domingo, 26 de junho de 2011

Emir Sader: País sem miséria é país sem pessoas abandonadas



A pior herança recebida pelo governo Lula do governo FHC foi a desigualdade social. O Brasil era o país mais desigual da América Latina que, por sua vez, era o continente mais desigual do mundo. Essa desigualdade não era alterada nem em democracia, nem em ditadura, nem em ciclos expansivos, nem nos recessivos da economia brasileira. Era um fator estrutural, herdado da colonização e da escravidão, da persistência do latifúndio, acentuado pelas politicas da ditadura militar de arrocho salarial e favorecimento do grande capital. Não bastasse isso, a década neoliberal dos 90 do século passado, acentuou ainda mais as desigualdades.

As maiores transformações que o Brasil sofreu no governo Lula foram na sua inserção internacional – do privilégio das relações com o norte, para relações prioritárias com o sul – e na diminuição significativa da desigualdade no plano interno.

A articulação entre a política econômica e as políticas sociais promoveu um processo de distribuição de renda, estendendo e aprofundando o mercado interno de consumo popular como nunca havia acontecido na nossa história. A projeção feita pela empresa Data Popular para a revista Carta Capital desta semana projeta para 2014 – o ano do final do mandato atual da Dilma – uma classe C (no critério de distribuição de renda) de 58,5% da população (era de 38,8% em 2002, ano do começo do governo Lula). Os mais pobres, que eram 9,3% em 2002, tornaram-se 4,9% em 2010 e seriam 2,7% em 2014.

Estaríamos numa situação praticamente de erradicação da extrema pobreza, da miséria, com um resíduo muito difícil de chegar a reduzir a zero. Hoje ainda convivemos com mais de 10 milhões de pessoas vivendo (ou, sabe-se lá como, sobrevivendo) com até 39 de reais por mês.

Mesmo com essas transformações extraordinariamente positivas - maior mérito do governo Lula -, não se pode pensar que nos tornamos um país de classe média. A miséria acumulada ao longo de séculos da nossa história não pode ser superada com a elevação do nível de renda em alguns anos. As condições de habitação, de saneamento básico, de educação, de saúde, de transporte, de segurança – para citar apenas alguns problemas – são muito ruins e apenas começam a ser superadas – pelo menos na habitação. Será necessária a continuidade por muitos anos dessa elevação de renda, somada a politicas especificas que melhores substancialmente as condições da educação e da saúde publicas, do saneamento básico, da habitação, do transporte publico, as condições de segurança, para que possamos realmente ter transformado democraticamente a estrutura social brasileira de forma substancial e irreversível.

No entanto, a miséria, a extrema pobreza, não se medem apenas por cifras, por nível de renda. Ao que precisamos chegar é a uma sociedade em que não existam mais pessoas abandonadas, sem amparo, nas ruas ou em outros lugares, privados ou públicos. Uma sociedade a que todos pertençamos, de uma ou outra forma, em que nos sintamos vinculados aos outros por laços de solidariedade, de espirito comunitário, de pertencimento a uma mesma sociedade. A miséria não é apenas uma situação de precariedade material, é também o abandono, a falta de apoio, de retaguarda, de cuidado. A isso temos que chegar, a que todos tenham alguma forma de assistência do Estado, de forma a que ninguém se sinta abandonado.

Fonte: Blog do Emir

Os “hackers cheirosos”



Brizola Neto no TIJOLACO

No vale-tudo para atacar o Governo brasileiro, hoje a D. Eliane “Massa Cheirosa” Cantanhede se superou, com seu artigo “Hackers pela Ética”, tranformando um grupo anárquico, que buscava, confessadamente, a notoriedade que a mídia lhes deu e não parecia interessado em revelações de interesse social, mas em divulgar CPF, listas de e-mail e em “derrubar” sites oficiais.
“Com CUT, UNE e MST fora de combate a partir de Lula, por conveniência ou oportunismo, entra em ação pela ética pública um tal de LulzSec para azucrinar e expor os Poderes da República.”, escreve a colunista.
Ora, esses grupos, se têm de ser responsabilizados por danificarem propriedade pública (arquivos) e impedir o funcionamento dos sites, não devem nem ser demonizados nem endeusados, duas faces de um mesmo processo.
Não são assunto de política, mas de providências tecnológicas e administrativas. Até porque não guardam nenhuma relação com “segredos de Estado”, como se disse, mas com a sabotagem do funcionamento de sites públicos e violação de dados pessoais.
O que estes “hackers” estão fazendo nada tem a ver com transparência, com publicização de atos secretos de governo tomados à sombra do desconhecimento da sociedade, como fez, por exemplo, o Wikileaks.
Aliás, quem melhor respondeu a isso foi um ouro grupo de “hackers”, ontem, no Correio Braziliense:
“Em meio às recentes invasões a sites governamentais, o grupo Transparência Hacker afirma não ter relação com os responsáveis pelos ataques e aproveita o momento para discutir a própria atuação. Segundo seus participantes, a organização, objeto de reportagem do Correio de 21 de maio, tenta se desvencilhar das ações criminosas. “Trabalhamos com dados que são abertos. Nossa luta é divulgar informações governamentais que já são públicas, tornando-as mais acessíveis”, explica o articulador de redes Diego Casaes, 23 anos. Ele desaprova a publicação de dados como telefones de ministros ou o CPF da presidente Dilma Rousseff, por exemplo. “Essas informações são pessoais, não públicas. Entendo que devem permanecer sigilosas, porque dizem respeito à pessoa”, afirma.”
É isso que D. Cantanhede elogia, ao afirmar queo alerta para os governos e demais Poderes é que a sociedade, de alguma forma, está de olho.
Quando um grupo de hackers tem mais respeito pela privacidade que uma colunista de um jornal como a Folha, quando se trata de atingir o objetivo político de atacar o governo Dilma é bom a gente se cuidar.
Mas, reconheça-se, não apenas a colunista da “massa cheirosa”, mas toda imprensa, sem capacidade de separar seus ódos políticos ao Governo da instituição Estado, deu o tamanho e a projeção que era aquilo que estes grupos, no fundo, pretendiam.

