segunda-feira, 12 de maio de 2008

O foguete Lula e a reforma agrária


Laerte Braga

A sensação que o governo Lula causa é a de um foguete que foi lançado ao espaço e do alto não enxerga a Terra. Yuri Gagarin quando voltou do primeiro passeio espacial dado por um homem em volta da Terra disse duas frases que ficaram registradas em toda a mídia do mundo.



“A Terra é azul”. “Olhei para todos os lados e não vi Deus”.



Sobre o ser azul nada demais. Sobre não ter visto “Deus” a revelação da dúvida. Foi significativo ter dito isso em tom de desapontamento por um major do exército soviético.



Nesses rapapés de banqueiros e agências internacionais que classificam países para orientar o capital onde ir buscar segurança (nem sempre isso quer dizer progresso no sentido de bem comum a todos, mas privilégio de elites), o presidente dá sinais que da estratosfera não enxerga sequer o azul do planeta (o verde não existe mais a rigor) e não encontrou Deus, ou quiçá um anjo de guarda para mostrar-lhe a importância de determinados compromissos não cumpridos.



Os riscos que esse viés neoliberal populista, a outra ponta da corda, representa para o futuro. Isso partindo da lógica cristalina que o futuro é o que se constrói no presente.



O governo Lula deixou de lado a reforma agrária. Desde o primeiro mandato as pernas estão escancaradas para os grandes latifúndios, as grandes internacionais do agronegócio e o empresariado FIESP/DASLU. Continuam a ser os principais acionistas do Estado essa instituição ainda privatizada.



O camponês brasileiro, o sem terra, virou hoje o “terrorista” preferido da mídia dominada e controlada pelos donos.



Na hora da “assembléia geral” o latifúndio chama o resto da turma e o grupo fecha as portas à reforma agrária.



A reação de latifundiários catarinenses a vistorias e eventuais desapropriações de terras improdutivas busca o exemplo de latifundiários gaúchos que ancoraram na inércia do governo Lula, nesse foguete que sobe em disparada em todas as pesquisas e dá a sensação de acrobacias aeroespaciais no delírio da aprovação que está perto ou supera os dois terços. Ainda não viu que o rabo do foguete está amarrado num obelisco lá no interior do Rio Grande, onde d. Yeda rouba gloriosa e charmosa.



Os noticiários dos telejornais no dia dois de maio mostraram uma sede do INCRA (INSTITUTO DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA) em Belo Horizonte “destruída” por trabalhadores rurais sem terra. O rótulo de baderneiros, de “terroristas”, de inimigos públicos do bem comum, como se os pistoleiros de Ermírio de Moraes e sua ARACRUZ, ou da “supranacional” VALE fossem justiceiros assim que nem Bat Masterson.



O grupo de trabalhadores que estava na sede do Instituto recebeu a solidariedade de deputados, personalidades várias e antes de deixar o local chamou dois funcionários do INCRA para uma vistoria onde ambos comprovaram que nenhum dano foi causado, ou nada foi retirado.



Nas tevês, além da acusação do roubo de computadores, destruição de móveis, algumas garrafas de cachaça. O trabalhador tem que ser mostrado como cachaceiro. Faz parte do projeto, do modelo vendido a milhões de Homer Simpson que ficam estatelados olhando ou para Alexandre Garcias, ou para Carla Vilhena, na ausência do casal Bonner (o “general” está junto com o outro general, o Heleno de Tróia, comandando a guerra contra a Venezuela e os índios em Roraima.



A política agrária do governo planta a fome em grandes plantações para lembrar o que seria um vaticínio de Geraldo Vandré, em 1968, em “Pra não dizer que não falei das flores”. Planta transgênicos e vai colher desertos. E fome.



Ou a Roça de Cana e seus habitantes os bagaços.



Há quarenta e oito anos atrás, dois de maio de 1960, Caryl Chessman foi executado na câmara de gás na prisão de San Quentin, nos Estados Unidos. Passou cerca de quinze anos na cela da morte, como eram conhecidas as celas de condenados à pena capital lutando pelo direito à vida.



Escreveu um livro que virou bestseller mundial. “Cela da morte, 2455.”



Chessman foi o bandido da luz vermelha original. Pra quem não sabe na cela escreveu a letra de “unchained melody” e vendeu seus direitos para poder pagar advogados. Veio a ser a canção de “Ghost” anos depois. A primeira gravação foi feita por Roy Hamilton.



Lula nem idéia faz do que seja isso. Virou um avantesma de si próprio, perdido na ilusão das agências internacionais de classificação de risco e nem percebeu o despeito de Miriam Leitão, ou seja, não percebeu que continua na cozinha com todos os tapetes estendidos ao capital. É o contrário do outro que nasceu na sala e tinha o pé, só o pé, na cozinha. “Mulatinho” como chegou a dizer.



Toda a pirotecnia de Lula para encher a boca e proclamar grãos e mais grãos transgênicos não enxerga lá da ionosfera que a terra, essa com letra minúscula, é que nos deu e dá vida.



Prefere as plantações criminosas de Eike Batista (e os 17% de sangue indígena de seus filhos), ou de Ermírio de Moraes, da VALE, de todo o conjunto de bancos e sonegadores FIESP/DASLU (um bilhão de reais). O diabo vai ser o dia que o foguete embicar e despencar. Onde vai cair não sei.



Só sei que Grande Otelo (Sebastião Prata) e Oscarito já morreram e não tem como filmar mais “O homem do Sputinik”. Remaker? De um modo geral são sem charme. Mera farsa da história original.



Eu se fosse o Lula colocava aquele equipamento de astronauta e dava uma chegada no rabo da nave para ver ser a marca é Caramuru. Se não for está lascado, dá xabu (ch?).

Brasil: seguro para quem?






Fernando Silva

Em uma operação do mercado financeiro recebida com grande alvoroço e apoio pelo governo e a grande mídia, o Brasil foi recentemente promovido a condição de país "seguro para investimentos".

A condição atestada pela agência Standard & Poor's provocou recordes de valorização na Bolsa de Valores de São Paulo no dia 30 de abril (teve a maior alta em um dia desde outubro de 2002), declarações oficiais do governo comprometendo-se em transformar o Brasil em lugar cada vez mais "seguro" e estável, promessas e notícias de novos investimentos que farão do Brasil uma potência nos próximos anos e por aí vai.

A nova "promoção" do Brasil teve um componente que lembrou muito as operações artificiais de valorização, típicas do mercado financeiro.

Artificial porque, em um momento de crise internacional, com o preço do petróleo ameaçando jogar ainda mais "combustível" na explosão inflacionária dos alimentos no mundo, pode fazer pouco sentido tamanha euforia nos papéis cotados na Bolsa de Valores de São Paulo se a "nota" concedida pela Standard & Poor's colocou o Brasil no mesmo patamar de estabilidade, por exemplo, do Cazaquistão.

Mas o pior da história é que existe razão de ser para tamanha alegria do grande capital. Notem a coincidência. No mesmo dia do anúncio desta "promoção" era noticiado que o governo conseguiu um novo recorde trimestral no superávit primário: R$ 43,032 bilhões, mais do que suficientes para pagar os R$ 39,998 bilhões apenas de juros da dívida pública no primeiro trimestre deste ano.

