segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Crise neoliberal e sofrimento humano

Leonardo Boff  no Portal do PSOL 
Leonardo BoffLeonardo BoffO balanço que faço de 2010 vai ser diferente. Enfatizo um dado pouco referido nas análises: o imenso sofrimento humano, a desestruturação subjetiva especialmente dos assalariados, devido à reorganização econômico-financeira mundial.
Há muito que se operou a "grande transformação"(Polaniy), colocando a economia como o eixo articulador de toda a vida social, subordinando a política e anulando a ética. Quando a economia entra em crise, como sucede atualmente, tudo é sacrificado para salvá-la. Penalisa-se toda a sociedade como na Grécia, na Irlanda, em Portugal, na Espanha e mesmo dos USA em nome do saneamento da economia. O que deveria ser meio, transforma-se num fim em si mesmo.
Colocado em situação de crise, o sistema neoliberal tende a radicalizar sua lógica e a explorar mais ainda a força de trabalho. Ao invés de mudar de rumo, faz mais do mesmo, colocando pesada cruz sobre as costas dos trabalhadores. Não se trata daquilo relativamente já estudado do "assédio moral", vale dizer, das humilhações persistentes e prolongadas de trabalhadores e trabalhadoras para subordiná-los, amedrontá-los e, por fim, levá-los a deixar o trabalho. O sofrimento agora é mais generalizado e difuso afetando, ora mais ora menos, o conjunto dos países centrais. Trata-se de uma espécie de "mal-estar da globalização" em processo de erosão humanística.
Ele se expressa por grave depressão coletiva, destruição do horizonte da esperança, perda da alegria de viver, vontade de sumir do mapa e até, em muitos, de tirar a própria vida. Por causa da crise, as empresas e seus gestores levam a competitividade até a um limite extremo, estipulam metas quase inalcançáveis, infundindo nos trabalhadores, angústias, medo e, não raro, síndrome de pânico. Cobra-se tudo deles: entrega incondicional e plena disponibilidade, dilacerando sua subjetividade e destruindo as relações familiares. Estima-se que no Brasil cerca de 15 milhões de pessoas sofram este tipo de depressão, ligada às sobrecargas do trabalho.
A pesquisadora Margarida Barreto, médica especialista em saúde do trabalho, observou que no ano passado, numa pequisa ouvindo 400 pessoas, que cerca de um quarto delas teve idéias suicidas por causa da excessiva cobrança no trabalho. Continua ela: "é preciso ver a tentativa de tirar a própria vida como uma grande denúncia às condições de trabalho impostas pelo neoliberalismo nas últimas décadas". Especialmente são afetados os bancários do setor financeiro, altamente especulativo e orientado para a maximalização dos lucros. Uma pesquisa de 2009 feita pelo professor Marcelo Augusto Finazzi Santos, da Universidade de Brasília, apurou que entre 1996 a 2005, a cada 20 dias, um bancário se suicidava, por causa das pressões por metas, excesso de tarefas e pavor do desemprego. Os gestores atuais mostram-se insensíveis ao sofrimento de seus funcionários, acrescentando-lhes ainda mais sofrimento.
A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de três mil pessoas se suicidam diariamente, muitas delas por causa da abusiva pressão do trabalho. O Le Monde Diplomatique de novembro do corrente ano, denunciou que entre os motivos das greves de outubro na França, se achava também o protesto contra o acelerado ritmo de trabalho imposto pelas fábricas causando nervosismo, irritabilidade e ansiedade. Relançou-se a frase de 1968 que rezava:"metrô, trabalho, cama", atualizando-a agora como "metrô, trabalho, túmulo". Quer dizer, doenças letais ou o suicídio como efeito da superexploração capitalista.
Nas análises que se fazem da atual crise, importa incorporar este dado perverso que é o oceano de sofrimento que está sendo imposto à população, sobretudo, aos pobres, no propósito de salvar o sistema econômico, controlado por poucas forças, extremamente fortes, mas desumanas e sem piedade. Uma razão a mais para superá-lo historicamente, além de condená-lo moralmente. Nessa direção caminha a consciência ética da humanidade, bem representada nas várias realizações do Forum Social Mundial entre outras.

Leonardo Boff é autor de Proteger a Terra-Cuidar da vida:como evitar o fim do mundo, Record 2010

Como funcionam as rádios comunitárias na Venezuela? Confira a reportagem

“Nós somos a expressão da liberdade”, define Carlos Lugo, coordenador da rádio Negro Libre Primero (101,1 FM), numa manhã de domingo em Caracas. É com este espírito ideológico que as mais de 244 rádios comunitárias da Venezuela atuam, acreditando na força do meio de comunicação para promover a tão desejada transformação socialista no país.

Desde o fracassado golpe de Estado promovido pela oposição em 2002, o ex-general militar Hugo Chávez difunde sua ideologia política, principalmente, pelos meios de comunicação públicos, como o jornal Ciudad CSS, a emissora Telesur, a Radio Nacional de Venezuela, entre outros.
Locutores na rádio Ali Primera (crédito: Maísa Tomaz)
Rádios comunitárias
O processo “revolucionário”, que, segundo os chavistas, a Venezuela atravessa, tem apoio massivo das rádios comunitárias, com transmissão sustentada pelo eleitorado mais fervoroso do presidente, as classes baixas.

Estas rádios comunitárias, em grande parte, possuem como principal objetivo a propagação dos ideais socialistas do bolivarianismo, os quais se valem da concepção de que os países latino-americanos devem emancipar-se da dependência do capital norte-americano e europeu, nações que, na visão de Hugo Chávez, exploram a classe trabalhadora por intermédio das super lucrativas multinacionais.

“Nós somos revolucionários, acreditamos que para construir uma sociedade mais justa há de se trabalhar, formar as pessoas, nos prepararmos. Neste momento, apoiamos o projeto do presidente Chávez porque, ainda que não seja o governo que sonhamos, é o que mais se assemelha ao que sempre nós sonhamos”, declara o coordenador editorial Yaarabid Gomez, da rádio Ali Primera (98.3 FM).

O fato é que, na prática, as comunidades adquiriram voz própria e liberdade para comunicar não apenas os ideais socialistas do bolivarianismo, mas também o que é de interesse coletivo do bairro. A rádio tornou-se um meio alternativo que na sua essência socialista transcende o simples “informar”, ela surge como uma necessidade de comunicação entre os moradores, como é a história da Negro Libre Primero, localizada em um antigo prédio de três andares na periferia de Caracas.

“No ano de 2002, em meio ao golpe de Estado e greve do petróleo, o cidadão pobre que vinha a este posto (à frente da rádio) não poderia comprar a gasolina barata ou comprar o gás na bodega da esquina. Todos estes elementos a oligarquia mandou fechar, e as pessoas não sabiam onde poderiam buscar estes produtos. Foi então que começamos a perceber que estávamos sem comunicação”, relembra o também apresentador Carlos Lugo.
Rádio Negro Libre Primero realiza projetos sociais (Crédito: Renan Justi)
Outras iniciativas
Para quem é morador da comunidade La Candelaria, onde é sintonizada a Negro Libre Primero, existe o que eles chamam de processo de desenvolvimento social.  Graças à radio, a comunidade dispõe de iniciativas sociais e projetos de capacitação profissional. “Estes cursos (carpintaria, construção e costura) são preparatórios para estabelecermos grandes redes coletivas, onde todos podem compartilhar e ser donos daquilo que produzimos”, declara Lugo.

As novas instalações da rádio mostram que o próximo passo, como já está sendo construído, será a criação de uma padaria e açougue dentro do prédio da rádio, onde as pessoas irão aprender a produzir o que elas precisam consumir e, inclusive, adquirir mantimentos por preços menores, desprendendo-se do consumismo capitalista.

