quarta-feira, 22 de junho de 2011

Fim de pesadelo: Battisti agora é imigrante legal no Brasil


Depois da vitória por 6 a 3 no Supremo Tribunal Federal, uma mais categórica ainda no Conselho Nacional de Imigração: por 14 a 2, o colegiado, vinculado ao Ministério do Trabalho, concedeu nesta quarta-feira (22) autorização de permanência para o escritor italiano Cesare Battisti, que poderá residir e trabalhar no Brasil, como imigrante legal, por tempo indeterminado.


Por Celso Lungaretti, em seu blog

Em termos jurídicos, é o ponto final dos apuros de Battisti, depois de debater-se durante sete anos num pesadelo kafkiano. Ele deixara as fileiras da ultraesquerda italiana em 1979 e reconstruíra a vida no exílio, acabando por tornar-se um respeitado novelista na França, ao abrigo da Lei Mitterrand.

Em 2004, contudo, a Itália o escolheu como alvo de uma cruzada vingativa, aproveitando a histeria que grassava nos países do Primeiro Mundo desde o atentado ao WTC, insuflada ad nauseam pela indústria cultural.

Para os estadunidenses, foi uma chance de, sob falsos pretextos, invadirem países soberanos e submetê-los à sua vontade. Os italianos, mais modestos, contentaram-se em desencadear uma perseguição tão espetaculosa quanto inútil, impingindo a lorota de que um personagem secundário dos anos de chumbo seria terrível terrorista – tal qual, séculos atrás, queimavam mulheres fogosas como bruxas e judeus como infiéis.

Depois da bilionária campanha para fazer com que a França desonrasse o compromisso solene que assumira com os perseguidos políticos italianos, os linchadores peninsulares se transferiram com armas e bagagens para o Brasil, onde, ao lado dos quinta-colunas tupiniquins que lhes serviram de escudeiros, acabam de sofrer uma acachapante derrota.

A qual, vale repetir, é definitiva: as escaramuças legais anunciadas pela Itália não têm a mais ínfima possibilidade de alterarem o resultado do jogo após o apito final do árbitro. Servem apenas para alimentar, entre os direitistas e os videotas de lá, uma ilusão que talvez ajude a salvar o premiê Silvio Berlusconi da degola. Espero que não.

Tradição de família

Neto, filho e irmão mais novo de comunistas, engajou-se naturalmente na Juventude do PCI e, aos 13 anos, já participava dos protestos estudantis que marcaram o 1968 europeu.

Depois, no cenário radicalizado do pós-1968, o ardor da idade, também naturalmente, o foi conduzindo cada vez mais para a esquerda: do PCI à Lotta Continua, desta à Autonomia Operária, até desembocar no Proletários Armados para o Comunismo, pequena organização regional com cerca de 60 integrantes.

Participou de assaltos para sustentar o movimento – as expropriações de capitalistas – e não nega. Mas, assustado com a escalada de violência desatinada – cujo ápice foi a execução do sequestrado premiê Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas – desligou-se em 1978, logo após o primeiro assassinato reivindicado por um núcleo dos PAC, do qual só tomou conhecimento a posteriori, recebendo-o com indignação.

Já era um mero foragido sem partido quando os PAC vitimaram outras três pessoas, no ano seguinte.

Detido, foi condenado em 1981 pelo que realmente fez (participação em grupo armado, assalto e receptação de armas), mas a uma pena rigorosa demais (12 anos), característica dos anos de chumbo na Itália, quando se admitia até a permanência de um suspeito em prisão preventiva por mais de dez anos.

Resgatado em outubro de 1981, por uma operação comandada pelo líder dos PAC, Pietro Mutti, abandonou a Itália, a luta armada e a própria participação política, ocultando-se na França, depois no México, onde iniciou sua carreira literária.

Aceitando a oferta do presidente François Mitterrand – abrigo permanente para os perseguidos políticos italianos que se comprometessem a não desenvolver atividades revolucionárias em solo francês –, levava existência pacata e laboriosa há 14 anos, quando, em 2004, a Itália o escolheu como alvo.

Tinha sido figura obscura e irrelevante nos anos de chumbo, quando cerca de 600 grupos e grupúsculos de ultraesquerda se constituíram na Itália. O fenômeno ganhou maiores proporções porque muitos militantes sinceros de esquerda foram levados ao desespero pela traição histórica do PCI, que tornou a revolução inviável num horizonte visível ao mancomunar-se com a reacionária, corrupta e mafiosa Democracia Cristã.

Destes 600, um terço esteve envolvido em ações armadas.

Por quê eu?

Nem os PAC tinham posição de destaque na ultraesquerda, nem Battisti era personagem destacado dos PAC. Foi apenas a válvula de escape de que o delator premiado Pietro Mutti e outros arrependidos, em depoimentos escandalosamente orquestrados, serviram-se para obter reduções de pena: estava a salvo no exterior, então poderiam descarregar sobre ele, sem dano, as próprias culpas.

Num tribunal que só faltou ser presidido por Tomás de Torquemada, Battisti acabou sendo novamente julgado na Itália e condenado à prisão perpétua em 1987.

A sentença se lastreou unicamente no depoimento desses prisioneiros que aspiravam a obter favores da Justiça italiana – cujas grotescas mentiras se evidenciaram, p. ex., na atribuição da autoria direta de dois homicídios quase simultâneos a Battisti, tendo a acusação de ser reescrita quando se percebeu a impossibilidade material de ele estar de corpo presente em ambas as cidades.

Depois, provou-se de forma cabal que Battisti não só fora representado por advogados hostis (pois defendiam os arrependidos cujos interesses conflitavam com os dele), como também falsários (pois forjaram as procurações que os davam como seus patronos).

Battisti escapara das garras da Justiça italiana, então valia tudo contra ele. Mas, ainda, como vilão menor.

Passou a ser encarado como um vilão maior quando alcançou o sucesso literário. Tinha muito a revelar sobre o macartismo à italiana dos anos de chumbo, tantas vezes denunciado pela Anistia Internacional e outros defensores dos direitos humanos.

Foi aí, em 2004, que a Itália direcionou suas baterias contra Battisti, investindo pesado em persuasões e pressões para que a França esquecesse a palavra empenhada por um presidente de verdade, François Mitterrand.

Ao mesmo tempo que concedia a extradição antes negada, a França, por meio do seu serviço secreto, facilitou a evasão de Battisti. A habitual duplicidade francesa.

Vítima de dois sequestros no Brasil

E o pesadelo se transferiu para o Brasil, onde o escritor teve a infelicidade de encontrar, no STF, dois inquisidores dispostos a tudo para entregarem o troféu a Silvio Berlusconi.

Preso em março de 2007, seu caso deveria ter sido encerrado em janeiro de 2009, quando o então ministro da Justiça Tarso Genro lhe concedeu refúgio.

Mas, ao contrário do que estabelecia a Lei do Refúgio, bem como a jurisprudência consolidada em episódios anteriores, o relator Cezar Peluso manteve Battisti sequestrado, na esperança de convencer o STF a revogar (na prática) a Lei e jogar no lixo a jurisprudência.

Apostando numa hipótese coerente com suas convicções pessoais (conservadoras, medievalistas e reacionárias), Peluso manteve encarcerado quem deveria libertar.

Ele e o então presidente Gilmar Mendes atraíram mais três ministros para sua aventura que, em última análise, visava erigir o Supremo em alternativa ao Poder Executivo, esvaziando-o ao assumir suas prerrogativas inerentes. A criminalização dos movimentos sociais também fazia, obviamente, parte do pacote.

Foram juridicamente aberrantes as duas primeiras votações, em que o STF, por 5x4, derrubou uma decisão legítima do ministro da Justiça e autorizou a extradição de um condenado por delitos políticos, ao arrepio das leis e tradições brasileiras.

Como na nossa ditadura militar, delitos políticos foram falciosamente metamorfoseados em crimes comuns – a despeito da sentença italiana, dezenas de vezes, imputar a Battisti a subversão contra o Estado italiano e enquadrá-lo numa lei instituída exatamente para combater tal subversão!

A blitzkrieg direitista foi detida na terceira votação, quando Peluso e Mendes tentavam automatizar a extradição, cassando também uma prerrogativa do presidente da República, condutor das relações internacionais do Brasil.

Contra este acinte à Constituição insurgiu-se um ministro legalista, Carlos Ayres Britto. Também por 5x4, ficou definido que a decisão final continuava sendo do presidente da República, como sempre foi.

