Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Transgénicos: nome de código, "Monsanto"
Qual a urgência das decisões recentes assumidas pela Comissão Europeia para facilitar o cultivo e utilização de transgénicos?
Soybean - Foto de [cipher] / flickr
As recentes decisões assumidas pela Comissão Europeia para facilitar o
cultivo e utilização de organismos geneticamente modificados (OGM) ou
transgénicos, apesar dos riscos para a saúde pública e o ambiente, foram
acompanhadas por declarações a favor da capacidade de decisão dos
governos dos Estados-Membros. No entanto, há que habilitar os cidadãos
com informação que lhes permita ir mais fundo no conhecimento sobre o
assunto. Na altura, a eurodeputada Marisa Matias, do grupo da Esquerda
Unitária (GUE/NGL) perguntou “qual a urgência de tais decisões?” tomadas
pela Comissão quando há legislação em preparação e prestes a sair. Uma
das respostas pode ser encontrada numa simples palavra: “Monsanto”.
Monsanto é a multinacional que controla mais de 90 por cento das
sementes transgénicas que se vendem em todo o mundo. Quem relata melhor a
história é a investigadora Marie-Monique Robin no seu livro “O mundo
segundo Monsanto: da dioxina aos OGM, uma multinacional que lhes deseja o
melhor”.
As sondagens na Europa reflectem uma opinião radicalmente contrária aos
alimentos transgénicos. Em Espanha, em 2006, os inquiridos numa
sondagem escolheram os “transgénicos” como ameaça alimentar mais
inquietante em comparação com mais 12 hipóteses, entre as quais as
“vacas loucas”, salomonelas e gripe das aves. Na Alemanha, 95 por cento
dos consumidores rejeitam os OGM; mesmo nos Estados Unidos, no Estado de
Nova Iorque, 39 por cento dos consumidores são contrários e 33 por
cento aceitam os OGM.
Que se passou então, perante tantas rejeições, desde que 1994 foi
autorizado nos Estados Unidos o cultivo das primeiras sementes
transgénicas, ponto de partida para uma situação caracterizada hoje por
mais de 125 milhões de hectares semeados em todo o mundo com diferentes
sementes de organismos geneticamente modificados?
Uma explicação importante é: Monsanto.
Uma explicação importante é: Monsanto.
A empresa Monsanto nasceu em Saint Louis, Missouri, em 1901, dedicada à
produção de sacarina para a Coca-Cola. Em 1935 comprou a Swan Chemical
Co., que já fabricava os PCB, policlorobifenóis. Esta substância
sintética tinha diversos usos como refrigerante e lubrificante, mas
representava também um grave risco para a saúde pública que a empresa
conhecia “mas de fez de conta que nada acontecia até à sua proibição
definitiva, em 1977”, testemunha Marie-Monique Robin. A prova deste
conhecimento está na grande quantidade de documentos procedentes de
arquivos da Monsanto, obrigada a divulgá-los num processo judicial.
Monsanto monopolizou a produção de PCB em todo o mundo. Contaminou
assim vastas áreas do planeta, uma vez que se trata de uma substância
muito resistente na natureza.
Monsanto surge depois no fabrico de dioxinas, “a molécula mais perigosa jamais inventada pelo homem”, segundo Marie-Monique Robin. A dioxina é um produto derivado do fabrico de herbicidas, incrementado durante a Segunda Guerra Mundial. A multinacional montou uma fábrica específica em 1948 e trabalhou estreitamente com o Pentágono para desenvolver a utilização da dioxina como arma química. O perigo deste produto tornou-se publicamente evidente em 1976, com o acidente em Itália que ficou conhecido como "a catástrofe de Seveso".
Monsanto surge depois no fabrico de dioxinas, “a molécula mais perigosa jamais inventada pelo homem”, segundo Marie-Monique Robin. A dioxina é um produto derivado do fabrico de herbicidas, incrementado durante a Segunda Guerra Mundial. A multinacional montou uma fábrica específica em 1948 e trabalhou estreitamente com o Pentágono para desenvolver a utilização da dioxina como arma química. O perigo deste produto tornou-se publicamente evidente em 1976, com o acidente em Itália que ficou conhecido como "a catástrofe de Seveso".
Monsanto obtivera entretanto contrato para produzir o “agente laranja”
(uma dioxina) para utilização pelo exército norte-americano na guerra do
Vietname com o objectivo de destruir colheitas e matar as populações à
fome.
De 1962 a 1971 os militares norte-americanos despejaram 80 mil milhões de litros de desfolhantes sobre 3,3 milhões de hectares de selva e terra agrícolas. Mais de três mil localidades foram contaminadas com a utilização de quantidades equivalentes a 400 quilos de dioxina pura - a dissolução de 80 gramas de dioxina numa rede de água potável poderia eliminar uma cidade de oito milhões de habitantes.
De 1962 a 1971 os militares norte-americanos despejaram 80 mil milhões de litros de desfolhantes sobre 3,3 milhões de hectares de selva e terra agrícolas. Mais de três mil localidades foram contaminadas com a utilização de quantidades equivalentes a 400 quilos de dioxina pura - a dissolução de 80 gramas de dioxina numa rede de água potável poderia eliminar uma cidade de oito milhões de habitantes.
Dos herbicidas, Monsanto passou aos organismos geneticamente
modificados (OGM) e descobriu a “árvore das patacas” na conjugação das
duas áreas. Criou as sementes transgénicas e tornou-as imunes ao
herbicida que produz, o Roundup, até então um “assassino” sistémico uma
vez que matava indiscriminadamente as espécies vegetais. A Monsanto
passou a vender – e a impor nos contratos – não apenas as sementes
transgénicas mas também o Roundup para as proteger. Além disso, é vedada
aos compradores a utilização de um produto genérico do Roundup.
Diz a publicidade de Monsanto que “o glifosfato é menos tóxico para os
ratos do que o sal de mesa ingerido em grande quantidade” e tem razão. O
glifosfato é, de facto, o princípio activo do Roundap, mas o Roundap é
muito mais tóxico na sua fórmula global. O professor Robert Bellé, do
Centro Nacional de Investigação Científica francês, concluiu que o
Roundap desencadeia a primeira etapa que pode conduzir a situações de
cancro 30 a 40 anos mais tarde. “O Roundap é um assassino de embriões e
em concentrações mais fracas é um perturbador endócrino para os fetos”,
escreveu.
O professor Séralani, que desenvolve investigações para a Comissão
Europeia de modo a avaliar os efeitos dos alimentos transgénicos na
saúde, é alvo de críticas duras da indústria de agrobiotecnologia por
ter sido taxativo quanto aos efeitos do Roundup nas células humanas:
“mata-as directamente”.
As provas em que se baseou a homologação do Roundup fizeram-se apenas
com o princípio activo, mascarando os efeitos reais do produto. Este é o
truque da propaganda de Monsanto.
