Brizola Neto no TIJOLACO
Poucas
coisas são tão terríveis no Brasil quanto o desprezo histórico que a
elite econômica brasileira tem pelo seu povo. Duvido que os empresários
japoneses falem mal de seu povo, ou que os magnatas dos EUA tenham uma
postura de desprezo pelos cidadãos norteamericanos. Bem, aqui, nem é
preciso falar, não é? É “povinho”, quando não acompanhado daquele
adjetivo que Fernando Henrique usou para falar dos aposentados…
Por isso, é muito interessante ler a bela reportagem de Vanessa Adachi, no Valor Econômico
de hoje, descrevendo a palestra de Lula para empresários, num evento
promovido pelo Bank of América em São Paulo. Como o acesso é só para
assinantes, reproduzo alguns trechos:
“Eu nunca votei no Lula e nunca votarei. Mas vim por causa
dele.” Essa era a afirmação mais repetida na noite de quarta-feira em
dezenas de rodinhas formadas por empresários, banqueiros, executivos e
advogados que lotaram o amplo salão da Casa Fasano, templo de festejos
luxuosos da elite paulistana.
Pouco mais de 450 pessoas se espalharam pelo espaço de pé direito
altíssimo e paredes de intrigante transparência, que deixam ver os
aviões que cruzam o céu. O Bank of America Merrill Lynch, um dos maiores
bancos dos Estados Unidos, era o anfitrião da noite e comemorava a
autorização do Banco Central do Brasil para que a instituição passe a
operar como banco múltiplo, ampliando sua atuação no país.
Alexandre Bettamio, presidente do BofA no Brasil, provavelmente
também não votou em Lula em 2002 ou 2006. Mas elegeu o ex-presidente
para ancorar o mais importante evento já realizado pela instituição no
país apostando que seria um grande chamariz. A escolha foi certeira.
Lula tem cobrado cachê de “palestrante global”. No caso, o valor
não confirmado pelos assessores do presidente ou pelo banco, de quase
R$ 200 mil, incluía discurso de 45 minutos seguido de mais meia hora de
“social” pelo salão. O contrato foi cumprido à risca e, talvez
sensível à praxe do setor financeiro, o ex-presidente concedeu um bônus
aos banqueiros e falou por 1 hora e dois minutos. Parte da plateia
nunca havia tido a oportunidade de estar tête-à- tête com o
ex-presidente. Outros queriam vê-lo falar de novo e esperavam “se
divertir” com o discurso bem humorado. Pouco depois das 20 horas o
salão já estava cheio e, por volta das 21h30, quando Lula começou a
falar, o público se aglomerou ao seu redor, abrindo um clarão ao fundo.
Aguentaram firme, em pé, por mais de uma hora. (…)
Lula fez uma palestra sob medida para o público presente. Temas
como a explosão do crédito consignado e o desenvolvimento do mercado de
capitais foram cuidadosamente escolhidos para rechear a fala. Munido
de um discurso oficial de cinco páginas, Lula fez a alegria dos
presentes ao abusar de seus famosos improvisos. “He speaks very well”,
dizia um executivo brasileiro a outro, estrangeiro, no meio do salão.
Arrancou gargalhadas sinceras e mesmo aplausos, em diversos
momentos, ao debochar do que seria o estereótipo da forma de pensar da
elite brasileira. “Tem gente que fala: esse Lula colocou os pobres no
lugar que só nós viajávamos”, afirmou, por exemplo, ao referir-se ao
fato de “os pobres” estarem viajando de avião. Mais tarde, disse que
muita gente começa a falar inglês antes mesmo de sair do aeroporto, só
para mostrar que sabe.
Apelou para a emoção e deixou a plateia silenciosa ao falar do
Programa Luz para Todos e descrever que “quando chega a luz elétrica na
casa de uma pessoa é como se você, num passe de mágica, pegasse uma
pessoa do século 18 e trouxesse para o século 21. É como se fosse a
máquina do tempo.”
Lula queria provar, caso alguém ali ainda tivesse dúvida, que a
política de seu governo fez bem ao empresariado. Já perto das 22h30 e do
fim de sua palestra, quando a audiência se mostrava um pouco cansada
com a longa fala do ex-presidente, ele arrematou: “Eu sei que tem gente
que tem preconceito contra mim. Mas eu desafiaria qualquer um de vocês:
eu duvido que algum empresário já ganhou mais dinheiro nesse país do
que no meu mandato. Duvido que os bancos já tiveram mais lucro nesse
país do que no meu mandato.”(…)
“Ele é muito bom”, “ele é muito inteligente”, “agora dá para
entender [a sua popularidade]“, saíram falando aqueles que nunca
votariam nele.
Das poucas pessoas dentro da Casa Fasano que haviam votado em
Lula, duas copeiras não escondiam a excitação com a presença de seu
ex-presidente. Difícil foi encarar a frustração de não poder vê-lo:
muito profissionais, não abandonaram o posto e ficaram confinadas no
banheiro feminino durante quase toda a noite, prestando assistência às
convidadas.
Pois é. As copeiras (brasileiras) “muito profissionais, não abandonaram o posto”. Quando
os nossos figurões aprenderem que elas também podem dar um pulo no
salão, realizarem seu desejo – nem que seja o de ver Lula de perto,
apenas – e entenderem que aquele que admiram e pagam caro para ouvir
pôde chegar ali e fazer o que fez com o voto delas, não com o deles.