A moradora do bairro, Pátria América Zapata, que participa das aulas de costura, busca no passado a explicação para o processo “revolucionário-socialista” que a Venezuela chavista almeja há tanto tempo. “Estamos aqui hoje, data 9 de outubro, dia importante para todos, morte de Ernesto Che Guevara. E aqui, na rádio, enquanto abrimos estes projetos de formação e capacitação, fazemos honra a Che.” E complementa sobre o ambiente de igualdade: “O bom daqui é que todos sabemos e todos vamos aprender”, afirma Zapata.
Rádio Pérola define programação com a comunidade (Crédito: Maísa Tomaz)
Conteúdo colaborativo
Como decreta o governo ao sancionar a livre atuação dos meios alternativos (Lei Orgânica de Telecomunicação, de 2000), o conteúdo dos programas exibidos nas rádios é decidido de forma participativa entre quaisquer membros engajados da comunidade e produtores, construindo-se um laço de identificação com o material que vai ao ar.

É com base nesta lei que a rádio Perola (92.3 FM), instalada no piso térreo de um prédio residencial, define sua linha editorial. Sua programação é produzida com responsabilidade, centralizada nas questões que envolvem o bem social de quem vive no bairro Caricuao. Um exemplo é o programa “Em Família”, apresentado por Cristel Arrellano, funcionária do Ministério da Educação da Venezuela, que orienta os pais sobre como melhorar a qualidade de vida da população infantil, abordando temas ligados à saúde e educação.

A iniciativa de organizar um programa com estes temas surgiu a partir do alto número de jovens grávidas que despontou na comunidade. “Temos anos e anos lutando e trabalhando por isto, que para nós significa um projeto de vida, um sonho realizado por ajudar muitíssimas pessoas que não tem tantas alternativas”, revela Arellano.
Rádios funcionam na periferia de Caracas e comunidade ajuda a manter emissoras (Crédito: Renan Justi)
Meio alternativo
Um fator decisivo para o nascimento das rádios comunitárias foi a falta de identificação com os meios de comunicação privados, por não se sentirem representados por um conteúdo produzido pelas classes mais abastadas. “Hoje e ontem, os meios de comunicação privados tentam monopolizar as rádios. Surgimos, então, por uma necessidade de sermos escutados, das pessoas poderem dizer o que pensam, afinal, as comunidades também têm o direito de expressar-se sem comercializar o meio”, diz Marcos Flores, colaborador da Perola, sobre a democratização comunicacional do país.

Embora haja apoio incontestável dos meios comunitários às campanhas do presidente Chávez, mantido no poder há 12 anos, não há qualquer recompensa financeira por parte do governo. O sustento da rádio Ali Primera, montada dentro da Universidade Simón Rodriguez, é sacado do bolso de cada produtor, que colaboram mensalmente com 20 bolívares fortes, o equivalente a 8 reais. O coordenador Yaarabid esclarece este procedimento ao ilustrar como eles, moradores do bairro El Valle, conseguiram dinheiro para um novo equipamento. “Aqui sequer fazemos publicidade institucional. Em 2002, o CD player da rádio foi danificado e tivemos que vender nossa moto para comprar um novo”, revela.

Se as recentes eleições legislativas, em setembro, na Venezuela apontaram uma queda de prestígio do partido de Chávez (PSUV) perante os venezuelanos, Yaarabid mantém um discurso fiel e coerente à ética socialista, mas com ressalvas. “Nós acreditamos neste processo revolucionário porque estamos comprometidos com o próprio princípio moral, nossa forma de pensar, independente se Chávez preste algum apoio econômico”, finaliza.

O novo procurador geral do Estado do Rio Grande do Sul e o trabalho escravo


Por Jacques Távora Alfonsin

O novo governador do Rio Grande do Sul escolheu Carlos Henrique Kaipper (foto) como procurador geral do Estado. Alguns testemunhos do passado de quem assume, agora, a coordenação do serviço público da Procuradoria, abre expectativas bem diferentes entre os gaúchos, se o critério de defesa dos direitos humanos fundamentais da população pobre do nosso Estado decidir sobre o mérito dessa escolha. Enquanto ela, quase certamente, está animando essa multidão, leva muita preocupação e desconfiança àquele poderoso segmento latifundiário, contrário à reforma agrária e acostumado a camuflar como “produtividade rural”, exceções a parte, a manutenção perversa do trabalho escravo.
Kaipper integrou o quadro de advogados do Ministério de Desenvolvimento Agrário. Em 2004, quando participava da II jornada de debates sobre trabalho escravo, cuja abertura contara com pronunciamento do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ele falou sobre esse crime, o modo como um tal tipo cruel de exploração de trabalhadoras/es pobres e ignorantes se dá no Brasil, sua inconstitucionalidade frente ao regime do país, os meandros por onde a bancada ruralista e a CNA consegue impedir, vergonhosamente, o andamento de qualquer projeto de lei capaz de punir essa injustiça, inclusive com a perda da propriedade da terra onde ela se perpetra.
Disponível na internet (II Jornada de debates sobre trabalho escravo), o seu discurso revela bem mais do que o perfil competente do advogado, particularmente daquele que lida com a defesa do Direito público e Social. Auditório acostumado com aquelas lições modorrentas de doutrina e jurisprudência, tão aborrecidas quanto alheias e distantes da dura realidade de injustiça social e pobreza, sob as quais vive todo um povo de párias no interior do Brasil, ficou perplexo quando o orador bradou: “Doutor, por mim não preciso receber um tostão. Só quero que me tirem daqui, pelo amor de Deus, pra que eu possa voltar para a minha família.”
Era a desesperada queixa que um trabalhador rural, submetido ao regime de escravidão, tinha feito ao Kaipper numa das suas visitas a um latifúndio onde os órgãos de fiscalização federal detectara esse crime hediondo. A lembrança dramática do fato, denunciada com indignação pelo, hoje, novo procurador geral do Estado, revela três diferenças relevantes sempre presentes entre advogadas/os, juízas/es, promotoras/es, gente enfim que lida com as leis e o direito, conforme a concepção de justiça de cada um/a.
A primeira relacionada com as gentes, o lugar e o tempo de onde partem os seus juízos sobre a realidade. Quando esses reduzem a sua visão dos fatos, filtrada apenas através da lei, por sua vez gestada em passado distante e atrasado, quando se negam ao contato epidérmico com o povo e os lugares onde serão sentidas e sofridas as suas conseqüências, cede a preconceitos tradicionais, “explicativos” de desigualdades sociais, é insensível a urgências, atrasa providências e a injustiça é certa.
A segunda relacionada com o sentido de exercício do poder público. Quando esse se baseia no cálculo interesseiro de como “subir”, submisso apenas a conveniências político partidárias casuísticas da hora, com medo de desagradar, ou confundindo o egoísmo corporativista com valorização de carreiras, medindo tudo pelo tamanho da remuneração a ser paga, ignora suas responsabilidades, fica imune à crítica, à auto-crítica, e a injustiça é certa.
A terceira relacionada com as referências de exercício do poder público. Esse tem uma tendência histórica de inverter sua obrigação de servir pela de dominar. Quando perde a noção de que a sua origem não se encontra na cabeça do indivíduo que o exerce, mas somente se justifica em função do mandato democrático que o constitui, fazendo passar por assunção de encargos a autoridade do argumento em lugar do argumento de autoridade, a injustiça é certa.
Pelo testemunho público do Kaipper naquela II Jornada, parece que nem o povo ao qual ele vai servir, nem as/os procuradoras/es que vai liderar, nem o governador que o nomeou, precisam temer, pois o novo procurador demonstra conhecer bem as tais diferenças.
A Procuradoria Geral, como a sua própria denominação autoriza confiar, somente se explica e justifica, na medida em que anda a procura. Movimentar-se, pois, agir, fazer, para ela não significa mera hipótese. No caso da defesa do Estado, democrático e de direito como previsto na Constituição Federal, outra prioridade nessa busca não pode e não deve existir que não seja a de garantir as condições de dignidade e cidadania do nosso povo, pois essa é a principal razão de ser do Estado.
Enquanto os direitos humanos fundamentais sociais que as expressam ficarem dependentes, apenas, da burocracia administrativa ou das decisões dos tribunais, a escravidão contra a qual o Kaipper se insurge terá somente mudado de lugar, (proporções e exceções ressalvadas), pois tanto a primeira, como as últimas não são fins em si, não passam de meios, de apoio às garantias de vida e liberdade para todo o povo.
Pobreza, miséria, falta de educação, saúde e segurança, entre outras realidades desafiadoras da nova administração pública do Estado, não deixam de ser formas outras de escravidão. O passado recente dessa mesma administração não percebeu isso com o cuidado e a urgência de a tais problemas se dar resposta oportuna e eficiente.
Mesmo respeitados os limites de competência constitucional da Procuradoria Geral do Estado, a escolha do coordenador da relevante prestação de serviço reservada àquele Órgão Público, feita pelo governador Tarso Genro, apóia dois dos mais importantes sentimentos do povo que elegeu o novo governo do Estado: a confiança depositada em suas virtudes e a esperança de que a sua escolha não foi feita em vão.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Autoridades do Irã permitem visita de Sakineh à família