Deste ponto de vista, o capital financeiro não tem o que se queixar do Brasil, nem do governo Lula, que cumpriu a palavra de garantir a remuneração aos "investidores", conforme documentos revelados pelo jornal Valor Econômico em 08/05/2008, sobre os bastidores da aproximação do governo brasileiro com o governo Bush desde a época da eleição de 2002.

Bom para o Capital, ruim para os trabalhadores

A realidade é que, para garantir a remuneração do capital financeiro à custa de recursos do próprio orçamento, o povo recebe em troca a epidemia de dengue. Afinal, o importante é reservar R$ 43 bilhões em três meses ao invés de tomar as medidas e investimentos na saúde, tanto emergenciais quanto estruturais, que permitissem debelar a epidemia e extinguir a dengue no país.

A segurança para o grande capital é diretamente proporcional à insegurança para os trabalhadores e as classes médias diante da explosão do preço dos alimentos, que já fez a inflação ultrapassar 5% ao ano (março de 2007 a março de 2008). E isso em uma economia onde não existe qualquer mecanismo previsto de proteção salarial diante da corrosão inevitável, que, aliás, já começa a pulverizar os poucos ganhos que milhares de trabalhadores conseguiram a duras penas em negociações e dissídios no ano passado.

Para o grande capital ter muita segurança e lucros garantidos devido às altas taxas de juros praticadas, o povo vai passar a conviver com a incerteza diante da perspectiva de endividamento no crédito ou até inadimplência, especialmente para as camadas da classe trabalhadora amarradas ao crédito consignado em folha de pagamento.

É na esteira desta estúpida euforia que o governo federal, com o aval das centrais sindicais que o apóiam, volta a sinalizar com uma "negociação" na legislação trabalhista, com o objetivo de desonerar a folha de pagamentos para baratear, com a retirada de direitos, ainda mais a mão-de-obra no país. Afinal, é preciso aproveitar o momento de "promoção" do país para atrair ainda mais capitais e investimentos para a produção e infra-estrutura.

Ilusão entreguista da pior espécie, pois o grande capital não parece acreditar nos factóides da Standard & Poor´s e trata de aumentar as remessas de lucros para fora do país (apenas em março, US$ 4,345 bilhões).

Conclusão: se isto aqui for seguro, só mesmo para o grande capital, especialmente o financeiro. Para os trabalhadores, o cenário será cada vez mais inseguro. Ficará colocada a eles e aos movimentos sociais a necessidade de se começar a construir uma pauta de reivindicações diante deste cenário.

A luta contra o aumento do preço dos alimentos; a defesa de mecanismos de reposição geral de perdas do poder aquisitivo, provocadas por esse novo surto inflacionário; a defesa da redução da jornada de trabalho para gerar emprego, mas sem redução dos salários e sem a retirada de direitos sociais e trabalhistas; a denúncia do pagamento e remuneração ao capital financeiro pela via da dívida pública. São todas questões que tendem a ser cada vez mais concretas para os trabalhadores e o povo diante do desastre social para o qual que caminha o país sob a batuta do capital financeiro e a euforia cega e servil do governo Lula.

Fernando Silva é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.


domingo, 11 de maio de 2008

A corrupção no Detran e as cruzes de Yeda


A revista Carta Capital destaca em sua edição deste final de semana o escândalo de corrupção que atingiu o governo Yeda Crusius (PSDB). Com a manchete “As cruzes de Yeda”, a matéria (assinada por Leandro Fortes) afirma que “o esquema de corrupção no Detran atinge auxiliares próximos da governadora gaúcha e complica ainda mais a sua administração”. O texto descreve assim a “Via-Crúcis de Yeda”:

“Dona de um estilo político duro, aristocrático e em nada carismático, a tucana vive um misto de inferno pessoal e administrativo em que se incluem dívidas estaduais impagáveis, atrasos no pagamento de salários dos servidores, popularidade em franca queda, dependência de uma bancada governista para lá de suspeita e, agora, uma CPI capaz de enlamear os portais do Palácio Piratini”. Clique AQUI para ler mais.

Créditos:


Zé Ramalho - 20 Anos Antologia Acústica (1997)





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sábado, 10 de maio de 2008

Persépolis: quando ser mulher é subversivo


Sergio Domingues


O belo filme de animação de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud denuncia a situação de opressão sobre as mulheres no Irã. Mas, também mostra que o machismo continua firme tanto lá, como cá.

A obra é uma adaptação de uma história em quadrinhos escrita e desenhada pela iraniana Marjane Satrapi. Um relato de experiências de sua própria vida. Junto com o francês Vincent Paronnaud, ela dirigiu a versão para o cinema, levando para um público maior os vários aspectos interessantes e bonitos da obra. Dentre estes, certamente, as contradições da condição feminina são as que merecem maior destaque.

Persépolis era o nome da antiga capital do Império Persa, que corresponde ao atual Irã. Como muita gente sabe, o Irã é muito conhecido pela rigidez de costumes, principalmente em relação às mulheres. Trata-se de um entendimento do islamismo que exagera no machismo, mesmo ele já sendo tão forte na tradição muçulmana em geral.

Mas, o que pouca gente sabe, ou já esqueceu, é que essa situação surgiu de uma revolução que ocorreu em 1979. E Persépolis não apenas mostra isso, como deixa visíveis muitas contradições daquele momento histórico. Na época, o país era governado por um ditador. Era o xá Reza Pahlevi. Um fantoche colocado no poder pelos Estados Unidos e Inglaterra, em 1941. De um lado, Pahlevi era um defensor da modernização capitalista. De outro, governou com mão de ferro reprimindo tanto os setores religiosos mais tradicionais do país, quanto socialistas e comunistas. Além disso, a política do Pahlevi em defesa dos capitalismos inglês e americano chocava-se com os interesses de parte dos empresários iranianos.

Uma combinação de grandes mobilizações populares e sindicais, greves, manifestações estudantis e revoltas de caráter religioso levaram à queda do xá, em fevereiro de 1979. Uma vitória conquistada graças à união entre muçulmanos xiitas, empresários descontentes e comunistas. Mas, como mostra o filme de Satrapi, na hora de formar o novo governo, a visão tradicionalista das lideranças xiitas prevaleceu. As idéias de liberdade e justiça social que a personagem Marjane via seu tio defender com tanta convicção foram derrotadas. Mas, não só. Os defensores dessas idéias foram presos, torturados e mortos aos milhares.

O fato é que não havia maiores divergências entre líderes muçulmanos, como o famoso aiatolá Khomeini, e os liberais que os apoiaram. Estes últimos só queriam o espaço para expandir seus negócios que lhes era negado pelo governo de Pahlevi. Já, os xiitas desejavam impor a lei santa de Maomé a toda a sociedade. Um acerto entre eles não foi difícil. Uns passaram a explorar mais, os outros a governar. As forças de esquerda falavam em fim da exploração. Portanto, não cabiam nesse acerto. A repressão que caiu sobre comunistas e socialistas foi uma lição dura. Uma demonstração de que a história não está “destinada a andar para frente” e que os aspectos religiosos de uma sociedade não são desprezíveis.

