terça-feira, 13 de maio de 2014

13 de maio: viva 20 de novembro! | Revista Fórum Semanal


13 de maio: viva 20 de novembro!





13 de maio: viva 20 de novembro!
 



Este ano, com o filme Doze anos de escravidão,
começou-se a lembrar de um lutador exemplar contra o escravismo no
Brasil, Luiz Gama, que até recentemente era lembrado por poucos. Ele não
foi escravo por doze anos, foram “apenas” oito. Mas sua história é
exemplar

Por Mouzar Benedito

O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”
13 de maio é data boa para se lembrar de outra, 20 de novembro.

A primeira representa a história oficial, a libertação
dos escravos como se fosse uma simples canetada da Princesa Isabel, sem
mais nem menos.
A história oficial do Brasil é cheia dessas coisas. A independência aconteceu com um mero grito, e assim por diante.
Os lutadores preferem, no caso da libertação dos
escravos, ter como data símbolo dessa luta antiescravista, o dia do
assassinato de Zumbi, 20 de novembro. É justo.
Ignora-se as lutas que aconteceram para chegar a uma
determinada conquista. O Brasil ficou independente em 7 de setembro de
1822, e pronto. Felizmente, essas coisas estão sendo revistas. Na Bahia,
não é à toa que 2 de julho aparece com frequência e é comemorado como
dia da “Independência da Bahia”. É que nessa data, em 1823, quase um ano
depois da data oficial da independência, os portugueses que resistiam à
independência brasileira naquele estado, foram definitivamente
derrotados.
No Piauí, a derrota dos portugueses foi concluída em 13
de março de 1823, na Batalha do Jenipapo. O Pará “aderiu” ao Brasil
definitivamente em 15 de agosto de 1823. No Maranhão também, a
independência foi conquista nesse ano.
Mas voltando ao 13 de maio, a data comemorada durante
muito tempo como a da “Libertação dos Escravos” já não é bem aceita.
Para começar foi uma libertação não tão libertária assim. Até nos
Estados Unidos, país que não nos serve de exemplo para muitas coisas, a
libertação dos escravos foi mais correta: cada escravo libertado ganhava
uma mula e um pedaço de terra para tocar a vida. Aqui, foram
simplesmente jogados nas ruas.
Mesmo assim, muitos que lutavam pelo fim da escravidão, como José do Patrocínio, louvaram a Princesa Isabel por isso.
Este ano, com o filme Doze anos de escravidão,
que conta a história de um negro livre sequestrado e vendido como
escravo no sul dos Estados Unidos, começou-se a lembrar de um lutador
exemplar contra o escravismo no Brasil, Luiz Gama, que até recentemente
era lembrado por poucos. Ele não foi escravo por doze anos, foram
“apenas” oito. Mas sua história é exemplar.
Sua mãe, Luíza Mahin, era uma negra livre, retinta,
bonita, lutadora. Pouco se sabe dela, mas participou de todas as
revoltas negras das primeiras décadas do século XIX na Bahia. De origem
nagô, sabia ler e escrever em árabe, e era quituteira, vendia seus
quitutes por toda Salvador. Assim, servia de elo entre revoltosos. Teve
um envolvimento com um homem de família fidalga portuguesa e daí nasceu
Luiz Gama. Quando ocorreu a Sabinada, revolta liderada pelo médico
Francisco Sabino Vieira, em 1837, proclamando a “República Bahiense”,
ela teve papel importante. Com a derrota, muitos militantes foram presos
e mortos. Para não ser pega, deixou o pequeno Luiz, então com 7 anos de
idade, com o pai dele e fugiu para o Rio de Janeiro.
Vendido pelo pai
Até os 10 anos de idade, ele foi bem tratado pelo pai,
que aí se revelou um pulha: para pagar dívidas contraídas em jogos,
vendeu o filho como escravo, para um negociante paulista. Além de ser um
ato extremamente canalha, era totalmente ilegal: não era permitido
escravizar pessoas nascidas de pais livres, e além disso era proibido
levar escravos da Bahia para outros estados, por causa do espírito
revoltoso dos negros baianos. Temiam que eles “contaminassem” escravos
de outros estados.
Pois bem, primeiro em Campinas, depois em São Paulo, foi
escravo até completar 18 anos. Tinha aprendido a ler com um estudante
de Direito que foi morar na casa do seu “senhor” e ensinou os filhos do
próprio escravocrata. Aí, reivindicou a liberdade, mas o “senhor” não
concedeu. Conseguiu a liberdade, não se sabe como, já que em 1891, o
então ministro da Fazenda Rui Barbosa mandou queimar toda a documentação
sobre a escravidão no Brasil, alegando que ela havia sido uma mancha na
história do Brasil. E foi mesmo. Mas o motivo era que ele queria evitar
que antigos donos de escravos reivindicassem indenização com base
nesses papéis que valiam como títulos de propriedade. Por isso, perdemos
registros históricos importantes.
Para não ser perseguido pelo ex-senhor, ele sentou praça
na polícia, mas seu espírito libertário não condizia com a profissão,
acabou expulso. Arrumou trabalho como amanuense (copista de documentos
oficiais – na época não havia outra forma de fazer cópias de
documentos), no gabinete do conselheiro Furtado de Mendonça, que tinha
uma vasta biblioteca jurídica. Luiz Gama leu tudo, passou a entender de
leis mais do que quase todos advogados, e se tornou rábula, quer dizer,
advogado não formado, o que na época era permitido.
E dedicou todo o seu conhecimento à libertação de
escravos, pela via jurídica. Conseguiu desta forma libertar mais de
quinhentas pessoas. E atuava também como jornalista e poeta, tornou-se
um republicano radical, mas descobriu que os republicanos não eram tão
republicanos assim: não aceitavam incluir em suas propostas o fim do
escravismo.
Era sempre ameaçado de morte, mas não vacilava. Ia para
certos locais defender escravos sabendo que podia ser morto, mas ia. Num
júri no interior paulista, defendendo um escravo que matou o senhor que
o maltratava, disse a sentença que provocou um grande rebuliço: “O
escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em
legítima defesa”.
Antônio Bento, líder do movimento Caifazes: esquecido pela história oficial (Domínio público)
Antônio Bento, líder do movimento Caifazes: esquecido pela história oficial (Domínio público)
Radicalizando a luta
 Já perto do fim da vida, começou a reconhecer que sua
luta libertando escravos individualmente, enquanto o fim da escravatura
não vinha, precisava ser radicalizada. Com uma diabetes que se agravava e
limitava seus movimentos, em 1879 passou a achar que seriam necessárias
insurreições como as lideradas por Antônio Bento, outro injustiçado,
esquecido pela história oficial.
Antônio Bento de Souza e Castro era um negro de família
rica, filho de um farmacêutico português. Estudou direito, tornou-se
juiz em Atibaia e abandonou tudo para se dedicar à luta pela libertação
de escravos. Defendia métodos mais radicais do que os de Luiz Gama e
passou a ser chamado de “O fantasma da abolição”. Então, já doente, Luiz
Gama fundou o Centro Abolicionista, com a participação ativa de Antônio
Bento, e em 1882 lançou o jornal Ça Ira!, que tinha forte
participação do escritor Raul Pompeia, autor de um artigo que defendia
claramente o direito do escravo matar seu “senhor”.
Depois veio o Partido Abolicionista e o movimento
Caifazes, liderado por Antônio Bento. Seus militantes iam a fazendas e
estimulavam os escravos a fugirem, com apoio deles. Em alguns casos,
raptavam escravos que tinham medo de fugir e, com apoio de ferroviários
simpatizantes da causa, os levavam (assim como os que fugiam
espontaneamente) para o quilombo do Jabaquara, em Santos, arrumavam
documentação falsa para eles e os mandavam para outras regiões, como
negros livres.
O nome do movimento teve inspiração bíblica. Caifás, no
Evangelho segundo São João, teria dito: “Vós não sabeis, não
compreendeis que convém que um homem morra pelo povo, para que o povo
não pereça?”, antes de entregar Jesus a Pilatos.
Luiz Gama morreu em agosto de 1882, sem ver o fim do
escravismo. Seu enterro foi histórico, o maior ato público visto na
capital paulista até aquela época, com participação de negros libertos,
escravos, intelectuais, escritores, artistas, o povo todo. Até seus
inimigos.
Foi-se o “precursor do abolicionismo”, ficou o “fantasma
da abolição”, Antônio Bento, que continuou sua luta até ser
assassinado. Ah, se eu fosse historiador… Não vi nada até hoje, a não
ser referências vagas, sobre Antônio Bento e os Caifazes. Está aí uma
sugestão.
Foto de capa: retrato de Luiz Gama por Raul Pompéia (Domínio Público)

13 de maio: viva 20 de novembro! | Revista Fórum Semanal


13 de maio: viva 20 de novembro!





13 de maio: viva 20 de novembro!
 



Este ano, com o filme Doze anos de escravidão,
começou-se a lembrar de um lutador exemplar contra o escravismo no
Brasil, Luiz Gama, que até recentemente era lembrado por poucos. Ele não
foi escravo por doze anos, foram “apenas” oito. Mas sua história é
exemplar

Por Mouzar Benedito

O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”
13 de maio é data boa para se lembrar de outra, 20 de novembro.

