terça-feira, 1 de abril de 2008

Carol Saboya - Sessão Passatempo (2000)




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Para não esquecer....

44 anos do Golpe de Abril


Passados 44 anos, na data de hoje – coincidindo com o dia em que o imaginário popular consagra ao “dia da mentira” –, era rompida a legalidade democrática instituída no Brasil com a Carta de 1946.


Por Caio Navarro de Toledo*



Diante da questão – golpe ou revolução –, caberia lembrar as palavras de um eminente protagonista dos idos de abril. Num depoimento, em 1981, Ernesto Geisel, que por cinco anos foi presidente na ditadura militar (1974-1979), declarou: “o que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções se fazem por uma idéia, em favor de uma doutrina”. Para o vitorioso de abril, o movimento se fez contra Goulart, contra a corrupção, contra a subversão. Estritamente falando, afirmou o general, o movimento liderado pelas Forças Armadas não era a favor da construção de algo novo no país.


Embora lúcidas – na medida em que rejeitam a noção de Revolução –, as formulações do ex-ditador podem ser objeto de uma contraleitura. É possível, pois, ressignificar todos os contras presentes no depoimento do militar brasileiro. Mais apropriado seria então afirmar que 1964 representou um golpe contra a incipiente democracia política brasileira; um movimento contra as reformas sociais e políticas; uma ação repressiva contra a politização das organizações dos trabalhadores e do rico debate ideológico e cultural que estava em curso no país.


Em síntese, no pré-64, as classes dominantes e seus aparelhos repressivos e ideológicos – diante das legítimas iniciativas e reivindicações dos trabalhadores (no campo e na cidade) e de setores das classes médias –, apenas vislumbravam “crise de autoridade”, “subversão da lei e da ordem”, “quebra da disciplina e da hierarquia” e “comunização” do país. Por vezes, expressas de forma altissonante e retórica, tais demandas, em sua substância, reivindicavam o alargamento da democracia política e a realização de reformas do capitalismo brasileiro.


Em toda nossa história republicana, o golpe contra as frágeis instituições políticas do país se constituiu em ameaça permanente. O fantasma do golpe rondou, em especial, os governos democráticos no pós-1946 e, com maior intensidade, a partir dos anos 1960. Pode ser dito que o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o espectro do golpe de Estado. Em abril de 1964, o golpe – permanentemente reivindicado por setores da sociedade civil – foi, então, definitivamente vitorioso.


O golpe paralisou um rico e amplo debate político, ideológico e cultural que se processava em órgãos governamentais, partidos políticos, associações de classe, entidades culturais, revistas especializadas (ou não), jornais etc. Nos anos 1960, conservadores, liberais, nacionalistas, socialistas e comunistas formulavam publicamente suas propostas e se mobilizavam politicamente para defender seus projetos sociais e econômicos.


Se o governo Goulart e as forças progressistas tiveram alguma parcela de responsabilidade pelo agravamento da crise política no pré-1964, deve-se, contudo, enfatizar que quem planejou e desencadeou o golpe contra a democracia foram as classes dominantes* – apoiadas por setores médios e incentivadas por órgãos governamentais norte-americanos (Embaixada dos EUA, Departamento de Estado, Pentágono e outras agências de segurança) – e facções duras das Forças Armadas brasileiras, representadas pela alta oficialidade.


Destruindo as organizações políticas e reprimindo os movimentos sociais de esquerda e progressistas, o golpe foi saudado pelas classes dominantes e seus ideólogos, civis e militares, como uma autêntica Revolução – com a virtude maior de ter sido um movimento que, de forma “pacífica”, derrotou a “subversão comunista” e a “iminente” ameaça do socialismo...


Aliviadas por não terem de se envolver militarmente no país, as autoridades norte-americanas, de imediato, congratularam-se com os militares e políticos brasileiros pela “solução” que encontraram na superação da “crise política” vivida pelo país. Uma nova (e grandiosa) Cuba ao sul do Equador, era, assim evitada, avaliou a administração do presidente norte-americano Lyndon Johnson.


O governo João Goulart ruiu como um castelo de areia. As classes populares e trabalhadoras estiveram ausentes das manifestações e passeatas – lideradas por segmentos das classes médias e financiadas pelo empresariado – que, em algumas capitais do país, pediam a destituição de Goulart. Revelavam, inclusive, certa simpatia pelo governo reformista de Jango; no entanto, nada fizeram para evitar a sua derrubada em abril de 1964.


As forças políticas de esquerda que afirmavam representar os trabalhadores e os setores populares nenhuma ação significativa desenvolveram para impedir o golpe político-militar. Como bem se sabe, o golpe de 1964 não foi um raio em céu azul pois, desde agosto de 1961 (com o fracasso do veto à posse de Goulart após a renúncia de Jânio Quadros), era ostensiva a conspiração da direita civil e militar


Desarmadas, desorganizadas e fragmentadas, as forças progressistas e de esquerda nenhuma resistência ofereceram aos golpistas. Alegando que não queria assistir uma “guerra civil” no país, Goulart negou-se a atender alguns apelos de oficiais legalistas no sentido de ordenar uma ação repressiva – de caráter meramente intimidatório – contra as frágeis forças sediciosas que vinham de Minas, comandadas pelo obscuro General Mourão Filho. Preferiu o exílio, não o enfrentamento político contra seus adversários.


No calor da hora, algumas lideranças de esquerda afirmavam que os golpistas, caso ousassem quebrar a ordem constitucional, teriam suas “cabeças cortadas”. Era, pois, uma metáfora. Com a ação dos “vitoriosos do abril”, esta expressão se tornou uma dura e cruel realidade para muitos homens e mulheres, vítimas da ditadura militar que sobreviveu durante 20 anos.


As forças políticas e sociais, hoje comprometidas com o aprofundamento da democracia política e com a realização de reformas sociais e econômicas no capitalismo brasileiro não devem se silenciar sobre este evento que marcou a história política brasileira. Passados 44 anos, nada há, pois, a comemorar. Ao contrário, devemos sempre relembrar: Ditadura, nunca mais!