Para a menina Marjane, essa situação aparece no sofrimento de seus pais, sua avó e seu tio. Todos vendo o sonho de liberdade transformar-se no pesadelo da intolerância. O combate ao imperialismo transforma-se em proibição de ouvir músicas estrangeiras ou consideradas imorais. As roupas ocidentais, distantes da tradição local, são substituídas pelo uso obrigatório de roupas compridas e véus para as mulheres. Defender a igualdade entre homens e mulheres é cair em pecado. Até os homens adotam barbas como sinônimo de fidelidade ao novo regime.

Marjane não se rende. Sempre que pode, tenta desafiar a ordem. Tira o véu ou usa-o de forma não permitida, compra discos de rock no mercado paralelo, vai a festas em que se comete o crime de beber álcool, acusa suas professoras de mudarem fatos científicos e históricos para justificar a dominação muçulmana. Enfim, à medida que vai se tornando adulta, candidata-se rapidamente a acabar seus dias na prisão, como seu tio. Por isso, seus pais acham que é melhor que ela vá estudar na Áustria.

Longe do Irã, no entanto, Marjane também sofre. Já não tem que se esconder para se divertir, usa as roupas de que gosta e pode fumar e beber em público sem medo de ser apedrejada. Mas, além da tristeza causada pelas saudades de sua terra-natal, Marjane conhece o machismo em sua versão ocidental e vê a liberdade de consumo tornar tudo vazio e sem sentido. Depois de um terrível ataque de depressão, acaba voltando ao Irã. Entra num casamento sem futuro e reencontra todos os velhos problemas de opressão e intolerância. O comportamento esclarecido de seus pais e a sabedoria de sua avó só pioram o contraste com a repressão que reina na sociedade iraniana.

Resolve, então, partir para a França. O filme termina com a personagem principal se conformando à necessidade de viver longe de seu país e de seus familiares em nome de um pouco mais de liberdade. No entanto, ela parece saber que mesmo no ocidente moderno e cristão, a opressão somente muda de qualidade. E que querer fazer valer os direitos e liberdades para as mulheres ainda é altamente subversivo. Em qualquer parte do mundo.

Satyricon de Fellini
de Federico Fellini



Sinopse: Esta é a livre adaptação de Fellini da famosa peça de Petronius, que faz uma crônica da vida na Roma antiga. Encolpio (Martin Potter) e seu amigo Ascilto (Hiram Keller) disputam o afeto do jovem Gitone (Max Born). Quando Encolpio é rejeitado, ele começa uma jornada na qual encontra todos os tipos de pessoas e de acontecimentos, entre eles uma orgia e um desfile de prostitutas na Roma antiga. Durante a orgia, organizada por Trimalchio (Mario Romagnoli), encontra um ex-escravo que menosprezou a mulher em troca dos prazeres oferecidos por um jovem garoto.

Título Original: Fellini - Satyricon
Gênero: Drama
Origem/Ano: ITA/FRA/1969
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Petronius e Federico Fellini

Formato: rmvb
Áudio: Italiano
Legendas: Português
Duração: 123 min
Tamanho: 423 MB
Partes: 5
Servidor: Rapidshare
Créditos: F.A.R.R.A. - zé qualquer

Elenco:
Martin Potter ... Encolpio
Hiram Keller ... Ascilto
Max Born ... Gitone
Salvo Randone ... Eumolpo
Mario Romagnoli ... Trimalcione
Magali Noël ... Fortunata
Capucine ... Trifena
Alain Cuny ... Lica
Fanfulla ... Vernacchio
Danika La Loggia ... Scintilla
Giuseppe Sanvitale ... Abinna
Genius ... Liberto arricchito
Lucia Bosé ... La matrona
Joseph Wheeler ... Il suicida
Hylette Adolphe ... La schiavetta








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*Senha para descompactação: http://farra.clickforuns.net

Outros filmes do mesmo diretor:
Manos e Minas no horário nobre

Estréia na TV Cultura programa que aborda cena cultural da periferia com criatividade, sem espetacularização e a partir do olhar dos artistas do subúrbio. Iniciativa lembra o histórico Fábrica do Som, mas revela que universo social da juventunde já não é dominado pelos brancos, nem pela classe média

Eleilson Leite

LeMonde - Brasil

Estreou na última quarta-feira, o Programa Manos e Minas na TV Cultura. Transmitido às 19h30, e com duração de uma hora, surge como um dos principais resultados da reformulação geral do canal, após um ano da gestão liderada Paulo Markun, presidente da Fundação Padre Anchieta. Além do Manos e Minas, outras novidades surgirão nos próximos meses, numa estratégia de retomar o público jovem, segundo declarou Markun à imprensa.

Tendo como slogan “TV que faz bem”, a Cultura começou certeira sua nova fase. Apresentado pelo rapper Rappin Hood, que já ancorava o quadro Mano a Mano, no Metrópolis, o Manos e Minas é um gol de placa. Logo em sua primeira edição, o programa mostrou para que veio. Jorge Aragão foi a atração de palco e mandou bem, escolhendo de seu repertório canções que tinham muito a dizer ao público presente ali e no sofá - como o samba Mutirão de Amor. Rappin Hood comandou a cena com uma excepcional desenvoltura e a ginga e simpatia de sempre. No palco, duas crews de dançarinas, uma de manos e outra de minas. Lá no fundo, o veterano Binho, mandava um grafite ao vivo. A animada platéia era composta, na sua maioria, por adolescentes e jovens ligadas a ONGs como a Casa do Zezinho, da Zona Sul, e a movimentos culturais como o Elo da Corrente, de Pirituba.

O programa é dividido em quatro blocos, cada um com uma entrada externa — todas muito interessantes. A primeira foi uma reportagem sobre o rango comercializado na porta de estádio de futebol. Com o microfone na mão e muito dinamismo, a DJ Juju Dendem percorreu várias barracas instaladas nas imediações do estádio do Morumbi, experimentando a culinária que alivia a fome dos torcedores. Na mesma linha futebolística, o próprio Rappin Hood, corintiano assumido, entrevistou Dentinho, atacante do Timão em pleno Parque São Jorge. O jovem craque falou de sua origem humilde na periferia da Zona Oeste e revelou uma curiosidade. Ele tem o nome dos pais tatuado em cada um dos braços, razão pela qual beija-os na comemoração dos gols. “Família é tudo”, arrematou sabiamente Rappin Hood.

Uma esteticista conta como montou, em seu salão, uma biblioteca. Jorge Aragão comenta o que mudou na circulação dos produtos culturais. São cenas de Manos e Minas

No segundo bloco, entra um quadro permanente chamado Busão Circular Periférico — um dos pontos altos do programa. O escritor e agitador cultural Alessandro Buzo percorre uma quebrada acompanhado de uma liderança local que desvenda a cena cultural existente ali. Gostei da pauta dessa primeira inserção. O programa poderia ter começado com o Samba da Vela ou o Sarau da Cooperifa, movimentos já consagrados. Mas Buzo e a DGT Filmes, produtora responsável pelo quadro, fugiram do óbvio. Numa viagem ciceroneada por Michel Ciriaco, as câmeras percorreram os arrabaldes de Pirituba. Buzo conversou com os rappers do grupo RZO e depois visitou um salão de cabelereiro que tem uma biblioteca comunitária, ao invés de das típicas revistas encontradas nesses estabelecimentos. Soninha, dona do salão, conta que a motivação em montar o acervo veio de sua participação no Sarau Elo da Corrente, que rola todas as quintas à noite no Bar do Santista. Buzo foi lá conferir. Bacana. O quadro mostrou a diversidade e a força do sentido de pertencimento do povo periférico. Foi bola num canto e goleiro no outro.