A primeira representa a história oficial, a libertação
dos escravos como se fosse uma simples canetada da Princesa Isabel, sem
mais nem menos.
A história oficial do Brasil é cheia dessas coisas. A independência aconteceu com um mero grito, e assim por diante.
Os lutadores preferem, no caso da libertação dos
escravos, ter como data símbolo dessa luta antiescravista, o dia do
assassinato de Zumbi, 20 de novembro. É justo.
Ignora-se as lutas que aconteceram para chegar a uma
determinada conquista. O Brasil ficou independente em 7 de setembro de
1822, e pronto. Felizmente, essas coisas estão sendo revistas. Na Bahia,
não é à toa que 2 de julho aparece com frequência e é comemorado como
dia da “Independência da Bahia”. É que nessa data, em 1823, quase um ano
depois da data oficial da independência, os portugueses que resistiam à
independência brasileira naquele estado, foram definitivamente
derrotados.
No Piauí, a derrota dos portugueses foi concluída em 13
de março de 1823, na Batalha do Jenipapo. O Pará “aderiu” ao Brasil
definitivamente em 15 de agosto de 1823. No Maranhão também, a
independência foi conquista nesse ano.
Mas voltando ao 13 de maio, a data comemorada durante
muito tempo como a da “Libertação dos Escravos” já não é bem aceita.
Para começar foi uma libertação não tão libertária assim. Até nos
Estados Unidos, país que não nos serve de exemplo para muitas coisas, a
libertação dos escravos foi mais correta: cada escravo libertado ganhava
uma mula e um pedaço de terra para tocar a vida. Aqui, foram
simplesmente jogados nas ruas.
Mesmo assim, muitos que lutavam pelo fim da escravidão, como José do Patrocínio, louvaram a Princesa Isabel por isso.
Este ano, com o filme Doze anos de escravidão,
que conta a história de um negro livre sequestrado e vendido como
escravo no sul dos Estados Unidos, começou-se a lembrar de um lutador
exemplar contra o escravismo no Brasil, Luiz Gama, que até recentemente
era lembrado por poucos. Ele não foi escravo por doze anos, foram
“apenas” oito. Mas sua história é exemplar.
Sua mãe, Luíza Mahin, era uma negra livre, retinta,
bonita, lutadora. Pouco se sabe dela, mas participou de todas as
revoltas negras das primeiras décadas do século XIX na Bahia. De origem
nagô, sabia ler e escrever em árabe, e era quituteira, vendia seus
quitutes por toda Salvador. Assim, servia de elo entre revoltosos. Teve
um envolvimento com um homem de família fidalga portuguesa e daí nasceu
Luiz Gama. Quando ocorreu a Sabinada, revolta liderada pelo médico
Francisco Sabino Vieira, em 1837, proclamando a “República Bahiense”,
ela teve papel importante. Com a derrota, muitos militantes foram presos
e mortos. Para não ser pega, deixou o pequeno Luiz, então com 7 anos de
idade, com o pai dele e fugiu para o Rio de Janeiro.
Vendido pelo pai
Até os 10 anos de idade, ele foi bem tratado pelo pai,
que aí se revelou um pulha: para pagar dívidas contraídas em jogos,
vendeu o filho como escravo, para um negociante paulista. Além de ser um
ato extremamente canalha, era totalmente ilegal: não era permitido
escravizar pessoas nascidas de pais livres, e além disso era proibido
levar escravos da Bahia para outros estados, por causa do espírito
revoltoso dos negros baianos. Temiam que eles “contaminassem” escravos
de outros estados.
Pois bem, primeiro em Campinas, depois em São Paulo, foi
escravo até completar 18 anos. Tinha aprendido a ler com um estudante
de Direito que foi morar na casa do seu “senhor” e ensinou os filhos do
próprio escravocrata. Aí, reivindicou a liberdade, mas o “senhor” não
concedeu. Conseguiu a liberdade, não se sabe como, já que em 1891, o
então ministro da Fazenda Rui Barbosa mandou queimar toda a documentação
sobre a escravidão no Brasil, alegando que ela havia sido uma mancha na
história do Brasil. E foi mesmo. Mas o motivo era que ele queria evitar
que antigos donos de escravos reivindicassem indenização com base
nesses papéis que valiam como títulos de propriedade. Por isso, perdemos
registros históricos importantes.
Para não ser perseguido pelo ex-senhor, ele sentou praça
na polícia, mas seu espírito libertário não condizia com a profissão,
acabou expulso. Arrumou trabalho como amanuense (copista de documentos
oficiais – na época não havia outra forma de fazer cópias de
documentos), no gabinete do conselheiro Furtado de Mendonça, que tinha
uma vasta biblioteca jurídica. Luiz Gama leu tudo, passou a entender de
leis mais do que quase todos advogados, e se tornou rábula, quer dizer,
advogado não formado, o que na época era permitido.
E dedicou todo o seu conhecimento à libertação de
escravos, pela via jurídica. Conseguiu desta forma libertar mais de
quinhentas pessoas. E atuava também como jornalista e poeta, tornou-se
um republicano radical, mas descobriu que os republicanos não eram tão
republicanos assim: não aceitavam incluir em suas propostas o fim do
escravismo.
Era sempre ameaçado de morte, mas não vacilava. Ia para
certos locais defender escravos sabendo que podia ser morto, mas ia. Num
júri no interior paulista, defendendo um escravo que matou o senhor que
o maltratava, disse a sentença que provocou um grande rebuliço: “O
escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em
legítima defesa”.
Antônio Bento, líder do movimento Caifazes: esquecido pela história oficial (Domínio público)
Antônio Bento, líder do movimento Caifazes: esquecido pela história oficial (Domínio público)
Radicalizando a luta
 Já perto do fim da vida, começou a reconhecer que sua
luta libertando escravos individualmente, enquanto o fim da escravatura
não vinha, precisava ser radicalizada. Com uma diabetes que se agravava e
limitava seus movimentos, em 1879 passou a achar que seriam necessárias
insurreições como as lideradas por Antônio Bento, outro injustiçado,
esquecido pela história oficial.
Antônio Bento de Souza e Castro era um negro de família
rica, filho de um farmacêutico português. Estudou direito, tornou-se
juiz em Atibaia e abandonou tudo para se dedicar à luta pela libertação
de escravos. Defendia métodos mais radicais do que os de Luiz Gama e
passou a ser chamado de “O fantasma da abolição”. Então, já doente, Luiz
Gama fundou o Centro Abolicionista, com a participação ativa de Antônio
Bento, e em 1882 lançou o jornal Ça Ira!, que tinha forte
participação do escritor Raul Pompeia, autor de um artigo que defendia
claramente o direito do escravo matar seu “senhor”.
Depois veio o Partido Abolicionista e o movimento
Caifazes, liderado por Antônio Bento. Seus militantes iam a fazendas e
estimulavam os escravos a fugirem, com apoio deles. Em alguns casos,
raptavam escravos que tinham medo de fugir e, com apoio de ferroviários
simpatizantes da causa, os levavam (assim como os que fugiam
espontaneamente) para o quilombo do Jabaquara, em Santos, arrumavam
documentação falsa para eles e os mandavam para outras regiões, como
negros livres.
O nome do movimento teve inspiração bíblica. Caifás, no
Evangelho segundo São João, teria dito: “Vós não sabeis, não
compreendeis que convém que um homem morra pelo povo, para que o povo
não pereça?”, antes de entregar Jesus a Pilatos.
Luiz Gama morreu em agosto de 1882, sem ver o fim do
escravismo. Seu enterro foi histórico, o maior ato público visto na
capital paulista até aquela época, com participação de negros libertos,
escravos, intelectuais, escritores, artistas, o povo todo. Até seus
inimigos.
Foi-se o “precursor do abolicionismo”, ficou o “fantasma
da abolição”, Antônio Bento, que continuou sua luta até ser
assassinado. Ah, se eu fosse historiador… Não vi nada até hoje, a não
ser referências vagas, sobre Antônio Bento e os Caifazes. Está aí uma
sugestão.
Foto de capa: retrato de Luiz Gama por Raul Pompéia (Domínio Público)

"Se a bandeirinha é bonitinha, que vá posar na Playboy" — CartaCapital






"Se a bandeirinha é bonitinha, que vá posar na Playboy"

A agressão verbal contra a auxiliar Fernanda Uliana
prova que o futebol é o penúltimo reduto da misoginia. O último é o
jornalismo boleiro. Por Matheus Pichonelli

bandeirinha.jpg
"Reportagem" do jornal Extra sobre a bandeirinha Fernanda Uliana
 
O futebol é o penúltimo reduto
da misoginia. O último é o jornalismo boleiro. Misoginia, para quem não
sabe, é a palavra designada pelos gregos para classificar o “horror e a
aversão” a tudo o que é ligado ao feminino e às mulheres.
Essa aversão ganhou ares de alarme após a vitória do Atlético Mineiro
sobre o Cruzeiro no domingo 11. Desde então, nenhum assunto foi mais
comentado no mundo futebolístico do que a existência da bandeirinha
Fernanda Colombo Uliana. Nem mesmo os erros cometidos por ela durante a
partida e referendados por um homem, o árbitro Heber Roberto Lopes,
entre eles um pênalti não marcado e um impedimento inexistente para a
equipe azul celeste. O assunto era outro: a sua simples presença da
bandeirinha em um local sagrado para os homens.


Basta uma simples busca no Google (“bandeirinha gata é clicada em
pose indiscreta”, “conheça a linda e polêmica bandeirinha”) e as
deferências dos ogros do esporte sobre o corpo estranho em um grutão
construído por homens, entre homens e para os homens. “Se ela é
bonitinha, que vá posar na Playboy. No futebol tem que ser boa de
serviço”, chegou a dizer o diretor de futebol do Cruzeiro, Alexandre
Mattos, após o clássico mineiro.


Em sua demonstração pública de misoginia, Mattos se esqueceu de
lembrar que os erros da bandeirinha foram referendados pelo chefe da
arbitragem. Um homem, portanto. Mas, ao fim do jogo, nem Mattos nem
ninguém mandou que Heber Roberto Lopes fosse posar na Playboy. Ou que
fosse consertar motor de carro. Ou plantar


laranja. Faz sentido: quando o árbitro erra, ele é poupado até no
xingamento. A ofensa é direcionada à aleivosia da sua mãe ou à
fidelidade da sua esposa. Nunca a ele (a não ser, claro, que seja
negro).