Sabendo que Luiz Inácio Lula da Silva não cederia às afrontosas pressões italianas, o premiê Silvio Berlusconi já se conformava com a derrota em fevereiro de 2010, pedindo apenas que a pílula fosse dourada para não o deixar muito mal com o eleitorado do seu país.

Mesmo assim, quando Lula encerrou de vez o caso, Peluso apostou numa nova tentativa de virada de mesa. Ao invés de libertar Battisti no próprio dia 31 de dezembro de 2010, que era o que lhe restava fazer segundo o ministro Marco Aurélio de Mello e o grande jurista Dalmo de Abreu Dallari, manteve-o, ainda, sequestrado.

E o sequestro, desta vez, saltou aos olhos e clamou aos céus. Só não viu quem não quis.

O próprio STF acabou decidindo, por dois terços dos votos (só Ellen Gracie embarcou na canoa furada de Peluso e Mendes), que não havia mais motivo nenhum para o processo prosseguir nem para Battisti ser mantido preso.

Agora, com sua situação de imigrante legal regularizada, Battisti finalmente encontrará a paz que veio buscar entre nós, acreditando que fôssemos todos brasileiros cordiais. Para sorte dele e em benefício da imagem do país junto a quem não usa antolhos, alguns ainda somos...

Fonte: Blog Náufragos da Utopia

terça-feira, 21 de junho de 2011

Lançada em São Paulo campanha pelo Estado da Palestina já


Entidades do movimento social brasileiro, associações da comunidade árabe e palestina no Brasil e partidos de esquerda, realizaram na noite da última segunda-feira (20) em São Paulo, na sede nacional do PCdoB, uma reunião em que lançaram a campanha “Pela Criação do Estado da Palestina Já!” Como convidado de honra participou do encontro o embaixador da Autoridade Nacional Palestina no Brasil, Ibrahim al-Zeben.

As organizações presentes eram PCdoB, PT, MST, CUT, CTB, UJS, Cebrapaz, Comissão Pastoral da Terra, Fearab, Fepal, Portal Arabesq, Portal Vermelho, Sociedade Palestina de São Paulo, Sociedade Palestina de Uruguaiana, Comunidade Maronita Libanesa El Marada e Partido Comunista Libanês. O deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP) também compareceu à sede do PCdoB para levar apoio à causa palestina.

As entidades organizarão no mês de novembro uma convenção nacional de solidariedade com a Palestina, cuja preparação envolverá uma série de ações, entre elas um seminário de aprofundamento e estudo no mês de julho.

Para o embaixador Ibrahim al-Zeben, “as organizações do movimento social brasileiro e os partidos presentes mais uma vez abrem os olhos da militância para os problemas da Palestina, mais uma vez os nossos amigos do Brasil dão a cara e brindam suas mãos e seu coração em apoio à Palestina”.

Ele explicou por que agora a questão palestina emerge com tanta força, a ponto de ser submetida às Nações Unidas: “Estamos melhor que antes, com a perspectiva de restaurar a unidade nacional e transformar a OLP”. Segundo sua análise, a “Primavera Árabe” abriu as portas e ajudou o Fatah e o Hamas a se darem conta da situação e reconstruíssem a unidade nacional. O representante da ANP no Brasil lembrou Yasser Arafat que dizia que o povo é mais avançado que as lideranças. “As massas disseram ‘chega´ de divisão e pediram a unidade nacional para já”, pontuou AL-Zeben, que defendeu também a necessidade de criar em breve um governo representativo de todos os palestinos".

O embaixador não poupou críticas ao governo israelense, “cada vez mais intransigente e negativo em relação aos direitos dos palestinos”. Ele fez o balanço de 15 anos de negociações, chegando à conclusão de que “os palestinos tudo fizeram, mas houve uma constante negativa por parte do governo de Israel”. O embaixador destacou ainda o papel positivo da diplomacia brasileira.

Ibrahim al-Zeben anunciou que a ANP vai tomar posições importantes nas próximas semanas: “Vamos solicitar assento como membro pleno da ONU. A solicitação vai ser feita pela Liga Árabe”. Sabendo que será uma luta difícil e complexa para fazer valer a decisão palestina nas instâncias da ONU, AL-Zeben disse que mais do que nunca seu povo necessitará do apoio da comunidade internacional. “Acreditamos no apoio do Brasil e consideramos que este precisa do apoio do movimento popular”.

A reunião foi unânime no apoio à reivindicação de criar o Estado da Palestina já.

Da redação do VERMELHO

Maria do Rosário: Compromisso com a história, com a memória e com a verdade

Maria do Rosário - Sul21

Quero inaugurar esse espaço agradecendo imensamente ao Sul21 pelo convite para fazer parte do time de colunistas desse jovem e tão vitorioso canal de comunicação, que democratiza a informação no nosso Rio Grande do Sul e no mundo todo, uma vez que a internet rompeu todas as barreiras físicas. É uma honra poder relatar o nosso trabalho para os leitores e leitoras.

Desde que assumiu a Presidência da República do nosso país, a presidenta Dilma Rousseff tem sido muito enfática na defesa inquestionável dos Direitos Humanos. Com muita determinação, ela posicionou o governo pela coerência nessa questão. Isso significa que só vamos defender lá fora, no cenário internacional, o que executamos aqui no Brasil, com o nosso povo. E não são poucos os desafios. Na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República temos a responsabilidade por políticas de proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes, das pessoas com deficiência, dos idosos, da população em situação de rua, pela afirmação da livre orientação sexual, de liberdade religiosa, contra a tortura e o trabalho escravo, enfim, com uma série de segmentos, sempre enfrentando as discriminações e preconceitos. O nosso grande desafio é que todas as pessoas se percebam como detentoras de direitos e que possam contar com o Estado para garanti-los.
Mas há um tema especial que nos é muito valioso. A semente da democracia sempre esteve presente nos corações dos brasileiros, mesmo nos momentos mais difíceis. Para o Brasil não existe hierarquia entre os direitos econômicos, sociais e culturais e os direitos civis e políticos. Todo ser humano tem direito à alimentação, ao emprego, à moradia digna e a paz social. Da mesma forma, todo ser humano tem o direito à liberdade de opinião, de expressão e de escolher seus governantes.
Foi na luta pelo exercício dessas liberdades que o povo brasileiro superou a um regime autoritário e reconquistou a democracia. Essa luta se deu com o sofrimento de milhares e com a vida de muitos, aos quais sempre devemos nossa homenagem e reconhecimento.
O direito à memória e à verdade é aspecto integrante dos Direitos Humanos, e instrumento fundamental para o fortalecimento da nossa democracia. O resgate da história do nosso país no período da Ditadura Militar (1964-1985) merece toda a prioridade e é nesse sentido que estamos atuando.
O governo publicou essa semana a sentença do Brasil no caso da Guerrilha do Araguaia, episódio que marcou a história política brasileira e uma geração de homens e mulheres que nos antecederam e lutaram pela democracia. Ao publicarmos essa sentença, decidida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, reafirmamos o compromisso com a continuidade das buscas para identificar e entregar os restos mortais dos desaparecidos políticos aos seus familiares. Precisamos elucidar os fatos ocorridos durante a Ditadura Militar em respeito à nossa história, mas sobretudo em reconhecimento aos familiares daqueles que foram mortos ou estão desaparecidos, e aos que viveram aquele período e empenharam suas vidas generosamente porque acreditavam na liberdade e na democracia. As famílias não realizaram até hoje o ritual de despedida e, por isso, não exerceram o direito milenar de velar seus entes queridos, uma forma encontrada pela humanidade para absorver a perda junto aqueles que se solidarizam com a nossa dor.
Por isso mesmo devemos dar seguimento ao processo de reconhecimento da responsabilidade do Estado por graves violações de Direitos Humanos, com vistas à sua não repetição, de forma a caracterizar uma consistente virada de página sobre esse momento da história do país. E esse reconhecimento se dará com uma oportunidade única que temos de reconciliação da nossa história, com a aprovação da Comissão da Verdade. Isso significa mais do que demonstrar a necessidade de assegurar o direito à memória e reparar, mas a real possibilidade de dar as futuras gerações a responsabilidade de prevenir que períodos de exceção e práticas ocorridas nesses anos nunca mais se repetirão.
É nesse sentido que estamos trabalhando, com uma firme determinação de que precisamos agir para garantir a efetividade dos direitos para todas as pessoas, enfrentando as violações e resgatando as lacunas incompletas da nossa história. O desafio é muito grande, mas muito motivador. Como disse Norberto Bobbio, (…) “Poder-se-iam multiplicar os exemplos de contraste entre as declarações solenes e sua consecução, entre a grandiosidade das promessas e a miséria das realizações. Já que interpretei a amplitude que assumiu atualmente os debates sobre os direitos do homem como um sinal do progresso moral da humanidade, não será inoportuno repetir que esse crescimento moral não se mensura pelas palavras, mas pelos fatos.”