Na volta ao auditório, mais um samba de responsa. O Jorge Aragão é um tipo carismático de fala mansa. Conta que vendeu mais de 3 milhões de CDs como se fosse algo natural. Poderia ser arrogante, presunçoso. Que nada, o sambista, quando é bamba de verdade, não bota salto alto. E o cara é consciente em relação ao que se passa na indústria fonográfica. “Hoje não se vende mais disco; hoje se negocia música”, esclareceu, atento aos novos tempos. Na sua enxuta e afinada banda, destaque para uma mulher muito bamba que toca diversos instrumentos de percussão, entre eles a cuíca, pouco usual entre as minas.

Mais uma intervenção externa. Com um sugestivo nome de Interferência, entra em cena o quadro do escritor Ferréz. O autor de Manual Prático do Ódio, recebeu um convidado para uma entrevista tipo “papo cabeça”, na tradicional Barraca do Saldanha, no Capão Redondo. Surpreendeu-me o entrevistado: Chico César. E a escolha foi ótima. Chico anda sumido das paradas de sucesso e essa questão dominou o agradável bate papo. “Seu afastamento da mídia se dá em função de suas posições políticas?”, perguntou Ferréz. O cantor paraibano aproveitou a deixa para falar de seu engajamento político, que vem desde os tempos de faculdade, em João Pessoa. Lembrou que o GeGê, seu irmão, é um importante líder do movimento por moradia no Brasil e criticou a elite paulistana com muita propriedade, sem perder a serenidade. Ferréz se saiu bem como entrevistador. Ele faz a linha do Abujanra, apresentador do programa Provocações, também na Cultura. Assim como o Buzo, lhe falta um pouco mais de familiaridade com as câmeras, algo que os dois rapidamente desenvolverão tão bem quanto a habilidade que têm na escrita. Pena que o Interferência será apenas quinzenal.

No retorno ao palco, Rappin Hood demonstra todo o seu carisma e habilidade na relação com o público. Anuncia as caravanas, agita a platéia. Bota os B Boys e B Girls para dançarem. Ao anunciar a próxima reportagem, feita pela própria equipe do programa, faz uma enquete entre os presentes: “Quem aqui está desempregado?”, pergunta. Um monte de braços se levanta como se fosse uma ola. O apresentador acaba dando o microfone para um dos poucos adultos ali sentados. Combinado ou não, o depoimento do cara foi crucial. Não anotei o nome, mas o entrevistado, pessoa já por volta de seus 50 anos, relatou seu drama. Ex-presidiário, ativista da Pastoral Carcerária, morador da Cidade Tiradentes, sofre enorme preconceito quando procura emprego, em virtude de sua passagem pela cadeia. Roda o VT e aparece o Fubá, apelido do MC Roberto, jovem da periferia da Zona Sul que fala de seu corre para descolar um trampo.

Assistia às gravações do Fábrica do Som. Vi surgirem bandas como Ultraje a Rigor, Ira! e Paralamas. Mas tirando o Clemente, cantor dos Inocentes, não me lembro de ver negro, no palco, ou na platéia

As câmeras voltam-se novamente para o palco no Teatro Franco Zampari, onde a socióloga Carla Corrochano, da ONG Ação Educativa, analisa o desemprego entre os jovens e acentua que a pobreza e a questão racial aprofundam ainda mais as dificuldades na busca do primeiro emprego. Conclui: “O jovem pobre da periferia não tem que se sentir culpado e baixar a cabeça”. Fechando a discussão, Rappin Hood volta-se para o Jorge Aragão a fim de retomar a música. Aí veio uma surpresa. O sambista ao invés de responder a pergunta feita pelo apresentador, mudou de assunto. Voltou à questão do desemprego juvenil entre os mais pobres. No ato, ele propôs uma parceria com o Manos e Minas. Vai abrir vagas temporárias na sua produção para acolher jovens indicados pelo programa. Olha que louco. Os garotos e garotas vão trampar por dois ou três meses, aprenderão um ofício e terão um pouco da tão exigida experiência. Grande Jorge Aragão! O cara mostrou porque foi a atração de palco do primeiro programa. A periferia é isso. Um ajudando o outro, fortalecendo a comunidade. Chega na quebrada no sábado à tarde pra você ver. Tem sempre um mutirão para encher laje. Concluído o trampo, a galera toma uma birita e a feijoada é servida aos valentes ao som de um bom samba do Aragão e de outros bambas.

Antes de anunciar o encerramento, Rappin Hood chama para conversar o grafiteiro Binho, que durante a gravação pintou um painel. Perguntado se é possível viver de grafite, ele tangenciou, respondendo que é possível viver de arte. Grafite seria outra coisa. Não entendi. Complementavam o cenário do palco alguns trabalhos da dupla de grafiteiros Osgêmeos. Os irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo são a prova mais eloqüente de que é possível não só ganhar dinheiro com grafite mas também posicionar essa linguagem como arte, inclusive nas badaladas galerias. Mas é bom ter um pouco de polêmica. Jorge Aragão retoma o microfone e Rappin Hood participa da última música, introduzindo um rap com direito a improvisos de saudação ao grande sambista.

Creio que estamos diante de um marco histórico para a TV brasileira. Manos e Minas, aborda a cena cultural da periferia sem espetacularização, além de colocar os próprios artistas do subúrbio em cena. Buzo, Ferréz, Juju Denden, o próprio Rappin Hood: é tudo gente da quebrada. Isso dá uma autenticidade ao programa que o distingue de outras iniciativas, como o Central da Periferia, da TV Globo, apresentado pela atriz Regina Casé. Este programa, hoje esporádico e inserido como quadro do Fantástico, tem sua importância e várias virtudes, mas não tem o olhar de quem está na periferia. Fica muitas vezes um tanto postiço. Manos e Minas é diferente. É autêntico porque fala a língua dos jovens da periferia, além de ser regular e numa TV pública.

A TV Cultura acertou. Paulo Markun disse, em entrevista ao Estadão, que a estratégia para recuperar o público jovem é oferecer-lhe a faixa nobre da grade. Ele também anda saudoso do programa Fábrica do Som, atração da emissora no início dos anos 80. Quer retomar a atmosfera aguerrida e criativa daqueles tempos. É uma boa referência, o Fábrica. Eu era assíduo telespectador daquele programa, que passava aos sábados à noite. Várias vezes fui ao Sesc Pompéia assistir às gravações nas noites de terça-feira. Vi surgirem ali bandas como Ultraje a Rigor, Ira! e Paralamas do Sucesso. Naquela época não tinha hip hop e nem se falava em periferia com o sentido que temos hoje. Era também um agito de jovens universitários de classe média, quase todos brancos. Tirando o Clemente, cantor da banda punk Inocentes, não me lembro de ver negro, nem no palco, nem na platéia do Fábrica do Som. Agora estamos assistindo à conquista de espaço de uma outra galera que, tributária da geração dos 80, acrescenta um sentido de classe, território e cor à cena cultural urbana. E a TV Cultura está aí, cumprindo novamente sua missão, sacando a dinâmica da juventude e sabendo valorizar o fazer artístico do povo da periferia. Longa vida ao Manos e Minas.