Pela repercussão, os erros da bandeirinha não colocaram a arbitragem
em xeque, mas sim a capacidade feminina de se instalar em um campo de
domínio masculino. Uma coisa é mulher jogar futebol. Quando isso
acontece, ninguém se comove: os estádios não lotam, a imprensa esportiva
dá de ombros, os patrocinadores fazem pouco caso. Mas uma mulher
arbitrando no quintal masculino é mais que uma concessão: é uma ofensa.
Porque tudo no mundo futebolístico é masculino. Nesse domínio, a regra é
clara: a única seleção capacitada a representar o País é composta por
11 jogadores homens, um treinador homem, auxiliares técnicos homens e
dirigentes homens. Se tiverem sorte, as mulheres poderão atuar como
nutricionistas ou psicólogas.


Na minha vida profissional, tive pelo menos dez mulheres como
superiores diretas. Se para qualquer uma eu respondesse, a cada decisão
contrariada, que ela deveria posar na Playboy, ganharia uma bifa na
cara, uma carta de demissão e um processo na Justiça. No futebol a
relação inexiste porque o esporte quase nunca é pensado para outro
público se não o tiozão sentado no sofá, ou na arquibancada, com uma
lata de cerveja na mão. Porque é construído e transmitido por tiozões.
Basta notar os comentários ao fim dos jogos. Basta reparar nas piadas
dos comentaristas ao lado das apresentadoras-alvo-de-piadas. Basta ver o
esforço das câmeras para pinçar um decote no meio da torcida (se houver
um celular entre o decote, melhor). E basta ver ao fim do jogo as
galerias de “belas da torcida”. Ou a galeria de poses insinuantes à
beira do campo da nova “musa” do esporte.


Em conversas e rodas informais, costumo dizer que o futebol é um
microcosmos da vida comum, e não apenas por assimilar em campo as
práticas que consideramos moralmente valiosas, como a generosidade do
passe, a doação pelo companheiro contundido, o fôlego extra por um
objetivo, a fidelidade dos propósitos e a frieza na hora de tomar uma
decisão (o pênalti, nesse sentido, é a situação-limite que todos os
cineastas buscam levar à tela). Mas é também um microcosmo do nosso
primitivismo. O desembaraço do achincalhe sobre a bandeirinha Fernanda
Uliana é o mesmo que permite agredir mulheres nas ruas e culpar a sua
saia. Segundo essa concepção, Uliana e as mulheres não entram em campo
para trabalhar, mas para aparecer. E as agressões são apenas as reações
naturalizadas de uma mesma ousadia – e não de uma incapacidade ancestral
de conter o verbo ou a agressão.


Ao fundo da fala do dirigente do Cruzeiro é possível visualizar uma
velha cortina: “quem mandou provocar”, “se estivesse em casa não teria
acontecido nada disso”. “Se errou, é porque é mulher”. “Se acertou, é
apesar de ser mulher”. A galeria de poses sensuais de Fernanda em seu
ambiente de trabalho (só para lembrar: os juízes também usam shorts e
deixam parte das coxas à mostra) é o combustível aditivado para a
construção desse discurso.


E é com base nesse discurso que, em nome honra (hombridade?) da sua
torcida e de seu país, o futebol trancafia durante dias os marmanjos
para se preparar para as partidas decisivas. Na concentração é proibido
chegar perto de mulher. E é proibido receber ou promover visitas
íntimas. Maldita maçã envenenada esta de Eva. Não só expulsou os donos
das costelas do paraíso como quer envenenar o último bastião de sua
pureza, essa grande confraria masculina chamada futebol.

domingo, 11 de maio de 2014

Agência Prensa Latina - Castigo a regiões recrudece violência e conflito na Ucrânia

Castigo a regiões recrudece violência e conflito na Ucrânia







  




Imagen activa

Moscou,
10 mai (Prensa Latina)



A confrontação na Ucrânia escalou hoje dimensões
sem precedentes no conflito das autoridades golpistas com regiões do
sudeste do país, depois da fase ativa da operação de castigo, com saldo
de numerosos mortos e feridos.



Após a tragédia em Odessa o 2 de maio último, a cidade de Mariúpol foi
enlutada a véspera pelo ataque do Exército com apoio de tanques, a
Guarda Nacional e esquadrões fascistas de Setor da Direita.


Segundo um preliminar da administração regional de Donetsk, os disparos
indiscriminados contra manifestantes e transeuntes deixaram ao menos
sete mortos e 39 feridos.

O Ministério de Interior de Ucrânia
informou que foram abatidos durante a operação conjunta uns 20
milicianos populares, com duas baixas nas forças de assalto, segundo a
fonte oficial.

Os militares e armados de Setor Direito
dispararam contra civis que marchavam pelo centro dessa cidade, na
região de Donetsk, durante a celebração da vitória contra o fascismo, o 9
de maio de 1945.

Pouco depois, as forças regulares assaltaram
com tanques a sede regional da Polícia, custodiada por agentes locais
que se negaram a reprimir aos civis desarmados.

Durante a
cobertura desses fatos foi ferido no estômago um repórter e produtor, de
23 anos, da agência Ruptly, pertencente ao grupo da corrente
internacional Russia Today, quem encontra-se grave mas estável, segundo
confirmou neste sábado a diretora do canal Margarita Simonyan, através
de seu Twitter.

O ataque de ontem em Mariúpol é o segundo na
semana que conclui, nas tentativas das forças governamentais de retomar o
controle das sedes ocupadas pelos partidários da federação no leste
ucraniano e para sufocar a resistência à junta, em véspera da celebração
do referendo, convocado em todo o território do Donbass, para manhã.


A cidade de Slavyansk, na mesma região de Donetsk, foi epicentro também
de intensos combates durante dias entre as forças regulares e as
milícias de autodefesa que resistem a uma investida do Exército com o
emprego de todo tipo de armamentos, incluídos morteiros, bazucas e,
segundo se denunciou, até com os sistemas múltiplos coheteriles Grad, de
elevado potencial de destruição em massa.

Os defensores da
federação resistem pela segunda semana consecutiva a uma operação a
grande escalada declarada pela junta golpista de Kiev sobre as cidades
de Donetsk, Kramatorsk e Slavyansk, e a um feroz cerco, sem que lhe
permita aos civis abandonar as cidades sitiadas, no meio de uma crise
humanitária.

No entanto, as forças governamentais e esquadrões
de apoio não têm podido sufocar mediante a violência desmedida e sem
precedentes neste país a rebelião no leste ucraniano, nem impedir a
preparação da consulta popular.

O massacre em Odessa o 2 de
maio, com saldo oficial de 46 mortos e mais de 200 feridos, foi
considerada por ativistas e políticos opositores como o "Jatín de
Odessa", análogo à matança nazista nessa aldeia, em Belarús, durante a
Grande Guerra Pátria.

O ex candidato presidencial e outrora
deputado pelo agora opositor partido das Regiões Oleg Tsariov declarou
que a junta quer ocultar as verdadeiras cifras do massacre a fim de
evitar maior comoção e rebeldia na opinião pública ucraniana.


Assegurou que os mortos superam os 116, entre os queimados e arrematados
pelos fascistas de Setor Direito, depois do incêndio intencional da
Casa dos Sindicatos. Para a ativista Tatiana Guiorguieva, o massacre em
sua cidade por grupos fascistas, unido à operação repressiva no leste
com saldo de numerosas vítimas, confirmam o início de uma guerra civil
fratricida em Ucrânia.

Nenhuma dessas mortes podem ser
considerado isoladas ou ocasionas produto de um suposto acidente, pelo
que estamos ante um aberto confronto armado interno, comentou aqui
Guiorguieva a Prensa Latina, consternada pela tragédia em seu país.


O autoproclamado governo de Kiev leva a cabo uma guerra contra o povo
de Donbass, usando todos os meios, incluídos armamentos modernos e
sofisticados, com emprego de forças terrestres e a aviação, declarou, a
sua vez, a esta agência, o sociólogo ucraniano Leonid Ilderkin.

A
junta procura, sublinhou o dirigente da resistência popular em Járkov,
pela via armada e a repressão sufocar os focos de resistência à ditadura
fascista em toda Ucrânia, e não só no este.

Deputados do
parlamento alternativo de Donetsk advertiram em um comunicado à Suprema
Rada (legislativo nacional) que a inflamação da confrontação e a
deterioração da situação por causa das ações militares a grande escala
ameaçam com reverter na Ucrânia o palco para um conflito social de
consequências irreversíveis.

As auto declaradas repúblicas
populares de Donetsk e Lugansk decidiram não adiar a realização do
referendo fixado para o dia 11 deste mês, uma iniciativa proposta nesta
semana pelo presidente russo, Vladimir Putin, com a idéia de contribuir a
um diálogo nacional nesse país.

O referendo de autodeterminação
foi a resposta no leste ucraniano à reticencia de Kiev a negociar uma
reforma constitucional inclusiva dos interesses das regiões e sobre o
status do idioma russo como segunda língua oficial.


sábado, 10 de maio de 2014

ODiario.info » El Salvador: Um baile sem máscaras

El Salvador: Um baile sem máscaras

Dagoberto Gutiérrez

É
impossível ao novo governo da FMLN aparecer como um governo de
esquerda, quando está construindo uma política de direitas e para as
direitas. Politicamente estamos perante uma passagem de testemunho
histórica porque o novo governo exercido pelo partido FMLN aspira a
converter-se no substituto histórico de ARENA como instrumento da
oligarquia e dos Estados Unidos.


Os
dias e as semanas apagaram os fogos das campanhas eleitorais, fizeram
assentar o pó das promessas e o sonho dos candidatos. No fim de contas, a
dura realidade impõe o seu sentido e a sua cor.
O novo governo, dando cumprimento ao clamor de diálogo, negociação e
concórdia, converteu-se na resposta a esse clamor, e aparece como um
governo que, ao contrário do actual, não tem nem terá contradição alguma
com as cúpulas empresariais, nem com a Casa Branca, nem com o Banco
Mundial nem o Fundo Monetário Internacional. Isto converte-o numa
espécie de governo de concórdia, embora na realidade seja a concórdia, o
acordo e a negociação com os já conhecidos poderes conservadores,
imperiais e transnacionais que são precisamente os factores que, de
dentro e de fora do país impedem toda possibilidade de bem-estar social e
de dignidade, bem como de construção de um país que assegure a
humanidade aos seus habitantes.