Sakineh Ashtiani e seu filho, Sajjad Ghaderzadeh, reunidos em Tabriz (Reuters)
Sakineh se reuniu com o filho e com jornalistas em Tabriz
Sakineh Mohammadi Ashtiani, a iraniana acusada de adultério e condenada à morte por apedrejamento visitou os filhos na cidade de Tabriz, noroeste do Irã.
As autoridades do país deram a Sakineh a permissão para o que eles chamaram de "visita fora da prisão", para um jantar com os filhos.
A iraniana se reuniu com seu filho e filha em Tabriz com a presença de jornalistas, que assistiram também a imagens de Sakineh e seu filho, Sajjad Ghaderzadeh, jantando e conversando calmamente em uma casa da cidade.
Sakineh também afirmou aos jornalistas que não foi torturada na prisão.
"São boatos", disse.
"Qualquer entrevista que eu tenha dado até agora, foi voluntariamente. Ninguém me obrigou. Falei o que queria", acrescentou.
O caso de Sakineh ganhou destaque internacional quando foi revelado há alguns meses que ela seria executada por apedrejamento, devido à acusação de adultério. A execução ocorreria depois que os pedidos de clemência da iraniana foram rejeitados.
Depois de muita pressão internacional, as autoridades iranianas afirmaram que a sentença de apedrejamento determinada em 2006 tinha sido suspensa, mas ela ainda enfrentaria a sentença de morte pelo assassinato do marido.
Pedido
O filho de Sakineh pediu que as autoridades do país não a executassem.
Sajjad Ghaderzadeh afirmou que a família já tinha perdido o pai e não quer perder também a mãe.
Ghaderzadeh foi preso em outubro e libertado depois do pagamento de fiança, pois conversou com dois jornalistas alemães sobre o caso de sua mãe. Os dois jornalistas também foram presos em Tabriz, em outubro, depois da entrevista.
O governo iraniano afirma que os dois, identificados apenas como um repórter e um fotógrafo, admitiram que violaram as leis iranianas.
No encontro com seus filhos e com os jornalistas Sakineh afirmou que planeja processar os dois jornalistas e acrescentou que eles a "constrangeram".
"Tenho uma reclamação a respeito dos dois alemães que me constrangeram", disse a iraniana. "Por que eles vieram aqui? Por que eles vieram aqui e se fingiram de jornalistas?"

Trabalho escravo: "Lista suja" inclui 88 novos empregadores


Atualização semestral chama atenção tanto pela quantidade de empregadores incluídos (88) como pela variada gama dos mesmos - em termos do conjunto de regiões do país e dos diversos setores econômicos em que atuam

Por Maurício Hashizume no Reporter Brasil

A atualização semestral da "lista suja" do trabalho escravo deste final de ano incluiu 88 novos empregadores e soma agora 220 infratores. Antes da alteração, o cadastro oficial mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tinha 147 nomes. Com a mudança promovida nesta sexta (31), juntamente com as significativas inserções, foram excluídos 16 pessoas físicas e jurídicas que cumpriram os dois anos na relação e mais uma única empresa (Energética do Cerrado Açúcar e Álcool Ltda.) foi adicionada por conta de queda de liminar judicial que a mantinha fora da lista.

Além da quantidade de novos empregadores incluídos (88), chama a atenção a variada gama dos mesmos - tanto em termos dos variados estados e da totalidade dos regiões do país em que estão espalhados como no que diz respeito aos mais diversos setores econömicos em que atuam.

Entraram para a "lista suja" desde tradicionais pecuaristas, carvoeiros, canavieiros e sojicultores até produtores de milho, cebola, tomate, café, erva-mate, algodão e pinhão-manso. Empresas de extrativismo vegetal (corte de eucalipto e pinus, bem como coletores de látex) e mineral. Também estão presentes agentes da área da construção civil e da siderurgia.
Divisão por UF dos 88 infratores incluídos na "lista suja"
1. Pará (PA)..........................24
2. Mato Grosso (MT)...............10
3. Mato Grosso do Sul (MS)......9
4. Santa Catarina (SC)............7
5. Piauí (PI)...........................6
6. Goiás (GO).........................5
    Maranhão (MA)...................5
8. Rio Grande do Sul...............4
    Paraná (PR).......................4
9. Tocantins (TO)....................3
    Ceará (CE).........................3
    Espírito Santo (ES)..............3
12.Bahia (BA).........................2
    Minas Gerais (MG)...............2
14.Rondônia (RO)...................1
O Pará aparece em destaque, com 24 inclusões. O segundo lugar é do Mato Grosso, com 10; seguido pelo Mato Grosso do Sul, com 9. Na sequência, aparece Santa Catarina (com 7 casos), Piauí (6), e Goiás com Maranhão (ambos com 5). Rio Grande do Sul e Paraná apresentam 4 registros cada. Tocantins, Ceará e Espírito Santo (todos os três com 3 casos); Bahia e Minas Gerais (dois registros cada) e Rondônia (com um caso) completam a divisão dos novos nomes que constam da "lista suja" de acordo com a divisão pelos estados da nação.

Marcadas pela expansão da fronteira agropecuária, Norte e Centro-Oeste aparecem com destaque na comparação entre regiões. Do total, 28 dos novos integrantes da lista foram flagrados no Norte (Pará, Tocantins e Rondônia). Outros 24 mantinham trabalho escravo no Centro-Oeste (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás). O Nordeste somou 16 nomes (em decorrência de ocorrências na Bahia, no Ceará, no Maranhão e no Piauí), acompanhado pelo Sul (15) e pelo Sudeste (5).