* Professor colaborador da Unicamp, autor de O governo Goulart e o golpe de 1964, Editora Brasiliense e 1964: visões críticas do golpe (org.), Editora Unicamp; fonte: www.pt.org.br


* Em escritos recentes, alguns historiadores têm afirmado que, no pré-1964, setores da esquerda – por “não morrerem de amores pela democracia”– também tinham projetos golpistas. Não fornecem, contudo, evidências para demonstrar esta hipótese. Fornecem, sim, argumentos para que se fortaleça a idéia de que o golpe de 1964 teria sido um contragolpe preventivo. Certamente, a direita brasileira não pode senão manifestar sua satisfação com estas infundadas insinuações – expostas, publicamente, por ocasião dos eventos ocorridos em 2004 (seminário, artigos, entrevistas etc) por alguns historiadores e cientistas políticos progressistas.





segunda-feira, 31 de março de 2008

"As dinastias midiáticas"

Emir Sader

Na imprensa brasileira mandam as dinastias estamentais. Os pais proprietários entregam a direção dos jornais, das revistas, das rádios e das televisões – das suas empresas – aos seus filhos, que repassam para os netos, perseverando todos no direito que se auto-atribuíram de decidir quem é e quem não é democrático, quem fala e quem não fala em nome da nação



Assim tem sido ao longo de toda a história da imprensa no Brasil. No momento mais decisivo da história do século 20, em 1964, essas dinastias pregaram e apoiaram o golpe militar, assim como a instalação de uma longa ditadura, que mudou decisivamente os rumos do nosso país. Enquanto os militares intervinham nos poderes Judiciário e Legislativo, enquanto suspendiam todas as garantias constitucionais, enquanto fechavam todos órgãos de imprensa que discordaram do golpe e da ditadura, enquanto a maior repressão da nossa história recente se abatia sobre milhares de brasileiros presos, torturados, exilados e mortos, enquanto isso, as dinastias da imprensa mercantil se calaram sobre a repressão e apoiaram o regime militar!

Eram estes mesmos Mesquitas, Frias, Marinhos, Civitas, estes mesmos que transmitem por herança – como se fosse um bem privado – seu poder dinástico, transferindo-o para os seus filhos e netos. Os júlios, os otávios, os robertos, os victor, vão se sucedendo uns aos outros, a dinastia vai se perpetuando. Que se danem a democracia e o país, mas que se salvem as dinastias!

Mas, hoje, elas estão vendo seu poder se esvaindo pelos dedos. Conta-se que um desses herdeiros, rodando em torno da mesa da reunião do conselho editorial, herdada do pai, esbravejava irado: “onde foi que nós erramos? onde erramos?”. Estava desesperado porque a operação “mensalão” não conseguiu derrubar Lula elegendo o tucano, da sua preferência.

Se ele tivesse olhado os gráficos escondidos na sua sala, teria visto que, nos últimos dez anos, as tiragens dos jornais despencaram. A Folha de São Paulo, por exemplo, que é um dos de maior tiragem, perdeu em 10 anos, de 1997 a 2007, quase cinqüenta por cento dos seus leitores! Depois de quase ter atingido 600 mil leitores, vai fechar o ano de 2008 com menos de 300 mil! Uma queda ainda mais grave se considerarmos que, nesse período, houve crescimento demográfico, aumento do poder aquisitivo, maior interesse pela informação e elevação do índice de escolaridade dos brasileiros.

Os leitores deste jornal de direita estão entre os mais ricos da população. Noventa por cento dos seus menos de 300 mil exemplares são destinados aos leitores das classes A e B, as mesmas que não atingem dezoito por cento da população brasileira. Em outros termos, nove entre cada dez leitores do jornal pertencem aos setores de maior poder aquisitivo e suas condições de vida estão a léguas de distância das do nosso povo – esse povo que gosta do programa bolsa família, dos territórios de cidadania, da eletrificação rural, dos mini-créditos, do aumento real do salário mínimo, da elevação do emprego formal, etc.

A última e mais recente pesquisa sobre o apoio ao governo Lula, que a imprensa dinástica procurou esconder, realizada pela Sensus, revela que Lula é rejeitado por apenas treze por cento dos brasileiros! É essa ínfima minoria, cinco vezes menor do que aquela dos que apóiam o governo Lula, que povoa os editoriais dessa imprensa, suas colunas, seus painéis de cartas dos leitores! Esse é o índice da influência real que a mídia mercantil – juntando televisão, rádio, jornais, revistas, internets, blogs – tem! Apesar de todos os instrumentos monopólicos de que dispõem, apesar das campanhas diárias para dominar a opinião pública, não conseguem nada além desse pífio resultado dos treze por cento que representam!

As dinastias podem continuar a ter filhos, netos e bisnetos, mas é possível que já não dirijam jornais. Esta pode ser a última geração de jornalistas dinásticos que, talvez exatamente por isso, revelam diariamente o desespero da sua impotência, assumindo o mesmo papel que ocuparam nos anos prévios a 1964. É o mesmo desespero da direita diante da popularidade de um Getúlio e do governo Jango. Nos dois casos, só lhes restou apelar à intervenção das Forças Armadas e dos EUA, estes mesmos EUA que nunca fizeram autocrítica, nem desta nem de qualquer outra das suas intervenções contrárias à democracia da qual pretendem ser os arautos! Depois de terem pedido e apoiado o golpe militar, porque ainda acreditam que podem dizer quem é democrático e quem não é?

domingo, 30 de março de 2008

Led Zeppelin Plays Pure Blues - 1969





Texas International Pop Festival, 31 de agosto de 1969.

1.-Train Kept a Rollin'.- 3:07
2.-I Can't Quit You.- 6:32
3.-Dazed and Confused.- 14:51
4.-You Shook Me.- 10:29
5.-How Many More Times.- 21:51
6.-Communication Breakdown.- 4:40

Créditos:LoooLoBLog
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sábado, 29 de março de 2008

O QUE É "COPYLEFT"



Blog do Azenha

por Pablo Orteladdo, do Centro de Mídia Independente (CMI)

Antes que Thomas Jefferson atuasse no escritório de patentes, Benjamin Franklin, que com ele e John Adams redigiria a Declaração de Independência, tinha uma ativa vida de criador, tendo se tornado conhecido em todo mundo por seus experimentos e invenções.

