Os antigos donos do poder preparam-se para jogar sobre os ombros de José Serra a culpa pela próxima derrota. Por Mino Carta
Bom pai José Serra é. Mas basta isso para ser candidato à Presidência
da República? Espantado, ouço estranhas, surpreendentes conversas pelos
locais das horas felizes, os mesmos onde, até há pouco, pouquíssimo
tempo, Serra era apontado como o aspirante “preparado”, concorrente,
imbatível contra Dilma, “a guerrilheira” sem experiência eleitoral.
Dramaticamente despreparada. Pois o tucano, conforme as falas que me
cercam, começa a ganhar as inconfundíveis feições de bode expiatório. De
certa forma, um Dunga da política.
Os cavalheiros e suas damas faiscantes de berloques e pedrarias
buscam uma explicação para o desastre que se esboça. É com melancolia
que tomam seu vinho de rótulo retumbante, a girar o copo em curtas
evoluções aprendidas não sem fadiga psicossomática nos últimos anos.
Aplicados discípulos do up-to-date, substituíram o uísque que os
acompanhava horas a fio até ao jantar, enquanto, na hora do almoço,
surgem de gravata amarela nos restaurantes finos e caríssimos. Salvo
raras e honrosas exceções, entraram na parada com a certeza da vitória.
Seria o seu próprio triunfo, por sobre os escombros de Lula e do
lulismo, perdão, de Lulla e do lullismo. Se a Seleção Canarinho perde, é
por vontade divina, ou porque o técnico errou. E se perde o candidato
Serra, de quem a culpa?
Não faltam os técnicos, ou seja, os marqueteiros, uma corte de
especialistas não se sabe com exatidão em que matéria, tidos, porém,
como indispensáveis nas nossas paragens. Às vezes me pego a imaginar
Roosevelt ou Churchill, ou mesmo Zapatero e a senhora Merkel, que
invocam a presença de peritos à sua volta para instruí-los como diretor
de teatro faz com seus atores.
Os marqueteiros nativos são iguais à mítica fênix. Imortais,
reaparecem sempre porque sempre perdoados. Vai sobrar para o próprio
Serra, não ficou à altura das esperanças. Caiu em incertezas e confusões
que seus eleitores cativos, tão fiéis, tão dedicados, não imaginavam.
Não mereciam. Já está em elaboração a listagem dos erros do candidato
tucano. Demorou demais para anunciar a candidatura. Não soube cativar
Aécio. Imprimiu à campanha direções diversas e até opostas. Etc. etc.
Não é que a mídia não tenha colaborado para a vitória tucana.
Formidável mídia, de tucanagem ampla, geral e irrestrita. Um instituto
de pesquisas, o Datafolha, também participou do esforço. Surgiu ainda a
denúncia, também apelidada de dossiê, a lembrar histórias de aloprados e
mensalões. E nada? Culpa do Serra, dirão os senhores e suas damas. E me
vejo, de improviso, a me compadecer, sinceramente, do futuro, iminente
derrotado, em quem reconheci, e reconheço, muitas qualidades.
O erro de Serra foi ter caído na esparrela urdida por Lula, a do
plebiscito inescapável, sem perceber, além da força dos adversários, a
mudança que o ex-metalúrgico guindado à Presidência acarretou para o
País, acima e além de alguns bons e inegáveis resultados alcançados por
seu governo. A situação, precipitada em grande parte pela identificação
entre a maioria e seu presidente plebeu, digamos assim, acabou por
empurrar Serra para a direita como nesta página foi observado inúmeras
vezes. O ex-presidente da UNE, perseguido pela ditadura, tornou-se
representante de um partido fadado a ocupar o mesmo espaço outrora
preenchido pela UDN velha de guerra.
Sublinhei também que Serra nunca recomendou “esqueçam o que eu
disse”. Mesmo assim, na alternância contraditória das rotas da sua
campanha, o candidato tucano amiúde, e lamentavelmente, permitiu-se tons
udenistas adequados à exposição de ideias idem. Vivêssemos outro tempo,
nada disso importaria, está claro. Empenhada em assustar a minoria
privilegiada, a mídia nativa teve êxito em 1989, 1994 e 1998, contra o
espantalho do Sapo Barbudo. Faz oito anos, contudo, que os argumentos da
chamada elite não logram os resultados de antanho, mas Serra e os seus
eleitores não se deram conta disso até hoje.
Esta incapacidade de compreender um Brasil diverso daquele sonhado,
esta ignorância, é que confere um toque patético à derrota da minoria
privilegiada, dos herdeiros e cultores de um passado que os fez donos do
poder. Não são mais, a despeito da descoberta do vinho servido em
taças, como dizem os maîtres.
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital.
Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de
Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do
jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde.
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