* Pedagoga, mestre em educação, deputada federal e ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Belchior – Coração Selvagem (1977)

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Créditos: UmQueTenha

Slavoj Zizek: Capitalismo não é única opção da humanidade


Em um determinado momento da Primeira Guerra Mundial, em uma trincheira, um soldado alemão envia uma mensagem informando que a situação por lá “era catastrófica, mas não era grave”. Em seguida, recebeu a resposta dos aliados austríacos afirmando que a situação deles era “grave, mas não catastrófica”.

Via VERMELHO

Essa anedota é representada pelo filósofo Slavoj Zizek para explicar a atual falta de equilíbrio nas discussões sobre as crises mundiais e nas possíveis alternativas para solucioná-las. “Uns acham que vivemos uma situação catastrófica, mas que não é grave. Outros que a situação é grave, mas não catastrófica”, expôs o professor nascido na Eslovênia.

Neste fim de semana, Zizek participou da conferência “Revoluções, uma política do sensível”, promovida pelo Instituto de Tecnologia Social, pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, pelo SESC-SP e pela Boitempo Editorial. Com bom humor e comentários ácidos e perspicazes, ele defendeu a importância de um debate alternativo à imposição do capitalismo como única lógica possível de organização. Também criticou a forma como as mídias e os governos pautam a discussão ambiental.

Durante o encontro, o professor explicou que a importância do trabalho filosófico está na prática de “destruição do pensamento dominante”. Ele alertou que é preciso colocar um fim à predominância da ideologia capitalista, já que a maioria das pessoas age como se não houvesse outra alternativa.

Comunismo como opção

“Os problemas que enfrentamos são comuns a todos nós, por isso o comunismo é uma alternativa. A utopia que temos hoje é acreditar que soluções isoladas é que vão resolver os problemas mundiais”, argumenta Zizek.

Para o filósofo, devemos pensar em uma forma de organização política que “esteja fora da lógica e das regras do mercado”. A República Democrática do Congo, segundo o professor, é um sintoma do capitalismo global. “É um Estado que simplesmente não funciona como Estado. Trata-se de uma série de áreas controladas por generais locais que mantêm contratos com grandes empresas internacionais”.

Ele afirma que, a todo momento, dizem que comunismo é algo impossível. “Cientistas discutem aperfeiçoamentos genéticos que podem nos dar a imortalidade. Outros falam do uso da telepatia para operar aparelhos. Não podemos deixar que nos digam que o queremos é impossível!”, diz.

Zizek cita o exemplo da China onde, segundo ele, foram proibidos livros, filmes, gibis e qualquer outra produção artística e cultural que sugira ou faça referência a realidades alternativas. “No Ocidente, não é preciso que nenhum governo proíba isso, nós encaramos a realidade como se ela só pudesse ser dessa forma”, analisa.

Capitalismo ético-social?

O capitalismo tem um enorme poder de absolver as críticas que recebe e de transformá-las em novas fontes de lucro, explica Zizek. “Hoje há uma espécie de capitalismo ‘ético-social’. Para você ficar com a consciência mais tranqüila, as grandes marcas dizem que 1% do valor do produto vai para crianças que passam fome ou para plantar mudas de árvores”, diz.

Ele esclarece que essa lógica é própria da filosofia norte-americana, que vende a ideia de que, assim, “estamos salvando o mundo”. E nos sentimos bem com isso.

Os problemas capitalistas estão sendo vistos como problemas morais, esclarece Zizek. Para ele, o problema disso é que, a partir desta visão, as pessoas comecem a acreditar que punições ou soluções morais são suficientes para resolver os problemas provocados pelo capitalismo.

“Vejam como o presidente (dos EUA, Barack) Obama tratou a questão do vazamento de petróleo no México. Um problema ambiental foi transformado em um problema legal. Discutiu-se o se a empresa teria de recompensar e de quanto seria essa multa. É ridículo tratar um caso desses como uma simples questão legal”, exemplifica.

A crise ambiental

Quando a preocupação com a degradação ambiental ganhou força, a mídia dizia que isso era coisa de comunista que estava arrumando uma desculpa para criticar o capitalismo, conta o filósofo. “Agora há um discurso mais ambíguo, os canais de comunicação dizem, por exemplo, que quando as camadas de gelo derreterem, vai ficar mais barato comprar os produtos chineses”, ironiza Zizek.

Para ele, há um “mecanismo de negação” em torno da questão ambiental. “Fala-se tanto da gravidade da natureza, de que o mundo pode acabar em um, dois anos, que isso amortiza a consciências das pessoas. Elas pensam: ‘Se eu falar muito nisso, talvez nada aconteça!’” ilustra o professor.

De acordo com Zizek, a ideia de sustentabilidade é um mito e não há “equilíbrio ideal com a natureza para o qual podemos retornar”. Uma das ideia mais difundidas é que devemos buscar pequenas soluções para o meio ambiente. “Vocês gostam de torcer no futebol, não? Quando vão ao estádio e ficam gritando e pulando, acham que isso faz o seu time vencer. A reciclagem é igual a essa torcida”, brinca Zizek.

Oriente Médio e África

Zizek aponta que as recentes manifestações no Oriente Médio e na África mostram, ao contrário do que o Ocidente afirmava, que eles são capazes de se organizar por questões que vão além do fundamentalismo ou do anti-ceticismo.

Para os padrões ocidentais, a liberdade em um país é medida, principalmente, na existência ou não de mecanismos eleitorais e no respeito aos direitos humanos. “A liberdade, como já dizia Marx, deve ser vista em como se dão as relações sociais. É preciso ver se as pessoas possuem liberdade dentro dos mecanismos sociais”.

Segundo o filósofo, o momento mais importante destas revoluções é o “dia seguinte”. “Estamos muito animados com estes recentes acontecimentos. Mas a verdadeira revolução precisa acontecer agora”.

Garantia Acme

Slavoj Zizek concluiu a palestra com a previsão de que, ainda que demore mais um tempo, o sistema global vai revelar como é frágil, apesar de aparentar ser invencível. “O capitalismo está na mesma situação do Coiote perseguindo o Papa-léguas. Ela já passou a linha do abismo, só falta ele olhar para baixo e ver que não está mais pisando no chão!”.

Fonte: Opera Mundi

Igreja evangélica fundada por mulheres homossexuais no centro de São Paulo quer acolher " escorraçados pela intolerância"

Eduardo Anizelli/Folhapress



Pastora Rosania Rocha (à esq.) e a missionária Lanna Holder

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
Lanna Holder, a ex-lésbica, ex-drogada e ex-alcoólotra pregadora evangélica, era a prova cabal do poder curador de Deus na vida dos que nele creem. Pois foi só se converter ao evangelho, e Lanna, então com 20 anos, deixou para trás um pelotão de namoradas suspirantes e as noitadas movidas a cocaína e hectolitros de álcool, consumidos diariamente.
"Centenas de ministérios disputavam "a tapas" a presença da carismática Lanna em seus púlpitos. Em pouco tempo, ela se transformou em uma espécie de "avatar da sorte" para quem quisesse manter sua congregação lotada", escreve um pastor, a respeito da hoje desafeta.
Lanna subia ao altar e contava com voz de contralto como o milagre ocorrera em sua vida "dissoluta". A apoteose era quando apresentava o maridão emocionado e o filho. O templo vinha abaixo.
Dezesseis anos depois da conversão, a campeã da fé, agora com 36 anos, acaba de abrir uma nova igreja evangélica em São Paulo, a Comunidade Cidade de Refúgio, no centro de São Paulo.
Surpresa: em vez dos testemunhos de como se curou da "praga gay", Lanna Holder rendeu-se à homossexualidade. Ela tem até uma companheira na empreitada, a pastora e cantora gospel Rosania Rocha, 38.
As duas estão juntas há cinco anos, desde que largaram os maridos e oficializaram seus divórcios. No tempo em que era o troféu da fé, Lanna lidou com o que hoje chama de "culpa extrema". "Eu pregava o que desejava que acontecesse comigo", diz.
Para evitar reincidir, mortificou a carne com jejuns e subidas e descidas de montes, em uma espécie de cooper -para cansar mesmo.
Participou de "campanhas de libertação" todas as quartas-feiras, incluindo rituais de quebra de maldição e cura interior. Por fim, submeteu-se a sessões de "regressão ao útero materno", nos moldes preconizados no início do século 20 pelo terapeuta Otto Rank (1884-1939). "Não deu certo", ela diz.
Chamada para pregar em Boston, nos EUA, bastou encontrar os olhos claros da mineira Rosania para todo o "trabalho" naufragar. Rosania também se apaixonou.
Elas pediram ajuda aos pastores, oraram muito para evitar. Ficaram quase um ano sem se ver. Mas não deu.
Depois de um acidente de carro que lhe deslocou da bacia o fêmur direito, esmagou-lhe o pulmão, causou trauma cardíaco, fratura em quatro costelas e dilaceração do fígado -hoje, uma grossa cicatriz de 0,6 metro de comprimento cruza todo o tronco de Lanna-, as duas resolveram, enfim, viver juntas.
Sobre os pastores que as acusam de criarem um lugar de culto a Satanás, uma filial de Sodoma e Gomorra, as duas líderes religiosas dizem apenas: "A nossa igreja é de Cristo, não é de lésbicas ou gays. Mas queremos deixar claro que somos um refúgio, acolhemos todos os machucados e feridos, todos os que foram escorraçados pela intolerância".
No primeiro dia, a nova igreja juntou 300 pessoas. (FSP, 16.6.2011)