Em 1993 a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos autorizou Monsanto a comercializar a hormona de crescimento bovino obtida por manipulação genética (rBGH), hormona que se introduz nas vacas para produzirem mais leite. Em Abril de 1998 uma fuga de informação fez deflagrar um escândalo político e científico por detrás desta autorização. Tanto Monsanto como a FDA tinham escondido dados essenciais.
Em 1993 a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos autorizou Monsanto a comercializar a hormona de crescimento bovino obtida por manipulação genética (rBGH), hormona que se introduz nas vacas para produzirem mais leite. Em Abril de 1998 uma fuga de informação fez deflagrar um escândalo político e científico por detrás desta autorização. Tanto Monsanto como a FDA tinham escondido dados essenciais.
Trabalhos científicos questionaram o uso desta hormona. Consideram-na
prejudicial para a saúde das vacas e para a saúde humana. De facto, a
hipófise das vacas e dos seres humanos produz uma hormona específica de
crescimento mas ambas provocam a produção da mesma substância, a IGF,
factor de crescimento insulítico de tipo I. O nível de IGFI é
significativamente superior no leite produzido pelas vacas tratadas com
rBGH do que no leite natural. O aumento da substância em causa
multiplica por quatro o risco de cancro da próstata nos homens e por
sete o risco de cancro da mama nas mulheres.
Devido à forte polémica, a hormona está oficialmente proibida na União
Europeia desde 1 de Janeiro de 2000, com base no princípio segundo o
qual “a biosfera não deve transformar-se num laboratório de alto risco
para os seres humanos”.
De facto, segundo numerosos trabalhos científicos, a disseminação de
organismos geneticamente modificados pode alterar os mecanismos e os
ritmos do desenvolvimento humano.
Monsanto controla mais de 90 por cento da produção de OGM no mundo. É um monopólio Este monopólio ameaça a segurança alimentar sobretudo nos países mais pobres, onde mais de mil e quinhentos milhões de pessoas sobrevivem graças à conservação de sementes.
Monsanto controla mais de 90 por cento da produção de OGM no mundo. É um monopólio Este monopólio ameaça a segurança alimentar sobretudo nos países mais pobres, onde mais de mil e quinhentos milhões de pessoas sobrevivem graças à conservação de sementes.
O movimento Greenpeace afirma que as possibilidades de um mundo livre
de transgénicos continuam em aberto: 92 por cento das terras cultivadas
no mundo estão livres de OGM. Apenas quatro países concentram 90 por
cento da utilização de sementes modificadas: Estados Unidos 53 por
cento, Argentina 18 por cento, Brasil 11,5 por cento e Canadá 6,1 por
cento. No mercado existem apenas quatro sementes: soja, milho, algodão e
colza; na Europa só 0,119 por cento do terreno cultivado é dedicado a
OGM, contra quatro por cento, por exemplo, de agricultura ecológica.
“A manipulação genética”, escreve Paco Puche na revista “El Observador,
“não tem nada a ver com o que os camponeses fazem há 10 mil anos, isto
é, conservar as melhores dádivas das suas colheitas para as semear no
ano seguinte; nem com os mecanismos de melhoramento através dos
cruzamentos entre plantas seleccionadas dentro da mesma espécie. A
manipulação genética salta por cima das barreiras biológicas que separam
as espécies, despreza os mecanismos naturais de evolução e intervém nas
interacções genéticas até agora inacessíveis ao ser humano”.
O processo de manipulação genética desenvolve-se em duas fases: em
primeiro lugar extrai-se o gene da planta que interessa de um doador e
incorpora-se numa molécula portadora, que pode ser um vírus; em segundo
lugar implanta-se este vector no organismo receptor. Para avaliar o
resultado da transformação há que injectar um gene resistente aos
antibióticos e banhar as células numa solução antibiótica. As que
sobrevivem são as que aceitaram a transferência. Sobre estas realizam-se
depois bombardeamentos com “canhões de genes”, o que provoca a
colocação do gene de forma aleatória em qualquer parte do genoma.
Os primeiros êxitos da Monsanto na sua batalha legislativa nos Estados
Unidos para aceitação deste processo foram alcançados em 1992, quando
foi aprovado um regulamento segundo o qual “os alimentos derivados de
variedades vegetais segundo os novos métodos de modificação genética
regulam-se no mesmo quadro e segundo a mesma perspectiva adoptada para o
cruzamento tradicional de plantas”. Isto é, deixa de haver diferenças
legislativas entre as selecções de sementes dentro da mesma espécie e as
quebras das barreiras biológicas que separam as espécies.
Aos benefícios desta legislação, Monsanto acrescentou o estabelecimento
de um quadro de declaração de patentes sobre todas as sementes
geneticamente modificadas, facto que lhe permite controlar o mercado
mundial em forma de monopólio.
Em causa estão a saúde pública no mundo, a preservação ambiental e a
biodiversidade. Trabalhos científicos sobre estes assuntos permitiram
estabelecer um decálogo de malfeitorias dos OGM e do controlo de
Monsanto sobre a sua produção e comercialização: riscos para a saúde
pública; contaminação genética sem controlo; aumento da contaminação
química devido ao maior uso de biocidas; perda permanente da
biodiversidade agropecuária e florestal; aumento da insegurança e perda
da soberania alimentar; grande concentração de poder em poucas empresas;
degradação da democracia através das pressões sobre a classe política e
a actuação dos lobbies; aumento da desigualdade Norte-Sul; prejuízos
para a agricultura ecológica devido à contaminação.
Artigo publicado no portal do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Crise, luta e esperança
por Miguel Urbano Rodrigues
O
fim da atual crise de civilização é imprevisível. Inevitável, conduzirá
ao desmoronar do capitalismo ou a uma era de barbárie.
Prever datas para o desfecho seria, porém, um exercício de futurologia.
Os EUA estão
atolados em guerras perdidas no Afeganistão e no Iraque e a sua aliança
com o Estado neofascista de Israel é um fator de tensão permanente no
Médio Oriente. As estratégias agressivas que desenvolvem na América
Latina, na África e na Ásia Oriental são também incompatíveis com as
aspirações dos povos ameaçados, contribuindo para o subir da maré
anti-americana.
Nesta fase,
iniciada com as agressões no Médio Oriente e Ásia Central, o
imperialismo estadounidense encontrou situações históricas muito
diferentes da que precedeu o seu envolvimento no Vietname e a humilhante
derrota que ali sofreu. Nos EUA somente uma minoria percebeu que a
guerra estava perdida quando Giap desfechou a ofensiva do Tet. A
resposta de Johnson e Kissinger, cedendo aos generais do Pentágono, foi a
ampliação da escalada. A agressão alastrou para o Laos e Washington
enviou mais tropas para a fornalha vietnamita, semeando a morte e a
devastação no Sudeste Asiático.