Olhaí quem é que vai fazer a banda larga…


Investimento em telefonia não segue expansão de clientes e panes crescem

Nos celulares, base de usuários avançou 16,6% em 2010, chegando a 202,9 milhões de linhas, mas investimento das empresas caiu 2,4%


Karla Mendes e Renato Cruz – O Estado de S.Paulo

O investimento das operadoras de telecomunicações não tem acompanhado o crescimento de sua base de clientes, o que tem levado a panes cada vez mais frequentes nos serviços de telefonia e internet. Essa situação já incomoda o governo. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, cobrou medidas da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Um exemplo do descompasso entre investimento e crescimento está no setor de telefonia móvel. A base de clientes avançou 16,6% no ano passado, chegando a 202,9 milhões de linhas, segundo a consultoria Teleco. Mas o investimento das empresas diminuiu 2,4%, ficando em R$ 8,2 bilhões. Esse montante foi 16,3% inferior ao pico de R$ 9,8 bilhões destinados ao setor em 2004.
O que acontece com o celular é somente um exemplo, pois a combinação de investimento baixo e crescimento alto se repete em outras áreas das telecomunicações. Os consumidores estão cada vez mais insatisfeitos com a qualidade dos serviços.

Em pouco mais de um mês, a Intelig, que pertence à TIM, teve três panes. O Speedy, da Telefônica, voltou a deixar seus usuários na mão no dia 13 deste mês, dois anos depois de a empresa ter sido punida pela Anatel, sendo impedida até de vender os serviços. E a Nextel ficou entre as palavras mais tuitadas por brasileiros no dia 10, por causa de problemas no Rio de Janeiro.

“Falta acompanhamento, supervisão e investimento”, disse Ruy Bottesi, presidente da Associação dos Engenheiros de Telecomunicações (AET). “A infraestrutura não está preparada para suportar o crescimento. O investimento é reativo. As operadoras investem depois do aumento de tráfego, mas leva de 60 a 90 dias para importar equipamentos.”

No ano passado, os investimentos totais das operadoras no País (incluindo telefonia fixa, móvel e outros serviços) chegaram a R$ 17,4 bilhões, alta de 3,6% sobre 2009. Mesmo com o crescimento modesto, o valor está 28,1% abaixo dos R$ 24,2 bilhões investidos em 2001. A receita bruta do setor subiu mais que o investimento, avançando 4,2%, para R$ 184,9 bilhões.
“A essência do problema não está nas operadoras, mas na agência reguladora e no governo”, disse Bottesi.

“O serviço é público. O que a Anatel está fazendo para que tenhamos qualidade no serviço de telecomunicações hoje, em 2011?”, indagou.
Explicações. Para as operadoras, as críticas de que o investimento é baixo não procedem. Elas argumentam que os problemas verificados nos últimos meses são pontuais e o investimento realizado é suficiente para sustentar a expansão da base.

O fato de ele não acompanhar o ritmo do aumento do mercado teria três explicações: os equipamentos têm ficado mais baratos, graças à evolução tecnológica e à queda da demanda nos países ricos; o câmbio está favorável, fazendo com que os reais possam comprar mais equipamentos importados do que antes; e o desembolso maior é feito na instalação da rede, não na expansão desta mesma rede.

A RBS e a privatização da água


Boletim n° 680 do Sindiágua-RS assinala que episódio da privatização da água em Uruguaiana parece ter despertado o apetite da RBS em defesa de novas privatizações no Estado. Vale a pena acompanhar a sequência de fatos e movimentos midiáticos apontada pelo boletim:

Tarso não abriu cofre

Ao que parece e, pelo que se vê, o governador Tarso Genro não abriu os cofres do governo para a RBS. A capa de Zero Hora do último domingo, a festa que Lasier Martins fez ao prefeito lá em Uruguaiana, as várias matérias com tom “simpático” à privatização, enfim, todo o comportamento já por demais conhecido deste grupo de comunicação que todos sabemos que tem lado e não mede esforços para tentar derrubar quem não compactua com sua ganância por dinheiro e poder.

Descoberta “estranha”
 
O episódio do tapa do deputado Sergio Moraes serviu para o Lasier Martins descobrir, já quase no fim da vida, que os partidos que estão no governo disputam os cargos da administração. Quem acompanha os jornais da RBS vê que este senhor tem se mostrado cada dia mais surpreso com esta grande descoberta que fez. Vejam só! Partidos disputando cargos no governo! Que coisa, não? Nunca antes na história deste Estado aconteceu coisa parecida. Por certo aspecto, até tem razão o calvo da RBS. No governo passado, dentro da Corsan, por exemplo, não havia disputa de cargos. Marco Alba, Costela e o outro calvo vindo do Banrisul, não davam direito à disputas. Até os estagiários eram indicados por eles sem direito a contestação de quem quer que fosse.

Capa de Zero Hora
 
O que vocês acham que a frase “Levante contra a Corsan ganha força no interior” estava fazendo justamente num domingo na capa do principal veículo escrito da RBS? Na realidade, o que temos? Certo mesmo, é um grupo de prefeitos que já se deixaram, digamos, levar pelos apelos da iniciativa privada. Onde o que menos interessa são os planos da Corsan ou suas propostas. E, claro, um movimento que é orquestrado justamente por um dos prefeitos envolvidos que hoje é presidente da Famurs. Temos condições de reverter? Temos. Vamos sair deste processo sem perder nenhum município? Embora difícil, esta é a nossa luta.

Nota da Corsan
 
Até para entender melhor o que se passa hoje no Estado, resolvemos publicar aqui também a nota do presidente da Corsan, Arnaldo Dutra, que foi colocada na Zero Hora:
O título “Levante contra a Corsan ganha força no Interior”, capa de ZH do último domingo, na minha opinião não reflete nem o conteúdo da matéria publicada,nem a realidade do serviço de abastecimento de água e esgoto no Estado. Se, das 35 prefeituras consultadas pela reportagem, 13 responderam que pretendem ou pelo menos estudam a possibilidade de privatizar o serviço e 22 não têm a intenção de deixar a Corsan, a síntese da capa está , no mínimo amplificada. Em um universo mais global, das 322 cidades gaúchas atendidas pela Corsan estas 13 representam apenas 4%, o que entendo estar longe de um levante.
Aproveito para reafirmar nosso compromisso em investir e melhorar os serviços prestados pela Corsan em todas as cidades onde temos contrato e me colocar a disposição para discutir este tema fundamental para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, que é o saneamento.
Colegas, note que a matéria que deu origem a resposta do presidente da Corsan saiu na capa do jornal dominical. Já a sua resposta, publicada nesta terça-feira, ficou escondida na página 2. Não seria de bom senso, jornalisticamente falando, dar o mesmo espaço que foi dado a matéria de domingo para a reposta por parte da Companhia? Ou até mesmo uma matéria sobre o que a Corsan pretende fazer sobre o quadro atual da empresa?

Enquete
 
No sábado, uma enquete fajuta fez a seguinte pergunta aos leitores do jornal: “Qual a sua opinião sobre a concessão da gestão da água a empresas privadas?”. O resultado: 8 a 5 pró-privatização do serviço. E no domingo a matéria de capa aborda justamente o tal do “Levante contra a Corsan”. Entranho, não?