Eleilson Leite é colunista do Caderno Brasil de Le Monde

Senado aprova Filosofia e Sociologia no ensino médio

www.vermelho.org.br


Desde 1971, educadores tentam resgatar o ensino de Filosofia e Sociologia no currículo escolar do país. As disciplinas foram suprimidas pelo regime militar, que governou o país de 1964 a 1985. Nesta quinta-feira (8), finalmente as entidades puderam comemoram a conquista histórica da aprovação no Senado, por unanimidade, do projeto de lei que inclui a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias na LDB (Lei de Diretrizes e Bases).


Com a alteração, as disciplinas de Filosofia e Sociologia serão obrigatórias em todas as escolas, públicas e privadas, de ensino médio. O texto aprovado prevê que a lei entre em vigor na data de sua publicação. Já aprovado pela Câmara, o projeto será submetido agora ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que poderá sancioná-lo ou vetá-lo.

O projeto foi incluído na pauta de votações após aprovação de requerimento de urgência, apresentado pelo senador Valter Pereira (PMDB-MS). A matéria já tinha recebido parecer favorável da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) na última terça (6).

O retorno das disciplinas ao ensino médio, 37 anos depois de serem excluídas do currículo, enterrou o entulho antidemocrático das disciplinas de educação moral e cívica.

Ato de homenagem

Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho, presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo (Sinsesp), comemorou a conquista.

“Estamos propondo ao presidente Lula que façamos um grande ato, um evento nacional no Palácio do Planalto, com as presenças de ministros de estados e entidades da área da educação, para homenagear todos aqueles que nos últimos 11 anos defenderam e lutaram por essa bandeira”, disse.

O sociólogo ainda informou que nos próximos dias o sindicato estará empenhado para que o presidente Lula sancione a lei.

“Queremos que todos acompanhem a sanção histórica da lei, por isso vamos pressionar para que haja ampla divulgação do dia e hora da sansão presidencial que irá alterar de forma definitiva a obrigatoriedade do ensino de Sociologia e Filosofia”, declarou.

A senadora Ideli Salvatti (PT-SC) frisou, na seção desta quinta, a importância da aprovação da lei.

“As duas disciplinas permitem à juventude acessar todas as matérias do conhecimento, permite que se formem conceitos, caráter moral e que as pessoas tenham uma visão humanista. Fizemos um acordo e votamos por unanimidade. Hoje fizemos um grande benefício à juventude brasileira”, falou.

Impactos na formação

Para Juçara Vieira, diretora da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e vice-presidente da Internacional da Educação, o retorno dessas disciplinas ao currículo escolar é uma grande vitória para a formação da juventude brasileira.

“Essas disciplinas são fundamentais na formação do pensamento crítico da juventude” disse.

Outra entidade a comemorar a aprovação da lei foi a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).

''Esse resultado já era esperado, pois a Ubes esteve presente no Conselho de Educação cobrando a votação desta lei e houve unanimidade entre os presentes. Agora esperamos que o presidente Lula sancione a lei o mais rápido possível'', afirmou o presidente da entidade, Ismael Cardoso.

Especialistas da área defendem que a aprovação do projeto será a maior revolução do ensino médio na história do Brasil, pela dimensão que a presença dessas disciplinas terão na estrutura curricular.

“Com a lei 25 mil escolas ensinarão Sociologia e Filosofia para pelo menos 10 milhões de jovens, que poderão finalmente ter acesso a um saber especial que lhes possibilitará uma melhoria substancial de sua capacidade de reflexão e análise da realidade que esse mesmo jovem está inserido”, afirma nota do Sinsesp.

FHC vetou o projeto em 2001

Em 1997, já havia sido apresentado e aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL 3.178/97), que alterava a LDB incluindo Filosofia e Sociologia como disciplinas obrigatórias no ensino médio.

Porém, quando enviado à sanção presidencial, o projeto foi vetado integralmente em outubro de 2001, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso(PSDB). O sociólogo FHC alegou que a lei traria “ônus para os estados e o Distrito Federal, pressupondo a necessidade da criação de cargos para a contratação de professores de tais disciplinas”.

O debate só foi retomado no Congresso em 2006, quando o CNE (Conselho Nacional de Educação) aprovou uma resolução, que depois foi homologada pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, tornando as disciplinas obrigatórias.

Reforço a resolução do CNE

Segundo o conselheiro do CNE, Cesar Callegari, a resolução foi importante, mas lei que altera a LDB é que efetivará o parecer do conselho já em vigor.

''No meio do ano passado, todas as redes de ensino tinham de mostrar como implantariam as aulas de filosofia e sociologia. Houve contestação do parecer do conselho, que não deveria ter sido contestado. Mas a mudança possibilita menos contestação'', afirma Callegari.

A presidente da CNTE concorda com Callegari. “Essa regulamentação vai garantir a expansão para aos demais estados brasileiros”, destaca Juçara.

Segundo levantamento do CNE, apenas 17 estados implantaram as duas disciplinas no ensino médio. Outras escolas, muitas delas particulares, já oferecem as disciplinas há anos.

Um dos estados a contestar a resolução da CNE foi São Paulo. Conselho Estadual de Educação paulista publicou uma resolução em que negava a obrigatoriedade de seguir a resolução do CNE.

Porém, devido às pressões do Sinsesp, em abril deste ano a Secretaria Estadual da Educação de São Paulo assinou um termo de compromisso onde as escolas deveriam ter sociologia em um dos três anos do ensino médio --filosofia já estava na grade obrigatória em dois anos do antigo colegial.

Ensino de Psicologia

Durante a seção desta quinta no Senado, o pedido para incluir no PLC 4/08, que institui a obrigatoriedade da disciplina de psicologia no ensino médio, também foi observado.

Segundo entendimento dos senadores, o PL de autoria da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), PL 105/07, e do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), PL 6.646/06, está em discussão na Câmara dos Deputados e, portanto, ainda precisa ser apreciado.

A senadora Ideli Salvatti afirmou concordar com o movimento em defesa da inclusão também da psicologia no currículo, mas observou que a mudança do projeto nesse momento - para abranger a terceira disciplina - acabaria contribuindo para retardar a sua aprovação. O mesmo argumento foi utilizado pelo senador Marco Maciel (DEM-PE).

O presidente da Ubes informou ainda que na próxima estará em Brasília para discutir, além deste projeto, um outro que estabelece eleições diretas para diretores nas escolas. Para ele o debate curricular deve estar ligado à democracia, “pois ambos contribuem para a melhoria da educação no país'', disse.


Os sindicatos europeus a deriva....

Na Europa, o inferno neoliberal para sindicatos e trabalhadores


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Derrota – Com um discurso que explora o fantasma do desemprego frente à chegada dos imigrantes e “a falta de segurança” causada por eles, a direta manipula com êxito os humores decepcionados dos setores populares.Depois de 18 anos de governos progressistas, o póst-fascista, Gianni Alemanno derrotou - neste último 28 de abril - o candidato do centro-esquerda a prefeito de Roma, com a diferença de quase 100.000 votos. Um alerta dramático, para toda a esquerda européia, que segundo o jornal britânico Independent não é apenas uma derrota eleitoral. É, antes de tudo, a evidência da ausência dos sindicatos no território, deixando desprotegidos os trabalhadores, diante de um processo de reformulação da sociedade que os “centros de excelências do capital” estão construindo, desde 1990, após a queda do Muro de Berlim.

