sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Leon Trotsky: presente!

Artigo de Eduardo Mancuso homenageia León Trotsky no 70º aniversário de sua morte. Trotsky pagou com a vida pela coragem de defender suas posições socialistas marxistas, sem medo do isolamento e levando adiante combate que organizou toda a sua vida. Suas virtudes heroicas contribuíram para a vitória da primeira revolução socialista da história, que ele tentou defender com todas as armas que tinha.

Eduardo Mancuso

Lev Davidovitch Bronstein nasce na Ucrânia, em 1879, filho de um proprietário de terras judeu. Aos 18 anos, juntamente com sua esposa Alexandra e um pequeno grupo de militantes, funda a União dos Trabalhadores do Sul da Rússia. Preso pela polícia czarista foi condenado a quatro anos de deportação na Sibéria. Em 1902, após adotar o pseudônimo que o identificará por toda a vida (tirado do sobrenome de um de seus carcereiros), Trotsky foge da prisão e vai encontrar-se com Lenin em Londres, onde era editado o jornal "Iskra" (Centelha), órgão do Partido Operário Social-Democrata Russo.
No famoso II Congresso do Partido em 1903, ocorre a divisão entre os bolcheviques (maioria) de Lenin e os mencheviques (minoria), que defendiam a liderança da burguesia liberal na revolução democrático-burguesa contra a monarquia czarista. Trotsky divergia radicalmente da estratégia reformista menchevique, mas vota contra os bolcheviques na questão da organização partidária e faz duras críticas às concepções leninistas, que considera centralizadoras e autoritárias. Às portas da revolução de 1917, quando adere ao bolchevismo, Trotsky faz autocrítica das posições que havia adotado durante e após o histórico congresso sobre concepção partidária e de sua insistência em buscar a conciliação entre mencheviques e bolcheviques.
A revolução russa de 1905 teve a destacada participação de Trotsky, que assume a presidência do primeiro soviete (conselho) da história em São Petersburgo (Petrogrado). Após a derrota do movimento, ele escreve seu relato. Primeira revolução do século XX, iniciada a partir da crise do regime czarista provocada pelas greves dos trabalhadores e pela derrota militar frente ao Japão, teve como marco o “domingo sangrento” em que milhares de manifestantes foram fuzilados pelas tropas diante do palácio do czar. A revolução de 1905 marca o surgimento dos sovietes e da greve geral de massas como criações políticas revolucionárias da luta de classes, exercendo forte impacto nas concepções teóricas de Trotsky, Lenin e Rosa Luxemburgo.
Assim, em 1906, Trotsky publica um pequeno livro que se mostra profético, Balanço e Perspectivas, onde antecipa a estratégia vitoriosa da Revolução Russa de 1917. Nessa obra ele resgata o conceito de revolução permanente de Marx, sustentando o caráter socialista e internacional da revolução na Rússia, sob a direção política da classe operária em aliança com o campesinato – ao contrário dos bolcheviques, que defendiam o caráter democrático burguês da revolução, mesmo sob um governo dos trabalhadores. Uma década depois, Lenin se aproxima das posições estratégicas de Trotsky, e este se aproxima das concepções de partido de Lenin.
Em 1914 explode a I Guerra Mundial com a capitulação da social-democracia frente à guerra imperialista e seus 10 milhões de mortos, marcando a traição histórica da Segunda Internacional ao socialismo. Em 1915, a esquerda internacionalista contrária à guerra se encontra na Conferência de Zimmerwald, na Suíça, e as posições de Lenin e Trotsky se reaproximam. Com a fome e a mortandade provocada pela guerra, explode a revolução de fevereiro de 1917 na Rússia, que derruba o czarismo e implanta o governo provisório. Trotsky embarca de volta à Rússia e chega a Petrogrado (antiga São Petersburgo) um mês depois de Lenin ter desembarcado na famosa Estação Finlândia e haver reorientado os rumos do partido bolchevique na oposição ao governo provisório (formado por burgueses liberais e monarquistas constitucionalistas inicialmente, mas depois conta com a participação de socialistas-revolucionários e mencheviques), que mantinha a Rússia na guerra, barrava a reforma agrária e reprimia os trabalhadores e camponeses. “Todo o poder aos sovietes” é a palavra de ordem que Lenin lança às massas radicalizadas contra a guerra e a fome, abrindo caminho para a revolução de outubro. Em julho, Trotsky ingressa no partido e no comitê central bolchevique, juntamente com a organização Interdistrital que contava com três mil militantes. Em setembro, é eleito novamente presidente do Soviete de Petrogrado, e em outubro, coordenador do Comitê Militar Revolucionário, órgão responsável pela organização da tomada do poder. Em novembro (outubro pelo antigo calendário russo), a primeira revolução socialista da história tem lugar, sob a direção dos bolcheviques e com o lema “paz, pão e terra”.
Porém, há a guerra com a Alemanha, o bloqueio e a intervenção militar das potências ocidentais contra a Rússia. Trotsky torna-se Comissário do Povo para as Relações Exteriores, chefia as negociações com o alto comando alemão e desenvolve, nesse período, uma intensa agitação dirigida ao proletariado europeu, denunciando as chantagens imperialistas. Porém, no início de 1918, a jovem república soviética é finalmente obrigada a assinar a Paz de Brest-Litovsk, imposta pela superioridade militar alemã. No plano interno, o caos com a guerra civil e os exércitos brancos da contra-revolução atacando em três frentes, além da oposição interna de mencheviques e de socialistas-revolucionários, e a terrível crise econômica com o colapso da produção agrícola, industrial e dos transportes. A revolução está em perigo.

Trotsky torna-se Comissário do Povo para Assuntos Militares e organiza o Exército Vermelho. Depois de passar dois anos atravessando a Rússia num trem blindado comandando o Exército Vermelho durante a guerra civil, Trotsky conquista a vitória sobre os exércitos brancos em 1920. Mas em março de 1921, o X Congresso do Partido Bolchevique defronta-se com a revolta dos marinheiros do Kronstadt e com as revoltas camponesas, ambas sob influência anarquista e esmagadas pelo poder soviético. Nesse contexto, o Congresso bolchevique suspende, em caráter extraordinário, o direito de tendências no partido, e Lenin lança a Nova Política Econômica (NEP, na sigla em russo), que substitui a fase do comunismo de guerra. Após as derrotas das revoluções na Alemanha, na Finlândia e na Hungria, o isolamento da Rússia soviética era total.
Em 1919 Lenin convoca o congresso de fundação da Internacional Comunista e Trotsky redige seu Manifesto (ele escreveria também o Manifesto do II Congresso e as Teses do III Congresso). Em 1923, Lenin e Trotsky compõem uma aliança contra Stalin (que detinha a secretaria-geral do partido), a fim de combater a nascente burocratização da revolução.
Trotsky organiza a Oposição de Esquerda, mas em janeiro de 1924, Lenin morre. Stalin lança uma campanha de filiação partidária de massas, ironicamente chamada de “recrutamento Lenin” e apresenta sua teoria antimarxista do “socialismo em um só país”.
Entre 1925 e 1927, Trotsky foi afastado das suas funções no governo e na direção do partido, até sua expulsão da União Soviética, em 1929. Nesse período, Trotsky escreve algumas de suas obras mais importantes: Literatura e Revolução, em defesa de uma arte e cultura socialista; A Internacional Comunista depois de Lenin, em que faz um balanço devastador da política internacional do stalinismo; A Revolução Desfigurada, em que responde às calúnias e falsificações históricas sobre o seu papel na revolução e defende a luta política da oposição contra a burocracia stalinista; Minha Vida, sua autobiografia; e A Revolução Permanente, em que retoma e desenvolve suas teses formuladas 25 anos antes.
Trotsky vive exilado na Turquia até 1933, onde escreve os três volumes da sua magistral História da Revolução Russa e os Escritos sobre a Alemanha (editado no Brasil por Mário Pedrosa, sob o título Revolução e contra-revolução na Alemanha), duas obras-primas do marxismo. Depois de passar pela França e pela Noruega, sofrendo pressões diplomáticas e ameaças constantes à sua vida, Trotsky finalmente encontra abrigo no México, graças ao presidente nacionalista Lázaro Cárdenas.
No exílio mexicano, hospedado com a sua segunda esposa Natália Sedova, inicialmente na casa de seu amigo, o grande muralista Diego Rivera e da artista plástica Frida Khalo, a atividade de Trotsky continua sendo o combate incansável contra a burocracia stalinista. Ele denuncia a traição histórica do partido comunista e da social-democracia ao movimento operário alemão por se recusarem a cerrar fileiras em uma frente única e permitirem a chegada do nazismo ao poder, sem luta; denuncia a traição da revolução espanhola pelo stalinismo e os abjetos Processos de Moscou (nos quais Stalin elimina fisicamente toda a “velha guarda” bolchevique). Em 1936, Trotsky escreve A Revolução Traída, em que caracteriza a União Soviética como um “Estado operário burocraticamente degenerado” e defende a derrubada da ditadura burocrática pelos trabalhadores, através de uma “revolução política” que retomasse a democracia socialista e o poder dos sovietes. “Um rio de sangue separa o stalinismo do bolchevismo”. Tempos terríveis e contra-revolucionários: stalinismo, fascismo e a Grande Depressão capitalista. “Era meia-noite no século”, afirmou o companheiro de oposição e biógrafo de Trotsky, Victor Serge. A II Guerra Mundial já apontava no horizonte.
Trotsky passa seus últimos anos de vida no México organizando a Quarta Internacional – fundada em Paris, em 1938, sem a sua presença – para a qual escreve o "Programa de Transição", com o objetivo de formar uma nova geração de marxistas revolucionários (ele não denominava seu movimento “trotskista”) que dessem continuidade a herança “bolchevique-leninista” de Outubro e da Oposição de Esquerda. Após sobreviver ao atentado organizado por artistas mexicanos do Partido Comunista armados de metralhadoras, finalmente o braço assassino de Stalin alcança Trotsky. Em 20 de agosto de 1940 o agente stalinista Ramón Mercader, após conseguir infiltrar-se na casa-fortaleza de Coyoacan, ataca-o pelas costas em seu escritório, furando o seu cérebro com uma picareta. Na mesa de trabalho de Leon Trotsky, os seus últimos escritos sobre a polícia secreta e os métodos criminosos de Stalin restaram manchados de sangue.
* Eduardo Mancuso é assessor de cooperação internacional da Prefeitura de Canoas/RS, integra o comitê internacional do Fórum Social Mundial e é membro da equipe editorial do Jornal Democracia Socialista/Em Tempo.

