VERA ROSANE RODRIGUES DE OLIVEIRA no sitio do CPERS
Este artigo tem como preocupação a relevância do combate à discriminação racial através das lutas impelidas pelo Movimento Social Negro Organizado, o qual nos últimos 90 anos privilegia como eixo central de suas reivindicações a educação, enquanto elemento capaz de possibilitar as mudanças de “ideias”, a fim de combater o racismo. Há muito as organizações negras lutam contra a discriminação racial intuitivamente ou não tendo na educação um de seus pilares para sua inclusão no mundo do trabalho. No entanto, é necessário vermos esta questão na perspectiva da sociedade de classes, que utiliza das diferenças sejam elas quais forem, em especial das diferenças raciais, para melhor explorar o conjunto da classe oprimida.
Assim,
com a conotação de que o racismo se constituiu ideologicamente e se
pauta na discriminação racial para criar as desigualdades de
oportunidade e de acesso que dão origem as mais variadas formas de
exploração social, que são percebidas nos campos
econômico/político-jurídico e cultural e que constituem as bases da
dominação e da exclusão social. Neste prisma, deve-se analisar a
educação como parte de um processo ideológico de manutenção da hegemonia
da elite racialmente dominante.
Pois,
como salienta Lia Faria em seu artigo intitulado O papel da Escola no
Processo de reversão (ou eliminação) da exclusão social (1996, p. 9-10):
Longe de ser uma prática desinteressada e neutra, a educação é
um importante instrumento de reprodução social, impondo ao educando o
modo de pensar considerado correto, a maneira ״cientifica˝, ״racional˝,
״verdadeira˝ de se entender e explicar a sociedade, a família, o
trabalho, o poder, bem como os modelos sociais de comportamento, as
formas tidas como corretas de se comportar na família e no trabalho, de
se relacionar com Deus, a autoridade, o sexo oposto, os ״subalternos˝.
Esta
característica de reprodução de comportamentos trazida por Faria é
significativa, principalmente em uma conjuntura onde as demandas por
políticas de combate ao racismo, pautadas pelo Movimento Social Negro,
começam a ver seus limites estruturais. Não importando se sejam elas
políticas educacionais de inclusão como as Cotas e a Lei 10.639 com um
caráter mais pedagógico ou mesmo as que tangem aspectos mais globais
como o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em agosto deste ano de
2010 e que desconstitui ações voltadas para saúde da população negra e
dos Territórios de Quilombos.
A
educação e todo o processo educacional devem ser entendidos enquanto
partícipe em uma análise aprofundada e seu aspecto de manutenção da
ordem discriminatória. Porém, existe uma determinada postura de mudança
que também necessita ser observada, pois o movimento social negro ao
optar como forma de reorganização da luta a educação, aposta na mesma
como instrumento possível à mudança de mentalidade. Segundo Giroux
(1988, p. 32), “a escola é uma das esferas públicas, juntamente com as
associações de classe, sindicatos e partidos, isto é, espaços onde a
sociedade discute e procura soluções para os seus problemas coletivos”.
As
organizações negras há muito já entenderam isso. Mesmo antes do final
da escravidão, o Estado Brasileiro enquanto Instituição já tinha a
preocupação de determinar os critérios de acesso ou possibilidades aos
negros na escola.
O
Decreto nº 1.331 de 17 de fevereiro 1854 proíbe nas escolas públicas do
país a admissão de escravos e prevê a instrução de adultos negros
dependendo da disponibilidade do Professor. Ainda, o Decreto nº 7.031-A,
de 06 de setembro de 1878, estabelece que os negros pudessem estudar no
horário noturno. Teve-se ainda neste período a Lei Eusébio de Queirós,
que aboliu o tráfico negreiro no Brasil, e ao mesmo tempo a Lei que
regulamenta a posse e venda de terras.
Observa-se,
assim, que a desigualdade entre brancos e negros não se deu de forma
particularizada e individualizada, pelas potencialidades dos sujeitos.