O ritual do saudosismo fascista nas escadas da Prefeitura de Roma não é uma casualidade eleitoral. É a repetição de vitórias que uma direita reacionária e racista obtém com o voto de trabalhadores decepcionados e populares amedrontados que, anteriormente, votavam os candidatos dos partidos de esquerda conforme as orientações dos sindicatos. Diante disso a questão é a seguinte: porquê os sindicatos não mobilizaram suas bases como antigamente?

A verdade é que 80% dos sindicatos e centrais sindicais européias não exercem mais seu papel político no território, ao lado dos trabalhadores. No local do trabalho, os sindicatos se limitam em representar verticalmente as disputas contratuais, deixando de contextualizar a nova organização das linhas de produção que visam “robotizar” cada vez mais o trabalhador.

“...De fato, um robô não sabe o que é a “autonomia política da classe operária”. Ele executa, apenas, tarefas produtivas, não pensa se as mesmas são ruins para o corpo humano, para o meio ambiente, não reage se o trabalho é alienante. O robô trabalha até ser substituído por outros mais multifuncionais....”

Assim um panfleto distribuído na FIAT-Mirafiori de Torino pelos comitês da Rede 28 de Abril (fórum que reúne a esquerda na central CGIL) criticava o silencio da CGIL e da federação FIOM diante da nova investida da FIAT alertando os operários com o título:” Atenção, companheiro, os robôs não precisam de sindicato!!!”

Crise de identidade

Na União Européia os sindicatos estavam organizados em fortíssimas centrais sindicais, que desde 1945 sustentaram os ideários da esquerda — sejam eles social-democratas ou socialistas-reformistas ou abertamente anti-capitalistas .

Os sindicatos metalúrgicos e químicos, italianos e os franceses, sempre representaram a vanguarda política do movimento sindical cuja força em unificar a classe operária era determinada por dois elementos centrais: 1) o estudo crítico das linhas de produção para contestar a condição de trabalho imposta pelo capital; 2) a organização e a representação sindical na fábrica e no território.

Quando estas duas vertentes históricas foram substituídas com soluções ditadas pelo nascente verticalismo organizativo, os sindicatos e as centrais perderam sua identidade. Consequentemente, importantes setores do mundo do trabalho aceitaram as manipulações da direita e se sujeitaram às novas regras do World Class Manifacturing, isto é: garantir uma qualidade da produção “just in time” passando acima de ritmos de trabalho e das garantias da própria condição de trabalho.

Um comportamento que se alastrou diante da pouca combatividade sindical quando explodiram as privatizações que, em muitos casos, foi determinada pela condescendência de suas lideranças com os governos neoliberais e pela incapacitadas de construir uma resposta alternativa.

Migrantes

Em 1971, o diretor de cinema italiano Elio Petri lançava o filme “A classe operária vai ao paraíso", no qual denunciava a mudança ideológica e organizativa da aguerrida central sindical CGIL (socialista-comunista) quando, em 1966 os centros de excelência do capital industrial começaram a introduzir sistemáticas mudanças estruturais no ciclo de produção do automóvel, chamado de “Processo de Reestruturação Tecnológica Industrial (PRTI)”.

Na verdade, o PRTI ao introduzir as chamadas “ilhas automatizadas” na linha de produção pretendia romper a hegemonia política da dita “aristocracia operária” substituindo o operário especializado (sindicalizado e de esquerda) com o imigrante (nacional ou estrangeiro), na maior parte dos casos sem qualificação técnica e cultural e manipulado pelas entidades que haviam terciarizado seu emprego.

Para quebrar a presencia militante de sindicalistas anti-capitalistas foram terciarizados os trabalhos que na fábrica eram considerados trabalhos inferiores e que as novas gerações de operários recusavam por ser mal pagos..

Assim, nas fábricas alemãs as funções de limpezas das linhas, recolha do lixo, transportes das peças etc. eram realizadas por imigrantes turcos que, hoje, na Alemanha somam os dois milhões. Na França, na Bélgica e na Hollanda foi os imigrantes árabes e africanos que passou a desempenhar a maioria das tarefas pesadas e sujas da produção industrial. A falta de consciência política, as contradições culturais deste pessoal imigrante e o ressurgimento do racismo provocaram a separação e a dissociação das atividades sindicais.

Um processo que, após a queda do Muro de Berlim, inundou a União Européia com imigrantes do Leste Europeu que foram empregados massivamente nas indústrias e nas lojas (mesmo se clandestinos) para romper – do ponto de vista político e salarial - o último bastião de controle social das centrais sindicais.

Assim, em pouquíssimo tempo, os cinturões suburbanos começaram a hospedar uma variedade de imigrantes árabes, africanos, latino-americanos, asiáticos e sobretudo do Leste Europeu criando uma realidade multicultural que sindicatos e partidos da esquerda reformista não conseguiram entender e, sobretudo, organizar.

Um atraso que a nova burguesia neoliberal e a direita logo exploraram, começando a agitar o fenômeno da concorrência salarial da emigração clandestina para sensibilizar o voto dos trabalhadores ameaçados de desemprego, enquanto, em outro território, a direita e a mídia levantavam a bandeira da “falta de segurança” em função dos crimes cometidos por uma nova delinqüência representada por imigrantes.

Miragem pelo Poder

É neste conturbado cenário dos anos 90 que o sindicalismo europeu introduz uma importante mudança estratégica quando as principais centrais sindicais européias (a DGB da Alemanha, a CGT francesa e a CGIL italiana) fizeram a opção pelo poder, que, na prática, implicava o abandono ideológico da terminologia da esquerda (fim do conceito de luta de classe, socialismo etc.), e das vacilantes temáticas da social-democracia. No seu lugar, entrava a lógica americanizante da AFL-CIO, com a participação ou co-gestão de áreas do poder que induz os sindicalistas europeus a aceitar a inserção no social-neoliberalismo achando que para os trabalhadores esta é a única saída em um mundo cada vez mais globalizado.

Uma miragem política que, indiretamente, abriu o caminho a Sarcozy e Berlusconi, visto que a centro-esquerda foi incapaz em administrar o Estado, em termos neoliberais, e, ao mesmo tempo, não conseguiu criar uma hegemonia “progressista” na sociedade, tanto que as centrais sindicais perderam a ligação política com o território social.

A lógica de um sindicalismo americanizante produziu a verticalização dos sindicatos que eliminaram o delegado das bases e as comissões internas de fábricas.

No seu lugar, entrou um funcionário nomeado pela direção do sindicato para garantir em cada fábrica a burocrática renovação contratual nacional. Porém a atrelagem de sindicatos e centrais a governos de centro-esquerda fez com que a negociação contratual nacional caísse no vazio, sobretudo, quando os governos não queriam exacerbar os industriais ou poupar sua reservas. Por exemplo, na Itália a renovação contratual dos servidores públicos sumiu da agenda sindical logo após a posse do Governo Prodi, enquanto os metalúrgicos esperam sua renovação contratual desde novembro de 2006.

