Não é de hoje que a agressividade se tornou uma das características
marcantes do serrismo. Na verdade, nem existe serrismo propriamente
dito, e sim um antilulismo radicalizado, que conseguiu transferir para
Dilma todo seu ódio. Todos nós que atuamos na blogosfera política
pertencemos à classe média ou nos relacionamos com ela, e sofremos na
pele essa hostilidade quase fanática que toma conta das pessoas
identificadas com o antilulismo. Ontem fiquei sabendo que a filha de
nove anos um amigo nosso da blogosfera sofreu um "bullying" no colégio
onde estuda, em São Paulo, porque manifestou apoio à Dilma. Seus
coleguinhas perseguiram-na depois da aula, chutaram-na, xingaram-na e
aterrorizaram-na por conta de suas razões políticas. Se isso não é o
início de uma mentalidade fascista, então não sei mais o que é fascismo.
O próprio crescimento econômico e a ascensão social acentuou esse egoísmo, tão natural ao ser humano, que o leva a agarrar-se às suas conquistas com uma espécie de pavor, com medo que o mesmo processo que o levou a ascender socialmente possa beneficiar seus vizinhos. É um sentimento maligno, vil, atrasado, mas perfeitamente humano, e como tal inspirado pelo instinto de sobrevivência. Roma decidiu destruir a bela Cartago apenas pelo medo de que esta ameaçasse sua hegemonia. Os EUA tornaram-se uma grande potência democrática impondo regimes totalitários a seu redor e espalhando miséria. Mesmo as pessoas mais generosas não conseguem resistir a uma pontinha de prazer ao saber do fracasso alheio.
Por isso mesmo, as propagandas do governo sobre as dezenas de milhões de famílias que ascenderam à classe média não comove a maior parte desta mesma classe média. Ela sente, afinal, e com razão, que ascendeu devido a seu próprio esforço e não em virtude das qualidades gerenciais daquela senhora com ar orgulhoso e sobrenome estrangeiro.
E a classe média tradicional propriamente dita não aguenta mais ouvir falar em ascensão social, porque experimenta na pele as consequências danosas desse processo. Até pouco tempo, um filho da classe média conseguia facilmente uma vaga na universidade e depois um cargo nas altas esferas do serviço público. Hoje isso está cada vez mais difícil. Os aeroportos eram vazios e confortáveis. O pobre era invisível, inofensivo, submisso, e agora invade os espaços antes reservados aos do andar de cima. Serviços domésticos custavam uma ninharia, hoje são quase um luxo.
Como cinéfilo que assiste dezenas de filmes por mês, sempre me impressiona o hábito das famílias norte-americanas ou européias de classe média de lavarem suas próprias louças, arrumarem suas casas, cozinharem sua própria comida, porque também assisto a novela das oito na Globo, onde o mundo ainda é radicalmente dividido entre casa grande e senzala, com empregadas de uniforme realizando serviços domésticos mais insignificantes. Os domésticos das novelas da Globo trabalham a qualquer hora do dia e da noite. Já vi cenas em que empregadas (geralmente lindas moças morenas) são acionadas no meio da noite para fazer um "sanduíche". Sem contar que não possuem vida própria. Os autores quase não se preocupam em lhes dar um status de personagem completo. Suas existências apenas giram em torno da vida de seus patrões.
Entretanto, suponho que o Brasil chegou a um estágio em que não dá mais para ficar se comparando aos EUA ou à Europa. Temos que, definitivamente, inventar a nossa própria cultura, aprimorar nossas instituições ao nosso jeito. E as questões morais deverão ser trabalhadas pelos produtores e distribuidores de cultura com mais responsabilidade e mais talento.