Todo este processo está a transcorrer sob o olhar dos diferentes
sectores sociais mas, ao contrário do passado, estamos perante uma
espécie de baile sem máscaras, porque ao novo governo é impossível nesta
conjuntura aparecer e parecer como um governo de esquerda, quando está
construindo uma política de direitas, com os sectores de direita e para
as direitas.
A ausência de máscaras é uma boa noticia porque possibilita, por um
lado, a correcção de opiniões ou posições sobre um governo que ao
entender-se como de direita pode provocar uma conduta política diferente
nas personas, e o actual momento pode facilitar isso. Mas também se
abre o momento da degradação naqueles casos que, entendendo a conjuntura
e a real natureza do governo, continuem manipulando a ideia de que se
trata de um governo e de uma política de esquerda. A vida dirá qual
destes dois caminhos se imporá de facto.

A coluna vertebral do novo governo é a figura da Associação para o
Crescimento (APP). É este o coração e a essência governamental. Todos
devemos saber que isto outorga a Washington o controlo do país. Dá às
empresas transnacionais o domínio da economia e o uso de tudo aquilo que
no nosso país se possa chamar recurso. Esta figura significa um
controlo maioritário do mercado sobre a vida política e económica da
sociedade. Toda a possibilidade de uma política ao serviço do país e das
suas maiorias naufraga na entrega da nação às grandes empresas.
Politicamente estamos perante uma passagem de testemunho histórica
porque o novo governo exercido pelo partido FMLN aspira a converter-se
no substituto histórico de ARENA como instrumento da oligarquia e dos
Estados Unidos. De certo modo, a confrontação do partido FMLN com ARENA
tem esta realidade na sua base, ou seja que ARENA perde a sua qualidade
de instrumento e é reduzido a mais um partido de direita, enquanto o
império e a oligarquia dão as boas vindas ao seu novo socio, aliado e
instrumento.
Esta circunstância é testemunhada por toda a actividade empresarial,
pelo trabalho dos seus intelectuais que aconselham o partido de governo
e o novo governo, formando-os e informando-os sobre o que tem de fazer
um governo bom para servir o mercado.
Naturalmente que o novo governo não conta com a vantagem de poder
culpar o Presidente Funes por desacertos ou por condutas antipopulares,
porque agora se trata do governo da FMLN e será este quem degola os
interesses dos pensionistas, quem combate a actividade sindical, quem
trata de impedir toda a resistência social e quem, em última análise,
aumentará a conflitualidade social.
O conflito é um factor permanente da realidade e nenhum ser vivo lhe
é estranho. Mas quando falamos de conflitualidade estamos a referi-nos a
uma situação em que esse conflito não é resolvido, ou sequer abordado
ou reconhecido, mas estala sob a forma de resistência social que busca
defender a vida humana ameaçada e a vida da natureza deteriorada. Nas
actuais circunstâncias é esta a resistência que aumentará, se
desenvolverá, e construirá possibilidades de alternativas.
Isto tem a ver, tal como temos dito, com a alternativa que funciona
sempre no singular e quase nunca no plural, porque esta alternativa não é
nenhuma variante mas a expressão de uma realidade nova, uma ordem nova
que nega e exclui a ordem anterior. E isto é assim porque nestas
circunstâncias para o povo está aberta a tarefa de construir uma
alternativa de país que se levante face ao actual momento em que se
constrói um país anexado, um país submetido ao mercado, entregue às
transnacionais.
E, precisamente, temos de construir um país com vida, com água, que
assegure a comida para os seus habitantes, com ciência e tecnologia, com
democracia participativa, com um lugar na América Central, com harmonia
entre a economia e a natureza. E essa alternativa choca e nega a ordem
actual. Por isso é, precisamente, alternativa. E esta é a tarefa que a
realidade coloca nas nossas mãos e o momento nos exige.

Não há tempo a perder!
La Haine

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Genocídio em Odessa: a Ucrânia que a mídia ocidental não mostra








Genocídio em Odessa: a Ucrânia que a mídia ocidental não mostra




Massacre de Odessa: como a grande mídia
camufla a situação na Ucrânia. 73 anos depois, cidade é o cenário de
outro terrível crime de guerra liderado por fascistas contra civis
inocentes

Eric Draitser / Global Research | Washington


Cidades orientais e ao sul da Ucrânia tornaram-se campos de
batalha enquanto a junta em Kiev enviou assassinos militares e
paramilitares para essas regiões.



fascismo nazismo odessa
Militantes nazi-fascistas do Svoboda atacam sindicatos em Odessa (Divulgação)


Ao mesmo tempo, a mídia, com seu papel crítico de moldar a opinião
pública, também se tornou um dos principais teatros desse conflito,
sendo a propaganda do Ocidente uma das armas mais potentes.
Setenta e três anos atrás, em outubro, o infame “Massacre de Odessa”
de 1941, que matou mais de 30 mil judeus na cidade portuária ucraniana e
nas cercanias, foi encabeçado por tropas fascistas romenas em
colaboração com seus aliados e patrocinadores nazistas. O massacre,
apenas mais um contra judeus e outras minorias na Ucrânia, é um marco
histórico fundamental para as pessoas de Odessa (e para todos aqueles da
antiga União Soviética que lutaram contra o fascismo durante a guerra)
quanto à depravação, à desumanidade e à barbárie por parte dos nazistas e
de seus colaboradores.
E agora, 73 anos depois, Odessa é o cenário de outro terrível crime de
guerra liderado por fascistas contra civis inocentes.
O fogo e o massacre no prédio do sindicato, que matou dezenas de
ativistas antifascistas e trabalhadores do prédio, servirá como um
doloroso testemunho para a luta em andamento entre a junta em Kiev e os
soldados paramilitares neonazistas.
Esse evidente crime de guerra, bem como inúmeros outros cometidos
pelo Right Sector e outras milícias ultranacionalistas (leia-se
“fascistas”), deveria ser, sem dúvidas, o assunto estampado pelas
manchetes em todo o mundo.
No entanto, parece que, de alguma fora, a matança de inocentes, e a
questão da responsabilidade pelos crimes entre quem ordenou e realizou o
massacre, tem sido completa e sistematicamente distorcida e/ou omitida
da narrativa ocidental.
Em vez disso, a grande mídia tentou deliberadamente ocultar a
verdadeira natureza dos eventos daquele dia, bem como dos que foram
conduzidos posteriormente, a fim de atenuar o impacto da evidente, e
totalmente condenatória, criminalidade das milícias fascistas e de seus
líderes e financiadores.
Ao usar uma linguagem sutil e codificada, que deliberadamente
minimiza a barbárie desses eventos e transfere a culpa de Kiev para
Moscou, a grande mídia ocidental mais uma vez atua como um servo
obediente do establishment norte-americano e europeu.
O que eles estão dizendo (e não dizendo)
Ao examinar a forma como foram reportados os eventos em Odessa, além
de outros que ocorreram em outras regiões desde o dia 1º de maio,
observam-se algumas características em comum. Em primeiro lugar, e mais
importante, está a linguagem usada para descrever os grupos
antifascistas, que compõem a maioria das vítimas em Odessa.
Em um miseravelmente desonesto e tendencioso artigo publicado pela
Reuters, intitulado “Ucrânia envia forças policiais especiais para
controlar Odessa”, os autores usam termos críticos, como “separatistas
pró-Rússia” e “militantes” – na realidade, usa-os de forma
intercambiável, de maneira a “rotular” os ativistas como qualquer coisa,
menos ucranianos pacifistas lutando por seus direitos.
Naturalmente, a frase “separatistas pró-Rússia” é totalmente
tendenciosa, por vários motivos. Primeiro, os ativistas antifascistas e
anti-junta militar (que é como eles deveriam ser corretamente
caracterizados) não são separatistas no real sentido da palavra.
Eles não defendem uma separação total, mas têm protestado há semanas
por uma Ucrânia federalizada, na qual os direitos dos russófonos e de
outras minorias seriam respeitados e constitucionalmente garantidos.
massacre odessa
Lágrimas no sepultamento de uma das vítimas do massacre de Odessa (Efe)


Eles estavam reivindicando que seus laços históricos, familiares e
econômicos com a Rússia não deveriam ser cortados à força por um governo
ilegal em Kiev e suas tropas de choque paramilitares. Longe de serem
“separatistas”, esses ativistas – muitos dos quais já foram mortos,
feridos e/ou presos – estão protestando por uma Ucrânia justa e
pacífica, em vez de um governo intimidatório da junta.
É igualmente importante observar o uso da palavra “militantes” para
descrever os ativistas contrários à junta. A implicação de usar tal
designação tem a ver com colocar a culpa dos sérios crimes que foram
cometidos.
Em essência, ao se referir às vítimas dos crimes como “militantes”,
isso justifica a ação do Right Sector e de outros fascistas ao
retratá-la como necessária e justa na luga contra os “militantes
pró-Rússia”. Além disso, chamar os ativistas de militantes é uma
tentativa de separar o governo ilegal de Kiev das óbvias acusações de
crimes de guerra que eles enfrentariam se os porta-vozes da propaganda
midiática realmente reportassem os fatos tais como ocorreram. E, ao usar
tal termo, a mídia está, de fato, dando cobertura política a um regime
criminoso apoiado pelo Ocidente. Evidentemente, isso era de se esperar.
massacre odessa ucrânia
Homem em frente ao prédio onde aconteceu o massacre, um dia depois (Reprodução)