Além disso, sindicatos e governo de centro-esquerda não conseguiram criar um sistema de controle para a TV pública capaz de responder às manipulações grosseiras da “grande” mídia ou de defender o próprio governo de centro-esquerda.

Ataque final

Enquanto partidos de esquerda, de centro-esquerdas e centrais sindicais, italianas e francesas sonhavam em se perpetuar no poder, a direita trabalhava os humores decepcionados dos setores populares manipulando as aspirações do mundo do trabalho para formular, após a vitória de Sarcozy, na França, e agora de Berlusconi, na Itália, aquilo que será o novo inferno neoliberal dos trabalhadores europeus.

De fato, se do lado dos trabalhadores temos centrais sindicais claudicantes, interessadas em sobreviver com sua estrutura profissionalizada, que a própria direita chama de “casta”, do outro, temos uma liderança industrial arrogante por ter conseguido quebrar o custo político da força de trabalho e cada vez mais desejosa de impor ao governo de direita suas regras no capitulo Capital versus Trabalho. De fato, segundo o administrado geral da FIAT, Sergio Marchionne “...os novos procedimentos fabris e de organização da qualidade na fábrica não vão contra o sindicato mas sem o sindicato...”

Procedimentos que são: a) fim da greve que deve ser referendada por todos os trabalhadores, caso contrário é declarada ilegal. b) efetiva introdução de “Banco de Horas” alimentados com horas de trabalho extraordinárias devolvidas sob formas de acumulo de férias não pagas; c) aumento das horas extraordinárias até 4 por dia sem taxação governamental; d) definitiva revisão dos atuais modelos de pensão; e) fim das negociações contratuais nacionais com base os parâmetros da OIT, optando por negociações descentralizadas ou até em cada unidade fabril; f) desvinculação do sindicato das linhas de produção; g) reforma sindical para definir os limites do mandato dos delegados e a transparência financeira nas contas de sindicatos e centrais.

Agora, para o trabalhador europeu o problema é saber se este é o primeiro ou o último andar do inferno neoliberal.

(em BRASIL DE FATO – Edição 271 – 08/14 de Maio de 2008)

Achille Lollo é jornalista italiano e diretor do filme-documentário “AMÉRICA LATINA: Desenvolvimento ou Mercado?” em www.portalpopular.org.br