Se o egoísmo é inerente ao ser humano, existe uma razão natural para que ele exista. Ele serve à nossa sobrevivência e nos ajuda a nos consolidarmos como indivíduos perante um coletivo muitas vezes massacrante. É sabido como os egoístas e as pessoas sem escrúpulos tem facilidades para vencer na vida que outros não tem. A própria ambição, uma forma de egoísmo, é venerada e premiada hoje como uma virtude. E de certa forma é uma virtude. Sempre foi. Não adianta nos colocarmos no papel de representantes do bem, porque isso seria falso. O mal que permeia a sociedade também está em nós; não fosse assim, seríamos aberrações. A luta contra o mal não é para extirpá-lo, mas para regulá-lo, ponderá-lo, dominá-lo, usar sua energia selvagem a nosso favor e em favor da sociedade.
Esse foi, portanto, a maior deficiência da campanha de Dilma Rousseff, e que poderá inclusive custar-lhe a vitória. Essa falta de compreensão sobre o caráter egoísta (e humano) desta nova classe média, hoje maioria da população brasileira. Ela é ambiciosa. Não quer saber de eliminar a miséria. Ela quer ficar rica, o que também é uma forma de liberdade, talvez a mais efetiva de todas, e para isso não hesitará em incorporar os valores morais e políticos daqueles no alto da pirâmide.
Então entramos novamente no terreno moral. O próprio fato de analistas atribuírem a não-vitória no primeiro turno a fatores religiosos prova que houve uma carência de um discurso moral na campanha, exclusivamente centrada em estatísticas (apesar da emoção nas imagens).
Comparar os governos FHC e Lula, a meu ver, não comove esse vasto eleitorado marinista.
Dilma deveria explicar a essas famílias que a luta contra a pobreza não implica em prejuízo a seus planos de continuar ascendendo socialmente. Pelo contrário. O país crescerá este ano 7%, uma das maiores taxas do mundo. A continuidade desse processo político e econômico ampliará as oportunidades de enriquecimento e independência econômica. Neste ponto se interligam moral e economia. Marina soube falar ao coração da nova classe média e da juventude, cuja ambição pelo dinheiro gera ao mesmo tempo uma atormentada consciência de culpa que se reflete em maior severidade em relação a valores morais, como a ética na política, de um lado, e maior religiosidade, de outro.
Um setor crescente da classe média brasileira não quer mais esperança. Não quer mais assistência estatal. Não quer bolsa família. Não se empolga com R$ 600 de salário mínimo, porque não quer ganhar salário mínimo. Quer conforto, viagens ao exterior, carro e segurança financeira. O governo também proporcionou isso. Mas não soube mostrar na campanha. Ainda há tempo.
O próprio crescimento econômico e a ascensão social acentuou esse egoísmo, tão natural ao ser humano, que o leva a agarrar-se às suas conquistas com uma espécie de pavor, com medo que o mesmo processo que o levou a ascender socialmente possa beneficiar seus vizinhos. É um sentimento maligno, vil, atrasado, mas perfeitamente humano, e como tal inspirado pelo instinto de sobrevivência. Roma decidiu destruir a bela Cartago apenas pelo medo de que esta ameaçasse sua hegemonia. Os EUA tornaram-se uma grande potência democrática impondo regimes totalitários a seu redor e espalhando miséria. Mesmo as pessoas mais generosas não conseguem resistir a uma pontinha de prazer ao saber do fracasso alheio.
Por isso mesmo, as propagandas do governo sobre as dezenas de milhões de famílias que ascenderam à classe média não comove a maior parte desta mesma classe média. Ela sente, afinal, e com razão, que ascendeu devido a seu próprio esforço e não em virtude das qualidades gerenciais daquela senhora com ar orgulhoso e sobrenome estrangeiro.
E a classe média tradicional propriamente dita não aguenta mais ouvir falar em ascensão social, porque experimenta na pele as consequências danosas desse processo. Até pouco tempo, um filho da classe média conseguia facilmente uma vaga na universidade e depois um cargo nas altas esferas do serviço público. Hoje isso está cada vez mais difícil. Os aeroportos eram vazios e confortáveis. O pobre era invisível, inofensivo, submisso, e agora invade os espaços antes reservados aos do andar de cima. Serviços domésticos custavam uma ninharia, hoje são quase um luxo.
