Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação do Correio da Cidadania | |
Às vésperas do pleito presidencial mais vazio de idéias desde tempos
imemoriais, os movimentos sociais e a esquerda do país vão se deparar
com um novo período de suas lutas. Necessitam fazer uma ampla reflexão
sobre as derrotas acumuladas, que, ao contrário do que se esperava,
foram aprofundadas no período Lula. Esse é o pensamento de Gilmar Mauro, dirigente do MST,
em entrevista ao Correio da Cidadania, na qual também explicou a
postura do movimento na eleição e a polêmica em torno de um possível
apoio velado de suas lideranças à candidatura petista.
Gilmar argumenta que o MST não declarou apoio a candidato algum no
primeiro turno por conta do enfraquecimento político e social da
esquerda. De modo que o movimento não é capaz de impedir que grande
parte de suas bases opte por Dilma, ainda que o governo Lula, como
também aponta, não tenha chegado sequer perto de promover a reforma
agrária. Para ele, a única diferença de Lula com Serra é a menor
intolerância ao diálogo com o movimento social (o que crer se aplicar
também em São Paulo, na disputa entre Alckmin e Mercadante).
Para Gilmar, é justamente essa retração da esquerda, imposta por
falhas próprias e também pela vitória do lulismo, que deixou o movimento
numa posição "complicada" para tomar partido de candidatos mais
alinhados ao projeto de reforma agrária defendido pelo MST, como Plínio
Arruda Sampaio (responsável pelo plano de reforma agrária de Lula em
2003, posteriormente engavetado) e outros da esquerda socialista. Além
disso, lembra que os sem terra e a reforma agrária possuem apoios em
diversos outros partidos.
Até pela difícil posição em que se encontra o movimento nas eleições
deste ano, Gilmar ressalta que o principal debate a ser feito na
esquerda diz respeito à sua própria reconstrução, de forma mais
unitária, antes de qualquer novo projeto ou programa a ser anunciado. Só
após extensa autocrítica e a conjunção de todos esses fatores, conclui,
as forças não privilegiadas pela ordem poderão voltar a encarar o
capital em todas as suas variadas vertentes, inclusive para um dia
alcançarem a reforma agrária.
Correio da Cidadania: No atual momento histórico de completa
supremacia do agronegócio no campo, com seus laços com grandes e
poderosos setores das finanças, indústrias e política, que reforma
agrária você considera possível e necessária?
Gilmar Mauro: Eu acho que é preciso repensar a reforma agrária e
hoje ela depende de um amplo debate na sociedade brasileira. E a
sociedade terá de discutir que tipo de uso quer dar ao solo, aos
recursos naturais, água, biodiversidade e todo o subsolo.
Em segundo lugar, teremos de decidir que tipo de comida vamos querer
daqui por diante. Se optarmos por manter o atual uso do solo brasileiro
para produzir commodities e exportá-las, utilizando agroquímicos em
grande escala, realmente não precisamos de reforma agrária.
E o terceiro aspecto é o paradigma tecnológico que queremos para o
futuro. Ninguém está falando em volta ao passado, movimento budista de
acabar com as máquinas, mas a tecnologia precisa estar a serviço
humanidade. É evidente que deve haver produção para atender às demandas,
sejam de alimentação ou de matéria-prima, mas com tecnologias de
impacto ambiental não tão grande quanto as que estão sendo usadas,
ajudando a diminuir a penosidade do trabalho, do que ninguém discorda
também.
Evidentemente, vamos continuar ocupando terras, porque tem gente
querendo ser assentada e trabalhar. No entanto, mais além do MST, tal
debate precisa ser jogado à sociedade, pois, se ela não discutir e
colocar sua opinião, não há reforma agrária viável dentro do modelo que
está sendo aplicado no momento.
Correio da Cidadania: Lula chegou perto de alcançar algum desses objetivos nos moldes defendidos pelos movimentos camponeses?
Gilmar Mauro: Não, na verdade, o que temos hoje são políticas
agrárias e de assentamentos. Não podemos falar de reforma agrária no
país. Existem assentamentos, fruto de pressão, regularizações
fundiárias, mas do ponto de vista da concentração fundiária está tudo
intacto, ou seja, 1% dos proprietários detém 46% das terras. E do ponto
de vista do modelo e da produção agrícola, exportação de commodities,
ampliou-se o modelo historicamente construído no país.
Temos pequenas melhorias na agricultura familiar, alguma coisinha em
crédito, merenda escolar, que possibilitam à pequena agricultura algum
tipo de renda, mas não podemos falar de reforma agrária. Embora tenham
sido assentadas algumas centenas de milhares de famílias, não se alterou
em nada a estrutura fundiária brasileira. Se quisermos falar de reforma
agrária de fato, é preciso mudar o modelo e a estrutura fundiária
brasileira, o que não ocorreu até hoje na história do país.
Correio da Cidadania: Dirigentes do movimento passaram os últimos
anos fazendo duras críticas ao abandono a que o governo Lula relegou as
políticas agrárias defendidas pelo PT ao longo dos anos. No entanto,
recentemente, alguns líderes mostraram alguma inclinação pela
candidatura de Dilma em relação à de Serra. Como você avalia estes
posicionamentos?
Gilmar Mauro: O MST, e prefiro falar daquilo que foi decidido
pela direção, adotou uma postura de não apoio a nenhum candidato, tanto a
presidente como a governador e outros cargos. Isso entendendo uma série
de questões que relacionamos do ponto de vista da reforma agrária e um
leque bastante amplo de partidos, que vão desde a esquerda socialista,
revolucionária, até setores, digamos, democratas, republicanos. Temos
apoio na causa em setores do PMDB, do PDT e assim por diante.
Assim, o MST optou por não tomar posição em favor de algum candidato
neste primeiro turno das eleições. Até para preservar as alianças que
construímos historicamente e a perspectiva, inclusive, de reconstrução
de uma esquerda progressista no próximo período. Acho que, neste momento
histórico, as condições não foram propícias em termos de unificação das
candidaturas de esquerda. Mas é este o nosso tempo histórico e não
podemos mais ficar chorando o leite derramado. Temos de aprender as
lições desse processo todo na esquerda brasileira e pensar o próximo
período. Os desafios estão postos para que se pense na reconstituição
política de uma esquerda de fato em nosso país.
Correio da Cidadania: Essa postura de não declarar apoio a nenhum
candidato iria de encontro à idéia sempre frisada de manter a autonomia
do movimento, mesmo com essas novas demonstrações de simpatia
relativamente à vitória petista?
Gilmar Mauro: Exatamente. Porque, independentemente de qualquer
coisa, uma reforma agrária de fato, que altere toda a estrutura
fundiária brasileira, pensando em novos paradigmas, de produção,
tecnologia e modelo, só se realizará na medida em que as forças
populares tiverem um protagonismo muito maior.
E estamos vivendo um momento de crise, com enfraquecimento dos setores
sociais, perda de força política. Posso falar até pelo MST: creio que
houve uma perda de força política e social no último período. E o mesmo
tem ocorrido nos movimentos urbanos, sindicais, estudantis, o que não é
particularidade brasileira, mas uma realidade mundial.
Esse é o contexto que coloca os setores reformistas, não apenas os
revolucionários, numa situação defensiva em escala internacional hoje em
dia.
Correio da Cidadania: Em entrevista que você nos concedeu em maio,
houve uma declaração de que a tendência do movimento seria ficar ao lado
de quem apoiasse uma reforma agrária "profunda e radical". Como
interpretar essa intenção à luz do que está agora ocorrendo de fato no
que se refere ao posicionamento de dirigentes e militantes? Dilma
caminharia para esta reforma profunda e radical, a seu ver?
Gilmar Mauro: Acho que não. Acho que nenhum governo levaria a
esse caminho. Poderíamos eleger o mais radical, o Rui Costa Pimenta
(PCO), que não haveria condições de fazê-la. Isso porque, sem força
social e política organizada, não se consegue, a correlação de forças
não permite.
O indicativo do MST, inclusive de acordo com o que discutiu a direção do
movimento, é votar em candidatos que defendam a reforma agrária, tanto
para o parlamento quanto para a principal eleição. E acho que a
militância tem feito isso, apoiando candidaturas que defendam a reforma
agrária e tenham um compromisso histórico com ela.
Inclusive, muitos militantes vão votar no Plínio. Outra parte vota no
Ivan Pinheiro, também no Zé Maria, e ainda há outra parte que vota na
Dilma. Acho até que, do ponto de vista das bases do movimento, a maioria
vota na Dilma, embora o governo Lula tenha estado longe de fazer a
reforma agrária. Houve pequenos avanços, alguns assentamentos, e uma
parte de nossas bases entende que votar na Dilma é uma opção.
Por conta de tudo isso, o MST ficou nessa situação. Não tomamos partido,
como instituição, de nenhuma candidatura, mas estimulamos o voto em
quem apóia a reforma agrária.
Correio da Cidadania: Haveria, de fato, diferenças substanciais entre
os governos Serra e Dilma na consecução da reforma agrária e no
relacionamento com os movimentos sociais?
Gilmar Mauro: Acho que nesse caso sim. Com o Serra, nós nunca
conseguimos fazer uma reunião. A única reunião que fizemos aqui foi com o
chefe da Casa Civil, o Aloysio Nunes, e à boca pequena se dizia que ele
não queria mesmo falar conosco. Por outro lado, tivemos vários despejos
violentos (na Cutrale, por exemplo), com articulação entre o governo
estadual, Rede Globo e os fazendeiros da região, buscando criminalizar o
nosso movimento.
As investidas do Serra contra os professores, a Polícia Civil, os
moradores do Jardim Pantanal, nós, sem terra, são mostras de um processo
de dificuldade de diálogo do governo Serra com o movimento social.
Aliás, até alguns prefeitos do PSDB com quem temos contato estão
apoiando a Dilma, pois dizem que têm muita dificuldade de se reunir com o
Serra. Dessa forma, parece ser da índole dele tamanha dificuldade em se
relacionar, não só com o movimento social, como também com outras
pessoas.