Inclusões e Exclusões da "Lista Suja" do Trabalho Escravo
Entraram em 31/12/2010
Adão de Góes - 592.275.599-49
Ademar Teixeira de Barros - 193.494.086-00
AG Construtora Ltda. ME - 08.715.574/0001-58
Agostinho Zarpellon e Filhos S.A. Ind. E Comércio - 78.141.843/0001-03
Agroflorestal Tozzo S.A. - 02.298.006/0002-01
Agropecuária Corumbiara S/A - 04.418.398/0001-31
Agropecuária São José Ltda. 03.141.488/0001-65
Agrovale Cia. Industrial Vale do Curu - 07.798.994/0001-82
Airton Fontenelle Rocha - 026.711.583-00
Airton Rost de Borba - 336.451.750-91
Aloísio Miranda Medeiros - 871.560.406-34
Antônio Assunção Tavares - 049.302.073-04
Antônio Carlos Martin - 339.534.147-04
Antônio Feitosa Trigueiro - 028.607.833-34
Ari Luiz Langer - 300.237.779-15
Bioauto MT Agroindustrial Ltda. - 08.645.222/0002-54
Brochmann Polis - Industrial e Florestal S.A. 83.750.604/0001-82
Carla Ezequiela Tiunilia Tavares Diniz Lemos Melo - 571.146.411-68
Carlos Fernando Moura & Cia. Ltda. - 00.110.581/0001-14
Carvoaria Santa Lúcia Ltda. ME - 09.606.470/0001-78
Cleber Vieira da Rosa & Cia. Ltda. - 09.025.835/0001-70
Construtora Lima e Cerávolo Ltda. - 02.683.698/0001-12
Darci Antônio Marques - 542.626.408-25
Dario Sczimanski - 026.596.899-20
De Bona e Marghetti Ltda. - 06.027.636/0001-03
Délio Fernandes Rodrigues - 288.135.531-53
Derimácio Maciel Soares - 385.433.971-20
Dissenha S/A Indústria e Comércio - 81.638.264/0007-62
Edésio Antônio dos Santos - 130.382.903-78
Edil Antônio de Souza - 368.373.851-00
Edson Gomes Pereira - 523.172.503-04
Edson Rosa de Oliveira - 158.863.938-03
Elcana Goiás Usina de Álcool e Açúcar Ltda. - 08.646.584/0001-89
Ervateira Regina Ltda - 84.585.470/0001-54
Espedito Bertoldo de Galiza - 066.925.083-04
Eujácio Ferreira de Almeida - 479.534.627-53
Fabiano Queiroz - 876.184.946-49
F. L. da Silva Carvoaria - 04.888.353/0001-20
Gilmar Gomes - 10.250.105/0001-52
Gilmar Toniolli - 475.888.700-44
Ind., Com. e Representações Família Betel Ltda. - 12.317.202/0001-40
Imfisa - Infinity Itaúnas Agrícolas S/A. - 39.403.274/0001-67
Isaías Alves Araújo - 257.529.951-91
Jaime Argollo Ferrão - 139.730.618-15
João de Araújo Carneiro - 001.284.653-87
João Dilmar Meller Domenighi - 262.332.070-53
João Ribeiro Guimarães Neto - 127.367.591-68
Joel Pereira Corrêa - 022.756.941-53
José Carlos Castro dos Santos - 345.160.185-00
José Carlos Pereira da Silva - 858.232.449-91
José Celso do Nascimento Oliveira - 256.803.665-68
José de Oliveira Lima - 110.902.001-53
José Egídio Quintal - 011.739.109-30
José Silva - 008.067.734.-72
JR2 Construtora Ltda. - 04.247.681/0001-48
Landualdo Silva Santos - 375.838.832-53
Libra Ligas do Brasil S.A. - 10.500.221/0001-82
Madecal Agro Industrial Ltda. - 83.053.777/0002-22
Magno Rodrigues de Souza - 873.741.022-91
Manoel Luiz de Lima - 117.134.109-15
Nelcimar Borges do Prado - 039.738.081-04
Nelson Donadel* - 008.042.230-68
Nutrivale Madeiras e Erva-Mate Ltda. 75.144.139/0001-08
Onofre Marques de Melo - 050.043.141-87
Osmar Alves dos Santos - 031.447.631-87
Pedro Ilgenfritz 007.355.541-02
Peris Vieira de Gouvêa - 214.527.257-72
Ramilton Luis Duarte Costa 745.079.823-91
Realsul Reflorestamento Américas do Sul Ltda. - 77.585.701/0001-64
Repinho Reflorestadora Madeiras e Compensados Ltda. - 82.196.510/0001-40
Ricardo Peralta Pelegrine - 06.916.320/0001-72
Roberto Sebastião Pimenta 223.128.116-34
Ronaldo Garcia Pereira - 427.359.632-68
Rotavi Industrial Ltda. - 59.591.974/0014-54
Samarone de Freitas - 827.977.571-49
Sebastião Levi de Carvalho - 011.690.681-20
Sebastião Marques da Silva - 097.955.612-00
Sinomar Pereira de Freitas - 061.306.901-34
Transcarmo Transporte de Combustíveis Ltda. - 24.884.516/0001-80
Usina Fortaleza de Açúcar e Álcool - 05.935.048/0001-05
Valdemar Rodrigues do Vale - 092.315.011-00
Valdivino Barbosa da Silva - 268.106.702-20
Valnei José Queiroz - 664.920.410-20
Valtenir João Rigon - 680.445.349-20
Vanil Martins Sampaio - 068.305.606-91
Von Rommel Hofmann Peixoto - 001.693.997-29
Wanderley Rabelo de Andrade - 376.882.436-53
Welson Moreira da Luz - 680.881.082-68
Saíram em 31/12/2010
013.202.708-91 - Adolfo Rodrigues Borges 
035.406.423-15 - Antônio José Assis Braide 
427.352.541-00 - Benedito Neto de Faria 
452.361.006-15 - Daniel de Paiva Abreu 
07.617.675/0002-04 - Ecofértil Agropecuária Ltda. 
402.456.832-91 - Fábio Oliveira Ribeiro
26.830.240/0001-07 - Fatisul Indústria e Comércio de Óleos Vegetais Ltda.
061.664.905-34 - Flávio Orlando Carvalho Mattos 
021.651.635-87 - José Rodrigues dos Santos 
181.929.206-15 - Marco Antônio Andrade Barbosa
087.860.918-08 - Paulo Rogério Sumaia
131.447.406-59 - Raimundo Nonato de Pinho Filho 
07.674.312/0001-20 - Reflorestar Com. Atacadista de Produtos Florestais Ltda. 215.712.607-49 - Romildo Contarini 
072.967.381-20 - Sebastião Cabral Moreira Guimarães 
000.285.769-34 - Valdir Bueno de Faria 

A atualização desta sexta (31) consiste na última realizada no governo Lula e a maior em número de entradas. Esse grande volume de inclusões está diretamente vinculado ao grande número de estabelecimentos inspecionados entre 2007 a 2009 (206, em 2007; 301, em 2008; e 350, em 2009). 

O período existente entre as libertações e a entrada efetiva do empregador na "lista suja" é marcado pelo processo administrativo dentro do MTE, que inclui o direito de defesa por parte do fiscalizado. Nesse intervalo, o número de pessoas libertadas, de acordo com a pasta responsável dentro do governo federal, foi de 3.769 em 2009; 5.016 em 2008; e 5.999 em 2007.
A "lista suja" é reconhecida internacionalmente como um dos principais instrumentos no combate ao crime de trabalho escravo no Brasil. A pressão decorrente da inclusão no cadastro se dá por parte da opinião pública e da repressão econômica.

Após a inclusão do nome do infrator na "lista suja", instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste e o Bancon Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) suspendem a contratação de financiamentos e o acesso ao crédito. Bancos privados também estão proibidos de conceder crédito aos relacionados na lista. Quem é nela inserido também é submetido a restrições comerciais e outros tipo de bloqueio de negócios por parte das empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

O nome da pessoa física ou jurídica incluída permanece na relação por pelo menos dois anos. Durante esse período, o empregador deve garantir que regularizou os problemas e quitou suas pendências com o governo e os trabalhadores. Caso contrário, permanece na lista.

sábado, 1 de janeiro de 2011

A chama ardente da Revolução Cubana


Cuba põe à prova o talento político de seu povo, a confiança nas transformações econômicas necessárias e as virtudes de sua causa centenária para manter ardente e pura a chama de sua Revolução


Por Marta Denis Valle no Portal Vermelho

O primeiro território livre da América, de crianças saudáveis e com escolas, aposta agora no estabelecimento de uma dinâmica política, econômica e social capaz de avançar a novas etapas e tornar, na prática, o socialismo irrevogável.

Cuba preservará suas conquistas sobre o acesso à assistência médica, a educação, a cultura, o esporte, a recreação, a seguridade social e a proteção, mediante a assistência social às pessoas que dela necessitem.

O socialismo, é a única garantia para continuar sendo livres e independentes; primará a planificação e não o mercado.

Nas complexas condições do mundo de hoje, Cuba continua reafirmando sua opção socialista, expressada na carta constitucional, e em um ambiente de debates pelo consenso nacional, propõe-se a atualização de seu modelo econômico.

A consulta popular, carta de trunfo da Revolução Cubana em cada momento, retoma seu protagonismo.