A limpeza étnica dos palestinos, ou Israel democrático em ação


Gideon Levy no Odiario.info
Gideon Levy 
“Enquanto ainda estamos desesperadamente ocultando, negando e reprimindo nossa principal limpeza étnica de 1948 – mais de 600.000 refugiados, alguns dos quais fugiram pelo temor às Forças Armadas de Israel e suas antecessoras, e outros que foram expulsos pela força – a realidade nos demonstra que 1948 nunca terminou, que seu espírito continua connosco”.

Ocorreu no dia seguinte ao Dia da Independência, quando Israel estava imerso quase que ad nauseam em loas a si mesmo e a sua democracia, e nas vésperas do (virtualmente fora da lei) Dia da Nakba, quando o povo palestino rememora a “catástrofe” – o aniversário da criação de Israel. Meu colega Akiva Eldar publicou o que sempre soubéramos, mas ignorávamos as chocantes cifras reveladas: No momento dos Acordos de Oslo, Israel tinha derrubado a residência de 140.000 palestinos da Cisjordânia. Em outras palavras, 14% dos residentes da Cisjordânia que ousaram viajar ao exterior tiveram seu direito de retornar a Israel e aqui viver negado para sempre. Em outras palavras, foram expulsos de suas terras e de seus lares. Em outras palavras: limpeza étnica.
Enquanto ainda estamos desesperadamente ocultando, negando e reprimindo nossa principal limpeza étnica de 1948 – mais de 600.000 refugiados, alguns dos quais fugiram pelo temor às Forças Armadas de Israel e suas antecessoras, e outros que foram expulsos pela força – a realidade nos demonstra que 1948 nunca terminou, que seu espírito continua connosco. Ainda continua connosco o objectivo de limpar esta terra de seus habitantes árabes o máximo possível, e até um pouco mais. Afinal, é a solução mais encoberta e desejada: a Terra de Israel para os judeus e só para eles. Algumas pessoas se atreveram a dizê-lo abertamente - o rabino Meir Kahane, o ministro Rehavam Ze’evi e seus discípulos, os quais merecem alguns elogios por sua integridade. Muitos aspiram a fazer o mesmo sem admiti-lo.
A revelação da política de negar a residência provou que este sonho secreto é efectivamente o sonho secreto do establishment. Não se carrega os árabes em caminhões como era feito antes, mesmo depois da Guerra dos Seis Dias; não se dispara sobre eles para afugentá-los - todos esses métodos são politicamente incorrectos no mundo novo. Mas, de facto, este é o objectivo.
Algumas pessoas pensam que é suficiente tornar miserável a vida dos palestinos nos territórios para forçá-los a irem embora, e muitos deles, com efeito, foram embora. Um êxito de Israel: de acordo com a Administração Civil, cerca de um quarto de milhão de palestinos abandonaram voluntariamente a Cisjordânia nos sangrentos anos 2000 – 2007. Mas isto não é suficiente. Portanto, vários e diversos outros meios administrativos foram acrescentados para transformar o sonho em realidade.
Qualquer um que diga que “não é apartheid” está convidado a responder: Por que um israelense tem permissão de sair de seu país pelo resto da vida e ninguém sugere cassar-lhe a cidadania, enquanto um palestino, um filho nativo, não tem essa permissão? Por que um israelense pode casar-se com uma estrangeira e esta recebe uma permissão de residência, ao passo que um palestino não tem permissão de se casar com sua ex-vizinha que mora na Jordânia? Isto não é apartheid? Através dos anos, documentei intermináveis e lamentáveis tragédias de famílias que foram separadas, cujos filhos e filhas não recebiam permissão de viver na Cisjordânia ou em Gaza devido a regras draconianas - só para os palestinos.
Vejamos o caso de Dalal Rasras, por exemplo, uma menina de Beit Omar com paralisia cerebral, que foi separada de sua mãe durante meses porque sua mãe nasceu em Rafah. Somente depois de que seu caso se tornar público é que Israel permitiu que ela regressasse para sua filha “apesar da letra da lei”, a cruel letra da lei que não permite que os residentes de Gaza vivam na Cisjordânia, mesmo se ali tiverem feito suas casas.
O clamor dos despossuídos agora foi traduzido em números: 140.000, apenas até os Acordos de Oslo. Estudantes que saíram para estudar em universidades estrangeiras, homens de negócios que foram tentar a sorte no exterior, cientistas que viajaram ao exterior para sua formação profissional, jerusalenses nativos que se atreveram a mudar-se temporariamente à Cisjordânia, todos correram a mesma sorte. Todos foram levados pelo vento e foram expulsos por Israel. Não puderam regressar.
O mais surpreendente de tudo é a reacção dos responsáveis pela política de limpeza étnica. Eles não sabiam. O major-general (na reserva) Danny Rothschild, ex-governador militar com o título eufemístico de “coordenador das actividades governamentais nos territórios”, disse que leu pela primeira vez sobre o procedimento no jornal Haaretz. Acontece que a limpeza étnica não apenas continua, senão que também continua sendo negada. Toda criança palestina sabe, só o general a desconhece. Até mesmo hoje ainda há 130.000 palestinos registados como “NLR”, um comovedor acrónimo das IDF (Israeli Defense Forces – Forças Armadas de Israel) para definir aos “já não residentes”, como se fossem voluntários, outro eufemismo para denominar aos “expulsos”. E o general, que se considera relativamente bem informado, não tinha conhecimento.
Há uma recusa absoluta em permitir o regresso dos refugiados - algo que poderia “destruir o Estado de Israel”. Também há uma recusa absoluta em permitir o regresso das pessoas recentemente expulsas. Para o próximo Dia da Independência provavelmente inventaremos mais regulamentações para a expulsão, e nas próximas férias conversaremos sobre “a única democracia”.

Tradução: Jair de Souza/Carta Maior
Publicado originalmente no jornal Haaretz

Crise terminal do capitalismo?


Leonardo Boff, Socialismo e  Liberdade.