Realizador da famosa experiência com a pipa que provava que os raios eram descargas elétricas e autor de invenções como o óculos bi-focal e o pára-raios, Benjamin Franklin sempre se recusou a patentear suas invenções.

Em sua autobiografia podemos ver os motivos pelos quais se recusava a explorar comercialmente os inventos. Vale a pena citar um longo trecho:
"Tendo inventado, em 1742, um forno aberto para o melhor aquecimento de aposentos e ao mesmo tempo, economia de combustível, na medida que o ar fresco incorporado era aquecido na entrada, fiz um presente do modelo para o Sr. Robert Grace, um dos meus amigos mais antigos, que, tendo uma fornalha de ferro, considerou a disposição das placas desse fogão uma coisa muito útil, já que aumetava a sua procura. Para promover essa demanda, eu escrevi e publiquei um panfleto de título: 'Um relato do novo forno da Pensilvânia; no qual sua construção e modo de operação são detalhadamente explicados; suas vantagens sobre qualquer outro método de aquecimento de aposentos são demonstradas; e todas as objeções que foram levantadas contra o seu uso são respondidas e esclarecidas, etc.' O panfleto teve uma boa resposta. O Governador Thomas ficou tão satisfeito com a construção desse fogão, tal como está descrito, que me ofereceu uma patente para a venda exclusiva deles por um período de anos. Eu recusei, no entanto, baseado num princípio que sempre pesou para mim em tais situações: uma vez que tiramos grandes vantagens das invenções alheias, devemos ficar felizes de ter uma oportunidade de servir aos outros com quaisquer de nossas próprias invenções; e isso devemos fazer de forma gratuita e generosa."

O fato de que homens talentosos como Benjamin Franklin nunca se sentiram estimulados pela perspectiva de retorno material por suas descobertas sempre foi levado em conta no debate sobre os direitos de propriedade intelectual.

O historiador Thomas Macauly, por exemplo, que defendia os direitos segundo os princípios clássicos era obrigado a fazer ressalvas quando mencionava a contribuição que os ricos davam para a criação de obras e inventos: "Os ricos e os nobres não são levados ao exercício intelectual pela necessidade. Eles podem ser movidos para a prática intelectual pelo desejo de se distinguirem ou pelo desejo de auxiliar a comunidade."

Mas será que a vaidade de produzir uma obra única ou a generosidade de produzir um bem para a comunidade são virtudes exclusivas dos ricos? Boa parte do desenvolvimento artístico parece dizer que não. Pintores importantes como Rembrandt, Van Gogh e Gauguin morreram na pobreza e sem reconhecimento, assim como músicos como Mozart e Schubert e um escritor como Kafka, embora nunca tenha sido verdadeiramente pobre, não chegou a ser reconhecido em vida.

Será que a falta de perspectiva de recompensa material em algum momento impediu que eles se dedicassem à música, à pintura ou à literatura? Será que não tinham outro tipo de motivação – a expectativa do reconhecimento póstumo, o simples amor pela sua arte? A questão da propriedade intelectual, quando pensada fora da imagem tradicional da balança que opõe estímulo material ao criador e interesse social em usufruir a obra ou invenção, leva a muitas outras ordens de consideração. Será que os artistas devem ser remunerados pela criação das obras?

Poderiam eles contribuir para esse bem coletivo e anônimo que é a cultura humana sem ter usufruído e incorporado antes a rica e generosa contribuição dos outros artistas, contemporâneos e do passado? E se achamos que é preciso um estímulo material além da vaidade pessoal e da vontade de contribuir para o bem comum, não seria possível então desenvolver um sistema público de recompensa para os inventores, como sugere o economista Stephen Marglin?

Um sistema que premiasse as grandes idéias – por meio de concursos públicos, por exemplo – mas que não limitasse o uso dessas idéias a um empreendor individual? Na verdade, questões como essas – se deve-se ou não recompensar materialmente a criação e se a melhor forma de fazê-lo é através da exploração comercial privada – são questões às quais não cabem respostas teóricas.

São os movimentos sociais que estão buscando alternativas concretas à propriedade intelectual que deverão oferecer as respostas – e, de fato, já estão a fazer. Desde que obras e patentes passaram a ser registradas, os direitos sobre elas passaram a ser violados.

Uma parte dessa violação dos direitos é, sem dúvida, mero crime. No entanto, à parte a violação marginal e clandestina dos direitos de propriedade intelectual (que pode ser muito grande, até mesmo dominante), sempre houve um fênomeno diferente de desobediência civil das leis que instauravam esses direitos.

A desobediência civil, como se sabe, é muito diferente do crime. O crime é uma violação de lei clandestina, feita às escondidas e com o entendimento de que a lei que se viola é legítima. A desobediência civil, por sua vez, é uma violação pública das leis motivada por seu caráter ilegítimo. A desobediência civil se faz abertamente e ela não reconhece que a lei que está sendo infringida seja justa.

Desde que os direitos de propriedade intelectual foram instaurados, houve uma resistência aberta à sua aplicação no setor privado e comunitário. A enorme dificuldade de fiscalização fez com que essa desobediência civil tivesse um caráter passivo, que não se engajava na contestação das leis de propriedade intelectual, mas simplesmente as ignorava.

As pessoas sabiam que os direitos existiam e deviam ser respeitados e simplesmente passavam por cima deles porque achavam que eram absurdos.
Evidentemente não estou me referindo à pirataria comercial que era, sem exagero, apenas crime. A indústria pirata reconhecia a legislação vigente e fugia dela de forma clandestina, sem contestá-la.

Aliás, todo industrial pirata não podia aspirar a coisa maior do que transformar sua indústria pirata numa indústria legal e passar a utilizar assim os direitos autorais a seu favor. Mas coisa muito diferente eram os usuários que reproduziam a obra para fins não comerciais – "para a sua instrução mútua e a melhoria das condições", como dizia Jefferson.

Quando aparelhos de reprodução se popularizaram (o mimeógrafo, a fita cassete, a copiadora e em seguida a reprodução digital por computador), as pessoas automaticamente começaram a reproduzir livros, canções, fotos e vídeos, para si e seus amigos, sem pagar os devidos direitos, assim como, antes, já encenavam peças nas escolas e nos bairros e cantavam e tocavam canções para os amigos e para a comunidade também sem pagar os direitos.