Como cinéfilo que assiste dezenas de filmes por mês, sempre me impressiona o hábito das famílias norte-americanas ou européias de classe média de lavarem suas próprias louças, arrumarem suas casas, cozinharem sua própria comida, porque também assisto a novela das oito na Globo, onde o mundo ainda é radicalmente dividido entre casa grande e senzala, com empregadas de uniforme realizando serviços domésticos mais insignificantes. Os domésticos das novelas da Globo trabalham a qualquer hora do dia e da noite. Já vi cenas em que empregadas (geralmente lindas moças morenas) são acionadas no meio da noite para fazer um "sanduíche". Sem contar que não possuem vida própria. Os autores quase não se preocupam em lhes dar um status de personagem completo. Suas existências apenas giram em torno da vida de seus patrões.
Entretanto, suponho que o Brasil chegou a um estágio em que não dá mais para ficar se comparando aos EUA ou à Europa. Temos que, definitivamente, inventar a nossa própria cultura, aprimorar nossas instituições ao nosso jeito. E as questões morais deverão ser trabalhadas pelos produtores e distribuidores de cultura com mais responsabilidade e mais talento.
Se o egoísmo é inerente ao ser humano, existe uma razão natural para que ele exista. Ele serve à nossa sobrevivência e nos ajuda a nos consolidarmos como indivíduos perante um coletivo muitas vezes massacrante. É sabido como os egoístas e as pessoas sem escrúpulos tem facilidades para vencer na vida que outros não tem. A própria ambição, uma forma de egoísmo, é venerada e premiada hoje como uma virtude. E de certa forma é uma virtude. Sempre foi. Não adianta nos colocarmos no papel de representantes do bem, porque isso seria falso. O mal que permeia a sociedade também está em nós; não fosse assim, seríamos aberrações. A luta contra o mal não é para extirpá-lo, mas para regulá-lo, ponderá-lo, dominá-lo, usar sua energia selvagem a nosso favor e em favor da sociedade.
Esse foi, portanto, a maior deficiência da campanha de Dilma Rousseff, e que poderá inclusive custar-lhe a vitória. Essa falta de compreensão sobre o caráter egoísta (e humano) desta nova classe média, hoje maioria da população brasileira. Ela é ambiciosa. Não quer saber de eliminar a miséria. Ela quer ficar rica, o que também é uma forma de liberdade, talvez a mais efetiva de todas, e para isso não hesitará em incorporar os valores morais e políticos daqueles no alto da pirâmide.
Então entramos novamente no terreno moral. O próprio fato de analistas atribuírem a não-vitória no primeiro turno a fatores religiosos prova que houve uma carência de um discurso moral na campanha, exclusivamente centrada em estatísticas (apesar da emoção nas imagens).
Comparar os governos FHC e Lula, a meu ver, não comove esse vasto eleitorado marinista.
Dilma deveria explicar a essas famílias que a luta contra a pobreza não implica em prejuízo a seus planos de continuar ascendendo socialmente. Pelo contrário. O país crescerá este ano 7%, uma das maiores taxas do mundo. A continuidade desse processo político e econômico ampliará as oportunidades de enriquecimento e independência econômica. Neste ponto se interligam moral e economia. Marina soube falar ao coração da nova classe média e da juventude, cuja ambição pelo dinheiro gera ao mesmo tempo uma atormentada consciência de culpa que se reflete em maior severidade em relação a valores morais, como a ética na política, de um lado, e maior religiosidade, de outro.
Um setor crescente da classe média brasileira não quer mais esperança. Não quer mais assistência estatal. Não quer bolsa família. Não se empolga com R$ 600 de salário mínimo, porque não quer ganhar salário mínimo. Quer conforto, viagens ao exterior, carro e segurança financeira. O governo também proporcionou isso. Mas não soube mostrar na campanha. Ainda há tempo.