Tenho sustentado que a crise atual do capitalismo é mais que conjuntural e estrutural. É terminal. Chegou ao fim o gênio do capitalismo de sempre adaptar-se a qualquer circunstância. Estou consciente de que são poucos que representam esta tese. No entanto, duas razões me levam a esta interpretação.
A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhes foi sequestrado. Já nos meados do século XIX, Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo.
A natureza, efetivamente, se encontra sob grave estresse, como nunca esteve antes, pelo menos no último século, abstraindo das 5 grandes dizimações que conheceu em sua história de mais de quatro bilhões de anos. Os eventos extremos verificáveis em todas as regiões e as mudanças climáticas tendendo a um crescente aquecimento global falam em favor da tese de Marx. Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.
O trabalho está sendo por ele precarizado ou prescindido. Há grande desenvolvimento sem trabalho. O aparelho produtivo informatizado e robotizado produz mais e melhor, com quase nenhum trabalho. A consequência direta é o desemprego estrutural.
Milhões nunca mais vão ingressar no mundo do trabalho, sequer no exército de reserva. O trabalho, da dependência do capital, passou à prescindência. Na Espanha o desemprego atinge 20% no geral e 40% e entre os jovens. Em Portugal, 12% no pais, e 30% entre os jovens. Isso significa grave crise social, assolando neste momento a Grécia. Sacrifica-se toda uma sociedade em nome de uma economia, feita não para atender as demandas humanas mas para pagar a dívida com bancos e com o sistema financeiro. Marx tem razão: o trabalho explorado já não é mais fonte de riqueza. É a máquina.
A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade. As vítimas, entrelaças por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente. Mais e mais pessoas, especialmente jovens, não estão aceitando a lógica perversa da economia política capitalista: a ditadura das finanças que via mercado submete os Estados aos seus interesses e o rentitentismo dos capitais especulativos que circulam de bolsas em bolsas, auferindo ganhos sem produzir absolutamente nada a não ser mais dinheiro para seus rentistas.
Mas foi o próprio sistema do capital que criou o veneno que o pode matar: ao exigir dos trabalhadores uma formação técnica cada vez mais aprimorada para estar à altura do crescimento acelerado e de maior competitividade, involuntariamente criou pessoas que pensam. Estas, lentamente, vão descobrindo a perversidade do sistema que esfola as pessoas em nome da acumulação meramente material, que se mostra sem coração ao exigir mais e mais eficiência a ponto de levar os trabalhadores ao estresse profundo, ao desespero e, não raro, ao suicídio, como ocorre em vários países e também no Brasil.
As ruas de vários países europeus e árabes, os “indignados” que enchem as praças de Espanha e da Grécia são manifestação de revolta contra o sistema político vigente a reboque do mercado e da lógica do capital. Os jovens espanhois gritam: “não é crise, é ladroagem”. Os ladrões estão refestelados em Wall Street, no FMI e no Banco Central Europeu, quer dizer, são os sumo-sacerdotes do capital globalizado e explorador.
Ao agravar-se a crise, crescerão as multidões, pelo mundo afora, que não aguentam mais as consequências da super-exploracão de suas vidas e da vida da Terra e se rebelam contra este sistema econômico que faz o que bem entende e que agora agoniza, não por envelhecimento, mas por força do veneno e das contradições que criou, castigando a Mãe Terra e penalizando a vida de seus filhos e filhas.

Leonardo Boff é teólogo e escritor, autor do livro “Proteger a Terra – cuidar da vida: como evitar o fim do mundo” (Record 2010).

Cpers decide cruzar os braços durante votações

Como forma de pressão sobre o Piratini, professores estaduais prometem suspender as atividades nos dias de votação do pacote de projetos do governo na Assembleia Legislativa. Aprovada em assembleia geral dia 22 de junho, a paralisação não tem data nem período para ocorrer: vai depender da agenda de votação.
A apreciação do pacote começa a trancar a pauta da Assembleia a partir de terça-feira, mas é provável que a votação ocorra em 5 de julho, conforme o chefe da Casa Civil, Carlos Pestana.
Diante desse quadro de indefinição, o Cpers recomenda que os professores estejam com viagens pré-agendadas para a Capital e de malas prontas.
– Vamos trazer a categoria para Porto Alegre, encher as galerias da Assembleia e pressionar para que não permitam que o governador Tarso Genro vote esse pacote. Ele ataca frontalmente o direito de professores se aposentarem com alguma dignidade – declarou a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira.
Durante a assembleia de ontem, as arquibancadas do Gigantinho não lotaram. Ao microfone, integrantes da categoria se revezaram nas críticas às propostas do governo, que incluem mudanças na previdência e novos critérios para o pagamento dos pequenos precatórios.
Em meio a uma campanha acirrada para a presidência do Cpers – a eleição ocorrerá na terça-feira –, os sindicalistas se envolveram também na disputa. Houve manifestações especialmente de representantes das chapas 1 e 2, encabeçadas respectivamente pela atual presidente e pela ex-dirigente da entidade Simone Goldschmidt. Enquanto o grupo de oposição afirma que a atual gestão do Cpers não lutou pelo piso, aliados de Rejane garantem que estão engajados no tema.
Apesar de Simone se dizer contrária ao pacote do governo, considera que o piso salarial é que deveria mobilizar paralisações:
– Temos de exigir do governador um calendário para a implementação do piso que, hoje, é a maior reivindicação dos trabalhadores em educação.
Piratini não demonstrou surpresa com protesto
No governo, as deliberações do Cpers não causaram surpresa. O chefe da Casa Civil, Carlos Pestana, demonstrou conformidade com o posicionamento do sindicato.
– Reafirmamos que pretendemos garantir a previdência pública. Em relação às RPVs (Requisições de Pequeno Valor), temos de criar uma previsão orçamentária para que o Estado possa pagar – disse o chefe da Casa Civil.
Antes da votação na Assembleia, Pestana deve se reunir com deputados da base aliada, para preparar a postura dos apoiadores do Piratini durante a apreciação do pacote governista.

Veja as principais propostas aprovadas ontem na assembleia geral do Cpers:
- Paralisação nos dias de votação do pacote.
- Envio de e-mails e manifestações nas cidades dos deputados estaduais.
- Campanha de denúncia pelo não cumprimento da lei do piso: “Tarso: governo fora da lei – Não cumpre o piso nacional”.
- Não à meritocracia.
- Assembleia geral – com data a ser marcada pelo Conselho do Cpers – para discutir a construção da greve pelo cumprimento da lei do piso.
- Jornada Nacional de Lutas entre 17 e 24 de agosto, com paralisação nos Estados

