comprar filmes. Fazer novelas tão caras. Comprar o Brasileirão e a Copa do Mundo. Fazer o aero-jornalismo para espinafrar o Brasil. A grana não alcança. E a Globo perdeu a capacidade de dialogar com os governos trabalhistas.
A Lei vai mudar e o ambiente comercial também. A Folha (**) só pode estar jurada na boca do sapo. O que a Folha (**) já fez com a Dilma foi inaceitável, num regime democrático. A começar pela ficha policial falsa.
A Veja, a última flor do Fáscio, tem o destino escrito nas estrelas. Será vendida como a Newsweek ou vai virar um produto de finalidade desconhecida, como a Time. Se morrer com honra, ficará no lucro.
Mino Carta acha que a “mídia nativa” será o último bloco de resistência ao governo Dilma. É provável. Que morra na trincheira. Por isso, esse frenesi com o filho do porteiro que foi ao cinema com a irmã do contador e encontrou o pedreiro da agência da Receita em Mauá.
(*) Em nenhuma democracia séria do
mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até
sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que
têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG,
Partido da Imprensa Golpista.
(**) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque
publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista
Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da
investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC
com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um
filho; que avacalha o presidente Lula por causa de um comercial de TV;
que publica artigo sórdido de ex-militante do PT; e que é o que é,
porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.
Fidel aprova medidas de Raúl para reduzir o papel do Estado na economia cubana
Por Thaís Romanelli*
A revista norte-americana The Atlantic publicou nesta
quarta-feira (8/9) uma entrevista com o ex-presidente cubano, Fidel
Castro. Questionado sobre temas polêmicos, o cubano falou sobre o
programa nuclear do Irã, os conflitos no Oriente Médio e a relação com
os Estados Unidos.
Sobre a ilha, Fidel disse que “o modelo cubano já não funciona mais
nem para os próprios cubanos”. Sem rejeitar as ideias da Revolução, o
ex-presidente afirmou que a economia cubana precisa ser estimulada, bem
como vem feito seu irmão e atual presidente da ilha, Raúl Castro.
O jornalista Jeffrey Goldberg, que conduziu a entrevista com Fidel,
consultou Julia Sweig, especialista do Conselho de Relações Exteriores,
em Washington, que considerou as afirmações do cubano como o
reconhecimento do líder de que o Estado cubano tem um grande papel na
vida econômica do país.
Para ela, este consentimento ajudará Raúl a enfrentar os membros do
Partido Comunista que se opõem às medidas que visam reduzir o papel do
Estado na economia de Cuba.
Irã – Questionado sobre o programa nuclear iraniano, Fidel se disse
“preocupado com o futuro do mundo” em virtude de uma possível guerra
nuclear após a aprovação de sanções contra o Irã.
Além disso, o ex-presidente criticou suas próprias atitudes durante a
crise dos mísseis em Cuba, em 1962, quando pediu ao líder soviético
Nikita Kruschev que atacasse os Estados Unidos com armas nucleares caso
fosse preciso.
Fidel, porém, condenou o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad,
por negar o Holocausto. Para ele, o governo iraniano contribuiria para a
paz se tentasse entender porque os israelenses temem por sua
existência.
“Não acredito que alguém tenha sido mais difamado que os judeus.
Diria que muito mais do que os muçulmanos. Foram mais difamados que os
muçulmanos porque são acusados e caluniados por tudo. Ninguém culpa os
muçulmanos de nada”.
*Matéria originalmente publicada no Opera Mundi
Na Europa, ao contrário da América Latina, a política está capturada pela sua dimensão gerencial
Por
isso, não aparece a invenção nem a possibilidade de construir um relato
de emancipação. Não aparece o problema da justiça nem o da igualdade,
porque se supunha que isto estava superado
Está imperdível a
leitura da entrevista do psicanalista argentino Jorge Alemán. Alemán
politiza a psicanálise. Alemán psicanalisa a política. Para ele, é
preciso recuperar a capacidade da política frente a mesmisse da economia
e do mercado unidimensional.
O argentino não
hesita em trazer para a esquerda pensadores que não foram originalmente
de esquerda, tais como Freud, Heidegger e Lacan. Diante do radicalismo
de cada um, pensa ele, é possível aportar novas categorias e linhas
criativas de pensamento e ação à esquerda contemporânea.
Alemán (acima)
quer recuperar, também para a esquerda, a expressão "populismo", na
perspectiva do que não está concertado, do inesperado, da invenção
criativa, daquilo que não resultou de mera conciliação com as
oligarquias. Jorge Alemán afirma que "o populismo é um momento da
soberania".