COMUNIDADE CIDADE DE REFÚGIO
ONDE Avenida São João, 1.600, Santa Cecília
QUANDO Quartas, sextas e sábados, às 20h. Domingo, às 18h

domingo, 19 de junho de 2011

Gramsci e seu “grito de guerra” ecoam na blogosfera progressista


Salvo engano, o nome de Antonio Gramsci (1891-1937) não foi citado nos debates do 2º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, que ocorre desde sexta-feira (17) em Brasília. Mas um texto escrito há 95 anos pelo revolucionário italiano sintetiza um dos consensos mais cristalizados do movimento pela democratização da mídia.


Por André Cintra no VERMELHO

Em Os Jornais e os Operários, de 1916, Gramsci exortava os trabalhadores a romperem todos os laços com a imprensa burguesa. Numa época em que a TV nem sequer existia e o rádio ainda era uma mídia incipiente e experimental — um “telégrafo sem fio” —, o jornal despontava como a principal arma de dominação ideológica do operariado.

“Antes de mais nada, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em contraste com os seus”, denunciava Gramsci. “Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma ideia: servir à classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora.”

Daí a conclamação do pensador italiano a que não se iludissem com a “grande imprensa” da época. Mais ainda, que não comprassem nem assinassem os jornais inimigos, para não garantir a viabilidade financeira do empreendimento. “Não contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária. Eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinatura de todos os jornais burgueses: ‘Boicotem, boicotem, boicotem!’”, arrematava Gramsci.

Quase um século depois, os participantes do encontro da blogosfera parecem decididos a não dar tréguas à grande mídia. Já não se trata apenas de jornais. A imprensa burguesa deixou de ser somente impressa e se converteu num gigantesco aparato multimídia, que inclui também grandes emissoras de TV e rádio, revistas (sobretudo as semanais), portais na internet e provedores de conteúdo para dispositivos móveis. Como enfrentar esse centauro midiático — verdadeira aberração da civilização contemporânea?

O “medo de se indispor”

Um dos consensos que já é possível extrair do Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, antes mesmo da plenária final deste domingo (19) — e ainda que não haja uma resolução formal —, é que a luta contra a grande mídia tem de se fortalecer. É preciso, claro, que o governo tome medidas aparentemente mais simples, como alastrar a internet via banda larga. Mas urge, acima de tudo, ter ousadia e coragem para lutar contra o oligopólio que toma conta das comunicações.

Na abertura do encontro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ironizou os “falsos formadores de opinião que já não formam opinião nem na casa deles”. Implicitamente, porém, admitiu que o governo federal, tanto com ele quanto com a presidente Dilma Rousseff, não conseguiu alterar a correlação de forças do setor. Ao salientar que as propostas de marco regulatório “mexem com grandes interesses”, Lula deixou claro que a batalha não está ganha — ao contrário, apenas emergiu.

Com conhecimento de causa, dois outros convidados do encontro — a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) e o ex-ministro José Dirceu (PT-SP) — lembraram, em mesas diferentes, que a maioria dos políticos tem medo de se indispor com a grande mídia. Não é por acaso que a Câmara dos Deputados criou apenas neste ano a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), com mais de mais de cem entidades e sob a coordenação de Erundina. “Já não me sinto tão só”, afirmou a deputada.

35 grupos

Já o jurista Fábio Konder Comparato sustentou que “todos os poderes do Estado, inclusive a mídia, estão nas mãos de oligarquias. Os órgãos e as instituições do Estado brasileiro não têm poder de fato. Eles agem sob pressão dos grupos que efetivamente detêm poder”.

Comparato acredita que o Executivo “cede fácil às cobranças” das grandes redes de comunicação. Para começar a reverter essa lógica, basta que o Congresso regulamente os artigos da Constituição de 1988 sobre o tema — especialmente o que proíbe a existência de oligopólios no setor. São da autoria de Comparato, aliás, as ações diretas de inconstitucionalidade que cobram a regulamentação dessas medidas.

O desafio até lá, é resistir a tais pressões dos 35 grupos que controlam 516 empresas de comunicação do Brasil. Ou, em outras palavras, fazer valer o “grito de guerra” proposto por Gramsci: “Boicote, boicote, boicote” ao oligopólio midiático. Já!

Árabes, muçulmanas e emancipadas

O Brasil de Fato relata a participação feminina na sociedade e na luta pela independência





Igor Ojeda eTatiana Merlino

 Smara (Saara Ocidental)
e Madri (Espanha) via BRASIL DE FATO

Quase todos os dias, Dajna é a primeira a se levantar. Antes do restante de sua família acordar, lava a louça do dia anterior e prepara o pão para o café da manhã. Durante o dia, cuida dos afazeres domésticos em geral. Lava a roupa, faz o almoço, o jantar. Muitas vezes, conta com a ajuda da filha e da cunhada, mas é ela a dona da casa, quem dá a ordem final. Por recomendação médica para enfrentar a diabete de que sofre, diariamente sai para caminhar. Duas ou três vezes por semana, trabalha na oficina de tear de sua comunidade, confeccionando bolsas, tapetes e panos para vender.
Essa senhora de 50 anos já casou duas vezes e teve cinco filhos. Viúva do primeiro marido, divorciada do segundo, foi obrigada a criar a prole sozinha. Além disso, se “provocada”, emite opiniões firmes sobre as mais variadas questões, nacionais ou internacionais. Dajna Laman Merhi é um bom exemplo de mulher saaraui, como é chamado o natural do Saara Ocidental, país do noroeste da África ocupado há 35 anos pelo vizinho Marrocos (leia mais detalhes sobre a ocupação nas edições anteriores do Brasil de Fato).
Dajna não vive, no entanto, sob a ocupação. Em 1975, quando a monarquia marroquina enviou 350 mil soldados para invadir o território saaraui, prestes a ser deixado pela Espanha, a então colonizadora, ela e alguns parentes – juntamente com cerca de 150 mil conterrâneos – fugiram pelo meio do deserto do Saara e se instalaram no sudoeste da Argélia, onde, nos arredores da cidade de Tindouf, foram erguidos cinco campos de refugiados, que existem até hoje. Dajna vive, com três de seus filhos – os dois mais velhos moram no exterior – no campo 27 de Febrero, que, originalmente, era uma escola de mulheres.
Como milhares de outras saarauis, ela foi uma das responsáveis, ao longo de mais de uma década, pela construção de um país no exílio, já que a maioria dos homens estava na guerra, que durou até 1991. Saúde, educação, água, alimentação, toda a administração dos campos de refugiados ficou a cargo das mulheres, que, ainda hoje, mantêm uma importante participação na sociedade e na política saaraui.