fonte : Zero Hora

sábado, 25 de junho de 2011

Xenofobia difícil de acabar


por Marcela Valente, da IPS

Buenos Aires, Argentina, 24/6/2011 – Embora a nova legislação sobre imigração da Argentina seja considerada das mais progressistas da América Latina, a persistência de acentuados sinais xenófobos e discriminatórios em várias camadas da sociedade mostra que o avanço ainda é mais teórico do que prático. A rejeição ao estrangeiro, sem papéis legais, atinge milhares de imigrantes em escritórios públicos, nas ruas, nos diferentes empregos, nas escolas ou nos hospitais da Argentina, apesar de a lei lhes reconhecer direito de acesso a todos os serviços livremente.
1351 218x300 Xenofobia difícil de acabar“Passo sempre pelo hospital e está cheio de peruanos e paraguaios que tiram lugar dos argentinos”, diz à IPS uma mulher que garante reconhecer, apenas passando pela porta, “o sotaque” dos pacientes atendidos no centro médico estatal de San Isidro, uma localidade da região metropolitana de Buenos Aires. A socióloga Corina Rodríguez Enriquez, do Centro Interdisciplinar para o Estudo de Políticas Públicas (Ciepp), seleciona outra frase de igual teor, anotada em seu estudo, dita por taxistas: “Estes negros de merda, porque não voltam para o seu país?”.
Corina é autora de um trabalho, ainda inédito, sobre a imigração de mulheres paraguaias para a Argentina, uma dinâmica que ela insere nas “cadeias globais de cuidado”, para trabalhar cuidando da casa, dos filhos e dos idosos. A pesquisa integra um projeto da ONU Mulheres que também analisa “as cadeias de cuidado” entre imigrantes equatorianas e bolivianas na Espanha, peruanas no Chile e nicaraguenses na Costa Rica.
Na América Latina, a emigração feminina passou de 44,7% do total em 1960 para 50,5% em 2000. Esta feminização do fenômeno se acentuou a partir dos anos 1990 devido às crises econômicas que atingem seus países de origem. Corina afirmou que a transnacionalização dos cuidados cai em um regime injusto, no qual são vulnerados direitos, tanto dos que emigram quanto dos que devem enfrentar as tarefas familiares deixadas por quem parte.
As imigrantes, que deixam seus países em busca de melhores oportunidades de emprego, e que têm, em geral, pouca qualificação, costumam deixar para trás filhos aos cuidados de familiares para trabalhar em casas das classes média e alta. O principal ramo onde as mulheres se empregam é o serviço doméstico. Na Argentina, 58,1% das paraguaias trabalham nesse setor e, apesar de cuidar de uma instituição apreciada neste país como é a família, costumam ser discriminadas. Essa marginalização também atinge as mulheres em outros estratos sociais.
No artigo, a socióloga diz que a nova legislação migratória “é progressista” e “ampliou direitos”, mas, alerta, ainda persistem “travas culturais” no acesso à saúde ou educação, que respondem a uma “inércia” da burocracia. “A xenofobia e a discriminação continuam sendo uma realidade palpável na Argentina”, afirmou a autora. “A igualdade de direitos com o imigrante nem sempre é bem-vinda pelos argentinos”, acrescentou.
Para sua pesquisa, Corina fez diversas entrevistas com imigrantes empregadas na limpeza e no cuidado de crianças e idosos. Também ouviu patroas e funcionários e associações de imigrantes e de defensores dos direitos humanos. Dos depoimentos constam expressões discriminatórias de algumas empregadoras, um grupo que, por ter contratado estrangeira para trabalhar em sua casa, supõe-se que teria menos preconceitos.
“Há paraguaias que são muito sujas”, disse uma. “Tive duas experiências ruins com paraguaias porque são meio mentirosas”, afirmou outra. “Estes estereótipos de características vinculadas a nacionalidades também aparecem nos meios de comunicação, no discurso de funcionários e de vizinhos”, disse Corina à IPS. “São sinais persistentes da sociedade argentina”, acrescentou.
Estes males convivem com uma série de reformas em torno das migrações que foram pioneiras na região. Por um lado, a lei de 2004, que revogou uma norma da última ditadura (1976-1983) e, por outro, um programa que facilitou a regulamentação de estrangeiros sem os documentos necessários. Em conversa com a IPS, Luciana Litterio, da Direção Nacional de Migrações, assegurou que a Argentina foi o primeiro país da América Latina a avançar em uma lei reconhecendo a imigração como um direito humano.
“Depois o Uruguai promoveu uma lei semelhante, que teve a da Argentina como modelo, e agora, no Equador, se trabalha em uma lei que também coloca eixo nos direitos da pessoa”, acrescentou Luciana. A lei argentina, entre outras disposições, ordena que seja garantido o acesso de imigrantes à saúde e à educação públicas e elimina a obrigação de os funcionários públicos denunciarem os estrangeiros ilegais.
Já o Programa Pátria Grande, lançado em 2006, permitiu a mais de 400 mil imigrantes acesso a residência temporária apenas apresentando seu documento nacional e não tendo antecedentes criminais. Isto é, sem contrato de trabalho. Entretanto, Pablo Asad, representante da organização humanitária Centro de Estudos Legais e Sociais, que trabalha na cobertura legal com imigrantes, considera que ainda há muitas falhas na concretização dos direitos.
Asad destacou que há imigrantes que não conseguem matricular seus filhos em escolas públicas ou que são rejeitados em hospitais por não terem documento de identidade argentino e, ainda, que não existe um órgão onde denunciar estas falhas. Também ressaltou que a política argentina privilegia imigrantes de países próximos, facilitando os trâmites, mas age de forma mais rígidas com imigrantes de fora da América do Sul, como dominicanos ou senegaleses. 

Envolverde/IPS

Quinta Full - Supertramp

Créditos: Lágrimapsicodélica1

PARIS
A música do Supertramp possui características únicas. Virtuoses em seus instrumentos, os membros do grupo, vindos da cena progressiva britânica, no decorrer de suas carreiras aproximaram-se do pop, e o resultado foi uma sonoridade única.

Paris, duplo ao vivo lançado em 1980, talvez seja a maior prova disso. A exuberância instrumental do Supertramp fica evidente em suas faixas, onde a técnica trabalha na construção de pequenas jóias da pop music. Dreamer e suas evoluções vocais é um belo exemplo disso. Breakfast In America, outro.

Mas os melhores momentos de Paris estão logo no seu início. "School", que abre o álbum, é uma das melhores músicas do grupo. Nela, a voz aguda de Roger Hodgson e o piano onipresente de Rick Davies, as duas maiores características do Supertramp, mostram uma sincronia absurda. O solo de Davies nesta faixa é antológico.

O outro é The Logical Song, talvez a canção mais conhecida do Supertramp, onde percebe-se como a banda soube usar do seu conhecimento musical para criar uma composição repleta de momentos que grudam na cabeça do ouvinte, mas que não soam necessariamente chatos. The Logical Song é um exemplo claro dos tempos em que a música pop possuía outro significado, e não era apenas uma classificação preguiçosa dada a artistas no mínimo medianos, mas que, infelizmente, dominam as paradas atualmente.