O mesmo artigo da Reuters foca amplamente na ação do Ministro do
Interior da junta, Arsen Avakov, de criar uma nova “unidade de força
especial” para substituir a polícia de Odessa que, de acordo com Avakov,
cometeu um erro “grotesco” ao libertar dezenas de sobreviventes que
estavam sob custódia e foram considerados prisioneiros sem receber
cuidado médico adequado. O texto discute a afirmação de Avakov sobre a
criação da “Kiev-1”, uma unidade especial feita de “’ativistas civis’
que queriam ajudar a cidade do Mar Negro ‘nesses dias difíceis’”.
Naturalmente, não há menção direta a quem, exatamente, fará parte
dessa nova força especial, mas apenas uma referência ao fato de que “as
unidades as quais Avakov surgiram parcialmente da revolta contra
Yanukovich no início deste ano”. Esta é, sem dúvida, uma referência
velada ao Right Sector e a outras forças paramilitares fascistas que, ao
contrário da polícia regular e do exército ucraniano, podem ser
utilizadas por Kiev para cometer crimes de guerra e outras atrocidades
contra quem quer que se pareça com “Moskals” (um termo pejorativo para
designar russos e russófonos).
Outra característica crucial do artigo que serve como propaganda da
agenda do Ocidente é a descrição de eventos que levaram a polícia de
Odessa a libertar dezenas de sobreviventes-que-se-tornaram-prisioneiros.
Os autores do texto descrevem a demonstração pacífica em torno da sede
da polícia reivindicando a libertação de amigos e familiares de maneira
totalmente desonesta. O artigo diz: “A raiva de Kiev na segunda-feira
era por conta da decisão da polícia de Odessa de libertar 67 militantes
pró-Rússia depois que apoiadores cercaram e atacaram uma sede da polícia
[dando ênfase] no domingo”.
Ao descrever o protesto pacífico como um ato em que “se cercou e
atacou”, o leitor tem a impressão de que “separatistas” (também
identificados como “terroristas” e “rebeldes” pelo regime criminoso de
Kiev e por seus financiadores no Ocidente) realmente iniciaram a
violência e o conflito. Naturalmente, embora o oposto seja verdadeiro, a
semente é plantada na consciência pública. Assim os ativistas são
rotulados, como um produto de consumo comum ou uma campanha de relações
públicas.
E assim, o artigo da Reuters é bem-sucedido ao tornar obscura a
natureza da nova força, seu real papel, os crimes cometidos, e a
natureza da oposição. Ao fazer isso, a Reuters, tal como o New York
Times e seus irmãos da grande mídia, disseminam competentemente
informações falsas e desinformações a serviço do sistema imperial
EUA-UE-OTAN.
Na verdade, o aqui citado New York Times, recusando-se a ficar para
trás, publicou o seu próprio altamente tendencioso e propagandístico
texto sobre os eventos em Odessa. Intitulado “Controle ucraniano
enfraquece e caos se dissemina”, o artigo apresenta Kiev e,
especificamente, o primeiro-ministro da junta, Yatsenyuk (escolhido a
dedo pelo Ocidente), como vítimas da traição dos russos, retratando-o
como uma vítima da agressão e provocação russa. Depois de apresentar a
fala inflamatória e cheia de distorções na qual ele culpou as vítimas em
Odessa, referindo-se aos eventos como “resultado de uma bem preparada e
organizada ação contra pessoas, contra a Ucrânia e contra Odessa”, o
repórter do Times continuou com o papagaio de Kiev e com os pontos
elencados por Washington sobre o assunto.
O texto relata que “Yatsenyuk disse que a violência mostrou que a
Rússia queria reacender a agitação em Odessa, bem como nas cidades a
leste da Ucrânia”. Imediatamente após essa citação, que é produto de
boatos, e não uma evidência substancial, o artigo continua a discutir as
“ambições imperiais” da Rússia, tal como evidenciadas pela Crimeia e
pelo conhecido desejo de Putin de reestabelecer a dominação russa sobre a
“Novorossiya” (Nova Rússia). Essa é uma tática padrão de desinformação e
propaganda: criar uma associação na mente do leitor, de forma que uma
relação abstrata (Manifestantes=militantes russos=Putin=imperialismo
russo) se torne a rubrica poe meio da qual todos o desenlace é medido e
entendido.
massacre odessa ucrânia
Nazifascistas que tomaram o poder espalham o caos na Ucrânia e são apoiados por EUA e União Europeia (Divulgação)


Finalmente, o texto do Times tenta ocultar a realidade tanto de
Odessa como da região oriental de Donetsk, que tem sido o centro de
muitas organizações antifascistas e contrárias à junta, incluindo a
declaração da República Popular de Donetsk. O jornalista escreve: “A
violência de sexta-feira e a libertação de prisioneiros no domingo
evidenciou uma distinção entre Odessa e o oriente: nos dois lugares, a
polícia apoiou os rebeldes. Mas aqui, ativistas locais pró-Kiev
constantemente encontram gangues de rua prontas para confrontar o grupo
Novorossiya, e as consequências foram letais na sexta-feira”. Em
essência, o propósito dessa declaração tem quatro lados.
Primeiro, para confirmar a afirmação feita por Yatsenyuk de que as
forças policiais são “criminosas” porque se recusaram a fazer parte da
repressão e da violência direcionada a seus irmãos e irmãs, primos e
vizinhos, desconsiderando por completo o fato de que isso, sem dúvidas,
indica que a maioria da população não quer nem saber da tão mencionada
operação “antiterror” que está sendo conduzida pelas forças de Kiev.
Segundo, a declaração mostra quão tendencioso é o manejo da opinião
pública por parte da grande mídia. O autor desconsidera, sem qualquer
explicação, o fato de que, em cada cidade do sul e do leste, as unidades
da polícia e do exército passaram a ficar do lado dos manifestantes em
vez de obedecer às ordens criminosas vindas de Kiev. Uma reportagem
objetiva evidenciaria esse fato ao demonstrar que a junta em Kiev não
governa com o consentimento das pessoas e que, de fato, trata-se de uma
minoria governando por meio da força, da intimidação e do apoio do
Ocidente. Ao enterrar esse aspecto importante da história, o autor e
seus editores se engajaram em uma propaganda completamente transparente a
serviço do Ocidente.
Terceiro, a declaração ilustra a precariedade ao apresentar a versão
dos fatos alinhada a Washington. Ao usar a frase  “ativistas locais
pró-Kiev”, o texto oculta por completo a verdadeira natureza das forças
que cometeram a atrocidade. Longe de serem “ativistas”, as tais forças
“pró-Kiev” eram, na verdade, grupos nazistas paramilitares, incluindo o
Right Sector, que não apenas provavelmente acendeu a primeira chama, mas
também documentou em vídeo enquanto batia nos sobreviventes com
correntes e cassetetes, negando-lhes cuidado médico de emergência, entre
outros. Mas, ao descrever esses criminosos como ativistas, o Times faz
seu trabalho de servo para Washington e Kiev, estabelecendo uma
estrutura tendenciosa por meio da qual os leitores saberão sobre o
conflito.
Finalmente, a forma como o texto coloca os grupos, como “ativistas
pró-Kiev” contra o “grupo Novorossiya” é uma manobra transparente de
propaganda para, mais uma vez, criar uma falsa dicotomia nas mentes de
leitores mal-informados. As turbas de fascistas são apenas “ativistas”,
ao passo que os manifestantes anti-Kiev são o “grupo Novorossiya,” o que
significa que eles não são assumidamente ucranianos, mas sim agentes do
imperialismo russo. O autor nega propositadamente a ação desses
manifestantes a fim de legitimar as ações criminosas dos fascistas e
deslegitimar os protestos pacíficos da oposição antifascista.
“Desonestidade” pode não ser uma palavra forte o suficiente para
descrever tais ardilosas táticas jornalísticas.
Os terríveis acontecimentos em Odessa, bem como os ataques mortais em
Slovyansk, Kramatorsk e outras cidades orientais, marcam uma virada no
conflito da Ucrânia. Mais do que um simples momento importante, essas
ações criminosas representam um “ponto a partir do qual não há mais
volta”, o momento em que se destruíram quaisquer esperanças de uma
resolução pacífica e não sangrenta para a crise. Apesar da propaganda
serviçal da grande mídia ocidental, o mundo não pode e não deveria
perdoar esses horríveis crimes de guerra. Indo direto ao ponto, eles
deveriam servir como lembrança de que a luta pela Ucrânia tem um preço –
que não poderia ser quantificado em dólares, euros ou rublos. Mas
agora, graças a Kiev, Bruxelas e Washington, o preço será cobrado com
sangue.

O NAZISMO VOLTOU: A Ucrânia que a imprensa não mostra

Assista abaixo a um bate-papo entre Edu Lima (RedeCastorPhoto)
e o DJ (residente em Moscou), mais conhecido como “Mauro BD”. Neste
bate-papo, Mauro revela detalhes que a imprensa-empresa ocidental
esconde dos brasileiros que pagam para ter noticiário e só obtém
PROPAGANDA POLÍTICA neofascista.
Marchas com jovens, crianças e idosos cantando e fazendo a saudação
nazista. Mulheres alegres carregando fotos de líderes nazistas. Civis
sendo agredidos gratuitamente nas ruas. Pessoas rindo ao assistir russos
sendo queimados vivos. Essa é a Ucrânia que Mídia não mostra. Esse é o
governo nazista que Estados Unidos e União Europeia apoiam. Até quando
vão nos esconder a verdade sobre esses genocídios? Assistam:





Contraponto: Franklin Martins fala sobre marco regulatório das comunicaç...