Os “nanicos” da política e do povo

  Waldemar Rossi  no Correio da Cidadania 
 
As eleições deste ano, especialmente a presidencial, vão ganhando corpo e, sem mais nem menos, entrando nos lares através da invasiva e desrespeitosa televisão. Muda a rotina dos lares como se fosse a dona absoluta de todos e todas nós. Somos forçados a suportar horas e horas de desfilantes, candidatos/as aos cargos eletivos (deputados estaduais e federais, senadores, governadores e presidente da República), cada um trazendo a sua "mensagem de felicidade" para o povo. Todos e todas têm a receita para a felicidade do povo em geral e, portanto, o povo não será feliz se não quiser.
 
Mas o que mais chama a atenção é o fato de a imensa maioria não se indignar com essa quebra da privacidade dos lares, essa indevida invasão. Não falo aqui dos programados debates, com dia e hora marcados. Falo da propaganda gratuita que nos força a engolir sapos (barbudos ou não) a cada momento – através das pequenas entradas – e durante intermináveis minutos do "direito" a que os partidos dispõem por força de lei. Aliás, lei criada pelos parlamentares que dela se beneficiam.
 
E, assim, o sistema dominante vai nos impondo suas escolhas feitas anos antes, porém, colocadas como se fossem a vontade soberana dos cidadãos e cidadãs que pagam pesados impostos durante os 365 dias (mais seis horas) do ano. E vamos engolindo essa escolha como se fosse realmente a nossa. Como já nos prevenia Pe. Alfredo Gonçalves, em um dos seus belos artigos: "vamos escolher quem vai nos trair futuramente" (referindo-se ao controle que o poder econômico exerce sobre as estruturas políticas do país e sobre a maioria dos políticos).
 
Há, ainda, uma agravante que não vem sendo analisada pelos eleitores e que a mídia tenta esconder. A tal lei da propaganda eleitoral gratuita, que foi feita e é mantida pelos políticos de plantão, cria verdadeiro monstrengo em termos de justiça e democracia. Essa lei privilegia os grandes partidos que vêm sendo mantidos no poder com vultuosas verbas fornecidas pelas grandes empresas nacionais e multinacionais.
 
Assim, cada partido tem "direito" a encher a paciência dos telespectadores conforme o número de parlamentares que tiver conseguido eleger. Com isto, impede que novos partidos possam de fato se apresentar ao eleitorado. É o que a burguesia – e seus meios de comunicação - sacanamente chama de partidos "nanicos", uma expressão depreciativa, que leva o povo a ignorá-los, e por isso a não terem a mínima chance de se apresentarem ao eleitorado como alternativa de poder. E assim vão sendo mantidos perpetuamente nanicos pelo poder explorador. Porém, com um discurso bem concatenado, fazendo-nos engolir que este sistema é realmente democrático.
 
Da mesma forma como o fazem com mais de 70 milhões de brasileiros e brasileiras, que vêm sendo excluídos da vida econômica, social e cultural do país. São milhões de seres humanos, com direitos iguais segundo a lei, mas que vêm sendo colocados e mantidos à margem de um padrão de vida segundo as exigências legais e da própria dignidade humana. Partidos e povo vão se tornando cada vez mais "nanicos", cada vez mais marginalizados, segundo a lógica desse sistema burguês de dominação e exploração total.
 
Alguém poderá discordar do que vai acima escrito apelando para um exemplo de ruptura com tal lógica: o nascimento, crescimento e afirmação nacional do PT (Partido dos Trabalhadores). Isto é fato. Mas há que analisar que este PT que está no poder nasceu do momento histórico possivelmente de maior crescimento do movimento social que o país viveu, tendo como base a ascensão das lutas operárias. O PT foi fruto de um amplo movimento social ativo e consciente do seu protagonismo.
 
Mas o PT de hoje não é mais o PT da época de sua fundação. Sua direção e corrente majoritária foram cooptadas pelo poder neoliberal. Passou a ser um dos grandes, mas a custa da renúncia à missão para a qual foi criado e atuando contrariamente aos seus discursos históricos. Sua política é a mesma dos tradicionais "currais eleitorais" criados e mantidos pelos famigerados "coronéis" do nosso interior.
 
As chances de que os partidos e o povo "nanicos" deixem de sê-lo dependem exclusivamente do desenvolvimento da consciência crítica, da politização, organização da ação coletiva de todos e todas nós. E isto só irá acontecer na medida em que sobretudo as gerações jovens se apropriarem do conhecimento e assumirem o seu protagonismo.
 
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

Relato de um psicólogo norte-americano que esteve em Cuba recentemente.



Certo dia de 1962, quando eu tinha uns dez anos, estava brincando no quintal de um amigo da vizinhança em Tulsa, Oklahoma. Meu amigo teve uma rusga com sua mãe e me deixou surpreso quando gritou para ela: "Vou te mandar para Cuba!". Como regra, tinha-se a crença de que Cuba era o pior lugar do mundo e gritar uma coisa dessas para a mãe, poderia ser interpretado como uma das piores coisas imagináveis de se dizer.

Quarenta e oito anos depois eu fui a Cuba para ver por mim mesmo. Eu fiz parte de uma delegação de profissionais de saúde que visitou a Ilha, de 08 a 18 Janeiro de 2010, para estudar o serviço de saúde cubano. A delegação foi organizada pela agência de viagens Marazul, uma das poucas licenciadas pelo EUA, para facilitar as viagens de cidadãos norte-americanos a Cuba.

Depois de quase 50 anos, ainda são proibidas de viagens cidadãos dos EUA para a ilha. Cuba é o único país no mundo que os cidadãos norte-americanos não podem viajar livremente.

E Cuba, como muito bem me expressou uma mulher cubana, "não é o céu, mas tampouco é o inferno".

A nossa delegação, composta pelas organizações Witnesses for Peace (Testemunha para a Paz) e o Grupo de Trabalho para a América Latina, na qualidade de consultores, visitou muitos centros de saúde em Havana, e alguns centros de saúde rurais em Puerto Esperanza. Muitas de nossas reuniões tiveram lugar no Centro Martin Luther King Jr., em Havana. Ao lado deste Centro encontra-se a Igreja Batista Ebenezer.

Participamos dos cultos da igreja, que foram muito gratificantes. As pessoas são amigáveis. O sermão centrou-se na libertação da opressão. As pessoas presentes estavam muito emocionadas e nos abraçamos e unimos nossas mãos, durante o serviço. Expressava-se um verdadeiro sentido de solidariedade com os seres humanos que lutam por uma vida melhor.

Muito tem sido escrito sobre o governo cubano restringir os serviços religiosos, mas não vi nada parecido. Visitamos várias igrejas católicas, a Igreja Batista e uma igreja pentecostal. Em Cuba, a atenção à saúde é considerada um direito da mesma forma que consideram a educação como um direito. Os cuidados de saúde e educação são fornecidos a todos os cidadãos, sem nenhum custo. Eu estava impressionado com o amor e o cuidado de saúde onde estávamos. Eu não vi longas filas nos ambulatórios, apesar do fato de que a assistência médica é pró-ativa e vão para os bairros para ajudar os pacientes carentes. Acredite ou não, há médicos de família com visitas regulares às casas em cada bairro. Eles enfatizam a prevenção como tratamento.

Visitamos também a famosa Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM), perto de Havana, onde os alunos recebem formação para se tornarem médicos, sem custo para os estudantes e suas famílias. Há alunos dos EUA e nos reunimos com eles. Os cubanos exigem para sejam aceitos com alunos, na ELAM, que ao retornar às suas comunidades, após a graduação, sirvam as populações carentes, ou seja, os pobres e as minorias. Anteriormente, no edifício da ELAM funcionava uma academia naval, que por decisão do governo tornou-se uma escola de Medicina.

Os cubanos enviaram cerca de 135.000 profissionais de saúde a mais de 100 países do mundo. Países como Venezuela e Haiti, e muitos países da América do Sul e África são os destinatários dos médicos formados em Cuba. Cuba mantém um programa de intercâmbio com a Venezuela, em troca de petróleo venezuelano, o que tem sido benéfico para ambos os países.

Os cubanos também tendem a dar grande ênfase à cultura e história. O Palácio Presidencial que foi ocupado pelo ditador Fulgêncio Batista, foi transformado em um museu. Uma das mansões do Batista é agora um estúdio de dança. Os edifícios que cercam a casa de Batista, que antes eram quartéis, agora são escolas.