Paris é o melhor momento do Supertramp. Se você quer ter apenas um disco da banda, não existe escolha melhor.

Por: Cadao
1980 - PARIS

CD 1
School
Ain't Nobody But Me
The Logical Song
Bloody Well Right
Breakfast In America
You Started Laughing
Hide In Your Shell
From Now On

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CD 2
Dreamer
Rudy
A Soapbox Opera
Asylum
Take The Long Way Home
Fool´s Overture
Two Of Us
Crime Of The Century

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Discografia da Banda
senha/password: lagrimapsicodelica
1970 – Supertramp: Download
1971 - Indelibly Stamped: Download
1974 - Crime Of The Century: Download
1975 – Crisis? What Crisis?: Download
1977 - Even In The Quietest Moments: Download
1979 - Breakfast in America: Download
1980 - Paris (cd 1): Download
1980 - Paris (cd 2): Download
1985 - Brother Where You Bound: Download
1987 - Classics, Vol. 9: Download
1987 - Free As A Bird: Download
1988 - Live '88: Download
1992 - The Very Best Of Supertramp: Download
1992 - The Very Best Of Supertramp 2: Download
1994 - The Autobiography Of Supertramp: Download
1997 - It Was The Best Of Times (cd 1): Download
1997 - It Was The Best Of Times (cd 2): Download
1997 - Some Things Never Change: Download
2001 - Is Everybody Listening: Download
2002 - Famous Last Words: Download
2002 - Slow Motion: Download

Uganda: a luta da “ida a pé para o trabalho” e as lições do Soweto e da Praça Tahrir

Em 21 de Abril passado, o professor Mahmud Mamdani, director do Makerere Institute of Social Research na universidade de Kampala, Uganda, fez uma intervenção na Conferência Distrital do Rotary Internacional em Munyonyo. Eis a transcrição integral do seu discurso. Por Mahmud Mamdani no PASSA PALAVRA