Não acho que, do ponto de vista do projeto político, exista tanta
diferença entre os dois. Mas, pelo lado dos movimentos sociais, há sim
diferença entre Serra e Dilma, principalmente no sentido de criminalizar
os movimentos e pela dificuldade de ver o movimento social como parte
do processo de construção e de lutas.
Correio da Cidadania: Ainda que existam estas diferenças entre
eventuais governos Dilma ou Serra, o posicionamento mais favorável do
movimento com relação à vitória petista não seria, de todo modo, um
salvo-conduto à permanência de um certo imobilismo e perda de autonomia
dos movimentos sociais, tão destacados pelo próprio MST ao longo dos
últimos anos, nos quais Lula presidiu o Brasil?
Gilmar Mauro: Não, muito pelo contrário. E outra, o Movimento Sem
Terra tem por princípio manter sua autonomia política. Não acredito
nisso e não tenho nenhuma dúvida de que o movimento não será refém do
próximo governo. Aposto todas as minhas fichas nisso, porque o movimento
terá de continuar lutando pela reforma agrária. Embora a conjuntura
seja adversa, a esquerda tenha pouca força, o movimento social idem, é
tempo de remar contra a maré. E o MST vai continuar organizando sua
base.
Acho que duas coisas são fundamentais: primeiramente, uma organização
que não coloca como defesa principal as necessidades de sua base social é
uma organização que não tem sentido, por isso muitas deixaram de
existir. As pessoas se organizam a partir de suas necessidades.
Portanto, o MST tem de continuar dando respostas às suas bases, com
lutas, marchas, que são as necessidades corporativas da base real do
MST.
O segundo aspecto, e quem não o entende terá dificuldade de compreender a
própria luta de classes: as pessoas se organizam a partir de suas
necessidades, sejam econômicas ou físicas, sejam ideológicas ou
espirituais. O sujeito vai à igreja porque sente alguma necessidade. Se a
organização perde isso de vista, perde o sentido, vira uma casta. E
creio que o MST nunca será assim.
Outra coisa, a marca do MST: o movimento nunca foi conhecido
internacionalmente por um bom programa, por um bom discurso, belas
elaborações. Ficou conhecido internacionalmente por uma coisa: planejava
e fazia. Às vezes com erros, e como movimento social cometemos muitos,
mas foi isso que deu moral ao movimento diante das pessoas. O que
projetou nosso movimento foi planejar e executar.
Evidentemente, queremos avançar também do ponto de vista teórico, de
elaboração de programas, porque não basta só uma prática política
relevante. É preciso ter uma teoria condizente com o processo e anseio
das lutas que planejamos continuar levando adiante.
Correio da Cidadania: Mesmo sendo bastante compreensível todo este
espectro de dificuldades na esquerda e no movimento, não poderia ter
havido uma colocação mais explícita, ainda que somente no primeiro
turno, em favor, por exemplo, da candidatura do PSOL, Plínio Arruda
Sampaio, que sabidamente sempre se posicionou francamente a favor da
reforma agrária nos moldes defendidos pelo MST, além de, ao longo das
décadas, ter feito parte das entidades que lutam por esse objetivo?
Gilmar Mauro: Acho que o Plínio é uma grande figura nesses
aspectos, a melhor entre todos os candidatos. Sempre esteve ao lado dos
trabalhadores, da reforma agrária, é um grande lutador e um exemplo para
a nossa militância. E apesar da idade, continua em pé, lutando, fazendo
aquilo que acredita. Nem sempre o que acreditamos é o mais correto ou
dá liga no momento, como é o caso da candidatura.
Acho que é um tempo histórico de muitas dificuldades. Tivemos
dificuldades nas esferas partidárias para se chegar à unificação de uma
candidatura. O PSTU, PSOL, PCO, PCB não conseguiram se unificar. É um
tempo de fragmentação, isso é real, objetivo. E tempo de dificuldade
inclusive de articulação dos setores de esquerda, do movimento social,
para se juntar numa candidatura que catalisasse todo o descontentamento
social. Eu diria que esse tempo histórico explica muito mais do que
qualquer coisa.
Se fôssemos olhar pela base do MST, teríamos caído de cabeça na
candidatura Dilma, porque a base do MST hoje é lulista. Aliás, este é um
fenômeno que precisamos entender. Exagerando, Lula parece gerar mais
consenso que Jesus, 94% das pessoas aprovam ou dizem que é regular o
governo dele. É algo que não se imaginava.
Portanto, se efetivamente fizéssemos uma discussão com nossas bases,
teríamos apoiado a Dilma. Porém, a militância refletiu e se questionou
como iria apoiar a Dilma nas eleições abertamente, tendo o governo Lula
apoiado o agronegócio, com o grande capital ganhando muito dinheiro e a
reforma agrária avançando tão pouco. Não dava para sair em defesa do
governo Dilma.
Dessa forma, optamos por não declarar apoio a ninguém no primeiro turno.
Apoiar o Plínio seria uma postura mais militante. A direção tomar uma
posição de apoio o Plínio ao mesmo tempo em que a base ficasse do lado
da Dilma criaria uma situação difícil. É complicado. Estou sendo muito
honesto aqui.
Sendo assim, o melhor, e acho isso mesmo, foi ter a postura de não declarar apoio oficial a nenhum candidato.
Correio da Cidadania: Em entrevista ao Correio este ano, o sociólogo
Ricardo Antunes criticou a falta de "organicidade" em nossa esquerda,
que, além de não conseguir se unificar num período eleitoral, tampouco
tem conseguido incorporar os movimentos sociais em suas mais diversas
lutas. Você vislumbra alguma forma de reorganização na esquerda em
período próximo?
Gilmar Mauro: É difícil falarmos em tempos, mas alguns
ingredientes são premissas fundamentais se quisermos construir um
processo sustentado, já que o verbo anda na moda.
Primeiramente, precisamos fazer um balanço político profundo, honesto e
sério das experiências de esquerda partidária, do movimento social e
sindical. É preciso dizer "nossos instrumentos são importantes, foram
construídos por nós, é o que temos, mas hoje não dão conta de organizar a
classe trabalhadora". Há muitos setores da classe trabalhadora que não
estão nem aí pra nenhum tipo de organização.
Em segundo lugar, foi completamente perdida a referência, até o sentido
de classe, os laços de solidariedade. As pessoas não se enxergam como
classe trabalhadora. A Nike, por exemplo, não tem nenhuma fábrica, é um
processo todo terceirizado, fragmentado, atomizando a classe. No Brasil,
mais concretamente, são mais de 600 mil vendedoras de Avon! Se somarmos
com Natura, Herbalife, são mais de 1 milhão de pessoas. E se as
chamamos de ‘classe trabalhadora da Avon’, elas vão se dizer
‘consultoras de venda’. Porque os instrumentos até aqui construídos não
dão conta dessa nova dinâmica e da nova realidade da classe
trabalhadora. Se não fizermos tal autocrítica, dificilmente vamos
conseguir pensar em formas organizativas e projetos para um novo
período.
Outro aspecto é que devemos parar com esse negócio de ver quem é dono da
verdade. Cada um tem uma parte da verdade, e possíveis razões em sua
análise, mas é apenas mais uma verdade entre todas as demais, de outros
agrupamentos e setores. Necessitamos baixar a crista, a petulância, até o
pedantismo intelectual, e olharmos nossa fragmentação, nossa baixa
força social e política... E organização sem isso vale zero, mesmo com o
melhor debate e o melhor programa do mundo.
Se nos olharmos entre todos, veremos que cada um tem sua parcela de
contribuição; e juntando tudo ainda somos um agrupamento muito pequeno
para enfrentar toda a lógica do capital, imposta a todo o país.
Portanto, para mim, essas são as condições analíticas fundamentais.
É preciso reorganizar a esquerda? É preciso pensar um novo programa, uma
nova estratégia? Não tenho a menor dúvida. Mas não adianta juntar mais
meia dúzia, dizer "a nova estratégia é essa" e sair angariando gente
para a minha corrente. Não vai ter. Dessa forma, é preciso fazer o
debate, autocrítica, análise, de modo que se envolva a militância e se
pense a respeito, o que necessita tempo.
Portanto, mais do que sair com uma nova proposta, de um novo partido,
para o ano que vem, é preciso criar uma metodologia para o debate
político, que nos permita, no momento de criar novos instrumentos, ter
suficiente acúmulo de forças, evitando que seja só mais um agrupamento
para disputar com os outros.
Infelizmente, a esquerda vê essa disputa pela hegemonia como uma
concorrência entre instrumentos, e não uma possibilidade de
fortalecimento, uma vez que, para fazer uma revolução social, serão
necessárias milhões de pessoas conscientes. Está na ordem do dia, mas,
se não fizermos o balanço, os grupos vão se achar certos por terem
tentado impor sua hegemonia sobre os demais.
Olha, se não fizermos um balanço crítico desses tempos, somos uns
babacas. Aí poderemos falar de qualquer coisa, menos de revolução.
É um momento de extrair todas as lições, com muita humildade, e a partir
daí pensar no novo período. Casada a isso, uma análise muito profunda
da nova realidade sócio-econômica mundial. O que é a classe trabalhadora
do mundo de hoje? Porque, se não tivermos tal clareza, como vamos saber
que instrumentos e programas são necessários a essa nova classe?
As eleições vão passar, de modo que para mim esse é o debate central. É
no que acredito e, no que depender de mim, entraremos com todas as
forças nesse debate político do próximo período.
Correio da Cidadania: Retornando finalmente à realidade mais
imediata, no estado de São Paulo, como enxerga uma eventual vitória de
Alckmin? Seria mais fácil negociar com Mercadante?
Gilmar Mauro: Não sei, é uma pergunta difícil. Mas o tucanato em
São Paulo... Com Alckmin também tivemos experiência anterior; com ele ao
menos conseguimos nos reunir. Mas, depois da morte do Covas, tudo que
diz respeito à agricultura, reforma agrária, foi completamente
abandonado. O próprio Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo)
foi sucateado, a Polícia Civil, os professores; o trato deles com o
movimento social sempre foi de criminalização.