Transcorreram anos
até à retirada dos EUA. Os povos foram lentos a compreender que o
desfecho da trágica agressão ao Vietname era o prólogo de uma crise que
significou a perda da hegemonia que Washington exercia sobre a economia
do Ocidente desde o final da II Guerra. Nada foi igual desde então.
Mas o establishment
norte-americano não extraiu as lições implícitas no fracasso das
guerras da Coreia e do Vietnan. A estratégia foi reformulada, mas a
ambição imperial permaneceu, assumindo novas formas.
O cenário das agressões adquiriu proporções planetárias a partir do desaparecimento da União Soviética.
A primeira guerra
do Golfo foi decidida no final da presidência de George Bush pai perante
a passividade da URSS, prestes a desintegrar-se. Washington proclamou
então que a humanidade havia entrado numa era de paz permanente, sob a
égide dos EUA, garantes da Nova Ordem Mundial. Um obscuro epígono do
capitalismo, Francis Fukuyama, saudou a morte do comunismo e anunciou o
"Fim da História", apontando o neoliberalismo como a ideologia para a
eternidade.
O desmentido aos profetas imperiais não tardou.
Quando as torres do
Word Trade Center desabaram, o mundo entrou numa fase de turbulências
anunciatorias de uma profunda crise de civilização. Após o 11 de
Setembro de 2001, Bush filho, alegando necessidade de uma "cruzada
contra o terrorismo", e afirmando que Deus estava com os EUA, invadiu o
Afeganistão, semeando a morte a destruição naquele remoto país da Ásia
Central.
Depois chegou a
segunda guerra iraquiana, iniciada à revelia do Conselho de Segurança
das Nações Unidas. A terra milenária da Mesopotâmia foi ocupada, os seus
museus saqueados, o seu petróleo e gás entregues às petrolíferas dos
EUA, dezenas de milhares de iraquianos chacinados.
Autoproclamando-se
nação predestinada, com vocação para redimir a humanidade dos seus
pecados, os EUA, sob a batuta da extrema-direita republicana, passaram a
actuar como um Estado terrorista, disseminando o terrorismo pelo
planeta.
Essa trágica
situação somente foi possível pela cumplicidade da União Européia, do
Japão e do Canadá, estados ditos civilizados. Com o seu aval ao
establishment bushiano abriram as portas à barbárie.
A eleição de um
negro para a Presidência dos EUA gerou a ilusão de que o pesadelo iria
findar. Mas Barack Obama, que chegou à Casa Branca com o apoio
entusiástico do grande capital, mudou o discurso, mas manteve a politica
imperialista. Pior, agravou-a.
O PÂNTANO AFEGÃO
Admiradores do
Presidente norte-americano afirmam que ele é um humanista, vítima de uma
engrenagem que o instrumentaliza. Mas a defesa que dele fazem não
convence.
O Premio Nobel da
Paz tomou decisões que contribuíram para aprofundar a crise mundial. No
plano interno a sua política tem sido, no fundamental, de capitulação
perante as exigências do grande capital. Significativamente, o seu
secretário do Tesouro, Geithner é um político que goza da confiança
total de Wall Street.
No terreno
internacional, o Presidente aumentou muito o orçamento do Pentágono,
pediu ao Congresso verbas colossais para as guerras asiáticas, enviou
mais 30.000 militares para o Afeganistão, e faz da vitória nessa guerra
uma prioridade da sua política exterior.
Entretanto, acumula derrotas no teatro afegão. A ofensiva no Helmand foi um fracasso; a de Kandahar foi sucessivamente adiada.
A divulgação dos
documentos secretos oferecidos pela WikiLeaks ao NY Times, ao Guardian e
ao Der Spiegel instalou o pânico na Casa Branca, e o inquérito do
Pentágono sobre a fuga de informações classificadas abalou fortemente a
confiança dos americanos no sistema de segurança do Departamento de
Defesa.
Em declarações
recentes, Julian Assange, o australiano que criou o WikiLeaks, revelou
que crimes cometidos pelo exército dos EUA excedem em horror os
massacres do Vietnan. A chamada Força Tarefa Conjunta 373 tem por missão
abater secretamente chefes talibãs e elementos suspeitos de pertencer à
Al Qaeda.
Grupos de matadores
especiais intitulados Kia são responsáveis pelo assassínio de centenas
de civis em ataques cujas vítimas são designadas nos relatórios como
"mortos em ações".
O rol dos crimes
das tropas de ocupação da NATO também ocuparia muitas páginas. A chacina
de Kunduz, da responsabilidade do contingente alemão, abalou o governo
da chanceler Merkel, mas foi apenas uma das muitas matanças de civis
cometidas pelas tropas de ocupação.
Julian Assange cita
como exemplo das atrocidades dos aliados o bombardeamento de uma aldeia
por uma força polaca. Dezenas de pessoas ali reunidas para festejar um
casamento morreram num ato de retaliação concebido com crueldade.
Rotineiramente, o
alto comando norte-americano promove inquéritos nesses casos para
"apurar responsabilidades". Mas ninguém é punido.
Hamid Karzai, o presidente fantoche, protesta e pede providências, mas a indignação é simulada.
Milhares de civis
nas aldeias da fronteira paquistanesa foram mortos pelos bombardeamentos
realizados pelos drones – os aviões sem piloto. O atual comandante
Supremo, o general Petraeus, define essas "missões" assassinas como
indispensáveis ao êxito da nova estratégia de luta "contra o terrorismo"
FARSA DRAMÁTICA
Hillary Clinton, o vice-presidente Joe Binden e James Baker, o secretário da Defesa, têm visitado frequentemente o Afeganistão.
A encenação pouco
varia. Deslocam-se para levantar o moral das tropas, dizer lhes que
estão a lutar pela pátria, pela liberdade e a democracia contra o
terrorismo, que a luta exige grandes sacrifícios, mas que a vitória na
guerra afegã é uma certeza.
Todos aproveitam
para pedir ao Presidente Karzai que "governe democraticamente", afaste
colaboradores que não merecem a confiança dos EUA, e ponha termo à
corrupção implantada no país.
Karzai faz
promessas, reúne assembleias tribais que lhe aprovam a política e repete
que é fundamental negociar com os "talibãs recuperáveis". É ele, chefe
da máfia, o primeiro responsável pelo sumiço de milhares de milhões de
dólares doados em conferências internacionais para o desenvolvimento e
reconstrução do país, destruído pela invasão americana. A realidade não
alterou o método. Em Kabul, a última dessas conferências acaba de
aprovar mais uns milhares de milhões para "ajudar" o Afeganistão.
Entretanto, a produção de ópio, insignificante à data da invasão, aumentou 90% na última década.
É do domínio público que familiares do presidente mantêm íntimas ligações com o negócio da droga.