A criminalidade é praticamente inexistente e é seguro andar pelas ruas de Havana, em todos os momentos do dia. As pessoas são muito simpáticas e prestativas e pareciam genuinamente interessadas em falar com os norte-americanos. Eu conheci um idoso afro-cubano que tinha vivido nos EUA durante 26 anos e decidiu voltar para Cuba para se aposentar. Nós nos encontramos com duas mulheres norte-americanas que decidiu se mudar para Cuba, onde vivem com seus maridos cubanos.

Atualmente existe uma legislação no Congresso americano destinada a levantar a proibição de viagens a Cuba. A versão da Câmara é a HR 874 e a versão do Senado é a S 428. Este é o momento para as pessoas contactar os seus deputados para expressar a sua opinião sobre esta questão.

Parece irônico que nos Estados Unidos, uma nação que se orgulha de ser "livre", os seus cidadãos não pode viajar para este belo país, há apenas 90 milhas de nossas costas.
....
James Thompson, Ph.D. é psicólogo, em Houston.
contato: pthompson1959@comcast.net

Fonte: CUBA DEBATE
Tradução: Robson Luiz Ceron - Blog Solidários.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Carta dos Blogueiros Progressistas


Esta é a redação inicial do documento final do 1º Encontro Nacional de  Blogueiros Progressistas. Se tiver sugestões, envie  e-mail para contato@baraodeitarare.org.br

A liberdade da internet é ainda maior que a liberdade de imprensa, na medida em que a imprensa compreensiva do rádio e da televisão se define como serviço público sob regime de concessão ou permissão, ao passo que a internet se define como instância de comunicação inteiramente privada”
MinistroAyres Britto, do STF

Em 21 e 22 de agosto de 2010, homens e mulheres de várias partes do país se reuniram em São Paulo, no Sindicato dos Engenheiros, com a finalidade de materializarem uma entidade, inicialmente abstrata, dita Blogosfera, a qual vem ganhando importância no transcurso desta década devido à influência progressiva que passou a exercer na comunicação e nos grandes debates públicos.
A Blogosfera é produto dos esforços de pessoas independentes das corporações de mídia, os blogueiros progressistas, designação que alude àqueles que, além de seus ideais humanistas, ousaram produzir o que já se tornou o primeiro meio de comunicação de massas autônomo. Contudo, produzir um blog independente, no Brasil, ainda é um ato de heroísmo porque não existem meios sólidos de financiamento para exercer a atividade profissionalmente, ou seja, obtendo remuneração.
Em busca de soluções para as dificuldades que persistem para que a Blogosfera Progressista siga crescendo e ganhando influencia em uma comunicação de massas dominada por um oligopólio poderoso, influente e, muitas vezes, antidemocrático, os blogueiros progressistas se unem para formularem aspirações e propostas de políticas públicas e pelo estabelecimento de um marco legal regulatório que contemple as transformações pelas quais a comunicação está passando no Brasil e no mundo.
Com base nesse espírito que permeou o 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, os participantes deliberaram em favor dos seguintes pontos:
I – Apoiamos o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), de iniciativa do governo federal, como forma de inclusão digital de expressiva parcela do povo brasileiro extemporaneamente alijada de um meio de comunicação de massas como a internet no limiar da segunda década do século XXI, o que é inaceitável e incompatível com os direitos fundamentais do homem à comunicação em um momento histórico em que os avanços tecnológicos nessa área já são acessíveis a qualquer cidadão de qualquer classe social nos países em estágio civilizatório mais avançado.
Apesar do apoio ao PNBL, os Blogueiros Progressistas declaram que, mesmo entendendo a iniciativa governamental como positiva, julgam que precisa de aprimoramento, pois da forma como está ainda oferece pouco para que a internet possa ser explorada em todas as suas potencialidades. A velocidade de processamento a ser oferecida à sociedade sem cobrança dos custos exorbitantes da iniciativa privada, por exemplo, precisa ser ampliada ou não realizará aquilo a que se propõe.
2 – Defendemos a regulamentação dos Artigos 220, 221 e 223da Constituição Federal, que legislam sobre a comunicação no Brasil e, entre outras coisas, proíbem a concentração abusiva dos meios de comunicação de massa e que dispõem sobre os sistemas público, estatal e privado.
Por omissão dos Poderes Executivo e Legislativo na regulamentação da matéria e sob sugestão do eminente professor Fabio Konder Comparato, os Blogueiros Progressistas decidem mover na Justiça brasileira uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) com vistas à regulamentação das leis que determinam profundas alterações na realidade da comunicação no Brasil supra descrita e que vêm sendo solenemente ignoradas.
3 – Combatemos iniciativas que tramitam no Poder Legislativo tais como o Projeto de Lei de autoria do senador mineiro Eduardo Azeredo, iniciativa que se notabilizou pela alcunha de “AI-5 digital” e que pretende impor restrições policialescas à liberdade de expressão na rede mundial de computadores, bem como as especulações sobre o que se convencionou chamar de “pedágio na rede”, ou seja, a possibilidade de os grandes grupos de mídia poderem veicular seus conteúdos na internet com vantagens tecnológicas como capacidade e velocidade de processamento em detrimento do que for produzido pelos cidadãos comuns e pelas pequenas empresas de comunicação.
4 – Reivindicamos a elaboração de políticas públicas que incentivem a veiculação de publicidade privada e oficial remuneradas nos blogs, bem como outras formas de financiamento que efetivamente viabilizem essa forma de comunicação representada pela Blogosfera Progressista, de maneira que possa ser produzida por qualquer cidadão que disponha de competência para explorar seu potencial econômico e comercial, exatamente como fazem os meios de comunicação de massas tradicionais com amplo apoio do Estado por meio de fartas verbas públicas que, com freqüência, são repassadas sob critérios meramente políticos e que ignoram a orientação constitucional que determina pluralidade na comunicação do país.
5 – Cobramos dos Poderes Executivo e Legislativo que examinem com seriedade deliberações da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) como a da criação do imprescindível Conselho Nacional de Comunicação.
6 – Deliberamos pela instituição de um Encontro Anual dos Blogueiros progressistas, que deve ocorrer, sempre que possível, em diferentes capitais para que um número maior de unidades da Federação tenha contato com esse evento e, em algum momento, com o universo da blogosfera.
7 – Lutaremos para instituir núcleos de Apoio Jurídico aos Blogueiros Progressistas, no âmbito das tentativas de censura que vêm sofrendo sobretudo por parte da classe política e de grandes meios de comunicação de massas.
São Paulo, 22 de agosto de 2010
Altamiro Borges
Conceição Lemes
Conceição Oliveira
Diego Casaes
Eduardo Guimarães
Luis Nassif
Luiz Carlos Azenha
Paulo Henrique Amorim
Renato Rovai
Rodrigo Vianna

É MUITO BOM SER COLORADO!!!!!!


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Mulheres, Irã e esquerda


 
Rui Martins*

Berna (Suiça) - O episódio envolvendo a mulher iraniana, Sakineh, ameaçada de morte por apedrejamento, o presidente iraniano Ahmadinejad e o nosso presidente Lula, tem o grande mérito de esclarecer certas tomadas de posição da esquerda brasileira.


Embora eu tenha lido que a embaixada iraniana no Brasil vai fazer uma campanha de esclarecimento, ja há coisas bastante claras. Mas vamos começar do princípio – um postulado básico do posicionamento da esquerda e mesmo objetivo de sua luta política é o respeito a um princípio não negociável, os direitos humanos.


A longa trajetória da esquerda tem sido marcada por campanhas que foram contra a escravidão, como a memorável luta dos escravos comandados por Spartacus; pela liberdade do pensamento, na qual Erasmo, Guttenberg, Lutero tiveram relevância; pela ação de pacifistas em favor do respeito da dignidade humana e contra o imperialismo, como Cristo e Gandhi; pelas mulheres que, ainda recentemente, conquistaram o reconhecimento de serem iguais aos homens, como Simone de Beauvoir, a ex-ministra francesa Simone Weil, a advogada francotunisiana Gisele Halimi, por terem conquistado o direito legal de abortar e outros tantos homens e mulheres que, aqui na Europa e nas Américas, acabaram com os casamentos arranjados e forçados, e chegam mesmo a reconhecer o direito da mulher vender o prazer sexual se a isso não for obrigada.


Esta luta das mulheres,cujos resultados têm sido colhidos nos nossos dias, têm sido uma das mais difíceis, porque mesmo entre esquerdistas notórios, revolucionários e militantes pelos operários, o reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres não foi automático. Por absurdo que possa parecer, as mulheres militantes na Revolução Espanhola, na Revolução de Outubro tinham escalão inferior, clima que existia também entre muitos marxistas.


Ora, na marcha da História, onde existem recaídas e retrocessos, o reconhecimento da dignidade das mulheres, do seu direito à liberdade para viver, casar e divorciar, ter ou não ter filhos, ser ou não fiel ao amante ou marido, é assegurado num número reduzido de países. E no próprio Brasil ainda não é de todo reconhecido.


Faz pouco anos, todos os autores de crimes passionais eram absolvidos. O caso mais flagrante da justiça machista brasileira é o do ex-diretor do jornal O Estado de São Paulo, Pimenta das Neves que matou pelas costas sua ex-amante, a jornalista Sandra Gomide, por ter sido por ela preterido e, embora condenado, vive em liberdade aguardando uma decisão do STF que, pelo jeito, nunca virá. No Brasil, não se apedreja Sakineh ou Sandra, mata-se a faca ou a tiros, e fica por isso mesmo, porque a justiça e a sociedade fazem vista grossa.