Acredito que, pelo seu histórico dentro do PT, o Mercadante não seja
como o Alckmin, creio que seja um pouco melhor. E, sendo honesto,
precisamos definir quem preferimos enfrentar, pois acho que teremos de
enfrentar quem ganhar, seja quem for, no âmbito federal ou estadual.
Assim, a pergunta é: para nós, é melhor enfrentar quem? No meu modo de
ver, é melhor enfrentar o Mercadante. Não sei se vai dar segundo turno,
até torço para que dê, pois, para o movimento social, é melhor encarar o
Mercadante. Essa é minha impressão.
No entanto, infelizmente, acredito que aqui em São Paulo nós temos uma
situação pior ainda, pois enfrentamos o que há de pior na mídia, Veja,
Folha, Estadão, Globo, enfim, o que há de pior das oligarquias e meios
de comunicação está em São Paulo, em maior número. E do ponto de vista
da esquerda idem, tem muita coisa boa, mas também existem vícios nas
mesmas proporções. É uma realidade bastante complexa. Os desafios nos
fazem crescer, é o espaço onde atuamos e temos o grande desafio de
repensar esse período, inclusive aqui em São Paulo.
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Gilmar Mauro: ‘MST não será refém do próximo governo’
A Origem e Consolidação do Racismo no Brasil
Escrito por Mário Maestri no Correio da Cidadania | |
1- Constituição e Racionalização da Exploração Escravista na Antiguidade
A desqualificação dos oprimidos é recurso histórico, consciente e
inconsciente, dos opressores para racionalizar e consolidar a
exploração. Nas formas de produção pré-capitalistas, essa
desqualificação centrou-se fortemente na natureza dos explorados. No clássico A origem da família, da propriedade privada e do Estado, de 1884, Frederico
Engels assinalou a dominação da mulher pelo homem, no contexto da
primitiva divisão sexual do trabalho, como a primeira forma geral de
exploração. "[...] o primeiro antagonismo de classes que apareceu na
história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a
mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão
do sexo feminino pelo masculino". A opressão da mulher apoiou-se
tradicionalmente na defesa de sua inferioridade, fortemente ancorada na
sua diversidade fisiológica em relação ao homem. O magnífico Aristóteles
apontava como exemplo da inferioridade feminina o fato de que ela teria
menos dentes que os homens!
A escravidão patriarcal, base da produção na Grécia homérica, surgiu
quando o produtor superou sistematicamente suas necessidades de
subsistência, produzindo excedente capaz de ser apropriado pelo
explorador. A orientação da produção para o consumo do núcleo familiar
da pequena propriedade grega, de uns cinco ou pouco mais hectares [oikos], pôs relativamente
travas à exploração do homem e da mulher escravizados. Não havia
sentido em produzir acima do consumido pelos proprietários, familiares,
dependentes e cativos. No escravismo patriarcal, o proprietário, sua
família e dependentes trabalhavam comumente ao lado do cativo, em
proximidade que apenas minimizava o caráter despótico daquela relação
social de produção.
Com a consolidação da propriedade privada sobre a terra e seus frutos e a
expansão do mercado, a escravidão patriarcal desenvolveu-se e
superou-se qualitativamente. Ainda que fossem numerosas as pequenas
propriedades escravistas de subsistência, nos dois séculos finais da
República e nos dois primeiros do Império, dominou social e
economicamente a pequena propriedade escravista pequeno-mercantil
especializada. Orientada para o mercado, a villa tinha em torno
de uns dez a trezentos hectares e trabalhava com algumas poucas dezenas
de cativos. A dimensão reativamente restrita e o caráter dos seus
produtos, que exigiam comumente trabalho intensivo, especializado e
sazonal, impediram tendencialmente a degradação das condições do
trabalho servil conhecida séculos mais tarde na escravidão colonial. Era
monótona e dura a existência do produtor escravizado nessas
propriedades.
Transição Histórica
Por variadas razões, fracassou a evolução da produção pequeno-mercantil
em escravismo mercantil, ou seja, em grandes propriedades trabalhadas
por dezenas e centenas de cativos, tentada em diversas regiões, com
destaque para as propriedades triticultoras da Sicília. Sob a forte
pressão dos produtores escravizados, abriram-se então as portas à longa
transição ao colonato e, a seguir, à produção feudal.
Nesta última, o produtor deixava de ser, como anteriormente, propriedade
plena do explorador. Sob a obrigação de pagamento de rendas
delimitadas, ele passou a controlar sua família e seus instrumentos de
trabalho e a gerir relativamente a gleba à qual era adstrito, em
importante evolução histórica que não o emancipou da servidão. A
escravidão plena, menos produtiva e mais custosa, manteve-se como
relação de dominação subordinada na Europa, em alguns casos, até o
século 18.
A violência foi sempre a principal forma de submissão do trabalhador na
escravidão patriarcal e pequeno mercantil. Os cativos e cativas tidos
como relapsos e desobedientes eram forte e exemplarmente
castigados. Os atos de rebelião contra os proprietários, familiares e
feitores eram punidos com a tortura e a morte. Não raro, os cativos
rebeldes eram queimados vivos. No Império, quando a escravaria urbana
dos romanos mais ricos podia superar os cem membros, o receio dos
proprietários à resistência do cativo chegou ao paroxismo. Lei romana
dos primeiros anos de nossa determinou que, se um pater famílias,
ou seja, um proprietário escravista ou seu familiar fosse assassinado,
todo cativo que, encontrando-se a uma distância em que pudesse ouvir seu
pedido de ajuda, não o socorresse, seria torturado e executado. Nos
tempos de Nero, Padânio Secondo, prefeito de Roma, foi justiçado por
cativo que lhe pagara e não recebera a manumissão. Todos seus
quatrocentos cativos, de ambos os sexos e das mais variadas idades,
foram executados, apesar da agitação que a terrível medida causou entre a
plebe romana formada em boa parte por libertos.
A escravidão apoiou-se também na submissão ideológica dos cativos. Entre
os múltiplos mecanismos utilizados, destacava-se o convencimento do
cativo de sua natureza diversa e inferior, proposta que racionalizava e consolidava a ditadura dos escravizadores sobre os escravizados.
Azares da Sorte
Na Grécia homérica, a escravidão era vista como decorrência dos azares
da sorte – guerra, captura, dívida etc. A visão platônica expressava uma
época em que a escravidão tornara-se instituição importante. Para
Platão, a servidão de um indivíduo ou de um povo devia-se à incapacidade
de se auto-governar, por falta de discernimento intelectual, cultural
ou moral, qualidades exclusivas ao mundo, cultura e homem helênicos.
Porém, para ele, era a lei que determinava quem era escravo e senhor.
Entretanto, sua teoria da superioridade da alma sobre o corpo
consubstanciava já a visão da submissão necessária do súdito ao
soberano, da mulher ao homem, do escravizado ao escravizador.
A visão aristotélica da escravidão nasceu em sociedade solidamente
escravista. Para Aristóteles, era inaceitável que um homem fosse
submetido e mantido na escravidão apenas pela força, sancionada pela
lei. O que lhe apontava a força, como forma de emancipação. Ele superou a
tese platônica, ao defender raiz natural e, portanto, genético-racial
à servidão. Para Aristóteles, a reunião de diversas famílias formava o
burgo e a associação de diversos burgos, a cidade, ou seja, a sociedade
política. Um processo determinado pela natureza que compelia "os homens a se associarem" na procura do "fim das coisas", a felicidade.
Para Aristóteles, a família "completa", unidade de base da
sociedade, forma-se por homens livres e escravizados. Para ele, a
natureza criara as coisas diferentes, na procura da especialização, pois
o melhor "instrumento" era o que serve para "apenas" um "mister", e não
para muitos. Assim, na consecução de fins comuns, seres de essência
diversa complementavam-se, cada qual realizando a função para que fora
criado pela natureza. Os mais elevados comandavam os menos perfeitos. "A
autoridade e a obediência não só são cousas necessárias, mas ainda
[...] úteis. Alguns seres, ao nascer, se vêem destinados a obedecer;
outros, a mandar".
A natureza determinava que o pai dominasse o filho, o homem a mulher, o senhor o escravo.
"[...] a todos os animais é útil viver sob a dependência do homem. Os
animais são machos e fêmeas. O macho é mais perfeito e governa; a fêmea o
é menos, e obedece. A mesma lei se aplica naturalmente a todos os
homens". "Há também, por obra da natureza e para a conservação das
espécies, um ser que ordena e um ser que obedece. Porque aquele que
possui inteligência capaz de previsão tem naturalmente autoridade e
poder de chefe; o que nada mais possui além da força física para
executar deve, forçosamente, obedecer e servir – e, pois, o interesse do
senhor é o mesmo que o do escravo". Fundando o direito da servidão na
inferioridade natural e não na força, consolidava ideologicamente
a ordem escravista grega, impugnando a escravização do heleno, por um
lado, e a validade do bárbaro de emancipar-se pela força, por outro.
Propunha que oprimidos e opressores se associariam na consecução de
objetivos comum, pois, sendo a opressão algo próprio da ordem da
natureza, não haveria civilização à margem da mesma.
Como os Animais Domésticos
Aristóteles foi mais longe, ao propor que a especialização natural, ou
seja, a inferioridade e superioridade, se expressasse na própria
constituição dos seres. A inferioridade dos "animais domésticos", que
serviam com a "força física" ao dono nas "necessidades quotidianas",
como o boi, o asno etc., registrava-se nos seus corpos de brutos. O
mesmo ocorria entre os homens, pois a "natureza" pareceria "querer dotar
de característicos diferentes os corpos dos homens livres e dos
escravos". "Há na espécie humana indivíduos tão inferiores a outros como
o corpo o é em relação à alma, ou a fera ao homem". Os homens incapazes
de outra função que as relacionadas à "força física" eram "destinados à
escravidão".