Nas suas periódicas
visitas ao Paquistão, Hillary Clinton admoesta o presidente Asif
Zardari pela insuficiência do esforço de guerra nas áreas tribais do
Waziristão na fronteira do Afeganistão. Joe Binden repete-lhe o
discurso. Ambos insinuam cumplicidade do Exército com as chefias
talibãs.
O Primeiro-ministro
britânico Cameron ao visitar o país foi tão longe nas suas críticas que
o governo de Islamabad cancelou uma visita a Londres do chefe dos
serviços de inteligência paquistaneses convidado pelo Intelligence
Service.
Crónicas de
correspondente europeus em Kabul e declarações de soldados dos EUA
regressados da guerra afegã esclarecem que a moral das tropas de combate
caiu para um nível muito baixo.
A demissão do
general Stanley McChrystal, que criticara numa entrevista o presidente
Obama, contribuiu para acentuar o mal-estar no Alto Comando. O general
tem um currículo de criminoso, mas as suas opiniões sobre a condução da
guerra são partilhadas por muitos oficiais.
Assim vão as coisas na guerra podre do Afeganistão.
No Iraque, a
"pacificação" é um mito como demonstra o aumento de mortos em atentados
bombistas em Bagdad e na região Norte, controlada pelos kurdos. O
discurso de Obama aos veteranos deficientes, no dia 1 de Agosto, sobre a
retirada das tropas foi um exercício de hipocrisia, semeado de mentiras
e estatísticas falsas.
Na Palestina,
Israel continua a bloquear Gaza, bombardeada com frequência, e amplia a
construção de casas na Jerusalém árabe e em colonatos na Cisjordânia.
O Irão é atingido
por novas sanções, aprovadas pelo Conselho de Segurança, e a CIA promove
atentados terroristas no Kuzistão, fronteiro do Iraque, e na província
baluche, vizinha do Paquistão.
Na América Latina,
Uribe, nas vésperas de ceder a presidência a Juan Manuel Santos, seu
filhote político, criou uma crise com a Venezuela bolivariana ao forjar
acusações sobre a presença das FARC em território daquele país. Os EUA,
que vão instalar sete novas bases militares na Colômbia, aprovaram
imediatamente a provocação.
________________________________________
Neste contexto de
escalada militar em múltiplas frentes, a crise interna prossegue. O
magro crescimento do PIB esconde a realidade.
O número de casas
vendidas é o mais baixo dos últimos anos. Milhares de empresas fecham
todos os meses. Em cidades outrora famosas pela riqueza, como Detroit e
Pittsburg, bairros inteiros estão hoje desabitados. O desemprego
alastra. Nas universidades aumenta o ensino elitista. A tão elogiada
reforma dos "cuidados de saúde" dificultou mais o acesso de milhões de
imigrantes ilegais aos hospitais (v.Fred Goldstein, odiario.info,
22/04/2010).
A Finança, essa
prospera. Os gestores dos grandes bancos continuam a receber reformas e
prémios fabulosos. Um desses gigantes, o Wells Fargo, acumulou lucros de
milhares de milhões de dólares com a lavagem do dinheiro da droga (v.
Cadima, Avante! , 29/07/2010).
O controlo
hegemónico do sistema mediático pelo grande capital impede, porém, a
humanidade de tomar consciência da profundidade da crise. Nos EUA, pólo
do sistema, o discurso do Presidente transmite um panorama optimista da
situação, anunciando melhores tempos e vitórias imaginárias.
Somente uma minoria
de cidadãos, nos EUA, na Europa, e nos demais continentes estão em
condições de descodificar o discurso da mentira irradiado pelo grande
capital.
Para as forças
progressistas ajudar os povos a compreender a complexidade e a extrema
gravidade da crise do sistema é, por isso mesmo, uma tarefa
revolucionária. Porque essa compreensão é fundamental para o incremento e
dinamização da luta dos trabalhadores em cada país contra o projeto de
dominação imposto pelo sistema que ameaça mergulhar a humanidade na
barbárie.
Vila Nova de Gaia, 02/Agosto/2010
O original encontra-se em http://www.odiario.info/?p=1698
Este artigo encontra-se em http://resistir.info
Para cada cabeça, uma sentença
A análise crítica da controvérsia entre liberalismo e
comunitarismo, a teoria social da justiça e o problema da tolerância são
algumas das marcas da obra do filósofo e cientista político alemão
Rainer Forst, discípulo de Jürgen Habermas. No livro Contextos da Justiça,
recém-lançado pela editora Boitempo, o autor investiga o conceito de
“justiça”, buscando evidenciar o que é considerado justo em cada época
ou cultura, de acordo com os contextos históricos específicos.
Em geral tratado como se fosse imparcial, este conceito é revisto sobre o pano de fundo das contextualizações históricas. Nas palavras do autor, “a diferenciação dos ‘contextos da justiça’ deve ajudar a esclarecer as condições normativas segundo as quais a estrutura básica de uma sociedade pode ser considerada justa”.
Publicado pela primeira vez na Alemanha em 1994 e traduzido para inglês em 2002, Contextos da Justiça discorre sobre autores comunitaristas – como Michael J. Sandel, Alasdair MacIntyre, Charles Taylor e Michael Walzer – e liberais – como John Rawls, Ronald Dworkin e Joseph Raz. Forst conduz daí uma abordagem original e sintética dessas duas perspectivas filosóficas.
Para Forst, numa perspectiva democrática, no liberalismo, os cidadãos não aceita as leis que lhes são impostas em suas consciências, apesar de acatarem-nas na vida em sociedade. Por outro lado, no comunitarismo, os cidadãos não aceitam as leis - no que ele considera um ato não-violento de desobediência civil.
Estrutura
Dividido em cinco capítulos, o livro se desenvolve sobre quatro categorias: a constituição do "eu", a neutralidade do direito, o ethos da democracia e a concepção da teoria moral universalista. O quinto capítulo é dedicado à teoria dos “contextos da justiça” propriamente dita. Forst entende que, apenas a partir da consideração desses quatro conceitos, pode-se criar uma teoria do direito suficientemente ampla.
Em meio a essas questões, o autor também discorre sobre temas como a democracia discursiva, a crítica feminista do liberalismo, o multiculturalismo e a sociedade civil. Provocativa, a obra pode interessar a quem se importa com os debates em torno da justiça social e política.
Atualmente, Rainer Forst é professor de teoria política no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Johann Wolfgang Goethe, em Frankfurt, e suas principais áreas de investigação são teoria política, pragmatismo, tolerância e justiça social. Publicou, entre outros livros, Toleranz: philosophische Grundlagen und gesellschaftliche Praxis einer umstrittenen Tugend (2000), Toleranz im Konflikt: Geschichte, Gehalt und Gegegenwart eines umstrittenen Begriffs (2003) e Das Recht auf Rechtfertigung: Elemente einer konstruktivistischen Theorie der Gerechtigkeit (2007), todos inéditos no Brasil.