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Aqueles de vocês que não são de cá talvez tenham ouvido falar de uma nova forma de protesto social chamada “ida a pé para o trabalho” [1]. Tanto a oposição que iniciou esse tipo de marcha como o governo que está determinado a fazê-la parar são guiados pela lembrança de um acontecimento singular.
A lembrança da Praça Tahrir alimenta as esperanças da oposição e fomenta os receios do governo. Para muitos dos oposicionistas, o Egipto acabou por significar a terra prometida, no sentido proverbial. Para muitos dos governantes, o Egipto representa um desafio fundamental ao poder, que exige que se lhe resista a todo o custo.
As coisas chegaram a um ponto em que o mínimo sinal de protesto desencadeia a máxima reacção do governo. A tal ponto que o governo, que há apenas poucas semanas chegou ao poder com uma maioria arrasadora, parece agora carecer não só de flexibilidade mas também de estratégia de saída.
Os civis, tanto os apoiantes como os cépticos, ao verem os meios militares saírem à rua para manter a ordem civil nas ruas, veem esbater-se a distinção entre polícia civil e tropas militares uma vez que os que estão no poder insistem em tratar qualquer mero acto de protesto civil como se fosse uma rebelião armada.
Enquanto o governo está a perder a coerência e a unidade que aparentava nas eleições, a oposição está a conseguir ao menos um vislumbre da unidade e da visão que perdera durante o período eleitoral.
Se pensarmos que muitos destes [agora] opositores, muitos dos que tinham estado no anterior Parlamento, foram capazes do pior quando lhes coube governar, então esta inversão torna-se ainda mais espantosa.
Como é possível que alguma dessa mesma oposição, que ainda ontem via no Parlamento um passaporte para o clientelismo e uma licença para a pilhagem, esteja agora a descobrir a determinação e a coragem moral mesmo sem haver eleições à vista e sendo os tempos actuais bem duros? Este pensamento, por si só, é fonte de noções contraditórias na população, ao mesmo de cepticismo e de optimismo, quando se trata de política.
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Não pretendo, agora, nem celebrar a oposição nem demonizar o governo. Apenas quero falar dessa lembrança que parece ser um impulso para muita gente na oposição e um pesadelo para muitos dos governantes. É a lembrança da Praça Tahrir. Não será exagero afirmar que a grande revolução egípcia começou em Túnis. Onde irá acabar? Daqui a dez anos vamos lembrar-nos disso como um acontecimento local, continental ou global? Como devemos perceber, agora, o seu significado?
Os historiadores admitem que não existe uma narração objectiva única de qualquer acontecimento. A narração depende, em parte, da posição do observador. Para muitos na Europa, os acontecimentos de Túnis e do Cairo foram uma prova de que as revoluções coloridas que se iniciaram na Europa de Leste com a queda da União Soviética começaram finalmente a espalhar-se para fora dessa região.
Na África Oriental, deu-se um alvoroço de discussão acerca da Praça Tahrir, sobretudo na imprensa. Muita gente se questionava se a revolução egípcia iria espalhar-se para sul do Saará. E respondiam, sem hesitar: “Não!” E porque não? Porque, dizem os manda-chuvas da comunicação, as sociedades subsaarianas estão tão divididas por questões étnicas, tão desunidas pelo tribalismo, que ninguém consegue atingir o grau de unidade necessário para enfrentar com êxito o poder policial.
A meu ver, esta resposta não faz muito sentido. Porque essa resposta parece uma caricatura. Em caso algum, na história das lutas vencedoras, se encontrará um povo já unido antes de haver movimento. Pela simples razão que uma das coisas que assinalam o êxito de um movimento é a unidade. A unidade é forjada por meio da luta.
Para provar este aspecto, e alguns outros, olhemos agora para a revolução democrática no Egipto no contexto histórico mais amplo, a história da luta pela democracia neste continente. Quero começar com um acontecimento que ocorreu há mais de três décadas na África do Sul. Refiro-me ao levantamento do Soweto em 1976, o qual se seguiu à formação de sindicatos independentes em Durban, em 1973. Estes dois processos, no seu conjunto, inauguraram uma nova era na luta anti-apartheid na África do Sul.
[A revolta d’] O Soweto foi uma sublevação da juventude. Numa época em que os adultos haviam concluído que só pela luta armada se poderiam conseguir mudanças significativas, [a revolta d’] o Soweto inaugurou uma forma de luta alternativa.
Esta nova forma de luta substituiu a noção de luta armada pela de luta popular. Deixou-se de pensar na luta como sendo travada apenas por combatentes profissionais, guerrilheiros, com o povo a aplaudir das bancadas, passou a ser um movimento com pessoas normais como seus participantes-chave. O potencial da luta popular assenta em massas de gente, guiadas por uma nova imaginação e por novos métodos de luta.
O significado do Soweto foi duplo. Primeiro, como já disse, substituiu a crença no poder das armas pela descoberta de um poderio maior, o de um povo organizado enfrentando a opressão. Segundo, o Soweto forjou uma nova unidade – uma unidade mais ampla. O regime do apartheid dividira a sociedade sul-africana em diferentes raças (brancos, indianos, negros) e diferentes tribos (zulus, xhosas, pédis, vendas, etc.) submetendo cada uma delas a um conjunto específico de leis, de modo que, mesmo quando elas se organizavam para reformar ou revogar a lei em questão, elas tinham de o fazer separadamente. Neste contexto, apareceu uma personagem nova, Steve Biko, um líder visionário ao leme de um novo movimento, o Movimento da Consciência Negra.
A mensagem de Biko minou o edifício estatal do apartheid. O negro não é um cor, disse Biko. O negro é uma experiência. Se é oprimido, és negro. Isto era uma mensagem revolucionária – porquê?
uganda-7O ANC vinha falando de não-racialismo desde a Carta da Liberdade em meados dos anos 1950. Mas o não-racialismo do ANC só tocava a elite política. Os líderes individuais de brancos, indianos e negros aderiram individualmente ao ANC. Mas as pessoas normais ficaram confinadas e presas a uma perspectiva política que se limitava às estreitas fronteiras da raça ou da tribo. Biko forjou uma visão capaz de ultrapassar essas fronteiras.
Por essa altura, deu-se um outro acontecimento. Foi outra lufada de ar fresco. Foi a Intifada palestiniana. O que se chamou Primeira Intifada teve um potencial semelhante ao do Soweto. Como as crianças do Soweto, as crianças palestinianas também deram o peito às balas apenas com pedras nas mãos. Mal vista pelos movimentos de libertação, cada um deles reclamando-se único representante dos oprimidos, a juventude da Intifada fez apelo a uma unidade mais ampla.
Apesar de ter chegado mais de trinta anos depois do Soweto, a Revolução Egípcia faz poderosamente lembrar o Soweto. Isso acontece por duas razões pelo menos.
Adoptar a violência?
Primeiro, como no Soweto de 1976, a Praça Tahrir de 2011 foi um adeus ao namoro de toda uma geração com a violência. A geração de Nasser, e a que se seguiu, optaram pela violência como chave para haver mudanças fundamentais na política e na sociedade. À partida, era uma tendência laica.
uganda-3Quanto mais Nasser foi esmagando a oposição e justificando esse esmagamento na linguagem do nacionalismo laico, mais a oposição se ia exprimindo em linguagem religiosa. A tendência política mais importante que apelou ao rompimento cirúrgico com o passado, agora, usou a linguagem do Islão radical. O seu principal representante era Said Qutb. Eu interessei-me pelo Islão radical após o 11 de Setembro, quando li o livro mais importante de Said Qutb, Signposts. Fez-me lembrar a linguagem dos políticos radicais da Universidade de Dar-es-Salaam, onde fui professor nos anos 1970.
Said Qutb dizia, na introdução do livro, que o tinha escrito para a vanguarda islamista; dava-me a impressão de estar a ler uma versão do Que fazer? de Lenine. O principal argumento de Said Qutb nesse texto é que é preciso distinguir os amigos dos inimigos, porque com os amigos usa-se a persuasão e com os inimigos usa-se a força. Pensei que estava a ler Mao Zedong em Como resolver correctamente as contradições no seio do povo.
Perguntei a mim próprio: como poderei classificar Said Qutb? Como inscrevendo-se numa tradição linear chamada Islão político? Será que se compreende melhor a história do pensamento arrumando-a em recipientes etiquetados conforme as civilizações – um islâmico, outro hindú, outro confuciano, outro cristão – ou, em alternativa, um europeu, outro asiático, outro africano?
A opção de Said Qutb pela violência política não estaria em consonância com a luta armada dos movimentos de libertação nacional dos anos 1950 e 1960? Não seria a concepção de base de que a luta armada é não só a forma de luta mais eficaz mas também a mais genuína?
Quanto mais lia a distinção de Said Qutb entre Amigos e Inimigos, usando-se a violência com os inimigos e a razão com os amigos, mais eu percebia que tinha de compreender Said Qutb no contexto do seu tempo.
Não há dúvida de que, como todos nós, Said Qutb estava envolvido em conversas com muita gente: estava envolvido em múltiplos debates não apenas com intelectuais islâmicos, contemporâneos ou de gerações anteriores, mas também com intelectuais contendores inspirados por outras formas de pensamento político.
E o enfrentamento mais importante na época era com o marxismo-leninismo, uma ideologia militante laica que influenciou ao mesmo tempo a linguagem de Qutb e as suas formas de organização e de luta. O mais significativo da Praça Tahrir foi ter deixado cair a marca de Said Qutb e o namoro com a violência revolucionária.
A segunda semelhança entre o Soweto e a Praça Tahrir situa-se na questão da unidade. Tal como a luta anti-apartheid na África do Sul tinha reproduzido acriticamente as divisões entre raças e tribos institucionalizadas nas práticas do Estado, também as divisões religiosas se tornaram parte das convenções na política dominante do Egipto.
A Praça Tahrir trouxe uma nova forma de política. Deixou cair a linguagem religiosa na política, mas fê-lo sem por isso optar por um radicalismo laico que banisse totalmente a religião da esfera pública. Nesse sentido, apelou a uma maior tolerância das identidades culturais, que incluísse tanto as tendências laicas como as religiosas. O novo contrato era que, para participar na esfera pública, há que praticar uma política inclusiva e respeitadora dos outros.
Foi uma mudança pela qual se deixou de considerar a identidade religiosa em política, e se deixou de fazer da identidade religiosa uma base para o facciosismo político e a violência sectária. Nos dias que precederam a [revolta da] Praça Tahrir, a violência sectária foi repetidamente desencadeada pelos que estavam no poder, mas sem nenhum antídoto convincente, houve alguma tendência para isso passar para a sociedade. Basta pensar nas violências que houve contra a minoria copta nas semanas que precederam a histórica assembleia da Praça Tahrir.
uganda-2[A revolta d’] O Soweto obrigou muita gente de todo o mundo a rever as suas opiniões sobre África e os africanos. Antes do Soweto era convencional assumir que a violência era uma segunda natureza dos africanos e que os africanos eram incapazes de viverem juntos em paz.
Antes da Praça Tahrir, e em particular a seguir ao 11 de Setembro, a imagem transmitida pelo discurso oficial e pelos meios de comunicação no Ocidente era determinada pela ideia de que os árabes tinham uma predisposição genética para a violência e para a discriminação contra os que são diferentes. Mas na Praça Tahrir as diferentes gerações e géneros bateram-se e manifestaram-se como dizemos em kiswahili “bega kwa bega” [ombro com ombro]. Foi o que fez gente de pertenças religiosas diferentes.