Por mais que a campanha "cívica" promovida pela indústria e pelo governo lembrasse a todos a importância de "pagar os direitos", as pessoas desconfiavam, frequentemente de forma intuitiva, que aquele pagamento não fazia sentido pois quem apenas usufria desse bem coletivo que é a cultura humana não podia estar roubando nada de ninguém.

Como Benjamin Franklin havia escrito na sua autobiografia, na produção da cultura (e do saber e da tecnologia), nada pode ser feito sem que se tenha antes aprendido com a imensa comunidade dos outros produtores contemporâneos e dos que nos precederam.

E da mesma forma que usufruimos e aprendemos gratuitamente com todos eles – de maneira tão ampla que sequer podemos nomeá-los individualmente – devemos disponibilizar nossa contribuição para a formação das novas gerações. Embora nem a indústria, nem o governo tenham conseguido coibir de forma eficiente o uso privado e comunitário das obras sem o pagamento dos direitos autorais correspondentes, eles fizeram o possível e o impossível para obstruir a difusão de tecnologias de reprodução doméstica.

Foi assim, em 1964, quando a Phillips lançou o cassete de aúdio e a indústria fonográfica primeiro tentou impedir o lançamento do produto e depois fez lobby no Congresso para que fosse criado um imposto sobre os cassetes virgens para compensar as "perdas" da indústria resultantes das cópias que os usuários fariam de seus LPs para cassetes. O mesmo aconteceu em 1976 quando a Sony lançou o videocassete formato Betamax.

A Universal Studios e a Walt Disney abriram um processo contra a Sony acusando-a de incitar a violação dos direitos autorais e, depois de uma batalha judicial que durou oito anos, a Suprema Corte finalmente reconheceu que a pessoa que gravava o último capítulo da novela não praticava pirataria. Depois, em 1987, chegou ao mercado um novo dispositivo de reprodução: a fita de áudio digital, que permitia gravações digitais fiéis sem recurso à compressão de dados (como acontece com o CD).

Embora, de início, não tenha tido boa aceitação no mercado e, posteriormente, tenha apenas conquistado o mercado dos profissionais de áudio, a fita de áudio digital fez com que a indústria fonográfica entrasse em desespero. Em função de suas pressões foram propostas diversas leis e emendas no Congresso americano que buscavam limitar a capacidade de reprodução dos aparelhos e taxar as fitas virgens.

Depois de muitas disputas, o presidente Bush (pai), ratificou, em 1992, no último dia do seu mandato, o "Ato sobre a gravação doméstica de áudio" que tinha sido aprovado antes, no Congresso, por voto oral (de forma que não se têm registros sobre quem votou a favor e quem votou contra).

O Ato, entre outras medidas, obrigava todos os aparelhos de áudio digital a ter um dispositivo que impedia a cópia em série de uma fita (ou seja, depois de feita uma cópia, não se podia fazer outra cópia a partir dela) e instituía um imposto sobre os aparelhos (2% sobre o preço de venda) e sobre as fitas virgens (3% do preço de venda). O imposto, depois de recolhido, era distribuído da seguinte maneira: 57% para as empresas (gravadoras e editoras musicais) e apenas 43% para os autores.

Seria este o tipo de incentivo ao autor que norteara o pensamento de Thomas Jefferson e dos fundadores da república americana quando conceberam as leis e instituições que regiam os direitos autorais? O interesse crescente das grandes empresas na manutenção e ampliação dos direitos autorais se deve à forma específica como eles foram estabelecidos.

Quando a propriedade intelectual foi concebida no final do século XVIII, sua finalidade era conceder ao autor um monopólio sobre a exploração comercial da obra, de forma que quem quisesse ler o livro que tinha escrito ou escutar a música que tinha composto, teria que pagar a ele. Ele poderia exigir esse pagamento porque tinha o direito exclusivo de comercializar a obra, sem concorrência. Mas é óbvio que os autores não podiam fazer isso. A não ser que o autor de um livro se tornasse também editor, ele não poderia diretamente explorar a obra.

Ele teria que recorrer a um editor, a um capitalista, que iria explorar a obra por ele e tirar parte dos rendimentos para si próprio, como compensação pelo investimento. Dessa forma, o autor cedia ao capitalista o direito de exploração exclusiva, sem concorrência, que tinha recebido do estado e dividia com ele os dividendos da criação.

Mas, nessa relação, o elo fraco era o autor. A distribuição de livros, discos e outros produtos sempre foi relativamente cara e havia muitos autores para poucas empresas interessadas em lançá-los. Isso fez com que as empresas tivessem um poder muito grande de determinar as condições dos contratos e conseguissem assim uma grande participação nos dividendos advindos da exploração comercial da obra.

Era evidente que se o objetivo era estimular o autor e não beneficiar as grandes empresas, não havia porque o monopólio de exploração comercial ser cedido à empresa. A melhor forma de beneficiar o autor teria sido ele manter para si o monopólio de exploração e ceder para diferentes empresas concorrentes o direito não exclusivo de publicação da obra.

Assim, com a concorrência entre as empresas, a obra seria barateada e melhor difundida e os dividendos se concentrariam com os autores que poderiam disputar licenças de exploração mais vantajosas. Com o monopólio de exploração comercial oferecido pelos direitos autorais sendo cedido integralmente para as empresas, não eram mais os autores que se beneficiavam primariamente, mas as grandes empresas da indústria cultural.

À medida que o poder da indústria cutural crescia, também cresciam as campanhas contra as violações dos direitos autorais. Essa pressão fez, de certa forma, com que aquela desobediência civil passiva que aparecia quando as pessoas simplesmente ignoravam as leis, se tornasse mais consciente e, assim, movimentos de oposição declarada aos direitos autorais começassem a surgir.

Enquanto pequenos grupos de hackers radicais começaram campanhas de violação deliberada dos direitos autorais, distribuindo música, vídeos, textos e programas de graça na internet sob o lema "a informação quer ser livre", grandes movimentos espontâneos menos conscientes e menos radicais tomavam conta de um público mais amplo.