A proposta de registro material da superioridade e inferioridade
naturais dos homens constituía elemento central na racionalização
aristotélica da exploração escravista, retomada plenamente no mundo
romano, e, mais tarde, na Idade Média e Moderna. A força desta proposta
encontrava-se no registro, indiscutível, nos corpos, da
inferioridade da alma. O que tornava materialmente visível a
hierarquização social, com homens superiores, destinados a mandar e
serem servidos, e homens inferiores, destinados a obedecer e servir.
Porém, tal proposta materializou-se em forma muito limitada no mundo
grego, por falta de condições objetivas nas quais pudessem se apoiar as
fantasmagorias dos escravizadores.
Mesmo no mundo grego tardio, os cativos provinham sobretudo das
províncias e regiões periféricas do mundo helênico. Portanto, havia
forte identidade étnica entre amos e cativos. O que
dificultou a tentativa permanente de apontar traços somáticos que
expressassem as naturezas diferenciais, superiores e inferiores, dos
escravizadores e dos escravizados. Inicialmente, a escravidão romana
apoiou-se na escravização de povos itálicos, de forte semelhança
étnico-somática. Com a extensão da escravidão, foi feitorizada
infinidade de povos da bacia do Mediterrâneo e da Europa Ocidental,
Central e Oriental. A diversidade étnico-linguística dessa população
escravizada impediu, também, o procurado registro fenótipo da pretensa
natureza humana inferior do escravizado.
A sociedade romana enfatizou a cultura e a língua como elementos
diferenciadores, ainda que os múltiplos traços fenótipos dos cativos
fossem apontados como registro de inferioridade. É conhecida a descrição
de escravista romano, com propriedade na Magna Grécia – um italiano meridional, nos dias de hoje; dos traços semi-bestializados de seu cativo germânico. Ou seja, um alemão atual. Sequer o renascimento ibérico da escravidão, com a Reconquista,
produziu identificação cabal e duradoura entre etnia e escravidão. Tal
fenômeno materializar-se-ia quando do renascimento do escravismo, nas
Américas, dando origem à desqualificação essencial do africano
subsaariano, base das visões racistas anti-negro contemporâneas.
A seguir: 2 - Escravidão e Racionalização de Mouros e Africanos
Mário Maestri, 62, é professor do curso e do programa em Pós-Graduação em História da UPF. É autor, entre outros trabalhos, de O escravismo antigo e O escravismo brasileiro, publicados pela Editora Atual. E-mail:
maestrti@via-rs.net
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segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Contra a corrupção política, só uma outra política
O grande empresariado se diverte ao financiar campanhas dos mesmos políticos que serão seus fiéis servidores e que sempre acusarão de preguiçosos e corruptos
A democracia liberal de massas é bem mais jovem do que o capitalismo.
Até a virada do século XVIII para o XIX, a maioria dos que se dedicavam à
política, bem como dos que refletiam sobre ela, era liberal e
visceralmente antidemocrática. Já os que defendiam a democracia
consideravam-na incompatível com uma sociedade dividida em classes. E os
terrenos adequados ao poder do povo eram a sociedade sem classes ou,
então, para usar a expressão de Crawford B. Macpherson, uma "sociedade
de classe única", ou seja, de pequenos proprietários. Pode-se sintetizar
essa última posição com a célebre passagem de Rousseau, em O contrato social:
uma sociedade onde ninguém seja tão rico para poder comprar alguém, nem
tão pobre que seja obrigado a se vender. Trocando em miúdos, uma
sociedade de pequenos proprietários (granjeiros, comerciantes,
artesãos), sem a conhecida desigualdade entre os ricaços e os que pouco
ou nada têm.
No interior dessa polaridade, não é de se estranhar a aversão - ou
mesmo o temor - dos liberais ao sufrágio universal. Já durante a
Revolução Francesa, os moderados admitiam a generalização dos direitos
civis, mas consideravam que ampliar os direitos políticos a todos os
homens (as mulheres ficavam de fora) não era razoável. O maior medo era
de que a maioria abolisse, por meio do voto, a propriedade privada.
Monstrengo inesperado
Duras lutas levaram ao parto do monstrengo inesperado: a mistura de democracia com sociedade de classes.
Vários fatores contribuíram para esse processo de constituição da
democracia liberal de massas. Do ponto de vista dos dominantes, foi
decisiva a descoberta de que um aparelho estatal fortemente
burocratizado, até porque protegido das intempéries eleitorais, estaria
apto a recorrer à violência para "manter a ordem" (leia-se a propriedade
privada dos meios de produção ou, como atualmente juram os principais
candidatos, "o respeito aos contratos"). Outra descoberta fascinante: as
próprias eleições poderiam se integrar ao, aparentemente inesgotável,
repertório ideológico de que o capitalismo dispõe para se legitimar
junto aos dominados.
Agora, sim: com o núcleo do aparelho estatal garantindo a ordem, ou
seja, "fora disso", porque voltado para o interesse público e dotado dos
recursos de violência necessários para defendê-lo; e as eleições
girando em torno da disputa sobre quem melhor gerencia os conflitos no
interior da "ordem", mesmo que simulando contestá-la, os dominantes
poderiam ir à luta pelo voto dos dominados, sem os quais, enquanto
minoria, não poderiam se eleger para também cuidar da "coisa pública",
inclusive, a boa elaboração das leis.
Político sagaz e sem papas na língua, o truculento Bismarck
sentenciou que, se o povo soubesse de que eram feitas as leis e as
salsichas, não dormiria tranquilo. De outro ponto de vista, Eric
Hobsbawm, o grande historiador da sociedade burguesa, observou que a era
da democratização é gêmea da hipocrisia política em larga escala.
Como se vê, não é fácil definir corrupção política.
Se a considerarmos como apropriação indébita da coisa pública por
interesses privados, os problemas, ao invés de resolvidos, mal começam.
Até pela difícil distinção entre público e privado no capitalismo. Pois,
apesar de todo o imenso e criativo esforço intelectual despendido,
resta a dura realidade de que os interesses fundamentais dos dominantes
são consagrados, inclusive no plano jurídico, como públicos no mesmo
processo em que os interesses dos dominados são constituídos como
particulares.
No interior dessa moldura estrutural, existem, por exemplo, mil e um
modos de arrancar recursos do BNDES para estimular o agronegócio. Nem
vamos perder tempo com o que sobra para a caminhonete do ano, o
consumismo afetado, tipo assim. Ainda restam a superexploração de homens
e mulheres (crianças e adultos), a degradação ambiental, as boas
relações com os centros decisórios. Foram até chamados de heróis pelo
presidente da República (da coisa pública). Pois, graças ao seu
empreendedorismo, a balança comercial segura as pontas de uma política
econômica que remunera, com juros elevadíssimos, uma casta de
sanguessugas planetários. E pobres de nós que precisamos desses heróis.
Quando a grana (deles) encurta, empreendem uma série de ações,
inclusive entupindo rodovias (coisa pública) com "seus" tratores, fazem lobbies em
dezenas de agências governamentais, mobilizam sua bancada parlamentar e
terminam por conseguir alongamento das dívidas. E mais empréstimos.
Sempre, é claro, em nome do interesse maior, em nome da coisa pública.
Compare essa situação corriqueira com o tratamento que os grandes
meios de comunicação dispensaram a um grupo de sem-terras que ocupou uma
área explorada pela Cutrale, o maior conglomerado sucroalcooleiro do
mundo: foram chamados de invasores, inimigos do país, destruidores do
meio ambiente, em suma, criminalizados sob todas as formas. Tive a
oportunidade de participar de um debate na Globo News e ouvir do
presidente da Sociedade Ruralista Brasileira (uma pessoa muito
agradável), que a ação dos sem-terra foi "guerrilheira"; de um
procurador do ministério público, que o MST recebia, de modo indevido,
verbas estatais e que a privatização da Vale foi um grande bem para o
Brasil; e, como tentei abordar o tema da coisa pública, a coordenadora
do programa foi taxativa ao determinar que a coisa pública era muito
grande para caber naquele debate. Não deixa de ser um modo de
simplificar as coisas.
Corrupção na mídia
Passemos aos alvos preferidos das conversas sobre corrupção, até
porque são insistentemente pautadas pelos grandes meios de comunicação.
Um simples exame superficial revela que a evolução do patrimônio
privado de grande parte dos políticos brasileiros é incompatível com os
rendimentos que legalmente auferem do exercício de suas funções
públicas. Somente por esse critério, a ficha limpa seria supérflua.
Diante da permanente avalanche de denúncias, o curioso é que os
grandes denunciados não costumam se hospedar nas infectas prisões que
eles mesmos mandaram construir. Ainda mais curioso: geralmente, os
grandes denunciados de corrupção controlam, em seus redutos políticos,
as sucursais dos mesmíssimos grandes meios de comunicação (repetidoras
de TV inclusas) que os denunciam. E alguns - oh, mundo cruel! - são ou
foram colunistas de jornalões que se apresentam como arautos da
moralidade política. É bastante comum que esse mesmo político seja
denunciado e tratado com reverência em diferentes espaços ou momentos do
mesmo jornal.
Esse é um dos motivos para a grande imprensa, sempre contra o
"radicalismo", insistir no discurso de que a luta contra a corrupção
leva tempo, que Deus não fez o mundo em um só dia e que, com o tempo, as
instituições se aperfeiçoam, os partidos se tornarão programáticos e
ideológicos e, enfim, melhoraremos a "qualidade da democracia".
O problema é que esse evolucionismo meia-boca não resiste a qualquer
exame do passado. Não vamos muito longe. Basta lembrar que, nos anos 20,
os levantes tenentistas tinham como um de seus principais alvos "os
políticos" profissionais, todos considerados corruptos. Na década
seguinte, idos de 1937, o lema de José Américo de Almeida, um quase
candidato à presidência da República (Getúlio deu o golpe antes das
eleições), era "Eu sei onde está o dinheiro". Nos anos 40, com a
"redemocratização", fundou-se a UDN (União Democrática Nacional), um
partido que se celebrizou pelo moralismo, pelo golpismo, inclusive o
apoio ativo ao golpe de 1964, que, sempre em nome da luta contra a
corrupção e a subversão, abriu caminho para 21 anos de ditadura militar.