Com a opinião de cada deputado na Assembleia Nacional (parlamento) e de milhões de cidadãos em reuniões nos municípios, os cubanos dão sua contribuição ao Projeto de Lineamentos que será analisado e adotado pelo 6º Congresso do Partido Comunista, em abril próximo.

Grandes desafios são assumidos na busca de soluções a curto prazo -de impacto na eficiência econômica- e outras a mais longo prazo, de desenvolvimento sustentável, bem pensadas e de forma gradual quando seja preciso, que modernizem o sistema e resgatem o papel fundamental do trabalho.

Com essas armas Cuba avança para 2011, ano 53 da Revolução, de intenso protagonismo de toda a sociedade, como ocorreu há 50 anos na proclamação do caráter socialista do processo e da derrota da agressão mercenária na Baía dos Porcos, liquidada em menos de 72 horas pela vitória de Praia Girón (17 a19 de abril de 1961).

Sob a pressão do fustigamento externo e as realidades do subdesenvolvimento interno, Cuba enfrentou s execução de mudanças radicais em sua economia e na sociedade, sem precedentes na América Latina e Caribe; conseguiu alcançar metas na saúde, educação e desenvolvimento científico nunca antes sonhados.

O país se encaminhava ao aperfeiçoamento de seu sistema, em finais dos anos 1980, antes de ser vítima da crise na década de 1990, precipitada pela perda de seus mercados, com o desaparecimento da União Soviética e o chamado campo socialista.

Parece um milagre, inexplicável para seus inimigos, o fato de salvar naquelas circunstâncias as suas conquistas essenciais.

Como descrever aqueles anos de luta cotidiana para sobreviver à aparente utopia de continuar sendo revolucionários, socialistas e cubanos; superar as agressões dos Estados Unidos com dignidade, não baixar a cabeça e marchar adiante até que chegasse outra vez a luz, sem concessões de princípios fundamentais.

Pela conquista dessa chama, mais de 20 mil cubanos morreram na luta pré-revolucionária nos anos 1950, e outros milhares para conservá-lo vivo e imperecível no meio século seguinte.

Sem contar os rios de muito sangue derramado antes e sacrifícios precedentes, pois se considera a existência de uma só revolução, de Carlos Manuel de Céspedes a Fidel Castro, quer dizer, desde as lutas independentistas, iniciadas em 1868, ao triunfo do Primeiro de Janeiro de 1959.

A última guerra de libertação foi coroada pelo transbordamento popular em uma greve nacional que paralisou um golpe contrarrevolucionário, patrocinado pelos Estados Unidos.

Isto representou o fim do domínio estadunidense, imposto em 1898, e o golpe de misericórdia a seu modelo neocolonial instaurado desde 1902, cujos dias já estavam contados ao colocar-se em marcha, em meses sucessivos, a reforma agrária as principais leis e medidas revolucionárias.

Como data a recordar, mencionamos o 3 de janeiro de 1961, quando os Estados Unidos romperam as relações diplomáticas com Havana e fez abertamente até agora o possível e o impossível por derrocar a Revolução Cubana.

A campanha de alfabetização, epopeia de adultos e jovens realizada também em 1961, marcou então uma mudança qualitativa, marcada, ademais, pela nacionalização do ensino e sua gratuidade.

A chama revolucionária sempre ardente levou mais de 300 mil voluntários cubanos a lutar pela independência de Angola e Namíbia, e contribuir para a derrota do regime racista na África do Sul.

Sua vocação de solidariedade se manifesta durante anos na ajuda médica de seus exércitos de batas brancas no Haiti, Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua, em distantes apartados rincões da América Central, África e Ásia; na presença de professores e outros cooperantes, assim como na formação de técnicos e profissionais da América Latina e todo o Terceiro Mundo.

(*) Historiadora, jornalista e colaboradora da Agência Prensa Latina.

Traduzido do espanhol pela Redação do Vermelho

2011! seja bem vindo!

Um novo ano se avizinha.
Cheio de espectativas, cheio de promessas.
Teremos no País a continuação,por parte da nova Presidenta Dilma, do governo Lula que acabou saindo com 87% de aprovação popular?
Ou iremos avançar em novas conquistas que não foram possiveis de se concretizarem no governo anterior?
Urge uma atitude mais agressiva por parte do novo governo no que diz respeito a regulação da mídia, pois está na hora de dar um basta às "famiglias" que dominam os meios de comunicação e que mantém um oligopólio impressionante no domínio da (des)informação.

No nosso estado sulino Tarso Genro, em seu discurso de posse hoje de manhã abordou três eixos que certamente seu governo terá como preocupação fundamental: o primeiro será a questão da geração de emprego e renda pois o mundo do trabalho assim o exige; num segundo ponto teremos as questões da
participação popular, creio que através da revitalização do Orçamento participativo que, durante o governo de Olivio Dutra, permeou o desenvolvimento do estado, abrindo espaços de democratização onde as prioridades sejam oriundas das necessidades e anseios dos menos privilegiados e, finalmente, o combate à corrupção, tanto a nível civil quanto de governo.
Esses três eixos principais, juntamente com  as questões de segurança pública, educação e saúde deverão ser aqueles que nortearão as açoes desse governo do RS.
Esperemos!

E para nosso rigozijo nesse ano que inicia, um video e uma musica de Chico Burque nos lembrando o quanto tivemos e teremos que lutar para afastar de vez tudo aquilo que aprisiona, mata e tortura.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Não mais a cereja do bolo


Setor cultural ganha importância política inédita com Lula. Inércia em outros setores impede avanços maiores


Leandro Uchoas  do Rio de Janeiro (RJ) no Correio do Brasil

Há oito anos, o Ministério da Cultura (MinC) era apenas um anexo, pouco importante, do governo federal. Tinha atuação rarefeita, concentradora e elitista. Atualmente, porém, na formação do governo de Dilma Rousseff (PT), foi uma das pastas mais disputadas. Mais de 20 nomes foram cogitados até a definição do nome de Ana de Hollanda. O que teria mudado nos dois mandatos do presidente Lula? A julgar pelas avaliações das gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira, feitas por intelectuais progressistas e pela classe artística, muita coisa. Ao contrário de sua área co-irmã, a Comunicação, campo de avanços quase inexistentes no mesmo período, a gestão da Cultura costuma ser bem avaliada. Diversos, os programas do Ministério teriam buscado federalizar a política cultural, descentralizando-a para além da região Sudeste. Também teriam buscado incentivar a cultura “dos de baixo”, ou “desesconder” o Brasil profundo. Estimular a cultura pelas suas pequenas manifestações, nos grotões, nos assentamentos, nas tribos, nos quilombos.
Segundo o MinC, os recursos cresceram de 0,2% do produto interno bruto (PIB), para cerca de 1,3% – R$ 2,3 bilhões (a recomendação mundial da Unesco é que o financiamento supere 1%). Entretanto, os possíveis méritos das políticas do Ministério – questionados por alguns setores da esquerda – estariam mais nos programas adotados. A ideia da cultura como uma indústria, que obedeceria aos mesmos pressupostos de qualquer atividade econômica, teria sido negada pelas gestões Gil/Juca. “De nada adianta os velhos paquidermes da ‘indústria cultural’ quererem reciclar-se por meio da última balela do velho industrialismo capitalista, as ‘Industrias Criativas’. Esse pessoal gosta da forma ‘indústria’, ou seja, da forma da exploração do trabalho alheio. A cultura não é indústria, mas valor, ou seja, significação”, defende Giuseppe Cocco, professor da UFRJ. Os programas do MinC teriam buscado fortalecer pequenas iniciativas, nem sempre geradoras de lucro ou visibilidade, de modo a incentivar, por baixo, a vasta diversidade cultural do país. “Nós trabalhamos a cultura como fato simbólico, fortalecendo as condições para o desenvolvimento das linguagens e das manifestações culturais, como um direito do cidadão, ampliando a acessibilidade, e fortalecendo a economia da cultura”, disse o ministro Juca em seminário recente.