“Exemplo de emancipação”
“Dentro do estereótipo que o Ocidente faz do mundo islâmico e árabe, somos um exemplo de emancipação, pois viemos de um povo em que a mulher sempre foi considerada e respeitada”, explica Zahra Ramdán Ahmed, fundadora e presidenta da Associação de Mulheres Saarauis na Espanha.
Os saarauis são originários de uma sociedade beduína e nômade. Nela, enquanto os homens se ocupavam de tocar o gado, caçar e pescar, eram as mulheres que administravam a economia doméstica, no sentido mais político do termo. E a religião nunca foi um impeditivo a essa atuação ativa.
“A religião tem muito a ver com a cultura. A sociedade saaraui e mauritana possuem uma cultura muito aberta, tolerante, e tem sua forma de praticar o islã. Quando o estudamos, podemos ver muitas coisas interessantes, como uma igualdade real de gênero. A religião nunca nos impediu de fazer nada do que queremos”, explica Fatma Mehdi, secretária-geral da União Nacional de Mulheres Saarauis (UNMS).
A mulher saaraui é sempre ouvida. Pode se divorciar e se casar quantas vezes desejar. Tem o direito de trabalhar, viajar, divertir-se. E não é obrigada a cobrir todo o corpo, embora muitas vezes o faça por questões culturais e religiosas.
“A sociedade beduína é aberta, onde todos vivem e trabalham juntos, sempre com respeito à mulher. Não há violência doméstica. Ela tem sua opinião e participação. É uma característica da nossa sociedade de origem, mas de uma maneira espontânea, tradicional”, esclarece Khadija Hamdi, ministra da Cultura da República Árabe Saaraui Democrática, a Rasd, o governo saaraui no exílio.
Todas concordam, porém, que a divisão de “tarefas” na realidade da guerra ajudou para que essa participação alcançasse o nível da política, pois o papel de administradoras dos campos de refugiados fez com que as mulheres demonstrassem sua capacidade na área. “Não creio que existiam mulheres nos conselhos que havia na organização antiga, mas, graças à Frente Polisario, elas passaram a ter maior participação política”, opina Fatma.

Educação e voto

A Frente Polisario (Frente Popular de Libertação de Saguia El Hamra e Río del Oro) é, desde 1973, o movimento que reúne os independentistas saarauis e espécie de partido único que governa a Rasd até que se conquiste a independência. Embora sua direção ainda seja formada majoritariamente por homens, seu trabalho pelo empoderamento das mulheres é reconhecido por elas.
“A Frente Polisario fez esforços para que nossas mulheres se preparassem intelectualmente e profissionalmente para que pudessem reivindicar seus direitos como pessoas. Esse protagonismo se consolidou, sobretudo, com a educação. No começo dos campos de refugiados, em 1975, 70% das mulheres não sabiam ler nem escrever. Foram realizadas campanhas de alfabetização para as mulheres e erradicamos o analfabetismo”, conta Zahra Randám.
No entanto, ela faz a ressalva de que ainda há muito o que avançar. “É preciso não apenas libertar o Saara Ocidental, mas fazer com que as mulheres estejam nos lugares de tomada de decisões”. Hoje, há apenas duas mulheres nos ministérios e elas ainda não atingiram a metade do número de cargos eletivos.

“No Parlamento, somos 34%. Nos níveis de gestão das whilayas [províncias] e dairas [municípios], representamos 24%. Nos conselhos locais [câmeras de vereadores], compostos por 12 pessoas, 11 são mulheres, mas o prefeito é um homem. E são elas que o elegem”, explica Fatma.
Segundo ela, muitas mulheres ainda não valorizam o direito ao voto ou votam em candidatos homens. É o preço a ser pago pelo “feminismo” de algumas ações do governo saaraui. “Quando você conquista algo sem haver lutado, você não o valoriza devidamente. A Frente Polisario, desde o princípio, estava mais consciente e propôs essas políticas. A mulheres não lutaram para conseguir o direito ao voto e a consequência é que muitas não se interessam pela política e acham que sempre vão ter esse direito”, alerta a secretária-geral da UNMS.

Apatia
Estamos na sede da organização, localizada no campo de refugiados 27 de Febrero. Depois da conversa, Fatma nos leva para conhecer o espaço. Ela explica o que funciona em cada cômodo: curso de espanhol, de computação, aulas de pintura etc., além de uma pequena quadra poliesportiva. Nas paredes da casa, diversas frases feministas. “O trabalho na jaima também é de homens. Todos a compartilhar o trabalho!”, diz uma delas.
Enorme tenda de pano verde sustentada por dois grossos e altos bambus, a jaima é onde ocorre a sociabilidade saaraui. Principalmente nos campos de refugiados no sudoeste da Argélia, onde quase não há empregos e onde se espera por uma solução ao conflito com o Marrocos, é na jaima que a vida acontece. Embora todos passem boa parte do dia nela, são as mulheres suas maiores frequentadoras: é onde costuram, veem televisão, conversam, tomam o tradicional chá verde.
“Estar nas jaimas o tempo todo é morrer, pois não há nada para fazer lá. É uma pena deixar que as jovens fiquem o dia inteiro tomando chá, sem aprender nada”, lamenta Fatma, relacionando essa realidade com a falta de consciência e participação política de muitas delas.
“Há, também, outro obstáculo, que é o cansaço. Como os homens estavam na guerra, e muitos morreram nela, as mulheres ficaram sozinhas como chefes de família numerosas. Aqui, costuma-se dizer que, se uma mulher tem filhos, é muito difícil que tenha papel político. Além disso, há também a situação econômica, porque estamos falando de uma sociedade que depende totalmente das ajudas internacionais”, acrescenta.

Embranquecimento

Quando estão na jaima, as mulheres saarauis se enrolam, por cima da roupa, com um grande pano chamado melfa. Especialmente na presença de algum homem que não seja da família, apenas o rosto e as mãos ficam de fora. Quando saem às ruas, em geral vestem luvas e cobrem o rosto com outro pano. Nesse caso, contam elas, a questão não é apenas cultural ou religiosa, mas de estética. Para as saarauis, o bonito é ter a pele mais clara, distinta à da cor mais curtida característica dos povos árabes de maneira geral. Por isso, fazem o possível para se protegerem dos raios do forte sol do deserto do Saara.
O desejo de copiar o padrão de beleza ocidental – muito por causa do apelo midiático, já que quase todas as casas dos campos de refugiados têm parabólicas – no entanto, traz problemas. Fatma conta que, muitas vezes, as saarauis usam cremes para embranquecer a pele provenientes da Mauritânia e do Senegal, que não possuem controle de qualidade e que, segundo ela, causam câncer.

A fala de Lula no encontro de blogueiros

Ontem, na abertura do 2º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, o ex-presidente Lula falor sobre a importância dos blogueiros como fonte de informações alternativas “Eu queria dizer que valeu a pena vocês, blogueiros, existirem, pois hoje o pobre tem mais acesso ao computador e logo terão acesso à internet. Daqui a pouco, seremos todos cidadãos livres e vamos deixar de ser um País de um pensamento único, que é aquilo que alguns poucos querem divulgado. Hoje os blogueiros são uma alternativa, uma possibilidade de que a sociedade participe das informações neste País. Que ela não fique refém deste ou daquele formador de opinião pública, mas que a sociedade possa formular sua própria opinião”
Lula lembrou que graças às mídias sociais a campanha de Dilma Rousseff foi um sucesso na internet. Daqui a pouco a gente volta a transmitir de lá, assim que superarmos os problemas técnicos que impediram a gente de postar mais cedo.Veja o vídeo abaixo:Fonte: TIJOLACO



sábado, 18 de junho de 2011

A guinada à direita de Chávez: realismo de Estado contra solidariedade internacional

180611_chavez_santos2Diário Liberdade - [James Petras] O intelectual marxista norte-americano James Petras analisa a evolução seguida pela política externa venezuelana, marcada pela procura de conciliação com o imperialismo.