Entre esses movimentos, o de maior impacto, sem dúvida, foi a formação da comunidade Napster. O Napster era um programa "ponto a ponto" desenvolvido em 1999 pelo estudante Shawn Fanning que buscava superar a dificuldade de encontrar música em formato MP3 na internet.

Até então, as músicas em formato MP3 eram disponibilizadas principalmente por meio de servidores FTP que, em geral, ficavam no ar apenas até uma grande gravadora encontrar o servidor e enviar uma mensagem ameaçando deflagrar um processo judicial.

Para superar essa dificuldade, Fanning projetou um sistema ponto a ponto, em que usuários poderiam acessar arquivos em pastas compartilhadas em computadores de outros usuários através de links recolhidos por um servidor.

Assim, suprimia-se a mediação dos servidores que armazenavam os arquivos. Os arquivos de música ficavam no computador de cada usuário e o servidor do Napster apenas disponibilizava os links de acesso a eles. O Napster trazia uma concepção inteligente que descentralizava o armazenamento dos arquivos. Com isso, criava uma situação legal ambígua. Não se tratava mais de um grande servidor distribuindo música, mas de uma rede de usuários trocando generosamente arquivos de música entre si.

De certa forma, nada distinguia a troca de arquivos na rede Napster do hábito que as pessoas sempre tiveram de gravar fitas cassetes para os amigos. A diferença era que isso era feito numa rede de cinco milhões de usuários – e foi com base nessa grande dimensão que a RIAA, a associação das gravadoras americanas, sustentou um processo contra o Napster.

Um dos fatos mais relevantes do fenômeno Napster foi a constituição da comunidade Napster. Na ausência de um servidor que armazenasse os arquivos, o funcionamento da rede Napster exigia uma comunidade de usuários que compartilhasse suas músicas de maneira generosa.

Se todos estivessem na rede apenas para baixar músicas e se recusassem a disponibilizar os seus próprios arquivos, a rede fracassaria. Mas o notável é que, a despeito de não ganharem nada e, pelo contrário, consumirem uma fatia às vezes considerável da sua banda de acesso, milhões de pessoas disponibilizaram músicas para outras pessoas que não conheciam, formando uma verdadeira comunidade virtual.

O fenômeno Napster deflagrou grandes discussões públicas sobre os direitos autorais entre 1999 e 2001, quando o Napster perdeu o processo na justiça.
Por um lado, essa discussão evidenciou o caráter de desobediência civil que envolvia a utilização do programa.

Embora o estatuto legal do Napster estivesse em julgamento, na grande imprensa e na opinião pública formada por ela, a mensagem uníssona era a das grandes gravadoras e dos grandes artistas que condenavam o Napster e acusavam-no de roubo, pirataria e de tirar o sustento de milhares de artistas esforçados.

Apesar dessa massiva campanha de propaganda dos órgãos de imprensa (muitos dos quais ligados a grupos empresariais que também controlam grandes gravadoras), as pessoas não paravam de aderir à rede Napster numa demonstração aberta de que não consideravam legítima uma lei que impedia a livre troca dos bens culturais.

A discussão sobre o Napster, por outro lado, gerou um debate sobre a remuneração dos artistas e sobre as dificuldades de se compatibilizar a livre troca de informações com o sustento de uma classe de criadores profissionais remunerados.

Não apenas as grandes gravadoras se opuseram ao Napster, mas uma série de artistas estabelecidos, do Metallica a Lou Reed, argumentaram que a livre troca de música sem o pagamento dos direitos autorais retirava sua fonte de sustento.

E embora esse debate tenha sido muito desequilibrado – porque sempre estava ausente um verdadeiro opositor dos direitos autorais – ele teve o mérito de pôr em evidência o objetivo primário da instituição dos direitos de autor.

Enquanto em alguns fóruns alternativos a possibilidade de um mundo sem direitos autorais era discutida um tanto teoricamente, um movimento iniciado por programadores começava a mostrar a viabilidade efetiva desse projeto.

Não se tratava de pensar como poderia ser uma sociedade sem direitos autorais, mas de começar a pô-la em prática. Embora muitas histórias possam ser contatadas sobre a origem desse movimento, podemos dizer que uma das suas principais manifestações teve origem no início dos anos 80 quando o programador Richard Stallman, do laboratório de inteligência artificial do MIT, abandonou seu emprego por se sentir constrangido pelas restrições de direitos autorais que impediam-no de aperfeiçoar programas comprados de empresas.

Stallman sentia que as licenças de direitos autorais que negavam acesso ao código fonte dos programas (para impedir cópias ilegais) restringiam liberdades que os programadores haviam usufruído antes do mundo da informática ser dominado pelas grandes corporações – a liberdade de executar os programas sem restrições, a liberdade de conhecer e modificar os programas e a liberdade de redistribuir esses programas na forma original ou modificada entre os amigos e a comunidade.

Por esse motivo, Stallman resolveu iniciar um movimento que produzisse programas livres, programas que resguardassem aquelas liberdades que o mundo dos programadores conhecia antes das restrições empresariais. Foi com essas idéias que Stallman começou a conceber o sistema operacional GNU que depois de ter o kernel desenvolvido por Linus Torvalds ficou conhecido como Linux.

O significado do desenvolvimento e principalmente da difusão do sistema operacional GNU/Linux não é apenas o de romper o monopólio do sistema Windows, da Microsoft, mas, principalmente, de fazê-lo por meio de um empreendimento em grande medida coletivo e voluntário.

Tirando alguns poucos funcionários que recebiam salários relativamente baixos da fundação de Stallman (a Fundação para o Software Livre), a maioria dos desenvolvedores do GNU/Linux eram programadores ligados a empresas e universidades que davam sua contribuição voluntariamente sem esperar qualquer outro tipo de retorno que não o reconhecimento público por um trabalho bem feito.

Como Benjamin Franklin, esses programadores, entre os quais encontravam-se alguns dos melhores em sua área, doavam seu trabalho de forma "gratuita e generosa" esperando contribuir para "o bem comum" e "a melhoria das condições".

E apenas com esse trabalho voluntário e generoso (que nos últimos anos passou a ser bem explorado por grandes empresas) conseguiu-se montar uma comunidade estimada hoje em mais de 15 milhões de usuários.

O sucesso da difusão desse sistema operacional e de centenas de outros programas livres deveu-se ao fato de que esses programas garantiam a permanência de suas características "livres".