O mito da impunidade no Brasil Juremir Machado da Silva - Correio do Povo | O portal de notícias dos gaúchos

O mito da impunidade no Brasil

 Juremir Machado

O mito é o falso que se torna mais verdadeiro do que a
verdade. Todo mito é hiper-real. É mito, por exemplo, a ideia de que não
pode mais existir um goleador de bigode. O mito transforma a parcela de
verdade de alguma coisa em totalidade indiscutível. Pelé, para certos
brasileiros, é indiscutível. Mito. Assim se faz uma tese ou se conquista
um lugar no panteão dos intelectuais. Um dos mitos mais consolidados é o
de que há impunidade no Brasil. Apesar das cadeias superlotadas, há
quem sustente que todos os males do Brasil não são mais provocados pelas
saúvas, mas pela falta de punição.
Impunidade para quem, cara pálida? Por que cara pálida?
Pelo simples fato de que é preciso mostrar a face descolorida ao sustentar
tamanho absurdo.
Pode não haver punição para a turma dos camarotes. Já a plebe é
punida até por respirar. Fernando Collor foi absolvido pelo Supremo
Tribunal Federal por falta de provas. Antes disso, sofreu a punição da
perda do mandato. Só Lula e Fernando Henrique Cardoso escaparam ileso
dos maiores escândalos dos seus governos, o mensalão e a compra da
emenda da reeleição. O resto do país paga o pato. O recente linchamento
de uma mulher em São Paulo rasga a bandeira do excesso de punição. A
culpa é da mídia sensacionalista que vive falando da falta de punição e
desejando uma justiça mais expedita. Não é a impunidade que incomoda,
mas o ritual jurídico. Há suspeita, é culpado. Para que toda essa
história de provar? Por que só aceitar provas legais?
A mídia tem pressa. Quer baixar a idade penal para colocar crianças
na cadeia. A mídia é medieval. Só acredita no fogo do inferno. Quer
cadeia para tudo. No limite, quer mais do que isso. Flerta com o
linchamento. Nas entrelinhas, estimula a justiça com as próprias mãos.
Detesta a “infinidade” de recursos em favor do acusado. Ignora que a
justiça deve proteger o réu de qualquer condenação mal sustentada. O
povo, como se diz, quer sangue. Certa mídia adora provocar o lado
obscuro da violência do “bem”. Se deixa-la liberar os seus instintos,
não haverá cadeia que chegue. Em termos de perspectiva psicossocial,
essa mídia é comportamentalista. Só acredita em punição e recompensa. É
cenoura e chicote. Nada mais.
Essa tendência ao simplismo conquista a adesão primária. Mas tem seu
preço. O linchamento da mulher em São Paulo coloca essa mídia no banco
dos réus. É aquela que só se contentaria com prisão perpétua, pena de
morte e, por que não?, olho por olho e dente por dente. Estamos
avançando para trás. Se essa mídia triunfar, roubo de galinha dará 30
anos de cadeia. Sem direito à progressão de pena. O populismo midiático,
defensor de sempre mais repressão nas formas mais vingativas, anda na
contramão dos estudos mais especializados.
Colocada diante dessa informação, a mídia defende-se com o seu
tradicional desprezo pelo mundo dos intelectuais fora da realidade.
– Os intelectuais estão descolados da sociedade – diz-se.
Muitas vezes se deve ao fato de os intelectuais estarem mais adiantados.
O sistema punitivo precisa ser reinventado.
O furor repressivo é uma tara de senhor de escravos.
Ou é mito?

terça-feira, 6 de maio de 2014

Big Farma: Como estão sugando seu sangue no preço dos remédios - Viomundo - O que você não vê na mídia

Big Farma: Como estão sugando seu sangue no preço dos remédios


De mãos dadas com o governo norte-americano, grandes laboratórios brigam por mais lucros
29 de abril de 2014



Em janeiro deste ano, o ministro da Saúde da África do Sul, Aaron
Motsoaledi, denunciou: ele estava publicamente irado com a campanha
criada pelos Estados Unidos (um falso “movimento de base” de fato
liderado por interesses monetários) com o objetivo de minar os esforços
do país para reduzir os preços dos remédios através de uma emenda à
legislação das patentes.
Categorizando a trama como sendo de “magnitude satânica” e próxima do
“genocídio”, Motsoaledi bateu nos criadores da campanha, um verdadeiro
quem é quem de empresas farmacêuticas e grupos conservadores e
pró-negócios.
A aliança tripartite responsável pela trama consistia no Public
Affairs Engagement (PAE), uma empresa de relações públicas com base em
Washington DC liderada pelo embaixador norte-americano James Glassman,
que já foi subsecretário de estado para relações públicas no governo
George W. Bush; a Pharmaceutical Research and Manufacturers of American,
ou PhRMA, uma das entidades mais poderosas da indústria farmacêutica; e
um grupo farmacêutico local, Innovative Pharmaceutical Associaton of
South Africa (IPASA).
O grupo tentava persuadir o público da África do Sul de que uma
política de patentes fortes é positiva para os investimentos e que os
problemas da saúde do país são resultado de uma política de saúde
pública falida e não resultado de leis de patentes e preços de remédios.
A versão da política sul sfricana que os grupos tentaram solapar
busca definir de forma mais estrita como as patentes devem ser
concedidas, o que pode sem patenteado e que medidas o governo pode tomar
se as patentes farmacêuticas impactarem negativamente a saúde pública,
um esforço para conter os crescentes custos da saúde.
Com uma classe média crescente, as “doenças dos ricos”, como
diabetes, hipertensão, obesidade, problemas cardíacos e câncer estão
aumentando. Isso, combinado com o alto índice de HIV, tuberculose e
outras doenças historicamente “de pobres”, e somado aos custos das
patentes dos medicamentos, significa que a demanda por remédios está em
alta na África do Sul, mas os preços muitas vezes são inacessivelmente
altos.
O plano era simples: por menos de meio milhão de dólares, pago em boa
parte pela PhRMA, a empresa de relações públicas dos EUA daria apoio ao
esforço da IPASA de barrar a reforma da lei de patentes da África do
Sul, montando um grupo de faixada a ser denominado Forward South Africa e
dirigido a partir de Washington DC. O grupo tentaria convencer o
público da África do Sul de que uma política de patentes fortes é
positiva para os investimentos e que os problemas da saúde do país são
resultado de uma política pública de saúde falida e não resultado de
leis de patentes de preços de remédios.
E mais: a África do Sul está tentando conter os custos enquanto as
empresas farmacêuticas querem uma fatia maior do bolo – com o aumento da
riqueza, leis simpáticas às patentes e uma população mais doente, a
África do Sul parece uma receita deliciosa, um mercado relativamente não
explorado. Se a África do Sul der para trás, não apenas o lucro atual e
futuro pode ser menor dentro do país, mas também, e ainda mais
importante, outras economias emergentes que também exercem apelo para os
laboratórios podem seguir o exemplo, eliminando lucros potencias para
as empresas que têm fome de novos mercados.
É fácil ver como empresas farmacêuticas multinacionais se assustariam
com o potencial das reformas na África do Sul. O país atualmente
oferece proteção às patentes além do que é exigido pela lei
internacional e não revê as patentes depois que são concedidas. Como
resultado, dá milhares de patentes de remédios anualmente e distribui
várias patentes para um remédio, oferecendo uma proteção ao monopólio de
uma única droga por décadas.
Quase todas as patentes farmacêuticas do país são dadas a empresas
multinacionais e o departamento de indústria e comércio do país cita os
remédios como razão-chave do déficit comercial da África do Sul. O país
também é um líder continental no qual outros países da África e países
de renda média se espelham para a adoção de políticas públicas.
As palavras duras de Motsoaledi em reação ao escândalo liderado pela
PAE significa raiva mas não necessariamente um espanto: afinal, o país
já lidou com a interferência dos Estados Unidos e da indústria em sua
política farmacêutica antes.
Em 1988, a administração de Nelson Mandela foi processada por dúzias
de empresas farmacêuticas em reação às tentativas do país de aprovar
pequenas revisões em sua lei de medicamentos (o caso eventualmente foi
abandonado em 2001, depois de anos de pressão popular). A campanha
liderada pelo PAE, que morreu diante de uma gritaria popular, é apenas
mais um exemplo de vários nos quais a indústria farmacêutica dos EUA,
com a ajuda de norte-americanos graúdos conectados ao governo,
pressionam países mais pobres, em guerra com altos índices de doenças,
para garantir que o problema das patentes seja organizado da maneira que
lhes interessa.