Introdução

O radical governo "socialista bolivariano" de Hugo Chávez prendeu vários líderes da guerrilha colombiana e um jornalista esquerdista com cidadania sueca e entregou-os ao governo de direita do presidente Juan Manuel Santos, obtendo com isso os elogios e a gratidão do governo colombiano. A estreita colaboração em curso entre um presidente de esquerda e um regime com um historial conhecido de violações de direitos humanos, torturas e desaparecimento de presos políticos provocou protestos generalizados dos defensores da liberdade civil, esquerdistas e populistas da América Latina e Europa, ao mesmo tempo que comprazia ao establishment imperial euroamericano.
A 26 de abril de 2011, funcionários públicos de imigração da Venezuela, a partir exclusivamente de informações facilitadas pela polícia secreta colombiana (DAS), detiveram um cidadão de nacionalidade sueca, Joaquín Pérez Becerra, jornalista de origem colombiana, que acabava de chegar ao país. Com base nas denúncias da polícia secreta colombiana de que o cidadão sueco era um líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), Pérez foi extraditado para a Colômbia em 48 horas. Apesar da violação dos protocolos diplomáticos internacionais e da Constituição venezuelana, esta ação teve o apoio pessoal do presidente Chávez. Um mês mais tarde, as forças armadas venezuelanas junto a seus homólogos da Colômbia capturaram um líder das FARC, Guillermo Torres (alias Julián Conrado), que está à espera de extradição para a Colômbia em um cárcere venezuelano, sem acesso a um advogado. A 17 de março, a inteligência militar venezuelana (DIM) deteve dois supostos guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN), Carlos Atirado e Carlos Pérez, e entregaram-nos à polícia secreta colombiana.
A nova imagem pública de Chávez como sócio do regime repressivo da Colômbia não é assim tão nova, afinal. A 13 de dezembro de 2004, Rodrigo Granda, porta-voz internacional das FARC e cidadão naturalizado venezuelano, cuja família residia em Caracas, foi sequestrado por agentes venezuelanos à paisana, pertencentes ao serviço de inteligência, no centro de Caracas, onde tinha estado participando em uma conferência internacional, e foi levado em segredo para a Colômbia com a aprovação do embaixador venezuelano em Bogotá. Depois de várias semanas de protestos internacionais, incluídas as de muitos assistentes ao congresso, o presidente Chávez efetuou uma declaração que descrevia o denominado sequestro como uma violação da soberania da Venezuela, e ameaçou com romper com a Colômbia. Mais recentemente, a Venezuela incrementou a extradição de revolucionários opositores políticos do narcos-regime colombiano: nos primeiros cinco meses de 2009, a Venezuela extraditou 15 supostos membros do ELN, e em novembro de 2010 um militante das FARC e dois supostos membros do ELN foram entregues à polícia colombiana. Em janeiro de 2011, Nilson Terán Ferreira, suposto líder do ELN, foi entregue aos militares colombianos. A colaboração entre os mais notórios regimes de direita da América Latina e o governo socialista supostamente mais radical coloca importantes perguntas sobre o significado das identidades políticas e seu relacionamento com a política nacional e internacional, e, mais concretamente, que princípios e interesses guiam as políticas do Estado.

Solidariedade revolucionária e interesses de Estado

A recente guinada na política da Venezuela, da simpatia e inclusive o apoio às lutas e os movimentos revolucionários na América Latina até sua atual colaboração com os regimes de direita pró-imperialistas tem numerosos precedentes históricos. Pode ser útil examinarmos o contexto e as circunstâncias destas colaborações.
O governo revolucionário bolchevique da Rússia inicialmente apoiou com todas suas forças os levantamentos revolucionários na Alemanha, Hungria, Finlândia e outros países. Com a derrota das revoltas e a consolidação dos regimes capitalistas, o Estado russo e os interesses econômicos primaram entre os dirigentes bolcheviques. Os acordos comerciais e de investimento, os tratados de paz e o reconhecimento diplomático entre a Rússia comunista e os estados capitalistas ocidentais definiram a nova política de coexistência. Com o surgimiento do fascismo, a União Soviética de Stalin subordinou ainda mais a política comunista às alianças de estado para estado, primeiro com os aliados ocidentais e, inclusive, com a Alemanha nazista. O pacto Hitler-Stalin foi concebido pelos soviéticos como uma maneira de evitar uma invasão alemã e assegurar suas fronteiras ante um inimigo declarado de direita. Como parte da expressão da boa fé de Stalin, este entregou a Hitler vários dos principais líderes comunistas alemães exilados na Rússia. Não é preciso dizer que foram torturados e executados. Esta prática só terminou depois de que Hitler invadiu a Rússia e Stalin encorajou então as dizimadas fileiras comunistas alemãs a aderirem à resistência clandestina antinazista.
A princípios da década de 1970, com a reconciliação da China de Mao com os Estados Unidos de Nixon e sua ruptura com a União Soviética, a política exterior chinesa passou a apoiar os movimentos contrarrevolucionários apoiados pelos Estados Unidos, entre outros Holden Roberto em Angola e Pinochet no Chile. A China denunciou qualquer governo e movimento de esquerda que mantivesse laços com a URSS, por fracos que fossem, apoiando seus inimigos, por servis que fossem ante os interesses imperiais euroamericanos.
Na URSS de Stalin e a China de Mao, os interesses imediatistas do Estado impuseram-se à solidariedade revolucionária. Quais eram estes interesses de estado?
No caso da URSS, Stalin apostou em um pacto de não agressão com a Alemanha de Hitler que os protegeria de uma invasão imperialista nazista e poria fim, ao menos em parte, ao cerco da Rússia. Stalin já não confiava na força da solidariedade internacional da classe trabalhadora para evitar a guerra, especialmente a partir de uma série de derrotas revolucionárias e do retrocesso generalizado da esquerda durante as décadas anteriores (Alemanha, Espanha, Hungria e Finlândia). O avanço do fascismo e da extrema-direita, a incessante hostilidade ocidental para a URSS e a política da Europa ocidental de apaziguar Hitler, convenceram Stalin para buscar seu próprio acordo de paz com a Alemanha. Com o fim de demonstrar sua sinceridade para seu novo sócio, a URSS reduziu a intensidade das críticas dos nazistas, reclamando aos partidos comunistas de todo mundo que se centrassem em atacarem Ocidente, em lugar da Alemanha de Hitler, e cedeu à demanda de Hitler para extraditar à Alemanha os supostos terroristas comunistas que encontrava asilo na União Soviética.
A política de Stalin, baseada nos interesses de curto prazo do Estado soviético mediante pactos com a extrema-direita, conduziu para uma catástrofe estratégica: a Alemanha nazista teve mãos livres para conquistar primeiro a Europa ocidental e depois voltar suas armas para a Rússia e invadir uma União Soviética sem preparação, da qual ocupou metade do país. Entretanto, os movimentos de solidariedade internacional contra o fascismo tinham-se debilitado e desorientado temporariamente com as mudanças de rumo da política de Stalin.
Em meados da década de 1970, a reconciliação da República Popular Chinesa com os EUA levou a uma guinada em sua política internacional: o imperialismo dos EUA converteu-se em aliado contra o que consideravam o mal maior do social-imperialismo soviético. Como resultado, a China, com o presidente Mao Zedong, instou seus partidários internacionais a denunciarem os regimes progressistas que recebiam ajuda soviética (Cuba, Vietnã, Angola, etc.) e retirou seu apoio à resistência armada revolucionária contra estados clientes pró-estadunidenses no sueste asiático. O pacto da China com Washington queria assegurar os interesses de Estado mais imediatos: o reconhecimento diplomático e o fim do embargo comercial. As vantagens comerciais e diplomáticas que Mao obteve no curto prazo tiveram a contrapartida de sacrificar os objetivos estratégicos fundamentais de promover os valores socialistas no país e a revolução no estrangeiro.
Como resultado, a China perdeu sua credibilidade entre os revolucionários anti-imperialistas do Terceiro Mundo, em troca de obter os favores da Casa Branca e um maior acesso no mercado mundial capitalista. O pragmatismo do curto prazo conduziu para a transformação do longo prazo: a República Popular Chinesa converteu-se em uma dinâmica potência capitalista emergente, com algumas das maiores desigualdades sociais da Ásia e talvez do mundo.