Em tempo, Antonio Carlos Magalhães e José Sarney eram da UDN.
Essa contação de caso não leva mesmo muito longe, mas talvez ajude a
desconfiar não apenas do evolucionismo tipo "me engana que eu gosto",
mas também das propostas de reforma política de fachada. Como insiste o
bom senso, uma corda tem duas pontas. Não adianta focar no corrupto e
ocultar o corruptor.
Financiamento de campanha
Voltemos aos nossos heróis e similares, pois é aí que o bicho pega.
Para recomeçar, observe este fantástico processo ideológico: a
insistência na denúncia da corrupção "ilegal" é um extraordinário meio
de legitimação da exploração dos trabalhadores pelos capitalistas. É
como se desejássemos uma sociedade onde o capitalismo funciona em estado
quimicamente puro, com os capitalistas se apropriando "apenas" do
sobretrabalho produzido pelos proletários e o Estado "bem longe" dessa
encrenca, limitando-se a zelar pelo interesse público. Só que vendo bem
de perto, essa é justamente a mais poderosa ideologia - o liberalismo
-, que cimenta, ocultando, as relações sociais capitalistas.
O grande empresariado se diverte ao financiar campanhas dos mesmos
políticos que serão seus fiéis servidores e que sempre acusarão de
preguiçosos e corruptos. Mais tarde, será muito mais fácil tapar o
buraco de operações financeiras desastradas recebendo o generoso socorro
do Banco do Brasil e do BNDES. Sem perder a pose de defensor do bom uso
da coisa pública.
Nesse processo, a grande imprensa presta contribuição inestimável.
Até porque ela condensa maravilhosamente as duas funções: de empresário e
de agente político-ideológico, sempre alardeando que é independente, ou
seja, não tem rabo preso com ninguém (antigo slogan do
principal jornal de um grupo que emprestava seus veículos para
torturadores e assassinos de presos políticos). Não por acaso, a grande
imprensa, que passa quase todo o tempo denunciando a corrupção das
instituições políticas, pressiona movimentos sociais para que se
transformem em partidos políticos e restrinjam sua atuação ao mesmíssimo
campo institucional que ela denuncia. Não se trata de uma contradição,
mas de uma luta político-ideológica para domesticar esses movimentos.
Quer dizer que não adianta reclamar da corrupção?
De fato, como se vê, não adianta muito e é pouquíssimo provável que o
ficha limpa altere as relações de opressão política e exploração
econômica vigentes na sociedade brasileira. Isso é o fundamental. Em um
plano mais secundário, só os incompetentes, os descartáveis ou as
eventuais vítimas de acidentes de trabalho (no geral, em feroz confronto
com seus colegas de profissão) serão pegos. Quer dizer que não adianta
lutar contra a corrupção? Êpa! Não foi o que escrevi.
Uma coisa é reclamar e reproduzir bovinamente aquilo de que se
reclama. Outra coisa é lutar contra a corrupção de modo consequente, o
que implica atacar suas causas. Aí, mais do que reclamar dos
"políticos", cabe levar adiante uma luta política. Mas, para isso, é
preciso fazer política de outro modo, com outro tipo de gente e,
fundamentalmente, contra o sistema que, ao mercantilizar cada vez mais
todas as relações humanas, não deixaria de fora exatamente a atividade
política. Sobre isso aí temos assunto para diversos artigos.
Lucio Flávio Rodrigues de Almeida é cientista político e professor da PUC-SP.
Fonte: Caros Amigos
Plínio e os udenistas da direita
Reproduzo postagem do sitio oleo do diabo que faz uma crítica ao PSOL e seu representante ao governo federal nas eleições desse ano Plinio de Arruda Sampaio, no debate de ontem na rede Record de televisão...
Mas a maioria dos eleitores de Plinio, e grande parte dos de Marina, devem ir de Dilma - se houver - no segundo turno.Acesse oleododiabo.blogspot.com
Tenho amigos que votarão no Plínio, mas não posso deixar de criticar o udenismo vulgar que o candidato do PSOL usou no debate
de domingo, na Record, e que, pela repetição sistemática de clichês
moralistas em todo certame, deve ser a estratégia do partido nessa eleição.
A afirmação que "Psol não tolera corrupção" me parece extremamente
arrogante, como se o partido pudesse de controlar os vícios humanos.
Gaba-se de que o partido não tem casos de corrupção, o que é fácil para
um partido minúsculo e criado há poucos anos. A corrupção é um problema
vinculado ao poder e ao dinheiro. É claro que os casos aumentam na
proporção que um partido ganha poder. Mas como seria ingenuidade pedir
que os partidos não ambicionem mais poder, a única solução para o
problema é fortalecer as instâncias que investigam a corrupção no país.
Além disso, Plínio foi injusto, porque ele sabe que durante o governo
Lula houve um grande aumento na quantidade de operações da Polícia
Federal no combate à corrupção. Plnio surfa no antilulismo desinformador
da mídia, para vender uma ilusão moralista que ainda engana muita
gente.
Após protestar tanto contra a falta de tempo, Plinio tem disperdiçado
blocos inteiros nos debates por pura confusão mental. Chamou Dilma de
Marina sem sequer corrigir-se depois. Inventou um sofismo tolo e também
udenista ao dizer que o aumento do número de investigações significa
aumento da roubalheira. Ora, como Plínio pode afirmar que seu governo
"não tolera corrupção" e depois zombar, levianamente, do aumento das
investitações? Como ele pretende combater "a roubalheira"?
Dou parabéns a Plínio por apontado a concentração dos meios de
comunicação, mas achei egoísmo de sua parte criticar apenas a omissão
que, segundo ele, a imprensa faz de sua candidatura, e se negar a
comentar sobre a acusação dos movimentos sociais, sindicatos, diversos
partidos de esquerda, blogueiros e um importante segmento da população
contra o papel da imprensa nestas eleições, publicando calúnias contra
Dilma Rousseff e fazendo acusações à Serra.
Com todo o respeito que tenho pelo candidato do Psol, não posso deixar
de observar que a participação de Plínio no debate mostrou um indivíduo
com muita dificuldade de coordenar os pensamentos ou mesmo entender
exatamente o que estava acontecendo.
Outro ponto que me incomoda em Plínio é que ele tem partido,
sistematicamente, durante os debates, para os ataques pessoais, ad
hominem, ou melhor, ad feminam. Os ataques que fez à Marina Silva foram
de baixo nível. À Dilma, idem. Ele se acha melhor que os outros?
As centenas de milhares de estudantes que se beneficiaram do Prouni e
Reuni também devem ter se sentido bastante ofendidos com as referências
jocosas do candidato a esses programas. Suas críticas foram
deselegantes, ainda mais por atingir jovens que vivenciam momentos muito
emocionantes em suas vidas. Sua desqualificação magom esses estudantes.
Plínio, um homem muito rico, esnoba da ascensão social de milhões de
brasileiros pobres que ganharam acesso a universidade.
Ao mencionar a educação em São Paulo, num debate com Serra, Plínio
cometeu outra grosseria, ao se referir a todos os jovens paulistas como
"analfabetos". Esse tipo de afirmação, se é vista como "gracinha" pelos
segmentos cultos da sociedade, constituem uma agressão imperdoável aos
brasileiros pobres e com pouco acesso à cultura.
Mas eu não voto no Plínio apenas por essas grosserias, típicas de um
paulista ricaço e pedante. Eu não aprovo suas propostas. Grande parte de
seus eleitores encantam-se apenas com o charme socialista e
independente do PSOL, mas poucos atentam para o caráter sectário de suas
propostas.
Após o pagamento da dívida externa e a redução da dívida pública, a
defesa do calote desta última, por exemplo, é algo simplesmente
irresponsável. O Brasil hoje tem condições de ser um importante emissor
de títulos públicos no mercado internacional, a juros baixos e a longo
prazo. Seria uma estupidez infantil, seria jogar dinheiro fora, decretar
um calote que afetaria essa credibilidade conquistada a duras penas.
Alem disso, os títulos que formam a dívida pública estão hoje
capilarizados junto à população, de maneira que um calote prejudicaria
uma quantidade imensa de famílias de classe média.
Quanto ao limite da propriedade, trata-se de uma medida arbitrária e
truculenta. Com base em que estudo, o PSOL decreta que mil hectares é o
limite? É óbvio que o partido optou por um número "redondo" por uma
questão de criar um símbolo. Mas você poderia concluir da mesma forma
que o limite é de 2 mil hectares, ou de 3 mil ha, ou de 800 hectares.
Ora, está claro que o latifúndio deve ser combatido no país, mas essa
medida é tola. Por exemplo, um homem poderia ter até 20 mil hectares
improdutivos sob seu controle, mas em nome de familiares. O Brasil
precisa de uma reforma fundiaria sim, o que é diferente de uma reforma
agrária (embora os temas sejam vinculados), mas não se pode criar uma
lei dessas para um país tão desigual. Em áreas próximas a centros
urbanos, por exemplo, o Estado poderia dificultar, ou ao menos não
incentivar, a concentração fundiária. Mas o mesmo cuidado não seria
necessário, não no mesmo grau, em áreas extremamente despovoadas do
Centro-Oeste.
O PSOL engaja-se com demasiada facilidade em qualquer campanha contra o
governo, o que significa dizer que se engaja sistematicamente contra
qualquer ação governamental, aliando-se à mídia nesse tipo de oposição
radicalizada e sectária. Desvio do São Francisco, Belo Monte, Angra III,
presal? O PSOL parece ser contra tudo, e quando se pedem propostas ao
partido, ele responde apenas com abstrações e generalidades.
Jà observei que Plínio tem dois grupos de eleitores. Um é formado pelo
jovem idealista, ainda um pouco ingênuo em sua visão de mundo, e
confundindo um pouco o fato do PSOL ser um partido muito pequeno e estar
a milhas de distância do poder com uma espécie de pureza ideológica e
moral.
