segunda-feira, 11 de junho de 2007

O deserto verde no Uruguai


Plantações de eucalipto concentram terra e inviabilizam a produção agrícola no Sul do país


Jorge Pereira Filho

A CASA DO produtor rural Washington Lockhart está rodeada por paredes. Construções distintas essas. Não levam cimento nem tijolos. Tampouco têm aspecto áspero. São milhares de árvores que não estavam ali há 15 anos. Hoje, plantações de eucaliptos rodeiam o povoado onde mora esse camponês. Árvores que separam dois mundos. Um local, dos agricultores que trabalham para abastecer as cidades próximas de frutas, hortaliças, queijos, leite. E um outro, inserido no capitalismo global, das transnacionais e grandes grupos empresariais que exportam aos países ricos matéria-prima para a produção de papel.

Washington vive no povoado de Cerro Alegre, sul do Uruguai. Mas sua história se repete no Brasil, em regiões do Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Bahia; em países como Tailândia, Chile, e outros territórios que abriram suas fronteiras à monocultura de eucalipto e de pinus. Produtor de leite, esse uruguaio lembra que no início dos anos de 1990 as empresas compraram as primeiras terras. "Vivo neste lugar desde 1975, quando comecei a produzir leite. E sinto do lado de minha casa os efeitos desse modelo. Meus três filhos freqüentaram uma escola rural que atendia a 60 crianças e, hoje, sobraram 15 alunos. Já outra escola, de tamanho similar na época, está com apenas 2 estudantes. Há 1 quilômetro, havia armazéns, pequenas lojas, uma quadra de esportes que reunia nossa comunidade, mas nada disso restou. Agora, abro a janela de minha casa e não vejo o horizonte, apenas árvores", relata.
O povoado de Cerro Alegre está na rota da corrida das transnacionais e do capital internacional pela expansão das monoculturas de eucalipto e pinus. São empresas como as finlandesas Storea-Enso e Metsa-Botnia, a espanhola Ense, a Aracruz Celulose (de capital norueguês, brasileiro e inclusive do BNDES), entre outras, que disseminam essas plantações pelo mundo. "A expansão se insere hoje na estratégia dos grandes países consumidores de papel: Europa, Estados Unidos e Japão. Querem assegurar o fornecimento da indústria em longo prazo e espalham plantações de eucalipto no Sul, nas áreas tropicais e subtropicais, avalia o técnico florestal Ricardo Carrere, que hoje integra o Grupo Guayabira no Uruguai e é coordenador do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (IWRM, na sigla em inglês).
O Brasil, hoje, tem em território a maior extensão de área plantada de eucalipto do planeta - mais de 4 milhões de hectares. A produção, em sua maioria, é voltada para a exportação na forma de pasta de celulose que, nos países ricos, é transformada em papel. "Essa indústria cresce porque tem uma política de inventar novos usos para o papel. No Brasil, o consumo médio é de 30 quilos por pessoa. Na Europa, são 200 quilos, ainda menos do que os 330 quilos dos Estados Unidos e os 400 quilos da Finlândia. Sabemos que não falta papel, há desperdício, é demasiado", avalia Carrere. Em um estudo sobre o assunto, o pesquisador constatou que a maior parte do consumo é em embalagens. "Depois, as empresas são as maiores consumidoras. Livros e cadernos representam uma parte menor", revela o técnico florestal que esteve no Brasil para um seminário internacional sobre monoculturas realizado, entre os dias 18 e 20 de abril, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).
O Uruguai tem, atualmente, 1 milhão de hectares de eucalipto e pinus. Uma extensão representativa para o território total de 18 milhões de hectares. As primeiras mudas foram plantadas na região onde vive Washington com a promessa do desenvolvimento. Gerariam emprego, trariam investimentos e a prosperidade. Na década de 1980, após a assessoria de pesquisadores japoneses, o governo uruguaio elaborou um plano de expansão da cultura de eucaliptos e pinus. Determinou algumas regiões do país que receberiam essas mudas do progresso e, como contrapartida, isentou as empresas interessadas de impostos. Mais do que isso, definiu um subsídio: o povo uruguaio, por meio dos impostos, bancaria 50% do custo de produção. Era o que dizia a Lei Florestal, publicada em 1987. Esse último benefício foi revogado pelo presidente Taberé Vazquez. O discurso tinha outros elementos de sedução. Ampliaria a área verde do país (afinal, são árvores) e estimularia a produção de livros para as crianças, por exemplo. Já os impactos sociais e ambientais da expansão da monocultura foram tratados como questões menores