Que podemos nós aprender com isso?

As novas ideias criam a base para novas unidades e novas formas de luta. A tendência do poder é tentar politizar as contradições culturais que há na sociedade e, então, afirmar que as divisões são algo natural. Para ter êxito, uma nova política precisa de facultar um antídoto, uma prática alternativa que una os que estão divididos pelos modos de governo dominantes.
Antes e depois do Soweto, Steve Biko insistia que a negritude não tinha a ver com a biologia, mas sim com a experiência política. Com isso, ele criou a base ideológica para uma nova unidade, uma unidade anti-racista.
Não tenho conhecimento de algo semelhante a [a ideia de] Steve Biko na Praça Tahrir. Talvez no Egipto houvesse, não um, mas muitos Bikos. Mas acredito que a Praça Tahrir acabou por se tornar um símbolo que alicerça uma nova unidade, a unidade que procura conscientemente desmontar as práticas religiosas sectárias.
No Uganda dos nossos dias, a governança prevalecente procura dividir a população politizando a etnicidade. O mote é: uma tribo, um distrito. Dentro do distrito, um tribalismo administrativo separa os bafuruki [imigrantes] dos que são designados como indígenas do distrito. Como modo de governo, o tribalismo institucionaliza a discriminação oficial contra alguns cidadãos e a favor de outros.
uganda-4As novas ideias alimentam novas práticas. Com o tempo, até a mais revolucionária das ideias pode tornar-se uma rotina desprovida de sentido. Basta ver-se como nós conseguimos reduzir a prática da democracia a rituais rotineiros.
O que é notável nos acontecimentos que nós conhecemos como “Ida a pé para o trabalho” é que eles vieram na esteira de umas eleições nacionais cujos resultados foram absolutamente decisivos. O que quer que lhe venha a acontecer, a [campanha] “Ida a pé para o trabalho” obriga-nos a repensar a prática da democracia no Uganda.
Desde logo é-se surpreendido pela onde de cinismo, quer de governantes quer de governados. Uma parte cada vez maior da população vê as eleições, não como o momento para fazer opções significativas, mas como o momento para sacar benesses de políticos que, mais do que certo, nunca mais verão até às próximas eleições!
De modo semelhante, uma parte cada vez maior da classe política acaba por pensar nas eleições como um exercício gerido cujo resultado é decidido, não por quem vota, mas por quem controla a contagem dos votos. O que pensar da democracia contemporânea quando uma eleição em que os que estão no poder podem ter o apoio da vasta maioria da população – cerca de 90% no Egipto e cerca de dois terços no Uganda – não nos dá a mínima ideia do nível de insatisfação que há no eleitorado?
Reparem neste facto notável. Apesar do crescimento das universidades e dos think tanks [centros de investigação] por todo o mundo, os investigadores e os consultores têm sido incapazes de prever a maior parte dos acontecimentos importantes da história contemporânea.
Porquê? Foi assim com o Soweto de 1976, foi assim com a queda da União Soviética e foi assim com a revolução egípcia. Em que estado se encontra a nossa capacidade de conhecimento, quando somos capazes de prever uma catástrofe natural – um terramoto, ou mesmo um tsunami – mas não uma mudança política? Parece que a regra é: quanto maior a mudança, menos provável é a hipótese de ela ser prevista.
Penso que o motivo disto é só um. As grandes mudanças na vida social e política requerem um acto de imaginação. Requerem uma ruptura com as rotinas, uma desligamento das convenções. Por isso as ciências sociais, que se focam no estudo das rotinas, dos comportamentos institucionais e repetitivos, são incapazes de prever grandes acontecimentos. É nisto que reside o desafio da classe política do Uganda.
Não será por haver pouca gente envolvida na campanha “Ida a pé para o trabalho” que se poderá negar tratar-se de algo intelectualmente brilhante. Esse brilho assenta na sua simplicidade, na sua capacidade para conferir à mais simples das actividades humanas, caminhar, um importante significado político: a capacidade para dizer não.
Por ironia, muita gente da oposição, e talvez outra tanta no governo, parece considerar a “Ida a pé para o trabalho” como um atalho para a tomada do poder, o que é muito improvável. O significado real da “Ida a pé para o trabalho” é que ela quebrou a influência da rotina. Por isso se nos apresenta como um desafio. Esse desafio está a surgir como uma nova linguagem política, um novo modo de organização, um novo modo de governo.
uganda-6Daqui, deste meu posto privilegiado, gostaria de vos dar algumas reflexões à guisa de conclusão.
Deveríamos resistir à tentação de vermos a Praça Tahrir – como, antes, o Soweto – como um roteiro a seguir. Em vez disso, olhemos para o Egipto como uma visão, uma visão democrática, tanto o evento como o processo. Lembrem-se de que foram precisas quase duas décadas para que a Revolta do Soweto gerasse o seu fruto democrático na África do Sul. Quanto ao Egipto, a revolução democrática acaba de começar. Ninguém sabe quanto tempo será preciso para institucionalizar o seu fruto.
Hoje, temos de reconhecer que a Praça Tahrir não levou a nenhuma revolução, mas a uma reforma. E isso não é uma coisa má. A lição do Egipto – ao contrário da sua vizinha Líbia – é a força moral da não-violência. Ao contrário da violência, a não-violência não se limita a resistir e a excluir; também opta e inclui, desse modo abrindo novas possibilidades de reforma, possibilidades que pareciam inimagináveis ainda ontem.
O desafio que se coloca hoje à classe política ugandesa não é o de cerrar fileiras para um combate final, como é tendência habitual. O verdadeiro desafio é criar possibilidades de novas políticas, na base de novas associações e novas imaginações. O verdadeiro desafio não é a revolução, mas a reforma. Ainda não está decidido qual dos dois – governo ou oposição – irá encabeçá-la e proporcionar a iniciativa.

Nota do tradutor

[1] “Walk to Work” é uma campanha lançada pela oposição ao governo do Uganda. Consiste, muito simplesmente, em ir para o trabalho a pé, em vez de usar transporte particular ou público, como forma de protesto contra a subida dos preços dos combustíveis e dos alimentos.
Artigo original (em inglês) no jornal ugandês Sunday Monitor. Também disponível no Pambazuka News. Tradução do Passa Palavra.