Quando Stallman iniciou o movimento pelo sofware livre, ele concebeu um tipo de licença de direitos autorais que assegurava a manutenção das liberdades em versões reproduzidas e melhoradas dos programas. A esse tipo de licença, Stallman deu o nome de "copyleft" (esquerdo autoral), num trocadilho com "copyright" (direito autoral).

Ao invés de simplesmente abrir mão dos direitos autorais, o que permitiria que empresas se apropriassem de um programa livre, modificando-o e redistribuindo-o de forma não livre, Stallman pensou num mecanismo de constrangimento que assegurasse a manutenção da liberdade que o programador havia dado ao programa.

O mecanismo pensado era reafirmar os direitos autorais abrindo mão da exclusividade de distribuição e alteração desde que o uso subsequente não restringisse aquelas liberdades.

Em outras palavras, a pessoa que recebia um programa livre, recebia esse programa com a condição de que se o copiasse ou o aprimorasse, mantivesse as características livres que tinha recebido: o direito de rodar livremente, de modificar livremente e de copiar livremente.

Com isso, os programas livres, frutos de esforços coletivos voluntários, ganhavam uma licença que garantia que mesmo que as empresas quisessem usá-los e distribuí-los, o fizessem de forma a manter suas liberdades iniciais.

O sucesso do sistema operacional GNU/Linux e do movimento do software livre trouxe um exemplo concreto da possibilidade de se constituir um sistema de criação onde a remuneração não fosse a forma principal de estímulo e onde o interesse coletivo de usufrir com liberdade a cultura humana fosse mais importante do que a exploração comercial das idéias. Claro que a objeção de que os autores ficariam desprovidos de sustento e teriam que sujar as mãos com trabalhos não puramente criativos permaneceu.

Mas o exemplo de Richard Stallman que trocou o papel de programador que cedo ou tarde seria forçado a submeter-se às empresas pelo papel de conferencista e acessor técnico independente ou ainda, o exemplo de George Gershwin, que antes de garantir o sustento de sua família por três gerações, ganhou a vida executando, como pianista e regente, suas próprias composições, mostram que uma vida sem direitos autorais é possível.

Hoje o movimento pelo copyleft, pela livre circulação da cultura e do saber ampliou-se muito além do universo dos programadores. O conceito de copyleft é aplicado na produção literária, científica, artística e jornalística. Há ainda muito trabalho de divulgação e esclarecimento a ser feito e é preciso que discutamos politicamente os prós e os contras dos diferentes tipos de licença.

Precisamos discutir se queremos conciliar a exploração comercial com a utilização não comercial livre ou se devemos simplesmente nos livrar dos mecanismos de difusão comercial de uma vez por todas; precisamos também discutir questões relativas à autoria e à integridade da obra, principalmente numa época em que o sampleamento e a colagem constituem formas de manifestação artística importantes; temos, finalmente, que discutir as inúmeras peculiaridades de cada tipo de produção adequando a licença ao que estamos fazendo (a ênfase na possibilidade de modificação de um programa de computador tem pouco cabimento quando aplicado à produção científica, etc.). Esse trabalho não é o trabalho de imaginar um mundo possível, mas de passar a construí-lo, aqui e agora.


Amigos sim, e muito. (Ou como Zé Otávio indicou Vaz Netto para o Detran)


Maneco escreve: Zero Hora publica hoje uma declaração atribuída a “um ex-integrante do PSDB” que fez trepidarem as telhas de zinco que cobrem o Piratini: “Ele resolvia todos os problemas financeiros que surgiam”. Ele, no caso, é ninguém menos do que Lair Ferst, apontado pela Polícia Federal como um dos personagens centrais da quadrilha que roubou R$ 40 milhões dos cofres públicos na Fraude no Detran. Mas em que momento, mesmo, Lair Ferst resolvia os problemas? Durante a campanha eleitoral da então candidata Yeda Rorato Crusius que, com todos os problemas financeiros resolvidos por Lair, elegeu-se governadora do Estado.

Eleita, Yeda ganhou o direito de nomear, entre outros, o novo presidente do Detran. No governo anterior, de Rigotto, quem presidia o Detran era Ubiratan dos Santos, um dos homens fortes do PP gaúcho. "Bira" fora indicado para o cargo pelo amigão José Otávio Germano, deputado federal do mesmo PP, a quem Rigotto entregara a Secretaria de Segurança de seu governo.

Com a caneta na mão, Yeda deu a Secretaria de Segurança para o PDT que escolheu o deputado Enio Bacci para o cargo. Bacci, porém, não pode indicar o presidente de uma das autarquias mais importantes da pasta que assumira, o Detran. Não, o Detran estava reservado para... José Otávio Germano. Sim, o ex-secretário deixou a secretaria mas indicou um homem de sua absoluta confiança para o Detran: Flavio Vaz Netto. À primeira vista, seria uma nomeação estranha, afinal, Vaz Netto, como "Bira", eram homens de José Otávio e este, ao menos para consumo externo, não nutria simpatias pela campanha de Yeda. Como então ganhou o direito de nomear a presidência do Detran?

Mas há um dado não revelado por ninguém até agora que completa o lado direito do quebra-cabeças. José Otávio e Yeda, que nos primeiros meses da campanha eleitoral apareciam em lados opostos, já haviam feito as pazes antes mesmo do segundo turno da eleição. E passaram a se dar tão de bem que o ex-secretário de Segurança de Rigotto ganhou dela o direito de indicar, como já havia feito no governo anterior, o presidente do Detran.

O post começou falando de Lair Ferst e descambou para Ubiratan dos Santos, José Otávio e Vaz Netto... O leitor deve estar se perguntando, então, o que Lair, um tucano, tem a ver com a turma do PP. Tudo! Lair, José Otávio, Vaz Netto e "Bira" têm todos, a mesma raiz política. Anos atrás, cerraram fileiras juntos na juventude arenista. Sim, tanto Lair quanto "Bira", Vaz Netto e José Otávio nasceram para o mundo da política no seio da velha Arena de guerra. Lair travestiu-se de tucano por obra de outro arenista arrependido, Nelson Marchezan, já falecido. Mudaram os pêlos, mas os bichos continuaram os mesmos.
Quem roubou o "dossiê"?