Pontos de Cultura
Dentre os programas que ganharam mais visibilidade está o Cultura Viva. Através dele, mais de cinco mil Pontos de Cultura foram criados pelo Brasil. São manifestações culturais variadas que ganham apoio do governo, em recurso e logística, para prosperar. Em 2003, no primeiro ano do governo Lula, era o sétimo programa em recursos. No final do primeiro mandato já havia alcançado a primeira posição. Os Pontos de Cultura articularam-se nacionalmente, criando espaços políticos de mobilização e elaboração própria de política. Esses pequenos gestores, uma vez empoderados, utilizaram sua articulação para incentivar a aprovação de projetos no Congresso Nacional. Os Pontos de Cultura seriam o rosto mais visível da política cultural lulista, reproduzido em governos estaduais e em outros países, como Argentina e Angola.
Durante os dois mandatos de Lula, o Ministério da Cultura organizou uma série de seminários (redes, fóruns, teias e grupos temáticos), com participação expressiva da sociedade civil, para discutir os mais variados temas. Direito autoral, diversidade cultural, software livre, cultura digital, mídia alternativa. Frequentemente encontrou oposição dentro do próprio governo Lula. As críticas à política do Ministério das Comunicações ganhavam corpo internamente, por apresentarem freios aos avanços necessários à cultura. A lei de Direito Autoral, por exemplo, completa cinco anos de debates intensos. A inquestionável necessidade de reforma enfrenta níveis distintos de opinião. Há os que reivindicam pequenas reformulações na legislação, e os que defendem uma reforma mais radical, sustentando ideias como a propagação da pirataria e a universalização do software livre.

Políticas de fomento
O governo Lula também elaborou o Plano Nacional de Cultura (PNC), espécie de guia para orientar políticas e investimentos em cultura pelos próximos 10 anos. O PNC também cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais, e articula as três esferas de poder. Tem conexões com o Procultura, o novo modelo de financiamento de Cultura, e o Fundo Social do pré-sal, de onde viriam recursos para o setor. Está em fase adiantada de análise pelo Congresso. Outra lei que foi resultado de debates intensos é o Vale Cultura, e que também tende a ser aprovada pelos parlamentares. Através dela, as empresas poderão conceder ao trabalhador R$ 50, em um cartão magnético, para consumo de Cultura. Do total, R$ 5 seria descontados do trabalhador, e o restante de isenção fiscal. Estima-se que cerca de 12 milhões de trabalhadores sejam incluídos, e ganhem acesso a bens culturais antes impensados.
Outra ação governamental, esta para enfrentar o baixo nível de leitura no Brasil, foi zerar o número de municípios sem biblioteca no Brasil. A partir de 2010, só podem receber recursos do MinC as cidades que mantiverem essas bibliotecas em funcionamento. A produção audiovisual, antes concentrada no eixo Rio-São Paulo, também ganhou estímulo à descentralização. A quantidade de documentários produzidos no país deu um salto gigantesco, porém ainda se encontra muita dificuldade na distribuição e veiculação desse farto material – em grande parte pela permanência da concentração dos meios de comunicação, e a oligopolização dos espaços de cinema. O governo criou uma rede de Núcleos de Produção Audiovisual (NPDs), equipados com câmeras e ilhas de edição. Nos NPDs, existentes em diversos estados, há formação básica de roteirização, produção e edição. Em muitos deles, criou-se uma política de incentivo à formação de jovens de baixa renda.
Não por acaso, durante a campanha presidencial, o primeiro grande momento de mobilização entusiasmada à candidatura Dilma aconteceu por intermédio do meio artístico. No Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro (RJ), em 18 de outubro, intelectuais e artistas fizeram uma festa de mobilização em incentivo à então candidata de Lula. De Chico Buarque a Oscar Niemeyer, diversas personalidades de vulto deram seu apoio a Dilma. Até a ocasião do ato, a campanha presidencial era morna, girando em torno de temas menos relevantes, sob perspectivas conservadoras. Talvez nenhum outro setor tenha manifestado sua aprovação de forma tão clara na campanha. Quando, em 2003, Gilberto Gil assumiu o MinC, dizendo que a cultura deixaria de ser a “cereja do bolo”, talvez houvesse algo de profético em seu discurso.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

As idas e vindas de Portugal

No dia 24 de novembro uma greve geral parou um milhão dos cinco milhões de trabalhadores ativos em Portugal. 

Por Eliza Capai, de Lisboa na Revista Forum

No dia 24 de novembro uma greve geral parou um milhão dos cinco milhões de trabalhadores ativos em Portugal. “A greve geral com mais impacto até hoje", de acordo com o líder sindical Carvalho da Silva, tinha como uma das metas lutar contra o desemprego que acomete 20% dos jovens portugueses e 10,8% da população total do país (de acordo com o relatório “Emprego na Europa 2010” da União Europeia). E um dos efeitos dessa situação foi o incremento da emigração no país. O fluxo atual, só comparado ao êxodo da década de 60, tirou nos últimos cinco anos 350 mil pessoas do país (dados do Observatório das Migrações). No entanto, os destinos da emigração se modificaram.

Antes, os portugueses migravam principalmente para a vizinha Espanha e para o Reino Unido, mas a taxa de desemprego de 20,3% hoje no país hermano e a crise inglesa que prevê a demissão de meio milhão de funcionários públicos no país fizeram com que os lusitanos descessem um pouco no mapa. “Quando as crises são globais as migrações baixam sempre. Aparentemente o único país que escapou a esta baixa foi Angola”, explica Rui Pena Pires, que duas semanas antes da Greve Geral lançava o ‘Atlas das Migrações Internacionais Portuguesas’.

Em 2006, haviam sido tirados apenas 156 vistos de portugueses para a ex-colônia. Três anos depois o número subiu para mais de 23 mil. Atualmente, estima-se que vivam em Angola 100 mil portugueses: quatro vezes mais do que os angolanos que vivem em Portugal. Assim, o país subverte o esquema de migrações norte-sul enquanto Angola contraria a característica das ex-colônias de exportadora de mão de obra. “Angola é o único país fora da Europa para onde se dirige a emigração”, continua Rui Pena Pires.

Entre 2005 e 2008, em Portugal "houve mais saídas do que entradas. Há um déficit migratório", completa Pires. "Este déficit tem consequências no plano demográfico, normalmente associado à sustentabilidade dos sistemas de proteção social. Mas não só nesse plano: não conheço nenhuma economia que cresça com a população a diminuir", explica. De acordo com o Atlas, embora Portugal tenha uma média de emigrados semelhante à de países europeus como o Reino Unido, ele não consegue atrair atualmente a mesma quantidade de imigrantes: são 2,3 milhões de portugueses espalhados no mundo e menos de meio milhão de imigrantes na pátria lusa. Portugal é o 22º país com mais emigração, mas conta com apenas 4,2% de imigrantes na sua população.

A diferença entre as economias dos dois países ajuda a explicar o fluxo. O Produto Interno Bruto de Angola deve chegar a 258,388 bilhões de dólares em 2010, com crescimento de 7,08% neste ano. Por outro lado, em Portugal estima-se que o PIB neste ano será de US$ 161,596 bi, com crescimento de 1,12%. Para os próximos anos, o FMI estima que a distância entre os dois irá aumentar: o crescimento da economia angolana deve ser de 6,29% em 2011 e 6,05% em 2012, enquanto a economia lusa deve ter índices pífios, -0,05% e 0,6% respectivamente.

Nem lá, nem cá

Filipa Faria, profissional da área de eletrônica, trabalha há dois anos em uma empresa portuguesa de softwares que tem filiais em alguns países africanos. “Nunca tinha pensado em morar lá até ser me oferecido um trabalho no ano passado”, conta. “Perguntaram se eu estaria disponível para ir trabalhar em uma das filiais de Angola porque ainda há muita falta de mão de obra lá. Pensei duas horas e disse logo que sim, que aceitava. Do ponto de vista profissional representa um ganho na carreira”, explica. Além de promoção, Filipa teve um reajuste salarial. “Mas lá o custo de vida é muito mais alto, estou ganhando apenas 30% mais do que ganhava em Lisboa”, explica.