Ora, onde eu quero chegar ? O posicionamento de esquerda não deve e não pode permitir o caucionamento de regimes e governos ainda na idade da pedra e dos apedrejamentos em questões de direitos humanos que incluem, é óbvio, as mulheres. Mesmo quando se trata de manobra tática política, o contrapeso é excessivamente pesado.


Apoiar regimes que lapidam mulheres, obrigadas a serem fiéis a maridos que lhes foram impostos, ou simplesmente vítimas de suspeitas ou de tramas familiares é um contrasenso e não ajudará esses países a promover as reformas necessárias em favor das mulheres, livrando-as do jugo de religiosos retrógrados.


Apoiar regimes que cortam mãos, pés e cortam o nariz e orelhas da mulher que declara querer se divorciar, é ser conivente e cúmplice. Isso não quer dizer que o imperialista Bush podia invadir e ocupar países do Oriente Médio. Cada país tem direito à sua autodeterminação e a evoluir. A Europa queimava hereges na fogueira, caçava bruxas e punia as adúlteras, isso ainda há trezentos anos. O Afganistão e a milenar Pérsia vão evoluir sem precisar de soldados ocidentais, ao contrário a ocupação americanoeuropéia só vai atrasar essa evolução.


Outra coisa, não é porque Israel tem governo de extrema-direita, aplica uma indecente política de colonização e humilha os palestinos que o Hamas se transforma no movimento revolucionário exemplar e que a Palestina governada pelo Hamas será o paraíso. Ninguém é obrigado a ser por Israel ou pelo Hamas, é muito mais coerente e correto sem contra os dois. Não é porque não aceito o prepotente Natanyaou, que vou justificar o Hamas religioso, que vem acabando com o laicismo do Fatha e com as conquistas das mulheres palestinas da época de Arafat.


Sakineh, a mulher iraniana ameaçada de morrer apedrejada não é a primeira e nem vai ser a última. Já houve mobilizações mundiais em favor de mulheres condenadas ao apedrejamento em países islamitas africanos.


Quem viu o filme baseado no romance de Khaled Osseini, sobre o Afganistão de antes da invasão soviética (não se deve esquecer) até a atual ocupação ocidental, lembra-se da cena da mulher lapidada. Ainda há uns cinco anos, um professor em Genebra, justificava no jornal Le Monde o apedrejamento de mulheres adúlteras até a morte. Era Hani Ramadan, filho do criador do movimento islamita fundamentalistas Irmãos Muçulmanos e irmão do líder islamita na Europa, Tarik Ramadan, que até hoje não deixou claro se apoia ou não esse tipo de punição ditada pela chariá do Corão.


O caso da mulher iraniana ameaçada de ter seu rosto e cabeça destruídos por pedras lançadas por homens não é apenas a resposta iraniana maleducada ao nosso presidente Lula, por ter oferecido refúgio à iraniana.


É muito mais que isso – é a existência no nosso planeta de regiões e religiões que consideram as mulheres seres inferiores, que as escondem sob o manto escuro da burca e as matam a pedradas. Não vejo como poderia apoiar ou justificar, mesmo como tática política, tais países. Só com condenações e denúncias (não guerras ou invasões) poderão evoluir. A destruição do Iraque, país laico, pelos americanos favoreceu o islamismo ortodoxo iraniano. E hoje, em lugar dos não religiosos Nasser, Arafat e Sadam Hussein, o líder da região é Ahmadinejad apoiado por molás e imãs, como na nossa Idade Média de reis e imperadores apoiados pelo Vaticano.


Jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.


Como é bom ser Colorado!



Centenário, Campeão do Mundo – FIFA, da Libertadores, da Sul-americana, da Recopa, da Suruga, da Copa do Brasil, Tricampeão Brasileiro, Multicampeão Gaúcho, e por aí vai... O que mais te falta Colorado, depois de ganhar TUDO?

Pois é, mas hoje tem mais, começará TUDO DE NOVO! Tu não perdoas, Colorado! Tu com tantos... Mas é assim, tu gostas mesmo é de sempre ser o primeiro.

O Mundo te respeita, a imprensa te reconhece, teus adversários te temem, teus guerreiros lutam por ti, tua torcida te ama!

Aliás, que mística é esta que apaixona e faz chorar um Gaúcho dos quatro costados? Que magia é esta? Sabemos todos, é a tua história. Da Rua Arlindo para o Mundo, os Irmãos Poppe não tinham a noção de que este Clube se tornasse tão grande e tão conquistador, a tal ponto de ter todos os troféus do Mundo aos seus pés.

De onde vem esta força, este poder? Indagam todos!

A resposta é simples: os que fizeram o Colorado um Clube desta grandeza foram aqueles que assistiam no alambrado da Rua Arlindo; aqueles que construíram cada pedaço dos Eucaliptos, do pavilhão de madeira à arquibancada de concreto; aqueles que construíram pedaço a pedaço do maior templo do futebol no Sul do País, o Gigante da Beira-Rio, aqueles que vibram e se emocionam quando a camisa vermelha está na disputa.

És tu mesmo, torcedor colorado, mesmo que não estejas mais aqui, mas a tua força está; tu que irás ao Beira-Rio ou ficarás na torcida. Tu és o protagonista da história vencedora do S. C. Internacional. É a paixão por este Clube de Futebol que o faz gigante.

Torcedor: quarta-feira é o teu dia!

Colorado, teu povo estará junto contigo, para continuar a festa!
Samanta Cardoso Bertei,
Presidente da Confraria Tambores de Yokohama.

Email: presidente@tamboresdeyokohama.com.br

"TAMBORES": DE YOKOHAMA A ABU DHABI 2010!

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Ainda a grande mídia

  Wladimir Pomar no Correio da Cidadania   
 
A campanha machista da justiça eleitoral continua sendo veiculada, sem que a própria e, ao que se saiba, nenhum dos partidos e candidatas, tenha se dado conta. É verdade que o TSE decidiu cobrar dos partidos a cota de 30% de mulheres inscritas como candidatas, o que torna ainda mais contraditória sua campanha institucional.
 
Porém, foi na cobertura da grande mídia onde as coisas parecem haver mudado um pouco. As recentes pesquisas de opinião, publicadas na última semana, indicaram um crescimento da candidata Dilma e uma queda do candidato Serra. O que impôs à grande imprensa algumas flexões táticas interessantes.
 
Ao que tudo indica, ela passou a acreditar que não apenas a candidata Marina, mas também o candidato Plínio, tiram votos de Dilma. Em virtude dessa "descoberta", decidiu aumentar a cobertura da candidatura Marina e dar visibilidade à candidatura Plínio. No entanto, é difícil saber até que ponto tal desvio tático pode favorecer Serra.
 
A candidatura Plínio certamente está em confronto aberto com a candidatura Dilma. Porém, não parece querer dar trégua às candidaturas Serra e Marina, nem criar uma frente anti-Dilma. Isso foi o que se viu durante os debates em que Plínio participou. Nessas condições, o tiro da grande mídia pode sair pela culatra. Se quiser, Plínio pode colocar a nu a natureza das candidaturas Serra e Marina. Se ele continuar nessa batida, não será de estranhar que sua candidatura suma da cobertura da grande imprensa nos próximos dias.
 
A candidatura Marina é uma contradição viva. Ela, ao mesmo tempo em que pretende continuar todos os programas do governo Lula, deseja adotar várias medidas que podem liquidar com tais programas. Em outras palavras, da mesma forma que Serra, que tem dificuldades em atacar os feitos do governo e promete "fazer mais", Marina se vê obrigada a prometer continuar o que não pretende continuar.
 
Marina quer que parte do eleitorado de Dilma acredite que ela é melhor do que a ex-ministra para dar continuidade à "parte boa" do governo Lula, sem explicitar claramente que pretende mudar tudo. Por outro lado, acena para o PSDB e DEM, assim como para o PMDB e outros partidos, prometendo um "governo de união nacional", embora ataque as alianças de Dilma como indesejáveis.
 
Esses pontos nevrálgicos da candidatura Marina começaram a ser trazidos à luz justamente pela candidatura Plínio. Podem, além disso, ser atacados a qualquer momento pela candidatura Dilma. Talvez nisso consista um dos problemas da grande mídia ao tentar inflar a candidatura Marina. Esta se vê cada vez mais obrigada a expor suas contradições publicamente, embora tente superar essa dificuldade falando rápido e, às vezes, frases que não têm muito sentido.
 
Por outro lado, como seu eleitorado parece ser constituído principalmente por setores letrados da classe média, a constante exposição midiática dessas contradições poderá terminar sendo mais prejudicial do que favorável, em especial se seus pontos nevrálgicos forem desnudados pelos adversários.
 
Finalmente, uma pequena observação sobre o candidato Serra, cujos partidos de sustentação, PSDB e DEM, dizem ter horror a promessas demagógicas e populistas. Os custos dos investimentos em hospitais, clínicas, ambulatórios, escolas e outras obras, prometidos por Serra em suas andanças eleitorais, provavelmente já são superiores ao PIB do país. Aposto que, se Dilma estivesse fazendo promessas desse tipo, vários repórteres e economistas da grande mídia já teriam recebido a incumbência de fazer os cálculos, que seriam publicados com estardalhaço.
 
Wladimir Pomar é analista político e escritor.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Movimentos sociais e partidos de esquerda deram o tom do FSA

"É muito importante que o Fórum Social das Américas tenha chegado à sua quarta edição, que mantenha continuidade. E de fato o evento tem tido regularidade, o que por si já é uma vitória dos movimentos sociais". Com esta frase o Secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Ricardo Abreu Alemão, iniciou a breve avaliação que fez do 4º Fórum Social das Américas (FSA) ao Vermelho.