Quem perder a
leitura desta entrevista de Jorge Alemán é porque comunga da mitologia
urdida pela sra. Lya Fett Luft e de sua reverendíssima, autoridade
intelectual guasca, dom Dadeus Grings. Por isso, fique com Alemán: (Cristovão Feil)
A entrevista completa voce encontrará nesse excelente blog Diario Gauche de Cristóvão Feil
O bode expiatório
Mino Carta
Bom pai José Serra é. Mas basta isso para ser candidato à Presidência
da República? Espantado, ouço estranhas, surpreendentes conversas pelos
locais das horas felizes, os mesmos onde, até há pouco, pouquíssimo
tempo, Serra era apontado como o aspirante “preparado”, concorrente,
imbatível contra Dilma, “a guerrilheira” sem experiência eleitoral.
Dramaticamente despreparada. Pois o tucano, conforme as falas que me
cercam, começa a ganhar as inconfundíveis feições de bode expiatório. De
certa forma, um Dunga da política.
Os cavalheiros e suas damas faiscantes de berloques e pedrarias
buscam uma explicação para o desastre que se esboça. É com melancolia
que tomam seu vinho de rótulo retumbante, a girar o copo em curtas
evoluções aprendidas não sem fadiga psicossomática nos últimos anos.
Aplicados discípulos do up-to-date, substituíram o uísque que os
acompanhava horas a fio até ao jantar, enquanto, na hora do almoço,
surgem de gravata amarela nos restaurantes finos e caríssimos. Salvo
raras e honrosas exceções, entraram na parada com a certeza da vitória.
Seria o seu próprio triunfo, por sobre os escombros de Lula e do
lulismo, perdão, de Lulla e do lullismo. Se a Seleção Canarinho perde, é
por vontade divina, ou porque o técnico errou. E se perde o candidato
Serra, de quem a culpa?
Não faltam os técnicos, ou seja, os marqueteiros, uma corte de
especialistas não se sabe com exatidão em que matéria, tidos, porém,
como indispensáveis nas nossas paragens. Às vezes me pego a imaginar
Roosevelt ou Churchill, ou mesmo Zapatero e a senhora Merkel, que
invocam a presença de peritos à sua volta para instruí-los como diretor
de teatro faz com seus atores.
Os marqueteiros nativos são iguais à mítica fênix. Imortais,
reaparecem sempre porque sempre perdoados. Vai sobrar para o próprio
Serra, não ficou à altura das esperanças. Caiu em incertezas e confusões
que seus eleitores cativos, tão fiéis, tão dedicados, não imaginavam.
Não mereciam. Já está em elaboração a listagem dos erros do candidato
tucano. Demorou demais para anunciar a candidatura. Não soube cativar
Aécio. Imprimiu à campanha direções diversas e até opostas. Etc. etc.
Não é que a mídia não tenha colaborado para a vitória tucana.
Formidável mídia, de tucanagem ampla, geral e irrestrita. Um instituto
de pesquisas, o Datafolha, também participou do esforço. Surgiu ainda a
denúncia, também apelidada de dossiê, a lembrar histórias de aloprados e
mensalões. E nada? Culpa do Serra, dirão os senhores e suas damas. E me
vejo, de improviso, a me compadecer, sinceramente, do futuro, iminente
derrotado, em quem reconheci, e reconheço, muitas qualidades.
O erro de Serra foi ter caído na esparrela urdida por Lula, a do
plebiscito inescapável, sem perceber, além da força dos adversários, a
mudança que o ex-metalúrgico guindado à Presidência acarretou para o
País, acima e além de alguns bons e inegáveis resultados alcançados por
seu governo. A situação, precipitada em grande parte pela identificação
entre a maioria e seu presidente plebeu, digamos assim, acabou por
empurrar Serra para a direita como nesta página foi observado inúmeras
vezes. O ex-presidente da UNE, perseguido pela ditadura, tornou-se
representante de um partido fadado a ocupar o mesmo espaço outrora
preenchido pela UDN velha de guerra.
Sublinhei também que Serra nunca recomendou “esqueçam o que eu
disse”. Mesmo assim, na alternância contraditória das rotas da sua
campanha, o candidato tucano amiúde, e lamentavelmente, permitiu-se tons
udenistas adequados à exposição de ideias idem. Vivêssemos outro tempo,
nada disso importaria, está claro. Empenhada em assustar a minoria
privilegiada, a mídia nativa teve êxito em 1989, 1994 e 1998, contra o
espantalho do Sapo Barbudo. Faz oito anos, contudo, que os argumentos da
chamada elite não logram os resultados de antanho, mas Serra e os seus
eleitores não se deram conta disso até hoje.
Esta incapacidade de compreender um Brasil diverso daquele sonhado,
esta ignorância, é que confere um toque patético à derrota da minoria
privilegiada, dos herdeiros e cultores de um passado que os fez donos do
poder. Não são mais, a despeito da descoberta do vinho servido em
taças, como dizem os maîtres.
Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital.
Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de
Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do
jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde.
redação@cartacapital.com.br
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