Se realmente os portugueses – e aqui poderíamos incluir também os brasileiros – que seguem para Angola tem seus salários aumentados, o custo social da vida nova tem que ser avaliado e não pode ser contado numericamente. Filipa opta por não fazer como alguns portugueses que conhece, que se mantêm em “guetos de brancos frequentando restaurantes para estrangeiros de cem dólares por jantar” e vivendo em condomínios fechados. Ela tem um grupo de amigos que mescla a comunidade internacional com angolanos. Por tentar circular normalmente em Luanda ela enfrenta parte das restrições sofridas pelos angolanos. “São preocupações básicas com água e luz que eu não tinha em Portugal, como a questão da segurança. Depois, toda a logística envolvida com os transportes, com o fato de não haver táxis, mas são coisas que se aprende a lidar”, esclarece.

O choque cultural também é outro problema que acompanha os lusitanos que vão para Angola. “Há um pouco o estigma de que os portugueses vão para lá para se aproveitar e para continuar a `roubar` como na época da colonização. Isto aconteceu com muitos, mas o que mais vejo é que as pessoas que estão lá querem juntar um bocadinho de dinheiro para comprar uma casa, por exemplo”, justifica Filipa. Não seria de se esperar outra reação, considerando que são apenas 35 anos de independência após uma história colonial exploradora. O preconceito pode ser visto em agressões verbais e físicas ou em pequenos atos cotidianos. Filipa conta que em qualquer compra de rua acaba pagando duas a três vezes o valor que pagaria um angolano. “Por isso, acabamos pagando para nosso motorista fazer as compras”, explica.

“Angola foi muito mitificada nas décadas de 1950 e 1960 como uma espécie de futuro de Portugal, era o novo Brasil na África que se esperava e que também viria a ser multirracial, onde os portugueses pudessem ficar”, explica Rui Ramos. Para o historiador, além da motivação econômica, Angola oferece “este fator mítico, sentimental. Basta falar com estas pessoas que saíram de Angola há trinta anos, mas que nunca perderam este sentimento de nostalgia. Há muita gente que vai por vezes para lá para descobrir aquilo que lhe contaram, e gente mais nova que vai tentar redescobrir o que seus pais ou avós contaram da forma como viviam em África”.

Filipa não é exceção a esta regra. Seus pais, brancos e descendentes de portugueses, são angolanos. Vieram estudar em Lisboa, onde se conheceram e ficaram porque no período eclodiu a guerra na então colônia. “Todas as histórias da minha família estão muito relacionadas com Angola. As histórias que me contavam eram todas fantásticas, envolviam animais selvagens, daqueles que eu só via na televisão... E um estilo de vida mais descontraído”, conta Filipa. “Lembro de histórias do meu pai quando era criança, que ele tinha um macaco no quintal. Isto tudo para mim era fabuloso de imaginar”, continua. Ela diz ainda que seus pais estão muito preocupados com ela estar lá, sozinha, “mas ao mesmo tempo eles respeitam muito a minha opção e se divertem muito em partilhar a minha vida lá: eles conhecem as ruas, os bares, os cafés... então é giro [legal] mostrar as fotos, as diferenças”, encerra.

Na mão inversa

Se os portugueses têm dificuldades quando migram para Angola, a vida tampouco é fácil para quem vai tentar a vida na terra de Cabral. Apesar de Portugal ser historicamente de emigrantes (ver box), o país também recebe pessoas vindas de outros países e reproduz as políticas europeias de imigração. Beatriz Padilla, socióloga especialista em imigração latino-americana do Centro de Investigações do Estudo de Sociologia (CIES, Lisboa), acredita que “a relação é sempre unidirecional: só os imigrantes enxergam a necessidade de se integrar. O discurso é sempre ‘a culpa é deles, eles são ignorantes, as suas culturas são atrasadas, nós na Europa temos os valores universais etc’. Então até que ponto as sociedades europeias recebem com braços abertos aos imigrantes? Eles queriam mão de obra e vieram pessoas, não é?”.

Em Portugal, a maior comunidade imigrante é a brasileira, seguida pela caboverdiana e, depois, pela ucraniana. Esta predominância brasileira se efetivou em função principalmente do famoso 11 de setembro. Com o endurecimento das leis imigratórias norte-americanas, brasileiros, em especial vindos de Minas Gerais, passaram a pousar em terras lusas e, em 2004, já eram a maior comunidade de migrantes e em 2008 já chegavam a 107 mil. Antes disso, a imigração brasileira se caracterizava por ser de profissionais com nível superior, mas hoje a mão de obra não-qualificada é bastante significativa, com trabalhadores da construção civil e trabalho doméstico, por exemplo.

“Até dez anos atrás as maiores comunidades eram de países de língua portuguesa vindos das ex-colônias da África”, explica Beatriz Padilla. “Apesar de serem os imigrantes com maior tempo de fixação, os africanos são ainda os mais discriminados, pois sofrem mais com o racismo e com dificuldades na integração no mercado de trabalho”, continua. “Muitas vezes os filhos destes imigrantes continuam a ser discriminados como os seus pais. Mas é claro que a revolta é diferente porque muitas vezes eles já nasceram em Angola e não são considerados ou vistos como portugueses”, completa.

Cor de pele

Na periferia de Lisboa, em bairros de realojamento de populações vindas dos ‘bairros de lata’ – as favelas lisboetas – trabalha Eunice Gomes. Muitos destes bairros têm população majoritária de imigrantes e Eunice, que fez sua tese sobre a segunda geração de imigrantes caboverdianos em Portugal, consegue observar em sua rotina o que escutava em entrevistas. “A principal revolta das comunidades de portugueses de origem caboverdiana deriva da identidade, da não aceitação devido à cor da pele, e do sistema de legalização dos documentos. Eles se questionam ‘se eu nasci cá por que é que não vou ter direito a ser um cidadão português?’”. Eunice, mulata, é filha de imigrantes. Embora nunca tenha viajado a Cabo Verde, ela se identifica mais com a cultura do arquipélago de seus pais. “A música, a comida, o jeito de ser do caboverdiano”, explica com sorriso largo, “me fazem sentir mais de lá”, conta, ilustrando sua própria tese.

A pesquisadora Beatriz Padilla, neta de espanhóis, nasceu e cresceu na Argentina. De segunda geração assim como Eunice, ela contrapõe os exemplos dos dois lados do mar. “Isso nunca foi uma questão para mim, lá somos todos imigrantes. Hoje sou casada com um português, moro em Lisboa e tenho um filho português. Entretanto, aqui escutamos gente falando com ele ‘ah que bom, você vai passar o Natal na sua terra’ e aí eu fico pensando ‘ué, mas a terra dele é aqui!’ E isso com o meu filho, que é branco, imagina quando as crianças não são brancas. Elas nascem e não são vistas nem tratadas como portugueses e isto é muito grave para a sua integração na sociedade”, garante.

Para romper este ciclo e combater o racismo, parte essencial da transformação é a alteração das leis. É necessário que elas facilitem a imigração e a documentação para que os estrangeiros tenham acesso ao sistema dos países onde vivem – como educação, saúde e moradia. “Embora a lei imigratória portuguesa esteja melhorando ainda há muitos problemas e deficiências. Muitos jovens e adultos nascidos aqui não são cidadãos; às vezes, para conseguir a nacionalidade, têm que apresentar atestado de antecedentes criminais de Cabo Verde, por exemplo. Mas eles nunca foram lá, nasceram e cresceram em Portugal. Para uma família pobre isso pode inviabilizar a efetivação da nacionalidade e uma das consequências é que eles só têm acesso a uma parte do ensino”, explica Beatriz.