Alemão, destacou ainda dois outros aspectos: a importância do FSA ter ocorrido no Paraguai e a grande participação camponesa e indígena nos cinco dias de Fórum (11 a 15 de agosto). Para ele, a escolha do Paraguai, ora governado por um presidente progressista, Fernando Lugo, representa um apoio a um governo que precisa ser consolidado. 

A grande participação camponesa e indígena se explica pela mobilização feita pela Via Campesina. Muitos guaranis participaram das atividades. Além dos próprios paraguaios, destacou-se a presença de bolivianos no 4º FSA. Ricardo Abreu acredita que esta presença demonstra o caráter popular do encontro.

A delegação brasileira ajudou a dar o tom do Fórum, tendo participado por exemplo, via Cebrapaz, da organização da campanha continental América Latina e Caribe, uma região de paz”, pela erradicação de bases militares estrangeiras no continente.  A plenária de lançamento da campanha contou com a participação de mais de 200 pessoas, tendo formado uma coordenação ampla para conduzir a campanha no continente. 

Estudantes e trabalhadores

Dois setores importantes dos movimentos sociais brasileiros também tiveram papel ativo durante o Fórum: os estudantes e os trabalhadores. A organização Continental Latino Americana e Caribenha dos Estudantes (Oclae) organizou com êxito o 4º Encontro Continental dos Estudantes, reunindo cerca de 200 jovens para debater a organização do movimento estudantil nos países e a luta contra a mercantilização da educação. Uma das metas do movimento é ampliar a organização dos estudantes secundaristas, visto que apenas três países em todo o continente possuem entidade nacional de representação do segmento: Brasil, Uruguai e Cuba. O movimento sindical realizou o encontro Nossa América.

O presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Yann Evanovick, disse que o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, que esteve no Brasil nesta semana para tratamento médico, agradeceu a hospitalidade brasileira manifestada pelo vice-presidente José Alencar, que o visitou no hospital. 

A Aliança Internacional de Habitantes (AIH) também deu seu recado, em duas oficinas, uma da campanha Despejo Zero, lançada em 2007, e a outra lançando a Assembleia Mundial de Habitantes em 2011, em Dakar (Senegal), sede do próximo Fórum Social Mundial.

Partidos de esquerda

A Fundação Maurício Grabois (FMG), em conjunto com a Fundação Perseu Abramo (FPA) e o Foro de São Paulo, promoveu, no sábado (14), painéis que buscaram analisar e debater o papel dos governos de esquerda na América Latina com vistas à construção da integração solidária neste singular momento de comemoração do bicentenário da independência dos países latino-americanos, bem como a luta contra as estratégias de dominação imperialista e de militarização. Partidos políticos do Brasil, de Cuba, da Venezuela e da Argentina discutiram a situação atual do continente, com seus pontos fortes e fracos. 

Outro tema que mereceu destaque foi o dos desafios e as perspectivas da luta política no Brasil, abordado em mesa organizada pelas duas fundações brasileiras (FMG e FPA). A mesa foi composta por Fernando Apparício Silva, assessor especial do Ministro de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil; Ricardo Abreu Alemão, secretário de Relações Internacionais do (PCdoB) e membro da Fundação Maurício Grabois; Valter Pomar, do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e secretário executivo do Foro de São Paulo; Adeilson Teles, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Nivaldo Santana, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). Os debatedores expuseram a situação política brasileira e deram boas perspectivas para a eleição presidencial que ocorre em outubro. Além de discutirem sobre a campanha brasileira, o programa da Dilma, e desafios da esquerda brasileira, foram portadores de bons informes sobre a campanha eleitoral, visto que durante o FSA foi publicada pesquisa do Datafolha confirmando a liderança da candidata do PT com 41% das intenções de voto.

Velho comunista

Durante o Fórum, foi realizada ainda uma justa homenagem ao fundador e histórico dirigente do Partido Comunista do Paraguai, Ananias Maidana. O veterano lutador havia sido condecorado em março pelo governo paraguaio, com a Ordem Nacional do Mérito em grau de "Gran Cruz". A honraria foi concedida por sua "incansável luta pela democracia e justiça social", diz o decreto. Mais que uma simples homenagem, a distinção é um sinal de que os tempos, felizmente, mudaram, já que há pouco mais de 20 anos os comunistas eram alvo de perseguição pela ditadura de Alfredo Stroessner.

Entretanto, o ponto alto do FSA foi a Assembleia dos Movimentos Sociais, prestigiada com a presença de três chefes de Estado e cerca de 5 mil pessoas. O ato reuniu os presidentes Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai) e José Mujica (Uruguai), que aproveitaram a ocasião da discutir a reativação de um bloco energético entre os três países. Para a presidente da Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam), Bartíria Costa, que participou da mesa representando a AIH, a assembleia dos movimentos e o documento por ela aprovado "valeram o Fórum".

"Em resumo, o Fórum Social das Américas demonstra a importâica desse processo do Fórum Social Mundial sintonizado com as mudanças na América Latina e com esses novos governos progressistas no continente. O Fórum tem que refletir essa realidade, que assim ele se politiza e intervém nessa realidade. Esse é o papel dos movimentos sociais. Quanto mais o Fórum Social se aproxima deste debate, mais relevante ele fica, e o 4º Fórum Social das Américas conseguiu cumprir este papel", resumiu Ricardo Abreu Alemão.

