Pesquisa divulgada pelo Datafolha na terça-feira, 28, colocou em
cheque, de novo, a credibilidade do instituto, que já andava baixa.
Dizia que Dilma Rousseff (PT) caíra três pontos percentuais em relação
ao levantamento realizado na semana anterior, quando tinha 49%. O
candidato José Serra (PSDB) teria mantido 28% e Marina Silva (PV),
subido de 13% para 14%.
“Enquanto as pesquisas em geral dão 10% de vantagem para Dilma em
relação à soma dos outros candidatos, o Datafolha deu 4%. Enquanto o
Datafolha cogita o segundo turno, Sensus, Vox Populi e Ibope continuam
jurando que vai dar Dilma no primeiro turno”, disse, em entrevista ao Viomundo, o sociólogo-político Emir Sader. “O mínimo que se pode dizer é que, na margem de erro, está havendo manipulação.”
Ao ser indagado sobre o que faremos até a reta final da campanha,
Emir brincou: “Lexotan”. Depois, falando sério, afirmou: “Quem está
empenhado num candidato, intensificar o trabalho. Mas, sobretudo, tentar
desmentir os boatos, as falsidades que andam espalhando por aí”.
Eis a segunda parte da entrevista que nos concedeu.
Viomundo — Que falsidade o senhor destacaria?
Emir Sader – A mídia está passando uma imagem
platônica da Marina, que não tem nada a ver. Na hora em que teve de
enfrentar uma luta concreta, a Marina ficou contra os povos indígenas.
Emir Sader – Exatamente. O registro de frutas
tropicais da Amazônia feito, com fins comerciais, pela Natura, cujo
presidente [Guilherme Leal] é o vice da chapa verde. A Marina ficou do
lado dele contra os interesses e os saberes naturais dos povos
indígenas, dos povos da Amazônia, ao dizer que a Justiça é que
decidiria.
Tenho dúvidas sobre a “preocupação” ecológica da empresa. Qual a
política salarial dela? Qual a política para exploração dos recursos
naturais? Qual a política da propriedade intelectual? Eu não vejo nada
de significativo na prática social dela, que pudesse ter um caráter
ecológico. A questão ecológica não é só preservar a floresta e os
animais em extinção. Essa visão é muito pobre, reducionista.
Curiosamente, até sair do governo Lula, a Marina era o diabo para a
imprensa. Dizia que ela era quem mais prejudicava os projetos econômicos
com suas picuinhas ideológicas. Essa mesma mídia, agora, exalta a
Marina, numa clara instrumentalização, que ela aceita de bom grado.
Quando se fala da Marina real, do Serra real, aí é que se vê a
verdadeira dimensão deles.
Viomundo – Quem é a Marina real?
Emir Sader – No Fórum Social Mundial, ouvimos o
tempo todo que a questão ecológica é transversal. Ou seja, assim como na
época anterior da esquerda se achava que a questão capital-trabalho
cruzava tudo, a ecologia cruzaria tudo.
Logo, a graça da campanha da Marina seria fazer uma campanha em que
ecologia cruzasse tudo. Só que ela deixou de ter uma agenda própria,
passou a reagir a partir do denuncismo da direita, do bloco
tucano-udenista. Chegou a dizer que a violação dos sigilos bancários da
filha e do genro do Serra provocava fragilidade na sociedade brasileira.
Tomara que fosse essa a nossa fragilidade. Para nós, o que fragiliza a
sociedade brasileira é a violência, o desemprego, a miséria, a
injustiça…
Nessa campanha, Marina só assumiu posições equidistantes do cerne da
questão ecológica. Ela não desenvolveu no governo nem fora uma concepção
ecológica do desenvolvimento. O discurso dela não quer dizer nada.
Ao falar de Belo Monte, por exemplo, ela emenda “mas a energia
limpa…” Só que Belo Monte é energia limpa. A Marina não tem coragem de
se colocar a favor de projetos como Belo Monte, mas também não tem
capacidade de elaborar projetos alternativos. Acho que a Marina é a
falência do movimento ecológico brasileiro.
Viomundo — Mesmo?
Emir Sader – Sim. O discurso dela pode parecer
coerente no papel, mas quando você questiona, é um vazio profundo. O
estado brasileiro como é que vai ser? Qual o modelo desenvolvimento que
propõe? Qual o papel do mercado interno? E da exportação? Como seria a
política externa brasileira? E as políticas sociais?