Fonte: OperaMundi
Em geral tratado como se fosse imparcial, este conceito é revisto sobre o pano de fundo das contextualizações históricas. Nas palavras do autor, “a diferenciação dos ‘contextos da justiça’ deve ajudar a esclarecer as condições normativas segundo as quais a estrutura básica de uma sociedade pode ser considerada justa”.
Publicado pela primeira vez na Alemanha em 1994 e traduzido para inglês em 2002, Contextos da Justiça discorre sobre autores comunitaristas – como Michael J. Sandel, Alasdair MacIntyre, Charles Taylor e Michael Walzer – e liberais – como John Rawls, Ronald Dworkin e Joseph Raz. Forst conduz daí uma abordagem original e sintética dessas duas perspectivas filosóficas.
Para Forst, numa perspectiva democrática, no liberalismo, os cidadãos não aceita as leis que lhes são impostas em suas consciências, apesar de acatarem-nas na vida em sociedade. Por outro lado, no comunitarismo, os cidadãos não aceitam as leis - no que ele considera um ato não-violento de desobediência civil.
Estrutura
Dividido em cinco capítulos, o livro se desenvolve sobre quatro categorias: a constituição do "eu", a neutralidade do direito, o ethos da democracia e a concepção da teoria moral universalista. O quinto capítulo é dedicado à teoria dos “contextos da justiça” propriamente dita. Forst entende que, apenas a partir da consideração desses quatro conceitos, pode-se criar uma teoria do direito suficientemente ampla.
Em meio a essas questões, o autor também discorre sobre temas como a democracia discursiva, a crítica feminista do liberalismo, o multiculturalismo e a sociedade civil. Provocativa, a obra pode interessar a quem se importa com os debates em torno da justiça social e política.
Atualmente, Rainer Forst é professor de teoria política no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Johann Wolfgang Goethe, em Frankfurt, e suas principais áreas de investigação são teoria política, pragmatismo, tolerância e justiça social. Publicou, entre outros livros, Toleranz: philosophische Grundlagen und gesellschaftliche Praxis einer umstrittenen Tugend (2000), Toleranz im Konflikt: Geschichte, Gehalt und Gegegenwart eines umstrittenen Begriffs (2003) e Das Recht auf Rechtfertigung: Elemente einer konstruktivistischen Theorie der Gerechtigkeit (2007), todos inéditos no Brasil.
Fonte: OperaMundi
Álvaro Uribe e os crimes de lesa humanidade
Elaine Tavares *
Adital - A mídia
brasileira é pródiga em falar do conflito armado na Colômbia, sempre na
perspectiva do governo, até estes dias, de Álvaro Uribe. Este,
geralmente foi mostrado como o grande democrata que estava fazendo todo o
possível para acabar com uma guerra civil que perdura por décadas. Jamais
se ouviu ou se leu na mídia comercial brasileira sobre a famosa "black
list", um documento produzido pelo Departamento de Defesa dos Estados
Unidos, que mostra Uribe como um narcotraficante. O documento é
explícito: Álvaro Uribe é um senador (isso em 1991) que colabora
ativamente com o cartel de Medellín, recebe dinheiro por isso e é amigo
pessoal de Pablo Escobar. Talvez por isso mesmo os EUA tenham apoiado o
então senador quando este quis ser presidente da Colômbia e o foi por
dois mandatos. Não é sem razão que Uribe permitiu a instalação de nove
bases militares estadunidenses no território colombiano.
Durante estes anos
em que esteve à frente do governo colombiano, Uribe certamente não
deixou de ser um fiel servidor do narcotráfico e não é à toa que agora
inicia um processo de guerra contra a Venezuela, alegando mentiras sobre
a ligação do governo de Chávez com os "terroristas" das FARCs. Segue o
mesmo exemplo de seu chefe, George Bush, quando quis fazer a guerra
contra o Iraque, a partir de mentiras como a que o Iraque teria armas
químicas.
Primeiro, as FARCs
não são formadas por terroristas. São exércitos regulares que lutam,
armados, contra o exército da Colômbia e tem um plano de libertação para
o país. Segundo, Uribe tem todo o interesse em se manter fora da
cadeia, já que é um narcotraficante reconhecido inclusive pelos EUA,
então precisa criar sobre si uma cortina de fumaça. E terceiro, durante
seus mandatos promoveu tantos crimes e atrocidades que igualmente deve
ser julgado por crime de lesa humanidade.
Na última semana,
uma fossa encontrada no pequeno povoado de La Macarena, a uns 200
quilômetros de Bogotá, região que é conhecida como uma das mais
"quentes" no processo do conflito colombiano, revelou parte de toda essa
atrocidade que o terrorismo de estado tem praticado ao longo dos anos.
Mais de dois mil cadáveres foram encontrados, amontoados uns sobre os
outros, alguns ainda com as mãos e pés amarrados. Este se trata de um
dos maiores enterros coletivos de vítimas que se tem notícia na América
Latina. Segundo as informações dos jornais colombianos, a fossa teria
corpos desde o ano de 2005, sempre renovados.
O exército
colombiano se apressou em dizer que os corpos eram de guerrilheiros que
haviam morrido em combate. Mas, o povo da região não confirma isso. Pelo
contrário, o que os moradores dizem é que aqueles corpos são de líderes
sociais, camponeses e militantes populares que desapareceram sem deixar
qualquer rastro.
A cova foi
descoberta por conta da denúncia realizada por gente que esteve por anos
atuando junto aos paramilitares e que se entregou sob a proteção de uma
controvertida lei chamada de Lei de Justiça e Paz. Esta lei garante aos
informantes uma pena simbólica se eles confessarem seus crimes. Durante
estas sessões de "confissão", um dos chefes de um grupo paramilitar
chamado John Jairo Rentería revelou que ele e seu grupo chegaram a
enterrar mais de 800 pessoas em uma fazenda na cidade de Puerto Asís.
Também confessou que os seus comandados usavam estas pessoas
(sindicalistas, militantes sociais, estudantes) para aprender como
esquartejar uma pessoa e revelou que alguns procedimentos eram feitos
com as pessoas ainda vivas.
A audiência e a
localização dos corpos da cova de La Macarena aconteceram no mesmo dia
em que o governo de Santos, atual presidente colombiano, pediu uma
reunião urgente na OEA para denunciar a Venezuela como um estado que
estava acolhendo membro das FARCs. Nada mais do que outra cortina de
fumaça para tentar encobrir o horror da descoberta e das outras tantas
atrocidades produzidas pelo governo de seu amigo e antecessor Álvaro
Uribe.
O povo organizado
da Colômbia quer que tudo seja esclarecido e exige ainda a punição de
Uribe por estes crimes, imprescritíveis, de lesa humanidade.
Veja fotos da cova descoberta em La Macarena.
www.iela.ufsc.br
* Jornalista
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
União Européia autoriza importação de milho transgénico
Na decisão tomada no dia 28 de Julho,
aprovaram-se seis novas variedades de milho híbrido que vão ser
comercializadas na União Europeia. As espécies híbridas vêm quase todas
dos Estados Unidos.