Outro grupo é formado pelo eleitor meio desorientado com os ataques
pesados que a petista sofre na imprensa e nos estratos altos da
sociedade. Os ambientes empresariais costumam ser extremamente
agressivos no quesito político, com uma disseminação grande de um
antipetismo rancoroso. Votar em Plinio ou Marina é como levantar uma
bandeirinha branca de paz. Ser eleitor da Dilma é comprar uma guerra
constante e nem todo mundo está disposto a isso. Não tanto entre os
pobres, onde quase não há o fenômeno do antipetismo, mas sobretudo da
classe média para cima. Declarando-se eleitor de Plínio ou Marina, o
eleitor é tratado como "civil", e não como "militante" e pode assistir
ao combate do lado de fora, sem risco.
Mas a maioria dos eleitores de Plinio, e grande parte dos de Marina, devem ir de Dilma - se houver - no segundo turno.Acesse oleododiabo.blogspot.com
domingo, 26 de setembro de 2010
Reflexões de um eleitor indignado
Frei Betto via Sul21
Miro
a propaganda eleitoral na TV, ouço-a no rádio. E me pergunto: em que
galáxia habito? Fico a me perguntar se o desfile mórbido de candidatos
difere muito da apresentação dos gladiadores prestes a disputar o
direito à vida no Coliseu de Roma.
São tantas besteiras, tantas promessas inconsistentes, tantas ofensas
à língua pátria, que chego a preferir um passeio pelo zoológico, onde
se pode apreciar, de jaula em jaula, a variedade do animais, sem o
incômodo de escutar tanta bobagem.
Claro que incontáveis aparelhos de TV e rádio desligados no horário
eleitoral significam um recado óbvio: reforma política já! Como não virá
imediatamente, tudo indica que, de novo, a partir de 2011 veremos a
nossa representação política – nas Assembleias Legislativas, na Câmara
dos Deputados e no Senado – integrada por figuras respeitáveis,
competentes, éticas, ombro a ombro com o besteirol: políticos eleitos,
não pelo que representam como promotores do bem comum, e sim pela fama
na mídia, no esporte, na esbórnia, na exuberância das nádegas e no
escracho geral.
Pobre Brasil! A culpa é de quem? Do eleitor? Discordo. A culpa é dos
partidos que aceitam filiações irresponsáveis, funcionam como legenda de
aluguel, abrem as portas aos arrecadadores de votos, meros
candidatos-iscas para robustecer a bancada partidária no Poder
Legislativo. Não importa se o eleito não fala lé com cré. Importa é ter
amealhado votos em quantidade.
Isso revela algo muito grave: os partidos cada vez menos representam
uma parte ou segmento da sociedade. Representam a si mesmos. Viraram
clubes políticos destinados a beneficiar seus sócios. Vivem descolados
da base social, gabam-se de não ter ideologia, apenas interesses e, em
tudo que fazem, buscam, em primeiro lugar, reforçar o próprio poder. E
funcionam na base da ação entre amigos, pois quem se elege trata de
nomear quem não se elegeu para um cargo público bem remunerado.
O Brasil precisa, sim, urgentemente, de uma reforma de seu sistema
político. Não basta mudar as regras do jogo. Faz-se necessário modificar
a atual cultura política, fundada no compadrio e nepotismo (como pode
uma ministra incorporar familiares na máquina do governo?), no tráfico
de influências, no uso dos recursos do Estado para benefício próprio.
Quem se faz representar em nosso poder legislativo? A elite, o
agronegócio, os lobbies de armas e bebidas alcoólicas, da devastação da
Amazônia e da abertura irresponsável do país ao capital estrangeiro.
Esta é a minoria da população, poderosa, mas minoria.
Quem representa os sem terra e os sem teto? Quem representa os que
padecem a falta de saúde e educação? Quem representa os povos indígenas,
as pessoas com necessidades especiais, os jovens e idosos? Quem
representa os movimentos populares?
Introduzir uma nova cultura política é criar mecanismos de controle
civil do poder público, de modo a inibir a corrupção, punir os que agem
ao arrepio das leis e combater tudo isso que, na estrutura
socioeconômica brasileira, favorece e fortalece diferentes formas de
desigualdades.
A revogabilidade de mandatos, mormente em casos de corrupção
comprovada, deveria figurar como princípio pétreo em nosso sistema
político. Por que permitir que uma mesma pessoa possa, indefinidamente,
candidatar-se, perpetuando-se na política? Ninguém deveria ter o direito
a mais de dois mandatos sucessivos na mesma função.
Para avançar rumo à democracia participativa, o Brasil precisa
reformular seu sistema de comunicação, de modo a possibilitar o acesso
dos setores populares à livre expressão; promover plebiscitos e
consultas populares; adotar o financiamento público de campanhas
eleitorais; criar mecanismos de controle social das políticas econômicas
e do orçamento. Por que não há representação sindical na direção do
Banco Central?
Como falar em democracia se, em plena campanha presidencial, apenas
quatro candidatos têm direito a participar dos debates na TV? E os
demais? Foram legal e legitimamente indicados por seus partidos. Não
importa que sejam partidos nanicos. Uma democracia não se faz sem
isonomia. O eleitor tem o direito de conhecer as propostas de todos que
são oficialmente candidatos a funções executivas.
Desde o fim da ditadura, em 1985, a democracia se aprimorou muito no
Brasil. Contudo, não se julga um país pela perfeição de suas leis, e sim
pela aplicação dessas mesmas leis. A aprovação da Ficha Limpa demonstra
que a sociedade civil organizada e mobilizada pode mais do que ela
mesma crê. É hora de não apenas ouvir o que têm a propor os candidatos,
mas de os movimentos sociais e congêneres apresentarem a eles suas
propostas e sugestões.
Autoridade é o povo, de quem os políticos são meros servidores.
*Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org – twitter: @freibetto.
Copyright 2010 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br
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Agrotóxico, transgênicos e o novo agronegócio
Por Débora Prado
Da Caros Amigos
A concentração no campo é conhecida inimiga na luta pela justiça social no Brasil. No País do agronegócio – em que usineiro é herói e a reforma agrária é divida histórica centenária – 2,8% das propriedades rurais são latifúndios que dominam mais da metade de extensão territorial agricultável do país (56,7%), segundo os dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) em 2006.
Mas, a concentração no campo não se limita às propriedades. O
oligopólio das fabricantes de sementes transgênicas e agrotóxicos se
fortaleceu no Brasil nas últimas décadas, imprimindo um novo modelo de
dominação que vai do campo para a cidade, rendendo cifras bilionárias
para poucos e prejuízos à saúde de muitos.
Detentoras de grande capital, patentes, poderosos lobbies políticos e
com um exército técnico e jurídico a sua disposição, essas companhias
não conheceram a crise econômica.
As vendas mundiais de agrotóxicos atingiram cerca de US$ 48 bilhões
em 2009, o que significa que o faturamento das empresas deste setor é
maior que o PIB de grande parte dos países no mundo.
Entre 2000 e 2009, o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 94%, ao passo que o brasileiro subiu 172%.
Somente no ano passado, foram registrados 2195 agrotóxicos no mercado
brasileiro, que movimentou US$ 6,8 bilhões, de acordo com dados da
Sindag, o sindicato das empresas.
Os dados foram apresentados pela integrante da Gerência Geral de
Toxicologia da Anvisa, Leticia Rodrigues da Silva, em um seminário
nacional contra o uso dos agrotóxicos promovido pela Via Campesina, em
parceria com a Fiocruz e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) do MST.
Apesar das altas cifras, este é um mercado caracterizado pelo
oligopólio e por um elevado grau de concentração – 13 empresas
multinacionais respondem por 90% do mercado, sendo as 6 maiores
(Syngenta, Bayer, Basf, Monsanto, Dow Quemical e DuPont) - responsáveis
por 68%.
Já poderosas no setor de agrotóxicos, estas multinacionais investiram
ainda na compra de inúmeras fabricantes de sementes no Brasil a partir
da década de 1990 e, recentemente, criaram o crédito direto ao produtor,
ampliando seus braços de controle sobre a produção de nacional.
Para Leticia, isto significa que “a relação do agronegócio e da
indústria de agrotóxico não é só de compra e venda, mas de
subordinação”.
Além dos impactos econômicos e sociais desta dominação, a
disseminação em escala industrial dos produtos fabricados por estas
empresas é uma questão ambiental e de saúde pública.
"No ano passado, por exemplo, a Anvisa começou a fiscalizar as
empresas produtoras e encontrou irregularidades em todas, como
adulteração de produtos que estavam com formulação diferente da
registrada e comercialização de vencidos", relata Letícia.
Somente na Dow Chemical, em junho deste ano, foram interditados mais
de 500 mil litros de agrotóxicos e um funcionário foi conduzido à
polícia por tentativa de omissão de produto.
A Anvisa colocou ainda 14 agentes ativos usados em agrotóxicos que se
espalham pelas lavouras brasileiras em reavaliação – muitos deles
inclusive proibidos em outros países como os EUA e alguns Europeus – sob
suspeita de prejuízos à saúde. As empresas do setor entraram na justiça
para impedir a revisão e até o momento quatro elementos foram banidos.
"O problema é que o prazo entre a entrada de um produto novo no
mercado, a constatação dos seus efeitos e a retirada, no caso de ele ser
prejudicial, é muito grande. E os danos à saúde ou mortes causadas
pelos agrotóxicos geralmente são em longo prazo, então fica difícil
provar o nexos de causalidade. Claro que há produtos em que se pode
afirmar isto e é estes que queremos banir”, ressalta Letícia,
complementando que “não há estudos em nenhum lugar do mundo sobre os
efeitos da exposição à mistura de agrotóxicos, mesmo que seja em
lavouras sucessivas”.
Para ela, o que está em cheque é a possibilidade da população decidir
se quer ou não consumir agrotóxico. "Hoje é praticamente impossível
comprar um alimento sem agrotóxico, porque mesmo aqueles que são
produzidos sem mostram índices de contaminação, que está em toda cadeia
alimentar, na água e até no ar”.