São questões cruciais sobre as quais ela não tem nada a dizer — nem contra nem a favor do que está sendo feito. Nada.
Peguemos os transgênicos, uma questão grave. O que a Marina tem a
dizer hoje? Vai acabar com eles, com exportação de soja e com a
Monsanto? O discurso dela s acaba sendo um blefe, já que os segmentos
dos transgêncis são totalmente aparelhados pela direita, que hoje a
apóiam.
Está na hora de provar a transversalidade da questão ecológica. Não
vejo nada disso na campanha da Marina. Onde está a questão ecológica,
estruturando o conjunto da plataforma dela? Não tem.
Ela fala em terceira via, mas qual é a política de emprego dela? Qual
a política de salários? Qual a política de crédito? Não tem nada. Ela
não tem nada a dizer nem dos programas essenciais do governo, como o
microcrédito, o Luz para Todos, o crédito consignado. É só blábláblá. O
que aparece, para quem está olhando a campanha, é um esvaziamento da
transversalidade da questão ecológica.
Viomundo – A mesma mídia que apedrejava a Marina, hoje a
enaltece. O Serra nem fala. Para alavancar a candidatura dele e liquidar
a da Dilma, a “grande” imprensa assassinou o jornalismo durante essa
campanha…
Emir Sader — A questão não é ser a favor ou contra o
Lula ou a Dilma. Quando você tem um governo com 80% de aprovação e olha
a imprensa, uma coisa não corresponde à outra. A cobertura não reflete a
formação democrática e pluralista da opinião pública. Eu não queria que
falasse bem, eu gostaria que existisse o pluralismo, os pontos de vista
realmente existentes na sociedade. Por outro lado, no governo Lula,
avançamos pouco na questão mídia.
Viomundo – Que avaliação o senhor faz da política de comunicação do governo?
Emir Sader – Houve um fracasso enorme. Daí a
dificuldade de governar. Se deixou criar um denuncismo, centrado em
escândalos, reais ou não, desproporcional, que acaba falsificando o
próprio debate político, ou seja, o que mudou na sociedade brasileira
para melhor ou para pior. Às vezes dá a impressão de que o governo é um
poço de escândalo. O que não é verdade. Isso se deve ao fracasso da
política de comunicação do governo.
O interessante é que a massa da população sabe dessa manipulação.
Tanto que vota a favor do governo, apesar da mídia. Nós temos de
democratizar, desconcentrar, ainda três coisas fundamentais: o dinheiro,
a terra e a palavra. São monopólios privados. Não haverá sociedade
democrática sem se democratizar essas instâncias.
Viomundo – E o Judiciário?
Emir Sader – É muito ruim que tenha pessoas que se
comportam como o Gilmar Mendes e a doutora Sandra Cureau. Estão tão
empenhados politicamente que desmoralizam ainda mais o Judiciário. São
personagens que refletem a arbitrariedade da Justiça, que deveria ser um
órgão justo. Por isso, a reforma do Estado é fundamental. Acho que o
Judiciário tem de estar submetido a um controle social.
Há alguns dias a Folha, em editorial, disse que todo poder
tem de ter limite. E quem coloca limite no poder mídia monopólica? Quem
coloca limite ao Judiciário?
Isso não vai cair do céu. Tem de ser definido em uma instância
democrática. A doutora Cureau, como disse a Dilma, tem o direito de se
manifestar como cidadã. Mas, ao dizer que o Lula está se empenhando ao
máximo para eleger a Dilma, ela poderia dizer também que a imprensa está
fazendo o máximo para eleger o Serra.
Acho que estão extrapolando o papel do Judiciário. Fazer uma leitura
política de intenções é uma atitude totalmente indevida em relação aos
juízes.
Viomundo – Para terminar, o que representa a eleição deste domingo?
Emir Sader — O que está em jogo é o governo Lula. No
domingo, o povo vai decidir se o governo Lula foi um parêntese e, aí,
as elites tradicionais voltam ao poder. Ou se o governo Lula vai ser uma
ponte para a gente construir um país justo, solidário e soberano,
tarefa que apenas começamos a fazer. Acho que o povo está optando
claramente pela continuação do processo, apesar da direita espernear
através dos seus órgãos da mídia.