Um legado de influência

A batalha sobre os direitos da propriedade intelectual em escala
global é um fenômeno relativamente novo. Antes do fim do século 20, cada
país tinha seu próprio regime de propriedade intelectual: a Índia, por
exemplo, não oferecia proteção aos produtos farmacêuticos, e muitos
outros países, entre eles a África do Sul, ofereciam entre 10 e 20 anos
de proteção às patentes medicinais.
Tudo isso mudou quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) adotou
o Acordo de Propriedade Intelectual (TRIPS), em 1995. O TRIPS trouxe
não apenas uma nova era de proteção da propriedade intelectual – todos
os países membros da OMC são obrigados a dar 20 anos de proteção às
patentes farmacêuticas – mas também uma era na qual os laços do governo
dos EUA com a indústria farmacêutica têm uma camisa de força sobre a
propriedade intelectual na arena internacional.
Susan Sell, professora da Escola Elliot de Relações Internacionais da Universidade George Washington, autora de Private Power, Public Law: The Globalization of Intellectual Property Rights explica
que antes do TRIPS, as empresas dos EUA, preocupadas com o desrespeito
aos seus direitos de propriedade intelectual tinham que contar com a
ajuda das embaixadas dos EUA, que nem sempre ajudavam, ou com a
intervenção da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, que não
tinha os mecanismos para fazer cumprir o respeito a esses direitos.
Na medida em que o governo dos EUA começou a negociar novos acordos
de comércio na segunda metade do século XX, as indústrias nas quais a
propriedade intelectual têm peso passaram a ver o comércio exterior –
historicamente separado das questões de propriedade intelectual – como
uma nova via através da qual poderiam defender seus interesses. Através
de uma série de campanhas internas, a propriedade intelectual se tornou
parte das negociações de comércio dos EUA; o governo dos EUA, em
particular a administração de Ronald Reagan, foi convencido de que a
decadência da manufatura norte-americana deveria ser substituída por
outras indústrias e que aquelas nas quais as patentes têm peso poderiam
ajudar a catar os cacos.
Enquanto isso, o Office of the United States Trade Representative
(USTR), responsável pelas negociações internacionais de comércio em nome
do governo dos EUA, foi fortalecido em parte por conta do lobby bem
sucedido do setor de propriedade intelectual. “(As indústrias de PI)
fizeram lobby pelo incremento de recursos para o USTR”, diz Sell. Em
resposta, o escritório “defende as propostas deles”.
No fim do século XX, as regras do comércio internacional passaram por
uma série massiva de mudanças, e as indústrias de PI, agora bem
próximas do USTR, novamente viram uma oportunidade.
Organizadas em uma coalização chamada Comitê de Propriedade
Intelectual, e originalmente liderada por John Opel da IBM e Edmond
Pratt da Pfizer, as indústrias norte-americanas de peso, baseadas em PI,
começaram uma campanha sobre o governo para incluir a PI nas
negociações em andamento no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT)
(que depois seria substituído pelo do OMC, mais forte).
Aliando-se a indústrias da Europa e do Japão, o guarda-chuva da PI
redigiu um documento trilateral listando o que queria ver em um acordo
internacional de PI, uma lista de desejos que a Câmara de Comércio
norte-americana defendeu em negociações domésticas e internacionais com a
promessa de novos acessos ao mercado norte-americano e a ameaça de
sanções se os países não aceitassem.
“Esse documento trilateral se tornou muito importante, e muito do que
está no TRIPS saiu direto dali”, nota Sell. “Era o rascunho de um
tratado; incluía o que devia haver nos capítulos, o que deveria estar
ali. O (governo do EUA) praticamente aceitou essa análise do setor
privado como fato que deveria ser incluído internacionalmente”.
O TRIPS entrou em vigor em 1995. Sob os auspícios da OMT, que também
nasceu em 1995, o acordo é notável não só por tornar homogêneas as
fortes regras de propriedade intelectual em todo o planeta, mas também
porque é obrigatório; a OMC pode impor sanções contra os membros que não
o adotarem.

Os países de renda média reagem

O TRIPS foi assinado justamente quando a epidemia de HIV explodiu, um
cenário que ofereceu uma fresta para se ver porque a África do Sul – e
outros países de renda média que enfrentam grandes problemas por causa
do HIV – têm consciência do impacto que a propriedade intelectual pode
ter sobre os preços dos remédios.
Quando o tratamento para HIV apareceu, a primeira linha de
anti-retrovirais, que a maioria dos portadores do HIV tomou, era
patenteada e custava US$ 10.000,00 por ano – um preço fora de alcance
não somente para a maioria da população da África, mas para muitos nos
Estados Unidos também. A horrenda taxa de mortalidade da epidemia
somente começou a declinar quando remédios genéricos para o tratamento
do HIV se tornaram disponíveis, resultado de brigas na justiça,
campanhas internacionais e globais de conscientização a respeito da
injustiça da enorme taxa de mortalidade diante dos preços exorbitantes
dos remédios.
Em 2010, o custo do tratamento com a primeira linha de
anti-retrovirais, agora disponíveis como genéricos, custava US$ 100,00
por ano.
O TRIPS permite algumas variações nas leis de remédios do país,
incluindo a permissão para que cada país determine exigências-chave do
que é patenteável e o uso de licenças compulsórias, donde um governo
pode anular a patente. Diante da epidemia de HIV, alguns países estão
formulando suas políticas de propriedade intelectual para usar a chamada
“flexibilidade do TRIPS” para prevenir outra catástrofe.
O Brasil propôs recentemente reformas na propriedade intelectual que
vão garantir que novas versões de antigos remédios não sejam
re-patenteados, e que o uso de licenças compulsórias se torne mais
fácil.
Em 2012, a China também emendou sua lei para permitir o licenciamento compulsório.
A Índia é o mais ousado de todos: enquanto a África do Sul – assim
como Estados Unidos e Europa – permite o re-patenteamento de produtos
antigos sob novas formas e indicações, a lei da Índia limita isso
expressamente. Por isso a Índia pode anular a patente da Novartis para o
remédio para câncer Gleevec. O resultado é chocante: enquanto o
tratamento com a droga custa aproximadamente US$ 70.000,00 por ano nos
Estados Unidos, em 2013, na Índia, a versão genérica sai por cinco por
cento desse preço. Em 2012, a Índia também aprovou uma licença
compulsória do remédio para câncer sorafenib, chamado de Nexavar pela
companhia farmacêutica Bayer. A empresa indiana Natco agora vende o
remédio por menos de US$ 200,00 por mês, enquanto o preço mensal do
remédio da Bayer é de US$ 5.600,00.
Os países que estão adotando as medidas mais agressivas para mudar
suas leis de propriedade intelectual são também os mais lucrativos para a
indústria farmacêutica. Enquanto as empresas descem a ladeira do sempre
discutido penhasco da patente – no qual as patentes de algumas das
grandes máquinas de dinheiro da indústria expiram – as empresas
farmacêuticas buscam mercados ainda virgens.
Países de renda média, que tem um número crescente de pessoas com
renda em expansão, seguro de saúde e doenças dos ricos e pobres – como
Brasil, China, Índia e África do Sul – foram rotulados países
“pharmamerging” (poderia ser traduzido como emergentes farmacêuticos)
por seu potencial lucrativo para o setor farmacêutico. Apesar dos
mercados emergentes terem representado apenas 10% dos gastos globais das
farmacêuticas em 2013, espera-se uma exposição de 30% até 2016.
A indústria farmacêutica não tem sido muito sutil a respeito de suas
esperanças de expansão nos mercados fora dos Estados Unidos e da Europa:
William Looney, editor chefe da revista Pharmaceutical Executive e
ex-diretor da Pfizer, descreveu os sentimentos das farmacêuticas em um
artigo de 2013:
“Você tem um bom número de reguladores e consumidores rabugentos,
conscientes dos preços e avessos a risco? Considere as vastas
oportunidades em países com infraestrutura de saúde subdesenvolvida, uma
grande sistema de pagamento à vista e sem exigências de negociação para
acesso”.
“Você está enfrentando a perda de exclusividade em campeões de venda?
Preencha a lacuna com genéricos de alta margem de lucro que se
beneficiam de posições de mercado privilegiadas e proteções locais à
indústria ainda em fase infantil”.
“Muitos consumidores exaustos e descrentes dos remédios ‘prá mim
também’? Atinja os bilhões de aspirantes a consumidores de saúde de
classe média na Ásia, na África e na América Latina, todos com doenças
crônicas não tratadas”.
Preocupadas com os precedentes que as emendas às lei nacionais de
propriedade intelectual poderiam criar internacionalmente e com a perdas
de lucros potenciais em países “pharmamerging”, as empresas
farmacêuticas estão tentando reagir – e o governo dos EUA está ajudando a
fazer o trabalho.
Todo ano, o USTR publica a “lista especial 301”, essencialmente uma
versão do governo norte-americano da lista dos meninos travessos de
Papai Noel. Nela, o USTR, que conta com pesada contribuição da
indústria, destaca os países cujas leis de propriedade intelectual e
ações são consideradas ameaças à indústria dos EUA; aqueles considerados
mau comportados podem ser ameaçados com sanções comerciais, mesmo se
suas ações forem consideradas legais pelo TRIPS.
Brasil, Índia e África do Sul enfrentaram essa ira; este ano, diante
da iminência da licença compulsória e do caso da Novartis, PhRMA e
outros grupos de indústrias recomendaram que a Índia seja incluída na
lista, ou seja, é o país mais passível de sofrer sanções comerciais.
A pressão aberta é em geral combinada com o lobby nos bastidores.
Veja o caso do Equador: em 2009, o Presidente Rafael Correa pediu que o
país incluísse provisões da licença compulsória em sua legislação, como o
TRIPS permite.
Documentos divulgados pelo Wikileaks em 2011 mostram a pressão
exercida pelo embaixador americano sobre o ministro das Relaçoes
Exteriores do Equador, com o governo dos EUA sugerindo que a adoção das
medidas ameaçaria a possibilidade de o Equador fechar acordos
comerciais.
Os documentos também mostram que a embaixada norte-americana manteve
vários encontros com as empresas farmacêuticas multinacionais para
discutir as medidas, além de ter se encontrado com oficiais do governo
equatoriano para discutir o assunto. Apesar da pressão, o Equador adotou
sua primeira licença compulsória – um remédio para HIV – em 2010.
Pressão e retaliação também podem ser feitas de formas mais vis.
Em 2006, o Dr. William Aldis, representante da Organização Mundial da
Saúde (MS) na Tailândia, escreveu um artigo publicado em um jornal de
alcance nacional alertando o país a respeito das medidas incluídas
naquele momento ainda como propostas (hoje descartadas) no Tratado de
Livre Comércio EUA-Tailândia que dificultariam o acesso a remédios.
Em seu artigo Aldis destacou o papel essencial que os genéricos
desempenharam no combate à epidemia de HVI no país (o país expediu
licenças compulsórias para remédios chave contra HIV permitindo a
produção de versões genéricas de remédios patenteados, uma decisão que
resultou na inclusão do país na ‘lista Especial 301′ várias vezes).
Poucos meses depois da publicação do artigo, Aldis foi removido de sua
posição pelo diretor geral da OMS; ele serviu apenas um quarto de seu
mandato de quatro anos. O Asia Times Online descobriu
que a pressão do lobby norte-americano estava por trás da remoção, e que
representantes do governo tiveram encontros privados com o
diretor-geral da OMS e escreveram para ele dias antes da remoção de
Aldis.