Da redação do Vermelho, Luana Bonone

Uma viagem instrutiva à China: Reflexões de um filósofo

Domenico Losurdo- OdiarioInfo
 
Este importante texto de Domenico Losurdo é bastante mais do que um invulgarmente lúcido testemunho de diferentes aspectos do que pôde observar em recente viagem à China. É uma profunda reflexão que, assente em sólido conhecimento da sua complexa realidade e evolução histórica e fundamentada no marxismo, desmonta e denúncia muitas das distorções e preconceitos que a ideologia dominante (incluindo a sua variante oportunista «de esquerda») todos os dias procura inculcar acerca da República Popular da China.
De 3 a 16 de Julho tive o privilégio de visitar algumas cidades e realidades da China, no âmbito duma delegação convidada pelo Partido Comunista chinês, delegação de que também faziam parte representantes dos partidos comunistas de Portugal, da Grécia e de França e da Linke alemã: quanto à Itália, para alem do abaixo assinado, participaram na viagem Vladimiro Giacchè e Francesco Maringiò. Este texto não é um diário nem uma crónica: são apenas reflexões fruto duma experiência extraordinária.
1. A primeira coisa que salta aos olhos no decurso do encontro com os representantes do Partido comunista chinês e com os dirigentes das fábricas, das escolas e dos bairros visitados, é a tónica autocrítica, digamos mesmo a paixão autocrítica de que dão provas os nossos interlocutores. Neste ponto, é evidente a rotura com a tradição do socialismo real. Os comunistas chineses não deixam de sublinhar que o caminho a percorrer é longo, e numerosos e gigantescos são os problemas a resolver e os desafios a enfrentar, e que, apesar de tudo, o seu país continua a fazer parte do Terceiro Mundo.
Na verdade, no decurso da nossa viagem, não encontrámos esse Terceiro Mundo. Pelo menos em Pequim, que fascina com o seu aeroporto ultramoderno e reluzente, e ainda menos em Qingdao, onde se desenrolaram os Jogos Olímpicos 2008 e que lembra uma cidade ocidental duma beleza e elegância especiais e com um nível de vida elevado. Também não encontrámos o Terceiro Mundo quando nos afastámos 1 500 km das regiões orientais e costeiras, as que são mais desenvolvidas e aterrámos em Chongqing, a enorme megalópole que contém um total de 32 milhões de habitantes e que, até há alguns anos, parecia ter dificuldade em acompanhar o milagre económico. Não temos dúvidas de que o Terceiro Mundo existe ainda no enorme país asiático, mas o encontro falhado com ele foi consequência não da vontade de esconder os pontos fracos da China moderna, mas do facto de que o impetuoso crescimento em curso já há mais de trinta anos está a reduzir, a diminuir e a fraccionar a um ritmo acelerado a área do subdesenvolvimento, que se esbate numa lonjura cada vez mais distante.
No ocidente não faltarão, a este propósito, os que vão fazer uma careta: desenvolvimento, crescimento, industrialização, urbanização, milagre económico duma amplitude e duração sem precedentes na história, que vulgaridade! Este snobismo do belo mundo parece considerar insignificante o facto de que milhões de pessoas tenham escapado a um destino que os condenava à subnutrição, à fome e mesmo à morte por inanição. E os que acham que o desenvolvimento das forças produtivas é apenas uma questão de bem-estar económico e de consumismo deviam ler (ou reler) as páginas do Manifesto do partido comunista que põe em evidência o idiotismo duma vida rural circunscrita pela miséria, incluindo a cultural, das fronteiras apertadas e intransponíveis. Quando visitamos hoje as maravilhas da Cidade imperial em Pequim e, a alguns quilómetros de distância, a Grande Muralha, deparamos com um fenómeno que não existia não apenas no longínquo 1973, mas até mesmo no ano 2000, ou seja, nas minhas duas viagens anteriores à China. Hoje em dia, salta aos olhos a presença maciça de visitantes chineses: são turistas com características especiais: chegam frequentemente dum canto remoto do enorme país; provavelmente é a primeira vez que visitam a capital; no plano cultural começam a apropriar-se de certa forma da noção de civilização muito antiga de que fazem parte.; deixam de ser simples camponeses ligados como numa prisão ao quinhão de terra que cultivam e tornam-se verdadeiramente cidadãos dum país cada vez mais aberto ao mundo.
Muito depois das horas de abertura para a visita dos monumentos e museus, a praça Tienanmen continua a formigar de pessoas: são muitos os que esperam e observam com orgulho o içar das cores da República Popular da China. Não, não se trata de chauvinismo: os chineses gostam de ser fotografados com visitantes estrangeiros (eu também fui alvo e aceitei com prazer pedidos deste género): é como se convidassem o resto do mundo a festejar com eles o regresso duma civilização muito antiga, oprimida e humilhada durante muito tempo pelo imperialismo. Não há a menor dúvida: o prodigioso desenvolvimento das forças produtivas não se limitou a arrancar da miséria e das privações centenas de milhões homens e de mulheres; assegurou-lhes uma dignidade individual e nacional, permitiu-lhes alargar consideravelmente o seu horizonte abrindo-se perante o enorme país de que fazem parte e, mais ainda, perante o mundo inteiro.
2. Mas o desenvolvimento das forças produtivas não é sinónimo de degradação e destruição da natureza? Eis-nos em presença duma preocupação, e até mesmo duma certeza evidenciada de modo especialmente gritante pela esquerda ocidental. Vemos nisto aflorar uma estranha visão da natureza, que é considerada doente se as plantas murcham e secam mas que, segundo parece, é considerada perfeitamente sã se os que definham e morrem em massa são os homens e as mulheres. Há um certo ecologismo que acaba por escavar ainda mais profundamente o abismo que, no entanto, pretende querer criticar, entre o mundo humano e o mundo natural. Mas, mesmo assim, concentremo-nos na natureza no seu sentido estrito. Há uns tempos um historiador bastante conhecido (Niall Ferguson) escreveu um artigo, publicado também no Corriere della Sera, que logo no título denunciava “a guerra da China à natureza”. Na realidade, logo no longo percurso que vai do aeroporto de Pequim à Grande Muralha, e no outro longo trajecto que, seguindo um outro percurso, vai do centro de Pequim ao aeroporto, apercebemo-nos duma quantidade impressionante de árvores obviamente recentemente plantadas, no âmbito dum projecto bastante ambicioso de reflorestação e de extensão da superfície florestal em que todo o país investe. Uns dias antes do fim da nossa viagem tivemos a possibilidade de visitar uma área ecológica de 10 quilómetros quadrados, situada nos arredores de Weifang, uma cidade do nordeste em rápida expansão, dedicada ao desenvolvimento da alta tecnologia mas que simultaneamente quer distinguir-se pela sua qualidade de vida. A área ecológica, cujo acesso é livre e gratuito para toda a gente, e que só pode ser visitada a pé ou com um minúsculo autocarro aberto e movido a electricidade, foi libertada recuperando um território até então muitíssimo degradado e que actualmente resplandece numa beleza encantadora e serenidade. O desenvolvimento industrial e económico não está em contradição com o respeito pelo ambiente. Claro que o equilíbrio entre estas duas exigências é extremamente difícil num país como a China, que tem que alimentar um quinto da população mundial tendo apenas à sua disposição um sétimo da superfície cultivável: é neste enquadramento que devem ser situados os erros praticados e os grandes prejuízos infligidos ao ambiente nos anos em que a prioridade absoluta era o arranque económico necessário para pôr fim o mais rapidamente possível à desnutrição e à miséria das massas. Mas esta fase felizmente foi ultrapassada: actualmente é possível promover um ecologismo que, enquanto garante a vida das árvores e das flores, também saiba garantir a vida e a saúde dos homens e das mulheres.
3. Já falei da paixão autocrítica que parece caracterizar os comunistas chineses. São eles que insistem no carácter intolerável, em especial, do fosso crescente entre cidades e campo, entre zonas litorais por um lado e o centro e o oeste do país por outro. Esses fenómenos não são a demonstração do desvio capitalista da China? É uma tese que está amplamente espalhada na esquerda ocidental e que parece encontrar eco entre alguns membros da nossa delegação multipartidária. No debate franco e vivo que se desenvolve, intervenho com uma pontuação por assim dizer “filosófica”. Podemos proceder a duas comparações bastante diferentes uma da outra. Não podemos comparar o “socialismo de mercado” com o socialismo a que chamamos dos nossos “desejos”, com o socialismo de certa forma maduro, e portanto pôr em evidência os limites, as contradições, as desarmonias, as desigualdades que caracterizam o primeiro: são os próprios comunistas chineses que insistem no facto de que o país que dirigem está apenas na “fase primária do socialismo”, fase destinada a durar até à metade deste século, confirmando a grande duração e a complexidade do processo de transição necessário para chegar à edificação duma sociedade nova. Mas, isso não torna lícito confundir o “socialismo de mercado” com o capitalismo. Como ilustração da diferença radical que subsiste entre os dois podemos ter que recorrer a uma metáfora. Na China estamos na presença de dois comboios que se afastam da gare chama “Subdesenvolvimento”. Sim, um desses dois comboios é muito rápido, o outro de velocidade mais reduzida: por causa disso, a distância entre os dois aumenta progressivamente, mas não podemos esquecer que os dois avançam na mesma direcção; e também é preciso lembrar que não faltam os esforços para acelerar a velocidade do comboio relativamente menos rápido e que, de qualquer modo, dado o processo de urbanização, os passageiros do comboio muito rápido são cada vez mais numerosos. No âmbito do capitalismo, pelo contrário, os dois comboios em questão avançam em direcções opostas. A última crise pões em destaque um processo em acção desde há várias décadas: o aumento da miséria das massas populares e o desmantelamento do Estado social encontram-se a par da concentração da riqueza nas mãos duma oligarquia parasitária restrita.
4. E, no entanto, entre os comunistas chineses cresce a intolerância no que se refere ao afastamento entre zonas litorais e áreas do centro-oeste, entre cidades e campo e no seio da própria cidade. É uma atitude observada com surpresa e agrado por toda a delegação da Europa ocidental. Esta intolerância exibe-se de forma aguda em Chongqing, a metrópole situada a 1 500 quilómetros de distância da costa. A palavra de ordem (Vão para oeste!), que incita a estender ao centro e ao oeste do enorme país os prodigiosos desenvolvimentos do leste, foi lançada já há dez anos. Os primeiros resultados são visíveis: por exemplo, o Tibete e a Mongólia interior exibem nos últimos anos uma taxa de crescimento superior à média nacional. Não é o caso de Xinjiang onde, em 2009 (o ano da crise), em relação a uma média nacional de 8,7%, o PIB “só” aumentou 8,1%. E foi em Xinjiang precisamente que se derramou, durante as últimas semanas e meses, uma nova vaga de financiamentos e de estimulantes. Mas agora, para além das regiões habitadas por minorias nacionais, a que o governo central dedica evidentemente uma atenção especial, trata-se de aplicar a nível geral uma aceleração decisiva e um significado novo e mais radical à política do Vão para oeste!