Com isso, em 2009, mais de um bilhão de litros de venenos foram
jogados nas lavouras, de acordo com dados do Sindag. O Brasil ocupa o
posto de liderança no consumo desses produtos e, segundo dados do
Movimento de Pequenos agricultores, se dividida a quantidade total de
agrotóxicos utilizados em 2009 pelo número de habitantes do País, cada
pessoa consumiu em média 5,2 kg de agrotóxicos ao longo do ano.
Horacio Martins de Carvalho, engenheiro agrônomo, avalia que este é
um um novo modelo produtivo econômico, político e cultural, em que a
patente dos genes e os Organismos Geneticamente Modificados fazem parte
das estratégias comerciais das empresas para vender pesticidas. “O
consumo mundial de agrotóxicos determina e é determinado pela combinação
do controle privado das patentes de OGM e das fusões das empresas da
área da indústria química”, explica.
Os números corroboram com esta avaliação. A Monsanto, por exemplo,
tem hoje 25% do mercado brasileiro de sementes de hortaliças, segundo
dados levantados pelo professor.
Já um levantamento feito Sérgio Porto, da Conab, mostra que somente
no cultivo de soja, um dos flancos dos transgênicos no Brasil, o uso de
herbicidas passou de 142,16 mil toneladas, em 2005, para 226,82 mil
toneladas no ano passado, um aumento de 60%.
O custeio agrícola seguiu a expansão do uso de herbicidas, passando
de R$ 4,82 bilhões, em 2005, para R$ 8,24 bilhões no ano passado.
“Os dados comprovam que não se usa menos agrotóxicos, nem se gasta
menos, com os transgênicos, como os produtores costumam dizer. Pelo
contrário, o uso de herbicidas, fungicidas e inseticidas só aumentou no
Brasil”, conclui Porto.
O modelo é altamente concentrado: das 149 milhões de toneladas de
grãos na colheita deste ano, 80% é de milho e soja e outros 10% de
arroz. Ou seja, apenas 3 produtos dominam a produção brasileira de
grãos. Isto gera uma insegurança alimentar que pode penalizar toda
sociedade. “São Paulo é o Estado com maior insegurança alimentar em
termos de demanda e oferta, uma vez que a opção pela cana-de-açúcar leva
o Estado a trazer de fora grande parte dos alimentos”, complementa
Porto.
A concentração em poucos produtos é acompanhada de uma concentração
regional na produção. “A transição para um novo modelo é crucial e para
isso a pressão social é necessária. O debate sobre a alimentação
saudável e o modo com se produz deve ser um elemento central na união
das lutas no campo e na cidade”, destaca Porto.
Sem panfleto, ato contra golpismo e baixaria do PiG vira onda
O auditório Vladmir Herzog, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ficou pequeno para as mais de 500 pessoas que participaram, na quinta (23), do ato "contra o golpismo e a baixaria midiática e pela liberdade de expressão", promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Em meio à muvuca, repórteres da Folha, do Estadão e do SBT, entre outros, acompanharam, sem nenhum tipo de restrição, o ato – que estes mesmos veículos haviam acusado de ser “contra a imprensa”.
Do sitio www.vermelho.org.brAltamiro Borges (Miro), o presidente da Barão, leu o documento “Pela ampla liberdade de expressão” e convidados de movimentos sociais e partidos de esquerda deram o seu recado na atividade. O movimento, que começou na internet e não contou com panfletos de mobilização, se tornou uma onda que não para de crescer na rede.
Entre os golpes midiáticos já promovidos em campanhas eleitorais está o de 2006. Lula disputava a reeleição com folga e tudo indicava que ganharia a disputa já no primeiro turno.
Três dias antes da eleição, em 29 de setembro, o Jornal Nacional então decide omitir a queda do avião da Gol, ocorrida às três e meia da tarde por conta de uma colisão com o jato Legacy, para informar mais um de seus factoides fabricados, especialmente, para as eleições: imagens de uma montanha de dinheiro apreendido das mãos de “aloprados” petistas que pretendiam comprar um suposto dossiê anti-tucanos. Claro que até hoje absolutamente nada foi provado sobre esse factoide muito útil para levar a disputa de 2006 para o segundo turno.
O ato desta quinta alerta para esse tipo de movimentação golpista e baixa, ações já bem conhecidas da mídia, especialmente, em retas finais de eleições em que seu candidato não tem mais chances de vencer.
sábado, 25 de setembro de 2010
Cureau, a censora
Mino Carta na Carta Capital
Permito-me sugerir à doutora Sandra Cureau, vice-procuradora-geral da
Justiça Eleitoral, que volte a se debruçar sobre os alfarrábios do seu
tempo de faculdade, livros e apostilas, sem esquecer de manter à mão os
códigos, obras de juristas consagrados e, sobretudo, a Constituição da
República. O erro que cometeu ao exigir de CartaCapital, no prazo de
cinco dias, a entrega da documentação completa do nosso relacionamento
publicitário com o governo federal nos leva a duvidar do acerto de quem a
escolheu para cargo tão importante.
Refiro-me, em primeiro lugar, ao erro, digamos assim, técnico.
Aceitou uma denúncia anônima para proceder contra a revista e sua
editora. Diz ela conhecer a identidade do denunciante, acoberta-o,
porém, sob o manto do sigilo condenado pelo texto constitucional e por
decisões do Supremo Tribunal Federal. Protege quem, pessoa física ou
jurídica, condiciona a denúncia ao silêncio sobre seu nome. Ou seja, a
vice-procuradora comete uma clamorosa ilegalidade.
Há outro erro, ideológico. Quem deveria zelar pela lisura do embate
eleitoral endossa a caluniosa afronta que há tempo é cometida até por
colegas jornalistas ardorosamente empenhados na campanha do candidato
tucano à Presidência. A ilação desfraldada a partir do apoio declarado, e
fartamente explicado por CartaCapital, à candidatura- de Dilma Rousseff
revela a consistência moral e ética, democrática e republicana dos
acusadores, ou por outra, a total inconsistência. A tigrada não concebe
adesão a uma candidatura sem a contrapartida em florins, libras,
dracmas. Reais justificados por abundante publicidade governista.
Sabemos ser inútil repetir que a publicidade governista premia mais
fartamente outras publicações. Sabemos que José Serra, ainda governador,
mas de mira posta na Presidência, assinou belos contratos de compra de
assinaturas com todas as maiores empresas jornalísticas do País, com
exceção, obviamente, da editora de CartaCapital. Sabemos que não é o
caso de esperar pela solidariedade- dos patrões da mídia e dos seus
empregados, bem como das chamadas entidades de classe, sem falar da
patética Sociedade Interamericana de Imprensa. Estas, aliás, se apressam
a apoiar a campanha midiática que aponta em Lula o perigo público
número 1 para a democracia e a liberdade de imprensa.
Nem todos os casos denunciados pela mídia nativa merecem as manchetes
de primeira página, um e outro nem mesmo um pálido registro. É
inegável, contudo, que dentro do PT há uma lamentável margem de manobra
para aloprados de extrações diversas. CartaCapital tem dado o devido
destaque a crimes como a quebra de sigilo fiscal e a deploráveis
fenômenos de nepotismo e clientelismo, embora não deixe de apontar a
ausência das provas sofregamente buscadas pelos perdigueiros da
informação, em vão até o momento, de ligações com a campanha de Dilma
Rousseff.
Vale, porém, discutir as implicações da liberdade de imprensa, e de
expressão em geral. É do conhecimento até do mundo mineral que a
liberdade de informar encontra seus limites no Código Penal. Se o
jornalista acusa, tem de provar a acusação. E informar significa relatar
fatos. Corretamente. Quanto à opinião, cada um tem direito à sua.
Muito me agrada que o Estadão e o Globo em editoriais e, se não me engano,- um colunista tenham aproveitado a sugestão feita por mim na semana passada. Por que não comparar Lula a Luís XIV, além de Mussolini e Hitler? Compararam, para ampliar o espectro da evocação. De ditadores de extrema-direita a um monarca por direito divino, aprazível passeio pela história. Volto à carga: sinto a falta de Stalin, talvez fosse personagem mais afinada com a personalidade de Lula, aquele que ia transformar o Brasil em república socialista. Quem sabe, a tarefa fique para a guerrilheira terrorista, assassina de criancinhas.
Espero ter sido útil, com uma contribuição aos delírios de quem percebe o poder a lhe escorrer entre os dedos. A campanha midiática a favor do candidato tucano não é digna do país que o Brasil merece ser, e sim adequada ao manicômio. Aumenta o clamor de grupelhos de inconformados de uma velha-guarda que não dispensa militares de pijama, todos protagonistas de um espetáculo que fica entre a ópera-bufa e o antigo Pinel. Que tem a ver com liberdade de imprensa acusar Lula e Dilma de pretenderem “mexicanizar”, ou “venezuelizar” o Brasil? Ou enterrar a democracia?
Muito me agrada que o Estadão e o Globo em editoriais e, se não me engano,- um colunista tenham aproveitado a sugestão feita por mim na semana passada. Por que não comparar Lula a Luís XIV, além de Mussolini e Hitler? Compararam, para ampliar o espectro da evocação. De ditadores de extrema-direita a um monarca por direito divino, aprazível passeio pela história. Volto à carga: sinto a falta de Stalin, talvez fosse personagem mais afinada com a personalidade de Lula, aquele que ia transformar o Brasil em república socialista. Quem sabe, a tarefa fique para a guerrilheira terrorista, assassina de criancinhas.
Espero ter sido útil, com uma contribuição aos delírios de quem percebe o poder a lhe escorrer entre os dedos. A campanha midiática a favor do candidato tucano não é digna do país que o Brasil merece ser, e sim adequada ao manicômio. Aumenta o clamor de grupelhos de inconformados de uma velha-guarda que não dispensa militares de pijama, todos protagonistas de um espetáculo que fica entre a ópera-bufa e o antigo Pinel. Que tem a ver com liberdade de imprensa acusar Lula e Dilma de pretenderem “mexicanizar”, ou “venezuelizar” o Brasil? Ou enterrar a democracia?