Dê uma passada hoje pelos três maiores jornais do país - que são os únicos, porque, junto com a Veja, pautam toda imprensa - e descubra que são uma coisa só. No caso do que Veja, Folha, Globo e Estado dizem que é um "dossiê montado pelo governo Lula contra FHC", e que esse governo diz que é "banco de dados", os três jornais e a revista dizem exatamente a mesma coisa.
Nesses veículos não há dúvida nenhuma. Produzem um material que induz a crer que ninguém discorda da afirmação deles de que a papelada surrupiada dos computadores do Planalto é um dossiê que teria sido preparado para intimidar o PSDB para que não pedisse a abertura das despesas da família Lula com cartão corporativo. E ao menos Folha e Estado bancam a teoria de que a "candidatura" de Dilma Rousseff à sucessão presidencial estaria "morta".
As cartas dos leitores e os editoriais são idênticos. Há um editorial na Folha, um no Globo e outro no Estadão bancando a versão da Veja, que obteve cópia do suposto dossiê contra FHC de alguma fonte interna do Palácio do Planalto. E as cartas de leitores tratando a hipótese como fato corroboram os editoriais.
O governo diz que não há dossiê e, sim, um banco de dados que estaria sendo preparado para atender a eventuais requisições da CPI dos cartões corporativos. E quer saber quem entregou parte dos dados, que estariam em processo de coleta, à Veja.
É uma pretensão legítima. Qualquer um que for analisar esse caso sob a ótica do interesse público quererá saber, primeiro, o que contém o tal dossiê. FHC diz que não contém nada e que "abre" o próprio "sigilo" sobre os gastos da família presidencial na época em que ele próprio estava no poder, como se os dados sobre esses gastos fossem propriedade dele e não do Estado. Em resumo: FHC não tem o que querer ou não querer, os dados do que ele e sua família gastavam não lhe pertencem, pois eram gastos feitos com dinheiro público.
É exatamente o que diz o governo Lula: ele não pode dispor ou deixar de dispor dos dados sobre seus gastos. Há critérios sobre esses gastos no Brasil ou em qualquer país. Tentem saber onde George Bush compra os alimentos da Casa Branca, por exemplo, ou se compra itens mais caros ou menos caros. Não se pode dar os nomes de fornecedores de itens pessoais de chefes de Estado.
Também seria ridículo o governo atual tentar intimidar a oposição com um dossiê dos gastos dessa oposição quando estava no poder. Na pior das hipóteses, FHC sabe no que gastou e sabe se esses gastos são maiores ou menores do que os do atual ocupante do poder. Bastaria que os governistas, no Congresso, dissessem aos oposicionistas que eles seriam prejudicados com a abertura dos gastos das duas famílias presidenciais (de FHC e de Lula).
Será que ninguém se pergunta o que o governo pretenderia fazer com esse dossiê? Iria divulgá-lo para a mídia? Se for, como fazer para a mídia não acusar esse mesmo governo de estar montando o tal "Estado policial" que ela está dizendo que foi montado? Ou será que o governo iria enviar o dossiê à oposição?
Mas a pergunta crucial é sobre como a Veja conseguiu fragmentos do banco de dados do governo. Esses dados foram entregues por algum abnegado revoltado com o "arbítrio" do governo Lula ou algum servidor público teria sido subornado para furtar dados dos computadores do Planalto? E se houve suborno, quem subornou foi a Veja ou alguém obteve dados através de suborno e os entregou à revista "gratuitamente"?
Os três maiores jornais e a Veja, que são os únicos órgãos de imprensa escrita do país que têm poder de derrubar ministros, tratam como fato que foi montado um dossiê para chantagear FHC e a oposição. Não se sabe como têm certeza disso. Alguém entregou documentos sigilosos furtados da sede do governo à Veja e esses veículos não têm dúvidas de que quem furtou os dados contou toda verdade. Essa pessoa não poderia ter "pinçado" dados dos arquivos do Planalto e montado ela mesma o que pareceria um dossiê justamente para dar discurso à oposição. Os três jornais e a Veja têm certeza de que não foi isso. Mas como?
Aí está uma chance de ouro para o governo Lula reagir. Não deveria ser tão difícil para o Estado brasileiro solucionar um caso de roubo dentro da sede do governo. Estão aí a Abin e a PF que não me deixam mentir.
O governo Lula tem duas alternativas:
1ª) Pode esperar o assunto morrer para não acirrar a luta política num momento em que esse governo nada em popularidade e no qual essa história de estar "morta" uma candidatura que nem existe (a de Dilma) não passa de enorme bobagem. Em algumas semanas, o assunto estará morto e enterrado.
2ª) Pode investir com decisão na investigação sobre quem roubou os dados de dentro do Planalto e descobrir se meios de comunicação não andaram subornando funcionários do governo.
A mídia e a oposição sabem que tudo isso dará em nada. Juridicamente, é impossível alguém provar que documentos que saíram da sede do governo para as mãos de uma revista semanal são aquilo que essa revista e os três jornais, em bloco, dizem que é. Tentarão estender esse assunto por mais algum tempo para "matar" mais um pouco, por via das dúvidas, a candidatura Dilma, que acreditavam tão inevitável que se deram a esse trabalho todo. Mas então, por que fizeram o que fizeram?
Mais do que sabotagem do governo, de tentativa de atrapalhar a governabilidade fazendo o país parar para se debruçar sobre interesses eleitorais enfraquecidos (os da oposição, diante da popularidade de Lula), mídia e oposição mandam um recado ao Planalto: vamos destruir cada candidatura à sucessão de Lula que ameace crescer e, assim, atrapalhar a de José Serra. É a perenidade da estratégia da mídia e da oposição tucano-pefelista, fracassada na esfera federal e vitoriosa na estadual e na municipal.
Minha conclusão é a de que, em âmbito federal, mais especificamente em relação à sucessão de Lula, a estratégia da Veja, da Folha, do Estadão e do Globo não passa de desespero. Nos âmbitos estaduais e municipais, porém, há, sim, uma forte possibilidade de sucesso dessa estratégia. É por isso que o deslinde do roubo de documentos ocorrido dentro do Planalto é imperativo. Pode revelar táticas criminosas de um consórcio formado por meios de comunicação e partidos políticos.