Tornada num município autónomo sob a dependência directa do governo central (na mesma situação estão Pequim, Xangai e Tianjin) e podendo assim beneficiar de estimulantes e de apoios de todo o tipo, Chongqing aspira a tornar-se na nova Xangai, ou seja, aspira não só em ultrapassar o atraso mas atingir o nível da China mais avançada, e constituir um ponto de referência também no plano mundial. A megalópole situada no interior do grande país asiático aparece diante dos nossos olhos como um enorme estaleiro: a actividade de potencialização das infra-estruturas desenvolve-se em pleno, tal como a da construção de fábricas, de escritórios, de habitações civis; as fileiras de árvores recém-plantadas e ciosamente tratadas saltam aos olhos, tal como as sebes de verdura que ladeiam e por vezes também separam estradas e auto-estradas. Sim, porque para lá do milagre económico, Chongqing persegue um objectivo ainda mais ambicioso: pretende apresentar-se a toda a nação como um “novo modelo” de desenvolvimento, regulando melhor e de modo mais “harmonioso” as relações no interior da cidade, entre cidade e campo e entre homem e natureza. Naquilo que deverá vir a ser a nova Xangai, a referência a Mão Zedong é permanente, e não se trata apenas da homenagem devida ao grande protagonista da luta de libertação nacional do povo chinês, ao pai da pátria que, e não por acaso, está na praça Tienanmen e nas notas do banco; trata-se de levar a sério a retoma do “pensamento de Mão Zedong”, inscrito no estatuto do Partido comunista chinês. Em Chongqing temos a nítida impressão de que começaram os debates e, pressupomos, a luta política para a preparação do Congresso previsto para daqui a dois anos.
Convém, neste momento, livrarmo-nos de um equívoco possível: a discussão não se trava sobre a política de reforma e de abertura definida há mais de trinta anos na Terceira sessão plenária do XI comité central (18-22 de Dezembro de 1978): no Estatuto do PCC está inscrita também a retoma da “teoria de Deng Xiaoping” e da “importante ideia das três representações”, apesar de a categoria de “pensamento” querer ter uma importância estratégica maior do que a categoria de “teoria” (que faz referência a uma conjuntura, apesar de ser uma conjuntura de longo prazo) e que a categoria de “ideia” (a qual, por mais “importante” que seja, designa uma contribuição sobre um aspecto determinado). Mas, acima de tudo, ninguém quer voltar à situação em que na China não havia “igualdade” senão no sentido em que os dois comboios da metáfora que utilizei várias vezes estavam ambos parados na gare “Subdesenvolvimento” ou se afastavam dela lentamente. Não, de agora em diante pode-se considerar como definitivamente adquirida a consciência segundo a qual o socialismo não é a distribuição igual da miséria. Tanto mais que uma “igualdade” dessas é totalmente ilusória e pode mesmo funcionar ao contrário. Quando a miséria atinge um certo nível, pode conter o risco da morte por inanição. Nesse caso, por mais modesto e reduzido que seja, o naco de pão que garante a sobrevivência aos mais sortudos assinala apesar de tudo uma desigualdade absoluta, a desigualdade absoluta que se mantém entre a vida e a morte. Foi, antes da introdução da política de reforma e de abertura, o que se constatou nos anos mais trágicos da República Popular da China: consequência quer da herança catastrófica derivada da pilhagem e da opressão imperialista, quer do embargo impiedoso imposto pelo ocidente, quer dos graves erros praticados pela nova direcção política. A centralidade do dever de desenvolvimento das forças produtivas mantém-se pois garantida, mas essa centralidade pode ser interpretada de modo sensivelmente diferente…
5. A pessoa que foi chamada para dirigir Chongqing é Bo Xilai, o brilhante ex-ministro do comércio exterior. É uma circunstância que nos permite reflectir sobre o processo de formação do grupo dirigente na China. Um representante do governo central que, no desenvolvimento da sua função, se distinguiu e adquiriu um prestígio até mesmo no plano internacional, é enviado para a província para enfrentar uma tarefa de natureza diferente e de proporções gigantescas. Combatendo a corrupção de modo capilar e radical e propondo na teoria e na prática real de governação um “modelo novo”, destinado a queimar etapas na liquidação das desigualdades que se tornaram intoleráveis, e na ralização da “sociedade harmoniosa”, Bo Xilai suscitou um debate nacional: é fácil prever a sua presença numa posição eminente no grupo dirigente que sairá do XVIII Congresso do PCC, apesar de que seria um erro dar como dado adquirido o resultado desse debate (e da luta política) em curso. Portanto: a concluir um período de incertezas, de conflitos e de violências, à primeira geração de revolucionários que tinham no centro Mao Zedong, sucedeu a segunda geração de revolucionários com Deng Xiaoping no centro. Seguiram-se depois a terceira e a quarta gerações de revolucionárias tendo ao centro, respectivamente, Jiang Zenin e Hu Jintao. Do próximo congresso do Partido sairá a quinta geração de revolucionários. É um perspectiva dada em seu tempo por Deng Xiaoping que confirmou assim a sua clarividência e a sua lucidez na construção do Partido e do Estado: a personalização do poder e o culto da personalidade foram ultrapassados; pôs-se fim à ocupação vitalícia dos cargos políticos; afirmou-se um processo de formação e de secção dos grupos dirigentes que, até agora, tem dado excelentes resultados.
6. Mas até onde podemos considerar como socialista o “socialismo de mercado” teorizado e praticado pelo Partido comunista chinês? Na delegação multicolorida que vem do ocidente não faltam as dúvidas, as perplexidades, as críticas abertas. Desenvolve-se um debate, aberto e aceso, mais uma vez encorajado pelos nossos interlocutores e anfitriões. Não subsistem dúvidas de que, na sequência da afirmação da política de reforma e de abertura, a área da economia do Estado foi restringida e que a área da economia privada se alargou: estaremos na presença dum processo de restauração do capitalismo? Os comunistas chineses fazem notar que o papel central e dirigente do Estado (e do Partido comunista) se mantém firme: qual é?
O panorama económico e social da China de hoje caracteriza-se pela presença simultânea das formas mais diversas de propriedade: propriedade do Estado; propriedade pública (neste caso o proprietário não é o Estado central mas, por exemplo, um município); sociedades por acções no âmbito das quais a propriedade do Estado ou a propriedade pública detém a maioria absoluta, ou então uma maioria relativa, ou ainda uma percentagem significativa do pacote de acções; propriedade cooperativa; propriedade privada. Nestas condições, torna-se muito difícil calcular com rigor a percentagem da economia do Estado e pública. Quando voltei para casa, encontro um número especialmente interessante do International Herald Tribune: leio nele um cálculo efectuado por um professor da prestigiada universidade de Yala, precisamente Chen Zhiwu (um americano, portanto, de origem chinesa, que está talvez numa posição privilegiada para se orientar na leitura da economia do grande país asiático) indicando que “o Estado controla três quartos da riqueza da China” (7 de Julho de 2010, pág, 18). É preciso acrescentar a isto um dado geralmente esquecido: na China a propriedade do solo está inteiramente nas mãos do Estado; os camponeses têm o usufruto dele, que também podem vender, mas a sua propriedade não. No que se refere à indústria, outros cálculos atribuem um peso mais reduzido ao Estado. Em todo o caso, os que imaginam um processo gradual e irreversível de retirada do Estado da economia, estão completamente enganados. No Newsweek de 12 de Julho, um artigo de Isaac Stone Fish chama a atenção para as “empresas de propriedade do Estado que dominam de modo crescente a economia chinesa”. Em todo o caso – reafirma o semanário americano – no desenvolvimento do oeste (que a partir de agora se desenha em toda a sua amplitude e profundidade), o papel da empresa privada será bem mais reduzido do que o desempenhado no seu tempo no desenvolvimento do leste.
Os camaradas chineses fazem-nos notar que, ao introduzirem fortes elementos de concorrência, a área económica privada contribuiu em última análise para o reforço da área do Estado e pública, que foi assim obrigada a desembaraçar-se da burocracia, da falta de empenhamento, da ineficácia, do clientelismo. Com efeito, precisamente graças às reformas de Deng Xiaoping, as empresas do Estado gozam actualmente duma solidez e duma competitividade sem precedentes na história do socialismo. É um ponto que pode ser esclarecido a partir de um número do Economist (10-16 Julho 2010) que compro e percorro no confortável aeroporto de Pequim, enquanto espero o voo de regresso a Itália; o artigo de fundo sublinha que quatro dos dez bancos mundiais mais importantes são actualmente chineses. Esses bancos, contrariamente aos bancos ocidentais, estão de excelente saúde, “ganham dinheiro”, mas “o Estado detém a maioria das acções e o Partido comunista nomeia os mais altos dirigentes, cuja retribuição é uma fracção da dos seus homólogos ocidentais”. Além disso, esses dirigentes “têm que responder a uma autoridade superior à da bolsa”, ou seja, às autoridades de um Estado dirigido pelo Partido comunista. O prestigiado semanário financeiro inglês não consegue convencer-se destas novidades inauditas; tem esperança e aposta que as coisas vão mudar. Hoje há um facto que aparece aos olhos de toda a gente: a economia do Estado e pública não é sinónimo de ineficácia, como pretendem os paladinos do neo-liberalismo, e os bancos não têm que pagar aos seus dirigentes como nababos para serem competitivos no mercado interno e internacional.
7. É provável que a área económica privada satisfaça exigências ulteriores. Primeiro que tudo, torna mais fácil a introdução da tecnologia mais avançada dos países capitalistas: não esqueçamos que nesse ponto os EU procuram ainda impor um embargo à custa da China. Mas há um outro ponto, de que me apercebo quando visitamos o muito avançado parque industrial de Weifang. Em certos casos são os chineses do ultramar que fundaram as empresas privadas: estudaram no estrangeiro (sobretudo nos EU), obtendo excelentes resultados e acumulando por vezes algum capital. Regressam agora à pátria, com uma decisão que suscita alguma perturbação na região em que se estabeleceram. Como é possível que intelectuais de primeiro plano abandonem a “democracia” para regressar à “ditadura”? Para além do apelo patriótico que os convida a participar no esforço colectivo de todo um povo para que a China atinja os níveis mais avançados de desenvolvimento, de tecnologia e de civilização, estes chineses do ultramar são também atraídos pela perspectiva de fazer valer os seus talentos e a sua experiência tanto nas Universidades como nas empresas privadas de alta tecnologia que fundam. Noutros termos, estamos perante a continuação política de frente unida teorizada e praticada por Mão não só no decurso da luta revolucionária mas também durante vários anos após a fundação da República Popular da China.