Estados Unidos e indústria na ofensiva

A indústria farmacêutica, de mãos dadas com o governo
norte-americano, também está na ofensiva. Utilizando acordos comerciais,
o governo dos EUA está forçando outros países a adotar proteções cada
vez mais rígidas de propriedade intelectual além do exigido pelo TRIPS.
O Acordo de Comércio Trans Pacífico, ou TPP, oferece excelente
exemplo das provisões “TRIPS plus” incluídas nos acordos de comércio.
Atualmente sendo negociado com 12 países, as primeiras versões do TPP
incluíam “algumas das piores provisões de propriedade intelectual em
relação ao acesso a remédios” que Judit Rius Sanjuan, administradora e
conselheira de políticas legais do Médicos Sem Fronteiras, jamais viu e
chamou de “uma lista dos desejos da indústria farmacêutica”.
Os primeiros textos do TPP exigiam, entre outras coisas, que os
países signatários explicitamente tornassem ilegal a linguagem adotada
na Índia que limita novas patentes para remédios antigos; que as
empresas possam processar diretamente os governos cujas políticas as
empresas acharem que estão infringindo seus investimentos; e que as
empresas ofereçam 12 anos de dados exclusivamente biológicos – o que
pode estender o direito de monopólio sobre um produto.
As primeiras propostas também limitavam a habilidade dos países em
negociar preços de remédios. Em troca do incremento da proteção da
propriedade intelectual os Estados Unidos ofereceram maior acesso ao
mercado norte-americano, particularmente aos produtos agrícolas.
Peter Maybarduk, diretor do programa de Acesso Global à Medicina da
organização Public Citizen, diz que é notável que “as regras globais
(através do TRIPS) foram em parte desenhadas pela e para a Grande Farma,
e hoje a Grande Farma reclama que essas regras não respondem
suficientemente às suas necessidades”. Como Sell notou, o TRIPS se
tornou o patamar mínimo e não o teto.
O TPP foi negociado em segredo, com os que estavam foram do USTR
virtualmente impossibilitados de conseguir uma cópia do texto inicial;
mesmo algumas pessoas do governo dos EUA estavam às cegas com relação
aos pontos específicos das negociações.
Através do anos em que o TPP vem sendo negociado, San Ruis se
encontrou com membros do Congresso para discutir as preocupações do
grupo com as provisões de PI. Um, que pediu para se manter anônimo por
causa da delicadeza das negociações, destacou, “em geral, nós dizíamos a
eles que o que estávamos ouvindo estava no texto, e eles diziam ‘não
fazia ideia!’, Nem eles tinham acesso”.
Sell também notou que este segredo se deve, em parte, ao lobby da
indústria para fortalecer e isolar o USTR. “É a única agência que não se
submete aos pedidos do Ato de Liberdade de Informação. Não se submete
ao mesmo tipo de fiscalização e prestação de contas a que quase todas as
agências têm que se submeter. Nós não temos regras para negociações
internacionais de comércio como temos para outras áreas do governo does
EUA”, diz ela.
As indústrias de PI, por outro lado, têm acesso aos textos secretos. Em 2013, o Washington Post
notou que uma meia dúzia de representantes da indústria, mas nem um
grupo da sociedade civil, se sentou no comitê consultor da indústria de
comércio (ITACs) do USTR.
O Post notou que “o assento no ITACs dá acesso à informação
confidencial sobre as posições negociadas pelos Estados Unidos que não
estão disponíveis para o público… Quando o USTR quer conselho técnico
para transpor a lei norte-americana em lei internacional, ele
naturalmente busca os representantes da indústria no ITACs”.
O USTR também prontamente marca reuniões com a indústria, enquanto
grupos da sociedade civil têm que brigar muito para participar das
discussões com o órgão; discussões em  geral às cegas, já que o público
não tem acesso às provisões que estão sendo discutidas em acordos
comerciais em momento algum. Os documentos do Wikileaks sobre o capítulo
de PI do TPP, divulgado no fim do ano passado, mostra que 600
representantes da indústria farmacêutica foram convidados a participar
das discussões sobre o acordo comercial.
Além disso, a PhRMA e outros grupos de empresas fizeram lobby pesado
desde os primeiros dias de negociação do TPP. A Fundação Sunlight relata
que de 2009 a 2013, empresas de remédios e associações farmacêuticas
mencionaram o TPP em 251 relatórios de lobby separados.
Os relatórios de lobby da indústria farmacêutica mencionam o TPP mais
do que qualquer outra indústria (estes são divulgados voluntariamente, e
a análise da Sunlight inclui apenas os documentos nos quais o TPP é
mencionado. Ela pode, então, subestimar os esforços de lobby da
indústria no acordo). De todos os representantes e empresas
farmacêuticas envolvidos, a análise da Fundação Sunlight mostra que a
PhRMA foi a que fez a campanha mais intensa.

Cansado

As coisas podem estar mudando. Além do aumento da conscientização do
público em lugares como Índia, Brasil e África do Sul, os
norte-americanos estão mais e mais preocupados com os custos dos
remédios.
As dívidas médicas atualmente lideram os motivos de falências nos
Estados Unidos, e novas “especialidades médicas”, como para câncer,
diabetes e hepatite, são em parte responsáveis pelo aumento do preço dos
remédios.
Os preços dos remédios vendidos com prescrição aumentaram 5,4% no ano
passado, e enquanto “drogas especiais” representam apenas 1% das
prescrições, elas são 28% de todo o gasto com produtos farmacêuticos
(apenas o preço dos remédios para câncer aumentou 24,1% no ano passado).
Steve Miller, médico chefe do Express Scripts, a maior administradora
dos Estados Unidos de benefícios farmacêuticos, disse ao Wall Street Journal, “a atual mentalidade de preços de produtos inovadores não tem precedentes e não é razoável”.
Um remédio em particular – Sovaldi, patenteado pela Gilead e usado no
tratamento da hepatite C – custa US$ 84.000,00 for um período de 12
semanas, preço que Miller considera “insustentável”.
Em boa parte pro conta do alto preço da droga, a Express Scripts
espera que o custo da hepatite C aumente 102% este ano. A droga deve
faturar US$ 16 bilhões em vendas somente em 2016, e metade do atual
valor de mercado da Gilead, de US$ 1237 bilhões, é resultado das grandes
expectativas em torno da droga. O CEO da empresa, John Martin, tem um
salário líquido de US$ 1,2 bilhão. A Gilead comprou o Sovaldi da
Pharmasset Inc, em 2012, por US$ 11 bilhões.
Assim como eles fizeram internacionalmente, os esforços de lobby
farmacêutico também impactaram os preços dos remédios domesticamente.
Veja o tão divulgado acordo entre a Casa Branca e a PhRMA com relação ao
Obamacare. Em troca da oferta da indústria farmacêutica de reduzir os
custos com remédios em US$ 80 milhões ao longo de uma década e gastar
dezenas de milhões de dólares para angariar o apoio popular à Lei
Affordable Care (notadamente feito em parte através de dois grupos), a
administração Obama não brigou por proposta-chave que reduziriam os
preços farmacêuticos nos Estados Unidos.
E não se trata apenas de política doméstica, o que acontece
internacionalmente afeta o que acontece em casa. Ao brigar por 12 anos
de exclusividade sobre os dados biológicos dentro do TPP, o governo dos
Estados Unidos minou os esforços do presidente Obama para reduzir este
período, domesticamente, para sete anos (os Estados Unidos, como
qualquer outro signatário, seria obrigado a acatar a provisão incluída
no acordo final).
“Você vê um setor de política no qual as regras não estão sendo
escritas e as práticas não estão sendo determinadas de acordo com a
lógica e o interesse público”, reflete Maybarduk. “Não existe nenhum
grande cálculo sendo vislumbrado a respeito da maneira certa para
promover inovação e acesso… Isso é simplesmente dirigido por lobistas
com exceções ocasionais, quando defensores da saúde conseguem um
espaço”.
A conscientização pública a respeito dessas tramoias produziu ódio
popular. Os documentos sobre o TPP divulgados pelo Wikileaks no ano
passado deram uma pequena mostra de quão danoso o acordo pode ser, e
quanto não transparente o processo tem sido. Em março deste ano, 16
membros do congresso escreveram ao USTR listando preocupação com o
quanto o acesso aos remédios pode ser impactado pelo acordo; até o
Vaticano expressou preocupação com as medidas de PI do acordo.
Organizações da sociedade civil e professores de direito pediram mais
transparência no processo.
Em novembro, 151 democratas escreveram a Obama dizendo que não vão
apoiar o “fast-tracking” do TPP (o fast-tracking essencialmente tiraria o
Congresso do processo permitindo a ele apenas aceitar ou rejeitar o
acordo final sem nenhuma fiscalização das negociações). Grupos
preocupados com a liberdade de informação, liberdade na internet,
proteção do consumidor e de empregos norte-americanos estão se unindo
com os grupos preocupados com o acesso à medicina, destacando propostas
danosas em todas as frentes. Com a continuação das negociações, grupos
de acesso aos remédios têm esperanças de que a pressão popular e o
escrutínio ajudarão a remover ao menos as provisões mais danosas.
Sell espera que as discussões dentro dos Estados Unidos a respeito do
preço dos remédios e o acesso ao sistema de saúde leve algum juízo à
administração Obama, que Maybarduk nota ser “até mais agressiva do que a
de Bush” em seus esforços para ampliar a proteção da propriedade
intelectual internacionalmente.
“Eu acho realmente esquisito que Obama queira que sua marca seja o
serviço de saúde acessível, e no exterior estamos forçando essas
coisas”, nota Sell. “Existe uma desconexão realmente profunda entre
nossa política externa e as conversas que estamos tendo em casa e (as
empresas farmacêuticas) estão tentando manter este modelo de negócios
que já não funciona. Por que estamos agressivamente exportando essa
política que questionamos mais e mais aqui em casa?”.