A água


Em outubro de 2002, o Uruguai escreveu uma página inédita na história dos direitos humanos com a realização de um plebiscito popular sobre a gestão da água. Mais de dois milhões de uruguaios, 64% do eleitorado do país, decidiram que os recursos hídricos deveriam ser considerados um recurso natural essencial à vida e, por isso, não deveriam ser privatizados.
Para a comunidade de Cerro Alegre, no Sul do país, essas letras inscritas na Constituição seguem distantes. Lá, o serviço de distribuição de água não foi privatizado. Mas os recursos hídricos não têm como destino o consumo da população. Em vez disso, abastecem as plantações de eucaliptos. "Há quatro anos, sentimos os primeiros efeitos. No meu caso, um riachinho que atravessava minha chácara secou totalmente. Desapareceu, ainda, na região uma área de cerca de 15 hectares de banhado. Um antigo vizinho que me visitou no início deste ano, e vendeu sua casa para as empresas, não acreditou. Desde 1975, a água para nosso consumo interno vinha de um poço, do lado de casa. Hoje, já não basta e tive de construir outros quatro", conta Washington.
Efeito do aquecimento global, falta de chuvas? Não é o caso. No Uruguai, a média de chuva é de 1,2 mil milímetros por ano e somente, entre 25 de fevereiro e 25 de março, caíram 700 milímetros. Depois da chegada das plantações de eucalipto, a maior parte da comunidade de Cerro Alegre é abastecida por um caminhão-pipa de 18 mil litros, que semanalmente percorre a região. Nem sempre há para todos e o impacto da escassez de água em uma região agrícola é ainda maior: inviabiliza- se a própria produção. "Um eucalipto consome em média 20 litros de água por dia, por isso cresce tão rápido. É uma bomba de água enviando os nutrientes do solo, e são sete anos apenas até o corte. Imagine agora que um hectare tem 1,1 mil árvores. A cada dia são consumidos 22 mil litros de água, mais do que a capacidade de um caminhão-pipa. Mesmo assim, o governo e as empresas dizem que não há evidências científicas desse consumo de água", afirma o técnico florestal Ricardo Carrere. Companhias como a Aracruz que, para rebater as críticas de ambientalistas, divulgam que poços de monitoramento constaram que o lençou freático fica estável a uma profundidade que varia de 16 a 25 metros, em áreas de eucalipto.

Resistência


"Por conta desses problemas, muitos produtores abandoram a região. Outros venderam suas terras para as empresas florestais e foram para a cidade. Sem água, é impossível trabalhar no campo", conta Washington. Segundo ele, os camponeses que permaneceram na terra iniciaram um movimento para resistir ao avanço da monocultura. "Tivemos de nos unir, apesar de todo o individualismo presente na comunidade. As pessoas são absorvidas pelo trabalho, estão acostumadas a cuidar de sua porção de terra, mas os problemas comuns dessa realidade se impuseram", afirma.
A articulação dos camponeses começou em 1994, quando a falta de água se agravou. As bandeiras do movimento continuam as mesmas desde a sua criação: nenhum eucalipto a mais, água como um direito de todos, fim dos benefícios da Lei Florestal e rejeição à proposta da construção das indústrias papeleiras no rio Uruguai.
Com apoio de organizações ambientalistas, os camponeses de Cerro Alegre realizaram um estudo para denunciar os impactos da introdução dos eucaliptos na região. A constatação: a monocultura gera 3 três empregos em média para cada mil hectares plantados; já a agricultura em média 10 postos de trabalho, entre grandes e pequenas propriedades. "Por isso falamos do ‘deserto verde’ desse modelo: expulsa as pessoas da terra, substitui a produção de alimentos, provoca o desaparecimento da flora, já que espécies vegetais não resistem nas proximidades dos eucaliptos, e da fauna, pois os animais originários perdem sua fonte de alimentação", resume Ricardo Carrere.

Fonte:BrasilDeFato

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