GERRY MULLIGAN [Album]

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A "CORRIDA ARMAMENTISTA"


por Raúl Zibechi, do semanário Brecha, do Uruguai

A recente viagem do presidente Hugo Chávez à Russia foi vista como parte de uma corrida armamentista em que o líder bolivariano está engajado. Porém, os fatos indicam que a Venezuela está bem atrás dos maiores aliados de Washington na região, Colômbia e Chile, na compra de armas.

Embora a Venezuela conquiste as manchetes, não é o que país da região que lidera a compra de armamentos. Em anos recentes, o Chile comprou armas no valor de U$ 2,7 bilhões, a Venezuela U$ 2,2 bilhões e o Brasil, bem atrás, ocupa a terceira posição com U$ 1,34 bilhão. Uma recente reportagem da revista Military Power Review afirma que o Chile passou de quarto para terceiro no ranking de "capacidade militar" da América do Sul, tomando a posição da Argentina e se aproximando do Peru, que manteve o segundo lugar.

A Venezuela também subiu uma posição, mas continua a uma distância considerável dos países mais poderosos militarmente. Levando em conta os gastos com Defesa em relação ao Produto Interno Bruto, o Chile está na primeira posição, com 3,8% em 2005, seguido pela Colômbia com 3,7% - um país que também se beneficiou de grande ajuda militar dos Estados Unidos, na casa dos U$ 3 bilhões desde 2001, devido ao Plano Colômbia e ao Plano Patriota.

Em 2005, a Venezuela ainda tinha gastos de 1,6% do PIB com os militares, muito parecido com a percentagem de antes da chegada de Chávez ao poder.

ARMAS E CHUMBO

O aumento contínuo do preço do chumbo - paralelo ao do petróleo - foi de 400% entre 2002 e 2006 no mercado internacional. Isso explica em grande parte o que o Instituto Nova Maioria, da Argentina, define como "constante mas gradual" rearmamento dos últimos 15 anos, que foi acelerado em 2003. No relatório "Rearmamento: Os casos paradigmáticos do Chile, da Venezuela e seu Impacto Regional", o instituto afirma que o Ministério da Defesa do Chile tem um alto grau de autonomia para formular sua política de gastos graças à Lei Secreta do Chumbo, que destina uma parte das exportações do metal às Forças Armadas.

As Forças Armadas do Chile reduziram seu pessoal na última década de 120 mil para 40 mil homens e os reorganizaram em oito brigadas, dando prioridade à mobilidade e ao poder-de-fogo. O Chile comprou 100 tanques pesados Leonard II, da Alemanha, planeja comprar outros, e recebeu 28 caças F-16 equipados com mísseis AMRAAM e bombas ar-ar, desconhecidas até então na região. De maior impacto ainda foi a compra de dois modernos submarinos franco-alemães Scorpene, além de oito fragatas armadas com mísseis, aviões de patrulha marítima e petroleiros. "Especialistas concluíram que, em relação ao PIB, o Chile gasta seis vezes mais em equipamento militar do que o Brasil, o principal poder da região", diz o estudo do Nova Maioria.

VENEZUELA SE DEFENDE

Enquanto o Chile mantém excelentes relações com os Estados Unidos - seu maior fornecedor de armas sofisticadas, reservadas apenas para aliados -, desde 2006 Caracas enfrenta um embargo para compras de armas, equipamentos e peças de reposição dos Estados Unidos. Israel e a Suécia podem se juntar ao boicote. Desde maio de 2006, manobras navais realizadas no Caribe pelos Estados Unidos, Holanda e Grã Bretanha causaram alarme no país de Chávez, uma vez que foram as maiores na região desde a crise dos mísseis de Cuba em 1962.

Em agosto de 2006 foi revelado que a Agência de Inteligência Nacional dos Estados Unidos criou um escritório específico para desenvolver planos operacionais relativos a Cuba e à Venezuela. Àquela altura Caracas começou a comprar armas, mas teve de buscá-las em países que não têm boas relações com Washington, dentre eles a Rússia, a China e o Irã, embora também tenha comprado da Espanha.

Mais de 52 mil metralhadoras AK-103 já foram entregues das 100 mil compradas da Rússia para substituir as belgas FAL compradas nos anos 50. A Venezuela também busca mísseis anti-aéreos M-1 Tor (similares aos que foram comprados pelo Irã), 24 caças SU-30, 30 helicópteros de transporte e ataque Mi-35, todos da Rússia, além de meia dúzia de corvetas e uma dúzia de aviões de transporte espanhóis.

Até agora a Venezuela empenhou U$ 3 bilhões para a compra de armas e existe a especulação de que busca comprar de cinco a nove submarinos convencionais (movidos a diesel-eletricidade). De acordo com analistas militares, apesar dos submarinos não serem de última geração eles "constituem um ameaça potencial a qualquel operação naval ou anfíbia", como ficou demonstrado na guerra das Malvinas, quando um único - e velho - submarino argentino causou enormes dificuldades às forças britânicas.

Embora não possa ser caracterizada como uma corrida armamentista regional, a verdade é que Chávez parece ter desenvolvido uma estratégia de defesa. A partir da experiência do Iraque, ele aprendeu a importância das milícias armadas no desenvolvimento de guerras assimétricas diante de uma possível invasão. Isso explica a compra maciça de metralhadoras, que ele pode passar a fabricar se as negociações para construir uma fábrica na Venezuela derem resultado. Ao mesmo tempo, se ele de fato comprar os submarinos pode ser indício de que está se preparando para enfrentar um eventual bloqueio marítimo que poderia afetar as exportações de petróleo.

Em todo caso, é bom considerar os fatos descritos acima com uma pitada de sal. A Venezuela depende tanto de suas exportações de petróleo quanto os Estados Unidos dependem das importações da Venezuela. As exportações da Venezuela aumentaram de 15,2 bilhões de barris em 2001 para 34 bilhões em 2005. A Venezuela já é o terceiro maior exportador de petróleo para os Estados Unidos, tendo tomado a posição da Arábia Saudita.

Créditos:BlogDoAzenha




sexta-feira, 28 de março de 2008