Venezuela: os interesses do Estado contra a solidariedade internacional

O auge das políticas radicais na Venezuela, causa e consequência da eleição do presidente Chávez em 1999, coincidiu com o auge dos movimentos sociais revolucionários em toda a América Latina desde finais da década de 1990 até meados da primeira década do século XXI (1995-2005). Os regimes neoliberais do Equador, Bolívia e Argentina foram derrocados, os movimentos sociais de massas que desafiavam a ortodoxia neoliberal se consolidaram em todas as partes, os movimentos da guerrilha colombiana avançaram para as grandes cidades e no Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai, Equador e Uruguai chegaram ao poder dirigentes de centro-esquerda. As crises econômicas estadunidenses minaram a credibilidade do programa de livre comércio de Washington. A crescente procura asiática de matérias primas estimulou um auge nas economias da América Latina, e graças a ela se financiaram programas sociais e nacionalizações.
No caso da Venezuela, o frustrado golpe de Estado militar apoiado pelos Estados Unidos e o boicote dos dirigentes da companhia nacional do petróleo, PDVSA, em 2002-2003, obrigou o governo de Chávez a se apoiar nas massas e virar à esquerda. Chávez procedeu a uma renacionalização do petróleo e indústrias afins, e a articular uma ideologia bolivariano-socialista.
A radicalização de Chávez encontrou um clima favorável na América Latina, e os abundantes rendimentos da subida do preço do petróleo financiaram seus programas sociais. Chávez manteve uma posição plural de braços abertos aos governos de centro-esquerda, apoio dos movimentos sociais radicais e apoio às propostas da guerrilha colombiana a favor de uma solução negociada. Chávez pediu o reconhecimento da guerrilha da Colômbia como beligerante legítimo e não como organização terrorista.
A política exterior da Venezuela orientou-se para o isolamento de sua principal ameaça, que emana de Washington, mediante a promoção exclusiva de organizações da área da América Latina e do Caribe, o fortalecimento do comércio e os acordos de investimento regionais, e a confirmação de aliados regionais opostos ao intervencionismo, os pactos militares e as bases dos Estados Unidos, e os golpes militares apoiados por este país.
Em resposta ao financiamento estadunidense de grupos da oposição venezuelana (eleitorais e extraparlamentares), Chávez brindou apoio moral e político aos grupos anti-imperialistas em toda a América Latina. Após Israel e os sionistas estadunidenses terem começado a atacar a Venezuela, Chávez expressou seu apoio aos palestinos e estreitou os laços com o Irã e outros movimentos e governos árabes anti-imperialistas. Acima de tudo, Chávez fortaleceu seus laços políticos e econômicos com Cuba, e realizou consultas com a dirigência cubana para formar um eixo radical de oposição ao imperialismo. Os esforços de Washington de abafar a revolução cubana mediante o embargo econômico viram-se minados pelos acordos econômicos a larga escala e longo prazo de Chávez com Havana.
Até a última parte da década, a política exterior da Venezuela -seus interesses de Estado- coincidem com os interesses dos governos de esquerda e os movimentos sociais em toda a América Latina. Chávez enfrentou-se diplomaticamente com os Estados satélites de Washington no hemisfério, especialmente com Colômbia, encabeçada pelo presidente dos esquadrões da morte e o narcotráfico, Álvaro Uribe (2002-2010). No entanto, nestes últimos anos assistimos a várias mudanças externas e internas e a uma viragem gradual para o centro.
O auge revolucionário na América Latina começou a ceder. Os levantamentos de massas levaram ao poder governos de centro-esquerda, que, por sua vez, desmobilizaram os movimentos radicais e adotaram estratégias baseadas na exportação de produtos agropecuários e minerais, ao mesmo tempo em que desenvolviam uma política exterior autônoma independente com respeito a Estados Unidos. Os movimentos guerrilheiros colombianos estavam à defensiva e diminuia sua capacidade de amortecimento para a Venezuela ante um governo colombiano hostil. Chávez adaptou-se a estas novas realidades, convertendo-se em um seguidor acrítico dos regimes social-liberais de Lula no Brasil, Morales em Bolívia, Correa no Equador, Vázquez no Uruguai e Bachelet no Chile. A cada vez com mais frequência, Chávez buscava o decidido apoio diplomático imediato dos regimes existentes acima de qualquer apoio de longo prazo, que poderia ser o resultado de uma renascença dos movimentos de massas. Os laços comerciais com o Brasil e com a Argentina e o apoio diplomático dos outros estados da América Latina ante uns Estados Unidos a cada vez mais agressivos converteram-se em elemento fundamental da política exterior da Venezuela. A base da política venezuelana já não era a política interna dos regimes de centro-esquerda e de centro, e sim seu grau de apoio a uma política exterior independente.
As repetidas intervenções dos EUA não puderam gerar um golpe de Estado bem sucedido ou uma vitória eleitoral contra Chávez. Como resultado, Washington utilizou a cada vez mais as ameaças externas através de seu satélite colombiano, Estado destinatário de 5.000 de dólares milhões em ajuda militar. A escalada militar da Colômbia, suas cruzes de fronteira e a infiltração de esquadrõe da morte em Venezuela, obrigou a Chávez a uma importante aquisição de armas da Rússia e à formação de uma aliança regional (ALVA).
O golpe militar apoiado pelos Estados Unidos em Honduras provocou uma reformulação importante da política da Venezuela. O golpe derrocava um liberal de centro eleito democraticamente, o presidente Zelaya, em um país membro da ALVA, e estabeleceu um regime repressivo subordinado à Casa Branca. No entanto, o golpe teve o efeito de isolar os EUA na América Latina: nem um só governo apoiou o novo regime de Tegucigalpa. Inclusive os regimes neoliberais da Colômbia, México, Peru e Panamá votaram a favor de expulsar Honduras da Organização de Estados Americanos (OEA). Por um lado, a Venezuela viu nesta unidade da direita e o centro-esquerda uma oportunidade para recompor as relações com os governos conservadores; por outro, compreendeu que o governo de Obama estava disposto a utilizar a opção militar para recuperar seu domínio.
O temor a uma intervenção militar dos EUA incrementou-se muito com o acordo entre Obama e Uribe pelo que se estabeleciam sete bases militares estratégicas estadunidenses perto da fronteira com a Venezuela. Chávez vacilou em sua resposta a esta ameaça imediata. Em um primeiro momento, quase rompeu os relacionamentos comerciais e diplomatas com a Colômbia, para depois se reconciliar de imediato com Uribe, embora este último não mostrasse nenhum desejo de assinar um pacto de coexistência.
Entretanto, as eleições de 2010 ao Congresso da Venezuela levaram a um aumento importante do apoio eleitoral da direita apoiada por Estados Unidos (aproximadamente 50%) e a uma maior representação no Congresso (40%). Enquanto a direita aumentava seu apoio dentro da Venezuela, a esquerda na Colômbia, tanto a guerrilheira como a eleitoral, perdia terreno. Chávez não podia contar com nenhum contrapeso imediato contra uma provocação militar.
Chávez estava ante várias opções. A primeira, voltar à anterior política de solidariedade internacional com os movimentos radicais; a segunda, continuar trabalhando com os regimes de centro-esquerda, ao mesmo tempo que criticava e mantinha uma firme oposição aos governos neoliberais apoiados pelos EUA; e a terça, virar à direita, mais concretamente buscar uma aproximação com o recém eleito presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e assinar um amplo acordo político, militar e econômico pelo que Venezuela se comprometia a colaborar na eliminação dos adversários esquerdistas da Colômbia a mudança do compromisso de não agressão (Colômbia limitaria as narcoincursiones transfronteiriças e as incursões militares).
Venezuela e Chávez decidiram que as FARC eram um impedimento e que o apoio dos movimentos radicais sociais colombianos não era tão importante como o estreitamento dos relacionamentos diplomáticos com o presidente Santos. Chávez calculava que cumprir com as demandas políticas de Santos proporcionaria uma maior segurança para o estado venezuelano que confiar no apoio dos movimentos de solidariedade internacionais e seus próprios aliados radicais internos entre os sindicatos e os intelectuais.
De acordo com este giro à direita, o regime de Chávez cumpriu as petições de Santos de deter guerrilheiros das FARC e do ELN, bem como um destacado jornalista esquerdista, e extraditar para um Estado que detém o pior historial de direitos humanos nas Américas desde faz mais de duas décadas em termos de tortura e assassinatos extrajudiciais. Esta viragem à direita tem um caráter ainda mais ominoso se se considerar que a Colômbia tem mais de 7.600 presos políticos, dos quais 7.000 são sindicalistas, camponeses, indígenas, estudantes, isto é, não combatentes. Ao ceder às demandas de Santos, a Venezuela nem sequer seguiu os protocolos estabelecidos pela maioria dos governos democráticos, e não exigiu qualquer garantia contra a tortura e de respeito de um processo judicial correto. Por outra parte, quando algumas vozes críticas assinalaram que estas extradições sumarias violam os próprios procedimentos constitucionais da Venezuela, Chávez lançou uma feroz campanha de calúnia contra seus críticos, os qualificando de agentes do imperialismo envolvidos em um complô para desestabilizar seu regime.
O novo aliado de direita de Chávez, o presidente Santos, não pagou com a mesma moeda: a Colômbia segue mantendo estreitos vínculos militares com o inimigo principal da Venezuela em Washington. De fato, Santos segue despudoradamente o programa da Casa Branca: pressionou com sucesso Chávez para que reconhecesse o governo ilegítimo de Lobo em Honduras, produto de um golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos, em troca do regresso do derrocado presidente Zelaya. Chávez fez ainda o que nenhum outro presidente latino-americano de centro-esquerda se tinha atrevido a fazer: comprometeu-se a apoiar o regresso à OEA do governo ilegítimo de Honduras. Sobre a base do acordo Chávez-Santos, a oposição latino-americana a Lobo afundou-se e Washington conseguiu seu objetivo estratégico de legitimar um governo fantoche.
O acordo de Chávez com Santos para reconhecer o governo assassino de Lobo traiu a luta heroica do movimento de massas de Honduras. Nem um só dos servidores públicos hondurenhos responsáveis por mais de uma centena de assassinatos e desaparecimentos de dirigentes camponeses, jornalistas, ativistas pró direitos humanos e pró democracia estão sujeitos a investigação judicial. Chávez deu sua bênção à impunidade e à continuação do aparelho repressivo completo, apoiado pela oligarquía hondurenha e o Pentágono.
Por outras palavras, para demonstrar sua vontade de defender seu pacto de amizade e de não agressão com Santos, Chávez esteve disposto a sacrificar a luta de um dos movimentos mais prometedores e valentes pró democracia nas Américas.