Mas se consubstancia por vias institucionais da Coroa Real.
Segundo
Gohn (1995, p. 42), “as revoltas eram constantes, sendo a da Bahia uma
das mais significativas. O apoio à causa da abolição começava a
aparecer, vindo a ser transformado nas décadas seguintes na principal
questão do país”. A história oficial nos induz a crer que as lutas
negras nunca se deram de forma organizada. No entanto, pode-se citar
apenas um dos vários exemplos que retratam o quanto é necessário se
re-estudar a história: em 1857, trinta anos antes da abolição da
escravatura, houve no Rio de Janeiro a primeira Greve de
Escravos-operários do Brasil, Gohn (ibid).
Este
fato é significante, uma vez que a maioria dos acadêmicos, bem como os
militantes sindicais no país, reconhece as lutas organizadas apenas a
partir do anarco-sindicalismo, ou seja, do ingresso da imigração
Italiana.
Problematizar estes elementos dá sentido às indagações levantas pelo Professor Cunha Junior, de
que a produção acadêmica, conta apenas a história dos eurodescendentes,
seja pelos setores mais reacionários ou progressivos da
intelectualidade. Ou como ainda expresso pelo militante trotskista,
James Cânon (2000, p. 03):O movimento socialista anterior [...] jamais
reconheceu a necessidade de um programa especial para a questão do
negro. Esta era considerada pura e simplesmente um problema econômico,
uma parte da luta entre os operários e os capitalistas, a ideia era que
não se podia fazer nada sobre os problemas especiais da discriminação e
desigualdades antes da chegada do socialismo.
Trilhar
o caminho constituído pelo movimento negro até a formulação de que o
Estado tem papel emblemático, através das políticas públicas e ações
afirmativas como forma de reparações aos crimes da escravidão é
fundamental. Em 2001 na III Conferência Internacional Contra o Racismo, a
Discriminação, a Homofobia e todas as formas de Intolerância,
Correlatas, em Durban, na África do Sul, o racismo foi reconhecido como
Crime que Lesa a Humanidade. É preponderante para se perceber a
possibilidade da mudança estrutural das condições de desigualdade
vividas pelos negros.
A
política de cotas em sua formulação atual é um anseio da história
contemporânea. No entanto, tem suas raízes desde as associações de ajuda
mútua do início do século XIX, passando pela Frente Negra Brasileira e o
Teatro Experimental do Negro, a fundação do Movimento Negro Unificado,
em 1978 até a configuração da Lei de Cotas em 2001.
Entender
o papel educativo da luta negra inferindo no papel social da educação é
contribuir no processo de desalienação em que o capitalismo submete a
todos de uma forma indistinta, criando a divisão dos próprios
trabalhadores, seja, pelas questões de exploração de classe através de
salários e condições de trabalho diferenciadas, entre negros e brancos,
homens e mulheres, seja pelas possibilidades de acesso aos recursos
institucionais, como escolas, universidades, trabalho e outros.
Pois,
tanto as relações sociais de produção, e reprodução, como a escola
educam o trabalhador para divisão, e essa divisão gerada é que permite
que o conhecimento científico e o saber prático sejam distribuídos
desigualmente. Assim, também não nos permite entender o processo de
construção das relações sociais e do mundo do trabalho.
Estes
elementos emblemáticos necessitam ser analisados e incorporados ao
espaço da sala de aula, visto ser premente políticas públicas e ações
afirmativas como cotas nas universidades, nos serviços públicos, salário
igual para trabalho igual, a real implementação da Lei 10.639 ou mesmo a
re-discussão de um Estatuto da Igualdade Racial que leve em
consideração não apenas os termos raça, racial, escravidão e
discriminação que foram abolidos, mas que reveja recursos para implementação de todas as ações necessárias principalmente na educação.
VERA ROSANE RODRIGUES DE OLIVEIRA é doutaranda em Educação/UFRGS
VERA ROSANE RODRIGUES DE OLIVEIRA é doutaranda em Educação/UFRGS