Mas entremos finalmente nessas fábricas de propriedade privada. Com ou sem chineses do ultramar, reservam-nos grandes surpresas. Os que vêm ao nosso encontro são em primeiro lugar membros do Comité do Partido, cujas fotografias estão em grande destaque nos diversos serviços. Na conversas aparecem quase casualmente os condicionalismos que pesam sobre a propriedade. Esta é obrigada ou pressionada a reinvestir uma parte considerável dos lucros (por vezes até 40%) no desenvolvimento tecnológico da empresa; uma outra parte dos lucros, cuja percentagem é difícil de calcular, é utilizada para intervenções de carácter social (por exemplo, a construção de escolas profissionais que são entregues ao Estado ou ao município, ou então o socorro a vítimas duma catástrofe natural). Se nos lembrarmos que estas empresas dependem fortemente do crédito atribuído por um sistema bancário controlado pelo Estado e se pensarmos também na presença no interior desses empresas do Partido e do sindicato, impõe-se uma conclusão: nesses empresas privadas o poder da propriedade privada é equilibrado e limitado por uma espécie de contra-poder.
Mas qual é o papel desempenhado pelo Partido e pelo sindicato? As respostas que recebemos não satisfazem todos os membros da nossa delegação. Certamente, dando novamente eco a uma tendência bastante espalhada na esquerda ocidental, concentram a sua atenção exclusivamente no nível dos salários. Os nossos interlocutores chineses, pelo contrário, explicam-nos que, para além da melhoria das condições de vida e de trabalho dos operários, preocupam-se com a contribuição que as suas empresas podem dar para o desenvolvimento da economia e da tecnologia de toda a nação. Desta troca de ideias vemos novamente surgir a oposição entre as duas figuras em que Lenine insiste em Que faire ? O representante da esquerda ocidental, que apela aos operários chineses para rejeitar todos os compromissos com o poder do Estado na sua luta por salários mais elevados, julga estar a ser radical e mesmo revolucionário. Na realidade, coloca-se na esteira do reformista ou, pior ainda, do “secretário” corporativista “dum sindicato qualquer” que Lenine censura por perder de vista a luta de emancipação nos seus diversos aspectos nacionais e internacionais, tornando-se assim por vezes o ponto de apoio de “uma nação que explora o mundo todo” (naquela época a Inglaterra). O revolucionário “tribuno popular” conduz-se de forma muito diferente. Claro que, em relação a 1902 (ano da publicação de Que faire ?), a situação mudou radicalmente. Entretanto, na China o “tribuno popular” pode contar com o apoio do poder político; o que não quer dizer que, para ser revolucionário, ele, aproveitando-se dos ensinamentos de Lenine, não deva saber encarar o conjunto das relações políticas e sociais a um nível nacional e a um nível internacional. Impõe-se um aumento consistente dos salários e está já previsto, favorecido ou promovido pelo próprio poder central (como é reconhecido pela grande imprensa internacional)nas este aumento, para além de melhorar as condições de vida e de trabalho dos operários, visa aumentar o conteúdo tecnológico dos produtos industriais e consolidar assim a economia chinmesa no seu conjunto, tornando-a também menos dependente das exportações. As (justas) reivindicações salariais imediatas não podem comprometer a realização do objectivo estratégico de reforço de um país que, com o seu crescimento económico, refreia cada vez mais os planos do imperialismo ou da “hegemonia”, como os nossos interlocutores chineses preferem dizer de modo mais diplomático.
8. Finalmente, último objecto de escândalo: em homenagem à “importante ideia das três representações”, até os empresários são aceites nas fileiras do Partido comunista chinês. E de novo surgem as preocupações e as angústias de alguns membros da delegação europeia: estaremos a assistir ao aburguesamento do Partido que deveria garantir o sentido da marcha socialista da economia de mercado? Para começar, os interlocutores chineses fazem notar que o número dos empresários aceites nas fileiras do Partido (após um processo rigoroso de verificação e selecção) é insignificante em comparação com uma massa de militantes que quase atinge os 80 milhões; noutros termos, trata-se duma presença simbólica. Mas esta explicação não é suficiente. Vismos que alguns desses empresários desempenham um appel nacional: em certos sectores da economia eliminaram ou reduziram a dependência tecnológica da China vis-à-vis o estrangeiro; por vezes, não apenas no plano objectivo mas de modo consciente alguns deles colocaram-se na primeira fila na luta travada pelo Partido comunista desde 1949: a luta para derrotar o imperialismo passando da conquista da independência no plano político para a conquista da independência também no plano económico e tecnológico. Num mundo que se caracteriza cada vez mais pela knowledge economy, ou seja por uma economia baseada no conhecimento, pode acontecer que o herói do trabalho stakhanoviste da URSS de Estaline assuma o aspecto totalmente novo de um técnico super-especializado que, lançando uma empresa de alto valor tecnológico, forneça uma contribuição importante para a defesa e para o reforço da pátria socialista.
Podemos fazer uma última consideração. Na onda do “socialismo de mercado” constituiu-se um novo estrato burguês em rápida expansão. A cooptação de alguns dos seus membros no quadro do Partido comunista comporta uma decapitação política deste novo estrato, do mesmo modo que na sociedade burguesa a cooptação por parte da classe dominante de algumas personalidades de extracção operária ou popular estimua a decapitação política das classes subalternas.
9. Chegou a altura de tirar conclusões. No meu inglês claudicante, exponho-as por ocasião de alguns banquetes e, sobretudo, do jantar que precede a viagem de regresso e que se desenrola na presença entre outros de Huang Huaguang, director-geral do Gabinete para a Europa ocidental do Departamento Internacional do Comité Central do PCC. Todos os participantes na viagem são convidados a exprimir-se com grande franqueza. Nas minhas intervenções, tento dialogar também com os outros membros da delegação da Europa ocidental e provavelmente sobretudo com eles.
Quando declaram encontrar-se apenas na fase primária do socialismo e prevêem que essa fase vai durar até metade do século XXI, os comunistas chineses reconhecem indirectamente o peso qie as relações capitalistas continuam a exercer no seu país imenso e tão variado. Por outro lado, o monopólio do poder político nas mãos do Partido comunista (e pelos 8 partidos menores que reconhecem a sua direcção) está à vista de toda a gente. Para um observador atento, também não deverá escapar o facto de que, situadas como estão numa posição de subalternidade no plano económico, político e social, as próprias empresas privadas, mais do que levadas pela lógica do lucro máximo, são estimuladas, empurradas e pressionadas a respeitar uma lógica diferente e superior: a do desenvolvimento cada vez mais generalizado e cada vez mais ramidificadamente espalhado tanto da economia como da tecnologia nacional. Em última análise, através duma série de mediações, até mesmo essas empresas privadas estão sujeitas ou subordinadas ao “socialismo de mercado”. E portanto os sermões moralistas que uma certa esquerda ocidental não se cansa de fazer ao Partido comunista chinês são, por um lado, redundantes e supérfluos e, por outro lado, infundados e inconsistentes.
Evidentemente, é sempre legítimo formular dúvidas e críticas sobre o “socialismo de mercado”. Mas pelo menos num ponto considero que devia ser possível à esquerda de chegar a um consenso. A política de reforma e de abertura introduzida por Deng Xiaoping não significou de forma alguma a homologação da China ao ocidente capitalista como se o mundo inteiro passasse a ser caracterizado por um mapa calmo. Na realidade, a partir precisamente de 1979 desenvolveu-se uma luta que escapou aos observadores mais artificiais mas cuja importância se manifesta com uma evidência cada vez maior. Os EU e seus aliados esperavam reafirmar uma divisão internacional do trabalho nesta base: a China teria que se limitar à produção, a baixo preço, de mercadorias desprovidas de real conteúdo tecnológico. Por outras palavras, estavam à espera de conservar e acentuar o monopólio ocidental da tecnologia: nesse plano, a China, como todo o Terceiro Mundo, deveria continuar a sofrer uma relação de dependência em relação à metrópole capitalista. Percebe-se bem que os comunistas chineses tenham interpretado e vivido a luta para fazer fracassar esse projecto neo-colonialista como a continuação da luta de libertação nacional; não há uma verdadeira independência política sem independência económica; pelo menos os que se reclamam marxistas deviam estar de acordo com esta verdade! Graças à manutenção cobiçada do monopólio da tecnologia, os EU e seus aliados pretendiam continuar a ditar as leis das relações internacionais. Com o seu extraordinário desenvolvimento económico e tecnológico, a China abriu a via para a democratização das relações internacionais. Os comunistas e também todos os verdadeiros democratas deviam congratular-se com esse resultado: Actualmente há melhores condições para a emancipação política e económica do Terceiro Mundo.
Neste ponto convém desembaraçarmo-nos de um equívoco que torna difícil a comunicação entre o PCC e a esquerda ocidental no seu conjunto. Mesmo no meio de oscilações e contradições de todo o tipo, desde a sua fundação que a República Popular da China se empenhou em lutar contra não uma mas duas desigualdades, uma de carácter interno e a outra de carácter internacional. Na sua argumentação da necessidade da política de reforma e de abertura que desejava, Deng Xiaoping, numa conversa de 10 de Outubro de 1978, chamava a atenção para o facto que o “fosso” tecnológico estava em vias de se alargar em comparação com os países mais avançados. Estes desenvolviam-se “a uma velocidade terrível”, enquanto que a China corria o risco de ficar cada vez mais para trás (Selected Works, vol. 3, pág. 143). Mas se falhasse o rendez-vous com a nova revolução tecnológica, encontrar-se-ia numa situação de fraqueza semelhante à que a tinha entregue, indefesa, às guerras do ópio e à agressão do imperialismo. Se falhasse esse rendez-vous, para além do prejuízo para si mesma, a China provocaria um enorme prejuízo à causa da emancipação do Terceiro Mundo no seu conjunto. É preciso acrescentar que, precisamente porque soube reduzir de forma drástica a desigualdade (económica e tecnológica) no plano internacional, a China está hoje em melhores condições, graças aos recursos económicos e tecnológicos que acumulou entretanto, para enfrentar o problema da luta contra a desigualdade no plano interno.
O “século das humilhações” da China (o período que vai de 1840 a 1949, a saber, desde a primeira guerra do ópio à conquista do poder pelo PCC) coincidiu historicamente com o século da mais profunda depravação moral do ocidente: guerras do ópio com a devastação infligida a Pequim no Palácio de Verão e coma destruição e pilhagem das obras de arte que continua, expansionismo colonial e recurso a práticas esclavagistas ou genocidárias em detrimento das “raças inferiores”, guerras imperialistas, fascismo e nazismo, com a barbárie capitalista, colonialista e racista que atingiu o auge. Da forma como o ocidente souber encarar o renascimento e o regresso da China, poderemos avaliar se ele está decidido a fazer realmente as contas com o século da sua mais profunda depravação moral. Que pelo menos a esquerda saiba ser o intérprete da cultura mais avançada e mais progressista do ocidente!
Tradução de Margarida Ferreira