O que é que Chávez busca com sua conciliação com a direita?

Segurança? Chávez recebeu só promessas verbais e algumas expressões de gratidão de Santos. No entanto, o enorme comando militar pró estadunidense e a missão dos EUA continuam no lugar. Por outras palavras, não terá desmantelamento das forças paramilitares e militares colombianas agrupadas ao longo da fronteira com a Venezuela, nem também não terá marcha atrás nos acordos das bases militares dos EUA, que ameaçam a segurança nacional venezuelana.
Segundo diplomatas venezuelanos, a tática de Chávez é ganhar Santos sacando-o da tutela dos EUA. Nediante sua amizade com Santos, Chávez espera que Bogotá não participe em nenhuma operação militar conjunta com os EUA nem que coopere em futuras campanhas de desestabilização propagandística. No breve tempo decorrido depois do pacto Santos-Chávez, um Washington encorajado anunciou já um embargo à empresa estatal petroleira da Venezuela com o apoio da oposição no Congresso venezuelano. Santos, por sua vez, não cumpriu o embargo, mas por outra parte nem um só país no mundo seguiu o exemplo de Washington. Claramente, o presidente Santos não vai pôr em perigo para a cifra anual de 10.000 milhões de dólares em comércio entre a Colômbia e a Venezuela com o fim de satisfazer o capricho da Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton.
Conclusão
Em contraste com a política de Chávez de entregar os exilados de esquerda e os guerrilheiros a um regime autoritário de direita, o presidente Allende no Chile (1970-73) participou em uma delegação que deu as boas-vindas a combatentes que fugiam da perseguição em seus países, Bolívia e Argentina, e lhes ofereceu asilo. Durante muitos anos, especialmente na década de 1980, o México, com governos de centro-direita, reconhecia abertamente o direito de asilo para os refugiados e guerrilheiros de esquerda da América Central (El Salvador e Guatemala). A Cuba revolucionária, durante décadas, ofereceu asilo e tratamento médico aos refugiados e guerrilheiros que fugiam das ditaduras latino-americanas, e recusou as demandas de extradição.
Inclusive em 2006, quando o governo cubano buscava estabelecer relacionamentos de amizade com a Colômbia e seu ministro de Relacionamentos Exteriores, Felipe Pérez Roque, expressava suas sérias reservas a respeito das FARC em conversas com este autor, Cuba se negou a extraditar guerrilheiros a seus países de origem, onde iam ser torturados e maltratados. Um dia antes de deixar o cargo, em 2011, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, recusou a petição da Itália de extraditar Cessar Battisti, um ex guerrilheiro italiano. Como disse um juiz brasileiro -e é algo que Chávez deveria escutar-: "O que está aqui em jogo é a soberania nacional. Nem mais, nem menos."
Ninguém poderia criticar os esforços de Chávez para reduzir as tensões fronteiriças mediante o desenvolvimento de melhore relacionamentos diplomáticas com a Colômbia e alargar os fluxos comerciais e de investimento entre os dois países. O que é inaceitável é que se descreva o homicida regime colombiano como um amigo do povo da Venezuela e um sócio para a paz e a democracia, enquanto milhares de presos políticos democratas apodrecem nos cárceres colombianos, infestadas de tuberculose, durante anos por cargos inventados. Baixo Santos, os ativistas civis seguem sendo assassinados quase todos os dias. O mais recente crime aconteceu a 9 de junho de 2011: Ana Fabricia Córdoba, líder de uma comunidade de camponeses deslocados, foi assassinada pelas forças armadas colombianas. O abraço de Chávez com a narcopresidência de Santos vai para além das exigências que impõe a manutenção de relacionamentos diplomáticas e comerciais. Sua colaboração com os serviços secretos colombianos, os militares e a polícia secreta na caça e deportação de esquerdistas (sem o devido processo) cheira a cumplicidade na repressão ditatorial e serve para alienar aos partidários mais consequentes da transformação bolivariana da Venezuela.
O papel de Chávez na legitimação do golpe de Estado de Honduras, sem ter em conta as demandas de justiça dos movimentos populares é uma capitulação clara ante a linha política de Santos-Obama. Esta linha de ação coloca os interesses do Estado da Venezuela acima dos direitos dos movimentos populares de Honduras. A colaboração de Chávez com Santos na vigilância dos esquerdistas e a debilitação das lutas populares em Honduras propõem sérios interrogantes quanto à tão badalada solidariedade revolucionária da Venezuela. Sem dúvida, semeia de profunda desconfiança os futuros relacionamentos com os movimentos populares que pudessem estar em luta com um dos sócios diplomáticos e econômicos de centro-direita de Chávez.
O que é particularmente preocupante é que os regimes mais democráticos, inclusive os de centro-esquerda, não sacrificam os movimentos sociais de massas no altar da segurança quando normalizam relações com um adversário. Certamente, a direita, especialmente nos EUA, protege seus ex clientes, aliados, oligarquias de extrema-direita e terroristas no exílio dos pedidos de extradição apresentadas pela Venezuela, Cuba e Argentina. Assassinos de massas e terroristas que colocaram bombas em aviões seguem vivendo comodamente na Flórida. O submetimento às exigências de direita dos colombianos, enquanto se queixa da proteção dos EUA a terroristas culpados de crimes na Venezuela, só pode ser explicado pela guinada ideológica de Chávez para a direita, que faz deste um país mais vulnerável às pressões para obter novas e maiores concessões no futuro.
Chávez já não está interessado em apoiar a esquerda radical. Sua definição da política estatal gira em torno de garantir a estabilidade do socialismo bolivariano em um país, inclusive se isso implicar sacrificar os militantes colombianos ante um Estado policial e os movimentos pró democracia de Honduras ante um regime ilegítimo imposto pelos Estados Unidos.
A história oferece lições encontradas. Os acordos de Stalin com Hitler foram um desastre estratégico para o povo soviético; uma vez que os fascistas conseguiram o que queriam, deram uma viragem e invadiram a Rússia. Chávez até agora não recebeu nenhuma concessão recíproca que justifique a confiança na máquina militar de Santos. Inclusive em termos de uns estreitos interesses de estado, sacrificou aliados leais em troca de promessas vazias. O Estado imperial dos EUA é o aliado principal Santos e seu grande fornecedor militar. A China sacrificou a solidariedade internacional por um pacto com os EUA, uma política que conduziu para uma exploração capitalista não regulamentada e a profundas injustiças sociais.
Se chegar a produzir-se um confronto entre os EUA e Venezuela, será capaz Chávez, ao menos, de poder contar com a neutralidade da Colômbia? Se os relacionamentos passados e presentes servirem de indicação, a Colômbia irá ficar do lado de seu cliente-mestre, mega-bem feitor e mentor ideológico. Quando se produzir uma nova ruptura, poderá contar Chávez com o apoio dos militantes que foram encarcerados, os movimentos populares que afastou e com os movimentos e intelectuais internacionais que caluniou? À medida que os EUA forem para novas confrontações com a Venezuela e intensificar suas sanções econômicas a solidariedade nacional e internacional será vital para a defesa da Venezuela. Quem vai defender a revolução bolivariana, os Santos e Lobos deste mundo "realista" ou os movimentos de solidariedade nas ruas de Caracas e das Américas?

Tradução do Diário Liberdade.