As espécies
híbridas vêm quase todas dos Estados Unidos: três variedades da empresa
Pioneer, duas da Monsanto e uma dos suíços da Syngenta.
Argumentando que de trata de um questão de necessidade, a União
Europeia (UE) autorizou, no passado dia 28 de Julho, a importação de
mais seis variedades de milho geneticamente modificado, destinados à
alimentação animal e humana, sem que os Estados membros fossem ouvidos.
As espécies híbridas vêm quase todas dos Estados Unidos: três
variedades da empresa Pioneer, duas da Monsanto e uma dos suíços da
Syngenta.
O milho convencional passa a vir misturado com o híbrido, uma vez que
nos EUA não se faz a distinção entre os dois - há 55 variedades de
organismos geneticamente modificados (OGM) autorizadas naquele país.
"Portugal tem defendido que devem ser as autoridades nacionais de cada
Estado membro a decidir sobre o cultivo no seu território nacional de
organismos geneticamente modificados. Devem ser avaliadas as opções que
permitam garantir a transparência dos processos de tomada de decisão,
restaurando a confiança dos cidadãos e, acima de tudo, a salvaguarda das
especificidades de cada território", comentou ao Diário de Notícias
(DN) o gabinete de imprensa do Ministério do Ambiente.
Mas há quem defenda, sem mais, que a UE não tinha outra opção senão
aceitar a comercialização destes OGM. "A UE não tinha outro remédio. A
alternativa era ficarmos sem matéria-prima, uma vez que na Europa não se
produz milho suficiente para a alimentação", defende Pedro Fevereiro,
do Centro de Investigação de Biotecnologia.
No entanto, segundo Gualter Baptista, do Grupo de Acção e Intervenção
Ambiental (GAIA), esta afirmação é falsa e não justifica a atitude da
UE. "Não é verdade que não haja milho e soja sem transgénicos em
quantidade. Depende das épocas de cultivo e por isso, por vezes, há
falta destes produtos", comentou o activista.
Para o ambientalista, há uma "dependência" do milho americano. "Esta é
uma decisão que vai contra a vontade dos europeus. Há dois anos houve
uma petição exigindo que os animais alimentados com produtos OGM fossem
rotulados, para dar a oportunidade ao consumidor de decidir aquilo que
quer comer", disse em declarações ao DN. Esta é uma opinião subscrita
pelo Ministério do Ambiente, que defende que "a aceitação por parte das
populações devem ser tidas em conta".
Fonte: EsquerdaNet
domingo, 8 de agosto de 2010
As muitas violencias
por Silvio Caccia Bava no LeMondeDiplomatique |
Nos
últimos três anos foram assassinadas mais de 140 mil pessoas no Brasil.
Uma média de 47 mil pessoas por ano. Uma parcela expressiva destas
mortes, que varia de região para região, é atribuída à ação da polícia,
que se respalda na impunidade para continuar cometendo seus crimes. São
25 assassinatos ao ano por cada 100 mil pessoas, índice considerado de
violência epidêmica, segundo organismos internacionais, e que se mantém
estável, apesar dos esforços do governo federal com o PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) da Segurança, lançado em agosto de 2007, e o
Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que
tinha por meta reduzir em 50% os assassinatos neste ano de 2010, mas não
o conseguiu. A situação é um pouco melhor que alguns anos atrás: em 2000, o índice era de 26,7; em 2001, de 27,8; em 2002, de 28,45, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Não fazemos ideia do que esses números significam. Apenas para ter uma comparação, nos três anos mais cruentos da invasão do Iraque (2005-2007) foram assassinados, por atos de guerra, 80 mil civis. Uma média de 27 mil mortes por ano. Se os assassinatos com armas de fogo são uma face da violência vivida na nossa sociedade, ela não é a única. Logo atrás, em termos de letalidade, estão os acidentes fatais de trânsito, com cerca de 33 mil mortos em 2002, e 35 mil mortes por ano em 2004 e 2005. Isto, sem falar nos acidentados não fatais socorridos pelo Sistema Único de Saúde, que multiplicam muitas vezes os números aqui apresentados e representam um custo que o Ipea estima em R$ 5,3 bilhões para o ano de 2002. Novamente aqui os jovens são as principais vítimas, e uma pesquisa aponta que 95% dos acidentes de trânsito são de responsabilidade do motorista: desrespeito à sinalização, excesso de velocidade, avanço do sinal.1 Quanto aos atropelamentos, foram mais de 40 mil em 2006, penalizando principalmente os mais idosos. A lista da violência alonga-se incrivelmente. Sobre as mulheres, os negros, os índios, os gays, sobre os mendigos na rua, sobre os movimentos sociais etc. Uma discussão num botequim de periferia pode terminar em morte. A privação do emprego, do salário digno, da educação, da saúde, do transporte público, da moradia, da segurança alimentar, tudo isso pode ser compreendido, considerando que são direitos assegurados por nossa Constituição, como outras tantas violências. Para buscar interpretar estes acontecimentos, não é possível isolar uma única forma de violência, ainda que suas distintas manifestações requeiram políticas também diferenciadas para enfrentá-las. É o jeito de viver em sociedade, que assumimos ao longo do tempo, que nos leva a esta situação-limite. Quando a Justiça não funciona, principalmente para os pobres; quando a polícia mata com impunidade, em vez de garantir a lei e a ordem; quando o que nos ensinam é que temos de tirar vantagem sobre os demais; quando as políticas públicas não garantem a proteção social das famílias; quando os jovens não têm perspectiva de emprego neste modelo de desenvolvimento; tudo somado, desaparece o que é de interesse comum, a coisa pública, a afirmação dos direitos, as regras de convivência democrática. É aqui que mora o perigo. Se o domínio privado do espaço público prevalecer, como é o caso das milícias e do narcotráfico nas favelas, assim como dos sistemas de segurança privada nos acessos aos condomínios de luxo e nos shoppings, então continuaremos a viver uma guerra contínua e não declarada que estenderá seu manto de sofrimento por toda a sociedade. Hannah Arendt valoriza o espaço público como espaço de socialização, da comunicação, do debate, do exercício democrático, do cultivo das liberdades. Claude Lefort, Viveret e toda uma corrente de pensadores nacionais e estrangeiros que defende o exercício da democracia direta pelos cidadãos, falam da (re)apropriação do espaço público, de um processo de (re)fundação democrática que crie novas instituições para um novo tempo, com maior controle social e sentido público. Sem espaço público não há democracia, e o espaço público é também uma construção associada à construção do próprio Estado, que necessita se abrir para o controle social para produzir políticas que universalizem direitos. As experiências recentes de construção de um novo jeito de viver que ocorrem em países vizinhos, como a Bolívia e o Equador, dizem que este caminho é possível e que existem movimentos fortes na sociedade que bancam estas mudanças. A maior violência para alguém é estar sozinho, sem trabalho, sem proteção social, desvalorizado perante si mesmo, privado dos seus meios de socialização, de um papel a cumprir na sociedade.
Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
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Fiocruz descarta alerta para hepatite "E" no país
Por: Agência Brasil
Cuidados com a higiene dos alimentos ajudam a prevenir contaminação (Foto: Image Source/David Cleveland)
Brasília - O virologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) Marcelo Alves Pinto afirmou na manhã desta sexta-feira (6)
que, por enquanto, o primeiro caso de vírus da hepatite E descoberto no
país não é motivo de preocupação. “A gente presume que a incidência
desse tipo de hepatite seja baixa”, disse em entrevista ao programa
Revista Brasil, da Rádio Nacional AM.
Os pesquisadores responsáveis pela descoberta suspeitam que a doença
tenha sido causada pela ingestão de carne suína. Eles perceberam
semelhanças entre o sequenciamento genético do vírus encontrado e o de
suínos criados no Brasil.
“Pelo histórico clínico do paciente, parece que o indivíduo fez
ingestão de carne suína. Só que nós não tivemos acesso a amostras desse
material, então, não pudemos detectar o genoma do vírus na carne
consumida”, acrescentou o virologista, que coordenou o estudo.
Segundo Alves Pinto, não há diferenças clínicas entre a hepatite A,
tipo mais comum da doença no Brasil, e a E. “As duas são consideradas de
caráter benigno porque na maioria das vezes o indivíduo se cura e não
deixa sequelas.”
Ambas são causadas pelo contato com o agente infeccioso por meio de
água e alimentos, por isso, o virologista recomenda a higiene constante
das mãos e de alimentos para consumo. Ele também alerta para o cuidado
com o cozimento e a refrigeração dos produtos.
A descoberta do vírus é resultado da análise de 64 amostras
sorológicas de pacientes com hepatite aguda sem agente causador
conhecido. O material, selecionado pelo Laboratório de Hepatites Virais
da Fiocruz, foi coletado entre 2004 e 2008. A ocorrência é de 2006 e
refere-se a um morador do Rio de Janeiro.
A pesquisa foi publicada na forma de artigo pelo periódico científico
Journal of Clinical Virology, sob o título First Report of a Human
Autochthonous Hepatitis E Virus Infection in Brazil. A hepatite é uma
doença inflamatória que atinge o fígado e pode causar cirrose ou câncer.
O rumo!!!
Os números indicam que neste ano de
desgraça européia, consequência direta da crise não resolvida no umbigo
do mundo, o crescimento da América Latina se sustenta com
características inéditas: pela primeira vez na história moderna da
região, junto com a elevação do crescimento, as taxas de desemprego e de
pobreza baixaram, e com elas, a desigualdade. Essas coisas são os
grandes demônios do neoliberalismo. O social deve ser varrido do mapa,
como o faz o macrismo de Buenos Aires. Te dou um guarda-sol amarelo e
ponho bancos de designers nas praças do norte [zona rica de Buenos
Aires], mas fico com os recursos dos hospitais e não executo o orçamento
da educação. O artigo é de Sandra Russo, do Página/12.
Sandra Russo - Página/12, via Carta Maior
Pela primeira vez em cinco séculos esta
região está “crescendo sin desigualar”, disse a secretária geral da
Cepal na Cúpula de San Juan na semana que passou, além de elogiar, no
conjunto, a Argentina, por sua política ativa de emprego. Sabe-se que
isso não será jamais título de um jornal, ou telejornal, porque esses
títulos surgem de outro tipo de informação, e não necesariamente de
informações recentes. É uma lógica interna dos meios a que faz com que a
controvérsia seja um título possível, enquanto que a boa notícia, não.
Contudo, tratando-se de uma afirmação decorrente da comparação de dados, parece interessante resgatá-la, porque indica um rumo e a consciência desse rumo provavelmente seja vital para aprofundá-lo. Esse dado supõe também uma lógica: os respectivos eleitorados elegem esse rumo e em consequência a mesquinhez especulativa dos grandes meios, voltandos em cheio para a política, insistirá em manter as conquistas opacas. Mas nada impede resgatar esse dado bruto aqui: afinal, o que a funcionária da Cepal disse se baseava em dados reais, não em seus gostos pessoais. São nada menos que suas altezas, os números, que indicam que neste ano de desgraça européia, consequência direta da crise não resolvida no umbigo do mundo, o crescimento da América Latina se sustenta com uma característica inédita: pela primeira vez na história moderna da região, junto com o aumento do crescimento, as taxas de desemprego e de pobreza baixaram, e com elas, a desigualdade.
É óbvio que se trata apenas do princípio de uma mudança, os primeiros resultados de um modelo. Desse modelo regional não estamos todos nos mesmos patamares, paradoxalmente, já que a informação sobre a região é ainda mais enviesada que a nacional. As coberturas sobre o conflito entre Colômbia e Venezuela são um exemplo de como contar a série começando pelo décimo capítulo. Enquanto isso, as respectivas oposições não trabalham nem aspiram a sínteses superadoras, mas apenas se refregam na rememoração do horrível, e inexplicavelmente voltam a propô-lo. Aqui e acolá dirigentes políticos e empresários, que já não se distinguem entre si, falam com encantamento dos anos 90, numa performance louca que propõe um esquecimento suicida e coletivo, para voltar à “ordem” de que têm saudade: o direito a expropriar o mundo do trabalho dos seus direitos, para entregar o poder ao mundo do capital. Os anos 90 foram, sinteticamente, isso.
Os 90' foram uma foto como a que tiraram esta semana de vários personagens da política e do mundo empresarial com Héctor Magnetto (1). Na falta de uma explicitação do modelo que a oposição propõe, presume-se seu alinhamento com as demandas de seus principais representados: os que têm a faca e o queijo na mão. Com os demais se pode abusar, como com os 82% de usuários da telefonia móvel, mesmo depois de ter votado contra a reestatização dos fundos de pensão. Nisso se encontram com a esquerda, que lhes leva às ruas para apoiar suas demandas.
Voltando aos dados reais da Cepal, e ao caminho democrático eleito virtuosamente pela região, que ainda não reconhece o governo de Honduras precisamente por sua gênese golpista, esse dado é em si mesmo um sinal de rumo, só isso. Não implica que não haja desigualdade, não implica que as coisas não possar ser melhor e mais rápidas ou feitas de maneira mais ágil ou justa. Assinala um rumo, apenas. Uma direção.
Nos países envolvidos por essa nova tendência, a do crescimento que não “desiguala”, há governos tão diferentes como há idiossincrasias e tradições. Mas o que transcende essas enormes diferenças em matéria de ritmo e consistências políticas é algo que podemos ver: o crescimento sem desigualar, sustentado em dois eixos: políticas ativas de emprego e políticas sociais.