A Honra de ser Inseto




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O mundo burguês, capitalista – mundo sem amor -, roído pelas insanáveis contradições que lhe são inerentes, vai sendo compelido a retirar de sua atmosfera espiritual os derradeiros vestígios de oxigênio vivificante, capazes de garantir a sobre vivência da pessoa humana. E, nesta medida, produz o tipo aberrante, Gregório Samsa, o protagonista de A metamorfose, de Kafka, cuja asfixia progressiva acaba por transformá-lo em inseto. O gradativo enforcamento da pessoa, na figura do pequeno caixeiro-viajante, não se processa, contudo, impunemente. Há um momento em que o condenado estertora. Este estertor, como um clarão, é capaz por instantes de sacudir o mundo, de subverter os pilares da ordem e de lançar por terra a arrogância do bezerro de ouro, expondo a nudez de sua miséria.
Gregório Samsa, de repente, burlando os planos de seus algozes, se transforma num inseto. Sua metamorfose nos clarifica e comove, de maneira exemplar, por ser ela uma terrível denúncia, um grito de autenticidade em meio a um mundo inautêntico, incapaz pelo menos de ter consciência de sua hipocrisia. Gregório Samsa tomba vítima da ordem social burguesa que o anula, uma vez que – submisso até a abjeção – é radicalmente incapaz de lutar para transformá-la. A ordem familiar e social em que vive – e morre – assassinou sua fisionomia originária, triturou-lhe a liberdade, mastigou seus músculos e nervos, poluiu a graça de sua rosa e, por fim, vomitou-o, transmudado em inseto. Sobre seus ossos chupados, usufruídos, lucrados, a dura carapaça quitinosa-saliva sem remorso.
A grandeza da metamorfose de Gregório Samsa reside no fato de não ter ele pretendido ocultá-la, quer aos próprios olhos, quer aos olhos dos outros. Embora aprisionado em seu quarto – a família não o suportava em sua nova e repugnante condição -, Gregório Samsa conservou-se fiel à sua forma de inseto. Mortalmente atingido na mais íntima substância de sua própria identidade e, assim envilecido e degradado, teve a coragem de confessar-se como tal.
Gregório Samsa é um alienado que, no ato de sê-lo, assume sua alienação e a esgota, exprimindo-a toda, ao mesmo tempo que desmascara as forças alienantes que o esmagam. Desta forma, Gregório Samsa é um alienado que se desaliena através da coragem de proclamar-se alienado, pagando o preço de sua alienação. Além disso, assumindo-se como vitimado, destruído, insetizado, revela o caixeiro-viajante uma vocação de integridade pessoal que, vulnerada em sua última raiz, deságua no desastre existencial. A desumanização que pode ser assim descrita: Gregório Samsa, sendo um produto alienado de uma sociedade alienante e alienada, ao mesmo tempo que encarna essa alienação, a denuncia, transcendendo-a no instante mesmo de sua decisão de encarná-la. Gregório Samsa não consegue viver como pessoa, numa estrutura social que nega a pessoa. E não o consegue justamente por ser uma pessoa, por ter a vocação da pessoa.
Ao transformar-se em inseto, Gregório Samsa assume, por um lado, e integralmente, a alienação a que a sociedade o compele. Ele mesmo se destrói como pessoa, aceitando o veredicto alienante do mundo metálico em que vive. Insetizar-se é alienar-se até a derradeira fibra do próprio ser personal. Mas, por outro lado, insetizar-se é dizer – Basta! – a uma estrutura social que, alienando-nos, exige de nós que sejamos, não apenas alienados, mas totalmente insensíveis e inconscientes com respeito à distorção alenadora que nos impõe. Gregório Samsa, através de sua metamorfose, leva às últimas conseqüências a aberração alienadora que o deforma. Ele sai de si, sem apelo, transforma-se vivencialmente em inseto e, como tal, passa a existir numa comunidade de insetos existenciais que, alienando-se da própria alienação que os vitima, compram a este preço o direito de fingir a pessoa que não são.
Gregório Samsa, com unha implacável, raspa a ferrugem dos hábitos psicológicos e sociais sob os quais jazia sepultado e, debaixo dela, aponta par ao cadáver da pessoa sacrificada – inseto no assoalho. Por isso, por ter-se tornado exemplar no vigor de uma denúncia que a todos atinge, é ele estigmatizado, marginalizado pelos outros, que em torno dele estendem um cordão sanitário para torná-lo invisível. Gregório Samsa é expulso do contexto social em que vive exatamente por retratá-lo com fidelidade excessiva. A carga de verdade que carrega sobre sua carapaça de inseto é brutal e explosiva demais para que possam suportá-la. Gregório Samsa, bandeira da inconsciência de todos, resumo da doença do mundo, foi crucificado em silêncio e, em silêncio, é enterrado vivo. Imperioso se torna evitá-lo, voltar-lhe as costas, já que ele representa, na carne, o pesadelo que os outros nem ao menos ousam sonhar.
Gregório Samsa, portanto, no mais alto ponto de sua doença existencial, ao perder a condição humana, consegue fazer desta perda uma desesperada afirmação de humanidade. Sua metamorfose decorre sob o signo da contradição e da espada. Ela é, ao mesmo tempo, perdição e fome de salvação, silêncio e protesto, cumplicidade enlouquecida de denúncia viril. Existe um analogia, embora imperfeita e incompleta, entre o significado existencial da metamorfose de Gregório Samsa e a dialética da situação do proletariado, dentro da sociedade moderna. O proletariado, gerado nas tripas da ordem capitalista, ao mesmo tempo que compõe a sociedade burguesa, como uma secreção dela, está à margem da burguesia e a transcende, constituindo-se na força desalienante por excelência, que irá lutar pela transformação humanizadora de todo o organismo social. O proletariado padece da alienação que lhe é imposta pela ordem capitalista, encarna-a, mas, ao tomar consciência dela, assume-a e passa a representar o seu contrário, isto é, um esforço social de desalienação. O proletariado, como classe, nega a negação que o vulnera e, com isto, representa o fator positivo por excelência de transformação do mundo.
A metamorfose de Gregório Samsa só não chega a simbolizar a degradação coisificadora – ou insetizadora – do proletariado, que a ela é condenado pelo regime capitalista, por ser o caixeiro-viajante, em sentido etimológico, um desclassificado, desvinculado de qualquer classe, sem nenhuma possibilidade de fazer da consciência de sua alienação um instrumento de fraternidade e de esperança. Gregório Samsa, ao insetirzar-se, comete um ato terrorista de desespero individual. Seu protesto, carente de dimensão comunitária, o torna definitivamente emurado em si mesmo, sem mãos para encontrar o companheiro com o qual irmanar-se, numa luta compartilhada.
É esta diferença essencial entre Gregório Samsa e o proletariado, no regime capitalista. O primeiro é um terrorista cuja ação se esgota na explosão da bomba que o explode. Ao destruir-se, confessa o caixeiro-viajante sua impossibilidade de modificar o mundo. Ele o destrói, simbolicamente, através de sua própria destruição e, desta forma, proclama a impossibilidade radical de construir-se como pessoa, construindo ao mesmo tempo um mundo humano. Gregório Samsa encarna a desumanidade crua e bruta das forças alienantes que, no regime capitalista, atentam contra a dignidade da pessoa. Esmagado, denuncia este esmagamento e, através dele, testemunha o peso impiedoso da máquina que o achatou. Roubando de sua condição humana, revela através da metamorfose que o vitima o assassinato geral da pessoa, no mundo em que vivemos. Dá-se em espetáculo, como inseto, expõe cruamente sua abjeção, deixa que ela grite por si mesma. Às forças que o negam, como pessoa, recusa-se ele, de repente, a obedecer – assumindo a negação que o nega.
Sua desobediência ganha, entretanto, a forma contraditória de uma adesão ensandecida. Gregório Samsa desobedece por excesso de obediência. Submete-se, totalmente, às forças que o alienam e, ao afogar-se nelas, dá-lhes uma vitória de tal maneira radical que as desmascara e anula. Na medida em que se transforma em inseto, deixa o caixeiro-viajante de ser o escravo-coisa talhado à imagem e semelhança dos interesses do mercado capitalista. Tais interesses exigem da pessoa que se destrua em seu centro, sem contudo abrir mão de sua aparência de pessoa. O regime capitalista, para prosperar, precisa de insetos apenas simbólicos, de pessoas cuja metamorfose alienadora não chegue ao ponto de nelas destruir, visceralmente, a mecânica da condição humana. Tal regime exige que sejam preservados os ritos formais da pessoa, embora a estes nada venha a corresponder de vivo, original e profundo. A pessoa tem que manter-se utilizável e “livre” para dirigir-se, ao menos, até à fábrica, e lá marcadejar sua força de trabalho, conservando músculos e nervos que lhe permitam servir ao proprietário. Se esta margem de utilitariedade e de “liberdade” é respeitada, tudo o mais pode levar a breca.
A rebelião de Gregório Samsa consiste em que ele se transformou verdadeiramente num inseto e, com este ato de terrorismo, rompeu as regras do jogo social, destruindo-as por tê-las levado às últimas conseqüências. Ao transmudar-se em inseto, encarnando até à loucura as forças sociais que o alienavam, deixou o caixeiro-viajante de servi-las, para delas compor um retrato monstruoso e fiel. Gregório Samsa, até o momento de sua metamorfose, era uma pessoa que padecia de um câncer psicológico, social e existencial. A partir de sua transformação em inseto, passou a ser o próprio câncer, liquidou-se com pessoa, através desse ato de desespero, desobedecer e acusar.
Gregório Samsa, desclassificado, marginalizado e solitário, cometeu um suicídio personal para, com isto, desmascarar o crônico homicídio institucionalizado de que vinha sendo vítima. De um tal homicídio tornara-se ele masoquisticamente co-responsável, na medida em que, anulado como pessoa, fazia deste anulamento consentido uma forma de melhor servir aos seus algozes. Ao converter-se em inseto, deixou Gregório Samsa de estar conivente com a ordem social e psicológica que o negava em sua pessoalidade, e o instrumento desta ruptura foi, exatamente, a aceitação radical da negação que o corrompia em sua essência.
Assumindo-se como inseto, responsabilizou-se o caixeiro-viajante por sua destruição pessoal, tomou dela consciência plena e dramática e, assim, foi capaz de transfigurá-la em decisão de combate. Antes da metamorfose, Gregório Samsa, apesar de existencialmente insetizado, conservava sua fachada de pessoa na justa medida para deixar-se explorar e usar. Ao transformar-se em inseto, publicou de maneira terrível sua condição de vítima e, desta forma, configurou e denunciou o crime longo e minucioso que contra ele se vinha cometendo. Pressionado cronicamente no sentido de sua insetização, Gregório Samsa, num instante crucial de escolha, decidiu não mais nadar contra a corrente, fingindo a pessoa que não era apenas para cumprir, como cúmplice, o jogo inumano e ambíguo ao qual se submetera. De repente, aceitou ser inseto – isto é, submergiu na corrente alienadora que o afogava – mas, ao mesmo tempo, transcendeu tal corrente, tansformou-se carnalmente em inseto, sem valia nenhuma e sem nenhuma possibilidade de tornar-se, para quem quer que fosse, produtor de mais-valia.
Desistindo de ser pessoa, Gregório Samsa conseguiu fazer de sua capitulação esquizofrênica um derradeiro e grande grito de pessoa. Incapaz de opor-se à falência existencial que lhe era imposta, resolveu a ela identificar-se e, de tal forma o fez, que essa identificar-se e, de tal forma o fez, que essa identificação passou a significar luta, condenação, denúncia, protesto. Deixando de alienar-se de sua própria alienação, desfraldando-a toda para expô-la, Gregório Samsa acusou e desonrou as estruturas sociais que o destruíam, através de um pseudoconformismo ensandecido. Pela destruição de si, como pessoa, conseguiu uma última e desesperada afirmação de pessoalidade. Anarquista solitário e humílimo, desumanizou-se, sem remissão – através da metamorfose – para com este gesto terrorista desmascarar a inumanidade do mundo em que vivia – e em que vivemos.
(Texto retirado do Livro de Hélio Pellegrino, publicado pela editora Rocco em 1988, intitulado: A Burrice do Demônio).