Mesmo que o presidente não pronuncie sempre palavras irretocáveis,
onde estão as provas desse terrificante projeto? Temos, isto sim, as
provas em sentido contrário: os golpistas arvoram-se a paladinos de uma
legalidade que eles somente ameaçam. A união da mídia já produziu alguns
entre os piores momentos da história brasileira. A morte de Getúlio
Vargas, presidente eleito, a resistência a Juscelino, o golpe de 1964 e
suas consequências 21 anos a fio, sem contar com a oposição à campanha
das Diretas Já. Ou com o apoio maciço à candidatura de Fernando Collor, à
reeleição de Fernando Henrique, às privatizações vergonhosamente
manipuladas.
É possível perceber agora que este congraçamento nunca foi tão
compacto. Surpreende-me, por exemplo, o aproveitamento que o Estadão faz
das reportagens de Veja, citada com todas as letras. Em outros tempos
não seria assim, a família Mesquita tachava os Civita de “argentários”
em editoriais da terceira página. As relações entre os mesmos Mesquita,
os Frias e os Marinho não eram também das melhores. Hoje não, hoje estão
mais unidos do que nunca. Pelo desespero, creio eu.
A união, apesar das divergências, sempre os trouxe à mesma frente
quando o risco foi comum. Ameaça ardilosamente elevada à enésima
potência para justificar o revide pronto e imediato. E exorbitante. A
aliança destes dias tem uma peculiaridade porque o risco temido por eles
é real, a figurar uma situação muito pior do que aquela imaginada até o
começo de 2010. Desespero rima com conselheiro, mas como tal é péssimo.
De sorte que estão a se mover para mais uma Marcha da Família, com
Deus, pela Liberdade. A derradeira, esperamos. Não nos iludamos, no
entanto. São capazes de coisas piores.
Otimista em relação ao futuro, na minha visão vivemos os estertores
de um sistema, mudança essencial ao sabor de um confronto social em
andamento, sem violência, sem sangue. Diria natural, gerado pelo
desenvolvimento, pelo crescimento. Donde, por mais sombrios que sejam os
propósitos dos verdadeiros inimigos da democracia, eles, desta vez, no
pasaran. Eles próprios se expõem a risco até ontem inimaginável. Se
houver chance para uma tentativa golpista, desta vez haverá reação
popular, com consequências imprevisíveis.
Episódio representativo da situação, conquanto não o mais assombroso,
longe disso, é a demanda da vice-procuradora da Justiça Eleitoral para
averiguar se vendemos, ou não, a nossa alma. Falo em nome de uma pequena
redação que não desiste há 16 anos na prática do jornalismo honesto,
pasma por estar sob suspeita ao apoiar às claras a candidatura Dilma.
Sugiro à doutora Sandra que, de mão na massa, verifique também se a
revista IstoÉ recebeu lauta compensação do Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo e Diadema quando o acima assinado em companhia do repórter
Bernardo Lerer, escreveu uma reveladora, ouso dizer, reportagem sobre
Luiz Inácio da Silva, melhor conhecido como Lula, publicada em fevereiro
de 1978. Ou se acomodou-se em uma espécie de mensalão ao publicar oito
capas a respeito da ação de Lula à frente de uma sequência de greves
entre 1978 e 1980. Ou se me locupletei pessoalmente por ter estado ao
lado dele na noite de sua prisão, e da sua saída da cadeia, quando
enquadrado pela ditadura na Lei de Segurança Nacional, bem como nas suas
campanhas como candidato à Presidência da República. Desde o dia em que
conheci o atual presidente da República, pensei: este é o cara.
Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital.
Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de
Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do
jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde.
redação@cartacapital.com.br
Eleições na Venezuela colocam à prova revolução de Chávez
A popularidade do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e de seu
projeto de revolução serão avaliados nas urnas neste domingo, quando
mais de 17 milhões de venezuelanos são esperados nas urnas para definir a
recomposição do Parlamento, governado durante cinco anos por uma
maioria governista.
Há 11 anos no poder, o presidente aposta em sua popularidade para
conseguir votos. "Chávez sabe que estão em jogo as eleições de 2012, que
junta a escolha simultânea para governadores, prefeitos e presidente",
afirmou o analista político Javier Biardeau, professor da Universidade
Central da Venezuela.
Foto: AP
O presidente Hugo Chávez pediu aos eleitores "uma vitória por nocaute" para defender o "socialismo bolivariano"
Durante a campanha, o presidente percorreu vários Estados do país em
caravanas que foram seguidas por milhares de simpatizantes, convertendo
essa eleição parlamentar, mais uma vez, em um plebiscito sobre sua
futura candidatura à reeleição, em 2012, e sobre o projeto de construção
do chamado "socialismo do século 21".
"Imagine se um esquálido (opositor) voltasse a governar em Miraflores
(sede do governo)? Tomariam de volta tudo o que a revolução deu para
vocês, coisa que não é nenhum favor do governo e sim um direito do povo,
de viver com dignidade. Por isso, enquanto Chávez for presidente,
continuarei trabalhando sem descanso com os deputados da revolução",
afirmou o presidente.
Para esse domingo, Chávez pediu a seus simpatizantes "uma vitória por
nocaute" para defender o "socialismo bolivariano". "Não menos de dois
terços (do Parlamento), esse é o calibre da vitória", afirmou Chávez, na
semana passada, durante um comício de campanha.
Pesquisas
De acordo com pesquisas de opinião, a base governista deverá
conquistar a maioria das cadeiras do Parlamento. No entanto, o chavismo
corre o risco de perder a maioria qualificada das 165 vagas em disputa, o
que permitiria à oposição frear a aprovação de leis que permitam
radicalizar o projeto da revolução bolivariana.
Foto: AFP
Eleições legislativas de domingo são cruciais para oposição retomar poder na assembleia
Se o governo conquistar a maioria simples, entre 99 e 109 das vagas no
Parlamento, estará obrigado a negociar com a oposição para a aprovação
de leis orgânicas e nomeação de representação das Cortes dos país. Com
110 parlamentares, o governo alcança a maioria qualificada e poderá
aprovar leis estruturais sem o apoio dos opositores.
"A cifra mágica para a radicalização será 125 deputados. Se consegue
isso tem luz verde para seguir", afirmou Javier Biardeau. Se obtiver
essas 125 vagas - cenário quase improvável de acordo com as pesquisas -,
o governo poderá interpretar este resultado como um sinal de que deve
pisar o acelerador das reformas.
Oposição
A oposição, por sua vez, também vê o pleito legislativo como uma
oportunidade para disputar o poder com o chavismo, na esteira do
descontentamento de alguns setores que antes simpatizavam com o governo.
"Vamos conquistar o que o país está esperando: uma Assembleia
Nacional multicolor, que governe para todos", afirmou o candidato
opositor Julio Borges, membro da Mesa da Unidade Democrática, grupo que
reúne as candidaturas dos partidos opositores.
Para o analista Edgardo Lander, a volta da oposição ao Parlamento
fortalece o sistema democrático representativo do país e fragiliza o
chamado "braço golpista" da oposição, que a seu ver, foi determinante
para levar os legisladores anti-chavistas a se retirarem da disputa
eleitoral de 2005, entregando o controle absoluto da Assembleia Nacional
à maioria governista. "Este grupo descartava por completo a via
eleitoral e o trabalho político. A lógica desse setor era que era
preciso derrubar Chávez e buscar apoio do Departamento de Estado dos
Estados Unidos", afirmou.
Para o analista político Javier Biardeau, o novo Parlamento passará a
ser uma "caixa de ressonância" das diferentes correntes políticas do
país. A seu ver, os parlamentares governistas, que legislaram durante
cinco anos sem adversário político, "terão de reconhecer que há uma
diversidade de forças além do chavismo no Parlamento, que terão voz
política e que, além disso, estarão apoiados por todos os meios de
comunicação privados", afirmou.
Edgardo Lander acredita que a oposição tende a se fortalecer nessas
eleições, porém, considera "pouco provável" que consiga organizar uma
candidatura unitária capaz de fazer frente à liderança do presidente
venezuelano. Esse cenário, no entanto, pode ser alterado, caso a
oposição conquiste uma maior quantidade de votos nas eleições
legislativas em relação ao governo. "Se isso ocorre, pode haver maiores
riscos para a candidatura à reeleição presidencial em 2012, mas ainda
assim, é improvável uma derrota de Chávez", afirmou.
De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral, 150 observadores
internacionais e 60 convidados de partidos políticos estrangeiros
acompanharão o pleito deste domingo. Mais de 12 mil centros de votação
serão protegidos por cerca de 250 mil militares. O voto na Venezuela é
facultativo.
Fonte: BBC - Brasil
Os Indiferentes...
Ótimo texto de Antonio Gramsci, enviado por email pela querida amiga Laura Helena, cuja postura de vida faz a diferença. Uma boa reflexão às vésperas de uma eleição inesquecivel...
Antonio Gramsci
11 de Fevereiro de 1917
Os Indiferentes
11 de Fevereiro de 1917
Odeio
os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que "viver significa
tomar partido". Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade.
Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário.
Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio
os indiferentes.
A indiferença é o peso morto da história*. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.
A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso. Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.
A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.
Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.
Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.
Primeira Edição: La Città Futura, 11-2-1917
Origem da presente Transcrição: Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci"
Tradução: Pedro Celso Uchôa Cavalcanti.
Transcrição de: Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive
Direitos de Reprodução: Marxists Internet Archive (marxists.org), 2005. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License
A indiferença é o peso morto da história*. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.
A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso. Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.
A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.
Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.
Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.
Primeira Edição: La Città Futura, 11-2-1917
Origem da presente Transcrição: Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci"
Tradução: Pedro Celso Uchôa Cavalcanti.
Transcrição de: Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive
Direitos de Reprodução: Marxists Internet Archive (marxists.org), 2005. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License
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