Ambas essas coisas são os grandes demônios do neoliberalismo. O social deve ser varrido do mapa, como o faz o macrismo de Buenos Aires. Te dou um guarda-sol amarelo e ponho bancos de designers nas praças do norte [zona rica de Buenos Aires], mas fico com os recursos dos hospitais e não executo o orçamento da educação. E o emprego: se pudessem, cortariam sistematicamente as cabeças, de novo, a cada conquista e dariam baixa nos subsídios [trabalhistas]. O modelo que têm mente não tem qualquer resposta para o mundo do trabalho, já que é em si mesmo a resposta do mundo do capital para o Estado de Bem-Estar. Não é preciso se chegar ao extremo do “socialismo estatizante”, frase pronunciada por Biolcati (2) mas também por todo o poder econômico e midiático em 1977, quando celebrou o primeiro aniversário ditadura. Qualquer Estado que arbitre entre fortes e débeis será para eles um “estatismo socializante”: dá-lhes nojo tanta negociação entre setores. Para que tanto, se são eles os donos.
Encontra regionalmente uma direção política e econômica permite endereçar-nos a um continente gestado como pátio dos fundos. Claro que não é a revolução, mas o que é a revolução? É necessariamente algo súbito, ou é um caminho cheio de enganos e enganadores? É algo a que as vanguardas conduzem ou é um imenso coletivo político que se adere ao que o faz girar para a frente, e expulsa o que pretende atrasar? São perguntas que não têm respostas, porque pertencem a debates silenciosos.
NOTAS
(1) Executivo do maior grupo midiático da Argentina, o Grupo Clarín. N.deT.
(2) Hugo Biolcati, atual presidente da Sociedade Rural Argentina, entidade representativa do latifúndio vinculado à agropecuária extensiva, fundada ainda no século XIX. N.deT.
Tradução: Katarina Peixoto
Contudo, tratando-se de uma afirmação decorrente da comparação de dados, parece interessante resgatá-la, porque indica um rumo e a consciência desse rumo provavelmente seja vital para aprofundá-lo. Esse dado supõe também uma lógica: os respectivos eleitorados elegem esse rumo e em consequência a mesquinhez especulativa dos grandes meios, voltandos em cheio para a política, insistirá em manter as conquistas opacas. Mas nada impede resgatar esse dado bruto aqui: afinal, o que a funcionária da Cepal disse se baseava em dados reais, não em seus gostos pessoais. São nada menos que suas altezas, os números, que indicam que neste ano de desgraça européia, consequência direta da crise não resolvida no umbigo do mundo, o crescimento da América Latina se sustenta com uma característica inédita: pela primeira vez na história moderna da região, junto com o aumento do crescimento, as taxas de desemprego e de pobreza baixaram, e com elas, a desigualdade.
É óbvio que se trata apenas do princípio de uma mudança, os primeiros resultados de um modelo. Desse modelo regional não estamos todos nos mesmos patamares, paradoxalmente, já que a informação sobre a região é ainda mais enviesada que a nacional. As coberturas sobre o conflito entre Colômbia e Venezuela são um exemplo de como contar a série começando pelo décimo capítulo. Enquanto isso, as respectivas oposições não trabalham nem aspiram a sínteses superadoras, mas apenas se refregam na rememoração do horrível, e inexplicavelmente voltam a propô-lo. Aqui e acolá dirigentes políticos e empresários, que já não se distinguem entre si, falam com encantamento dos anos 90, numa performance louca que propõe um esquecimento suicida e coletivo, para voltar à “ordem” de que têm saudade: o direito a expropriar o mundo do trabalho dos seus direitos, para entregar o poder ao mundo do capital. Os anos 90 foram, sinteticamente, isso.
Os 90' foram uma foto como a que tiraram esta semana de vários personagens da política e do mundo empresarial com Héctor Magnetto (1). Na falta de uma explicitação do modelo que a oposição propõe, presume-se seu alinhamento com as demandas de seus principais representados: os que têm a faca e o queijo na mão. Com os demais se pode abusar, como com os 82% de usuários da telefonia móvel, mesmo depois de ter votado contra a reestatização dos fundos de pensão. Nisso se encontram com a esquerda, que lhes leva às ruas para apoiar suas demandas.
Voltando aos dados reais da Cepal, e ao caminho democrático eleito virtuosamente pela região, que ainda não reconhece o governo de Honduras precisamente por sua gênese golpista, esse dado é em si mesmo um sinal de rumo, só isso. Não implica que não haja desigualdade, não implica que as coisas não possar ser melhor e mais rápidas ou feitas de maneira mais ágil ou justa. Assinala um rumo, apenas. Uma direção.
Nos países envolvidos por essa nova tendência, a do crescimento que não “desiguala”, há governos tão diferentes como há idiossincrasias e tradições. Mas o que transcende essas enormes diferenças em matéria de ritmo e consistências políticas é algo que podemos ver: o crescimento sem desigualar, sustentado em dois eixos: políticas ativas de emprego e políticas sociais.
Ambas essas coisas são os grandes demônios do neoliberalismo. O social deve ser varrido do mapa, como o faz o macrismo de Buenos Aires. Te dou um guarda-sol amarelo e ponho bancos de designers nas praças do norte [zona rica de Buenos Aires], mas fico com os recursos dos hospitais e não executo o orçamento da educação. E o emprego: se pudessem, cortariam sistematicamente as cabeças, de novo, a cada conquista e dariam baixa nos subsídios [trabalhistas]. O modelo que têm mente não tem qualquer resposta para o mundo do trabalho, já que é em si mesmo a resposta do mundo do capital para o Estado de Bem-Estar. Não é preciso se chegar ao extremo do “socialismo estatizante”, frase pronunciada por Biolcati (2) mas também por todo o poder econômico e midiático em 1977, quando celebrou o primeiro aniversário ditadura. Qualquer Estado que arbitre entre fortes e débeis será para eles um “estatismo socializante”: dá-lhes nojo tanta negociação entre setores. Para que tanto, se são eles os donos.
Encontra regionalmente uma direção política e econômica permite endereçar-nos a um continente gestado como pátio dos fundos. Claro que não é a revolução, mas o que é a revolução? É necessariamente algo súbito, ou é um caminho cheio de enganos e enganadores? É algo a que as vanguardas conduzem ou é um imenso coletivo político que se adere ao que o faz girar para a frente, e expulsa o que pretende atrasar? São perguntas que não têm respostas, porque pertencem a debates silenciosos.
NOTAS
(1) Executivo do maior grupo midiático da Argentina, o Grupo Clarín. N.deT.
(2) Hugo Biolcati, atual presidente da Sociedade Rural Argentina, entidade representativa do latifúndio vinculado à agropecuária extensiva, fundada ainda no século XIX. N.deT.
Tradução: Katarina Peixoto
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