Isso ocorre porque ali, como em boa parte dos países europeus, impera o jus sanguinis, ou seja, quem nasce em solo português e é filho de imigrantes não é português. Esta diferença modifica drasticamente a relação na incorporação e integração dos imigrantes aos países de destino. Rui Ramos explica que “Portugal, por ter sido ser Império, se baseava no direito do solo (jus soli) até o final dos 1970. Foi então que uma lei retirou a nacionalidade da maior parte das populações do ultramar”. Segundo ele, “no momento da descolonização da África deu-se o direito aos cidadãos de escolher suas nacionalidades. Aqui em Portugal temeu-se a possibilidade de toda a colônia optar pela nacionalidade portuguesa e vir para cá. Então promoveram uma lei com efeito retroativo e centenas de milhares de pessoas perderam o direito de ser portugueses”. A legislação passou a exigir que aqueles que tinham obtido nacionalidade lusitana, mas não tinham ascendentes portugueses e não residiam em Portugal há mais de três anos não eram portugueses. “Essa foi a maneira de, digamos, desnacionalizar aqueles milhares de angolanos, moçambicanos e outros; desta forma, introduziu-se este direito de sangue”.

Os pais de Eunice foram diretamente afetados pela lei. “Eles nasceram em Cabo Verde”, nos tempos em que o arquipélago era colônia, “e vieram para cá muito jovens, com cerca de dez anos. Meus pais têm residência fixa e aguardam a cidadania e isto tem para lá de quarenta anos”, ri. “Estamos sempre entre dois mundos, acho que a nossa identidade não deveria ser assim, não deveria haver esta diferença. Sou um pouco caboverdiana e um pouco portuguesa, mas o que acontece é que não me sinto aceita em nenhuma das duas sociedades”, lamenta.

Box 1 – Migração e xenofobia nos países vizinhos

O ‘Atlas das Migrações Internacionais Portuguesas’ é lançado no momento em que a Europa assiste a um crescimento de discursos abertamente xenofóbicos e a chegada ao poder de parlamentares de extrema-direita com discursos anti-imigração. Assim, na Escandinávia, outrora admirada por sua abertura, chegaram aos parlamentos dos países líderes da extrema-direita xenofóbica. A França iniciou a deportação em massa de ciganos (ver matéria na pág. XX). A chanceler alemã Angela Merkel decretou o fracasso do multiculturalismo e deixou claro que quem não aceitar os valores ocidentais não tem lugar por ali, isto no mesmo instante em que um livro anti-islâmico vira best seller no país. A Suíça proibiu a construção de minaretes, o leste europeu continua com políticas nacionalistas inspiradas no fascismo da década de 1930 e a Itália de Berlusconi segue com duras políticas anti-imigratórias. No sul da Europa já é notável a redução da imigração africana e, embora as estatísticas ainda não reflitam, se inicia um movimento de volta para os países de origem.

“Acho que o principal problema que vamos ter nos próximos dez, quinze anos, é uma desagregação de alguns princípios da sociedade europeia que estavam em tese garantidos. Eles têm a ver com a igualdade, os direitos humanos, com a tentativa de integrar e incentivar políticas de diversidade. Creio que com a atual crise e a desintegração que está acontecendo na União Europeia vamos ter uma ou duas décadas de retração para o Estado Nação. Normalmente é necessária uma narrativa muito nacionalista para isto acontecer”, explica o antropólogo e deputado português Miguel Vale Almeida. “Além da crise global, criou-se também o inimigo islâmico, por assim dizer, e que vai fazer com que haja uma reconfiguração identitária na Europa muito baseada simultaneamente na ideia do Estado Nação e, por outro lado, a diferenciação daquilo que é europeu, ocidental, cristão daquilo que é oriental, islâmico e por aí afora. E tenho muito receio deste processo”, lamenta Miguel.

Toda esta onda xenófoba despreza dados de um estudo da ONU que afirma que nos próximos 40 anos a população europeia em idade de trabalho se reduzirá em 20%. Ou seja, a Europa será ainda mais dependente de mão de obra imigrante, e corre o risco de deparar com o que ocorre em Portugal atualmente.

Box 2 – A imigração como problema

O historiador português Rui Ramos coloca a criação do discurso do ‘problema da migração’  em uma perspectiva histórica. “A Europa começou por ser uma grande `exportadora de população` no século XIX antes de se tornar no século XX uma importadora do resto do mundo. O que é interessante é que tanto na fase em que importava como na que exportava, se via a circulação das pessoas como um problema”, explica. “Isto tinha muito a ver com os tipos de Estados que se desenvolveram na Europa a partir do século XIX, que são os Estados nacionais que procuravam populações homogêneas e coesas, e que viam a perda de população como um problema porque se estava não apenas a perder mão de obra como também soldados, recrutamento militar. E via também na entrada daqueles que não eram nativos, que não eram educados conforme os sistemas nacionais, uma perturbação da coesão nacional.”

Desde o início do século passado um terço do crescimento demográfico português é absorvido pela emigração. Entre 1886 e 1950, 1,2 milhão de portugueses chegaram ao Brasil. Até a II Grande Guerra Mundial era para aí que se direcionava o maior fluxo de emigrantes lusos. Neste momento, os portugueses se caracterizavam por uma emigração pouco qualificada. Após a guerra o foco mudou para Estados Unidos, Canadá e Venezuela. Durante seu boom petroleiro, o país de Hugo Chávez foi um polo receptor de imigrantes no sul, situação comparável ao que se passa atualmente com Angola.

Durante a década de 1960, os lusitanos seguiam principalmente para França, Alemanha e Luxemburgo. Com a Revolução dos Cravos, que marcou o início da redemocratização em 1974, a emigração praticamente cessou. O período, que coincide com a descolonização da África, foi marcado pelo retorno de meio milhão de portugueses que viviam nas ex-colônias. Com a entrada na União Europeia em 1986, reinicia-se a onda emigratória em direção à Suíça e depois em direção aos demais países da UE. Neste momento, o perfil do emigrante passa a ser de um profissional qualificado. Em 2000, por exemplo, 13% dos portugueses com nível superior emigraram. Depois da crise econômica global, as emigrações começaram a se dirigir para Angola.



* Eliza faz parte do coletivo de Africa Tas a Ver: www.tasaver.org

Estado retoma setor energético, mas modelo continua o mesmo

Depois da era das privatizações, governo reassume setor; porém, com modelo antigo



Alexania Rossato
de São Paulo (SP)

O avanço do capitalismo sobre o território e os recursos naturais estratégicos, como forma de sair da crise econômica deflagrada em setembro de 2008, tem se materializado no Brasil também com o aumento da construção de usinas hidrelétricas. As obras na Amazônia, considerada a nova fronteira energética, nunca foram tão disputadas e desejadas pelos senhores da energia e questionadas pelo povo.
Na avaliação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), comparado aos governos anteriores, o presidente Lula não promoveu mudanças estruturais no modelo energético. “O problema central é o atual modelo, que continua gerando energia para servir a indústria eletrointensiva e busca garantir as mais altas taxas de lucro em todas as áreas que compreende o setor elétrico. Transforma a energia em vários negócios, controlados por corporações transnacionais. O Lula ou não quis, ou teve medo de romper com esse modelo”, diz Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB.
A retomada do planejamento estatal do setor pelo governo Lula, depois de ter sido abandonado por FHC, segue nesse rumo e aponta para a construção de muitas novas barragens. Aprovado no final de novembro de 2010 pelo Ministério de Minas e Energia, o Plano Decenal de Expansão de Energia 2019 exibe um aumento no consumo de energia que corresponde a uma taxa anual média de crescimento de 5,4%. A oferta de energia elétrica passará de 539,9 terawatt/hora em 2010 para aproximadamente 830 terawatt/hora em 2019, segundo informações do próprio MME.
Esse montante desperta o interesse de empresas transnacionais do mundo todo, já que o Brasil oferece financiamento público através do BNDES, rios abundantes, mão de obra disponível e consumo garantido, seja pelos consumidores residenciais, seja pelo comércio ou pela indústria. “O setor elétrico brasileiro é uma galinha dos ovos de ouro, não há empresa que não queira vir explorar a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica no Brasil, as riquezas naturais e as garantias dadas pelo Estado são infinitamente mais atraentes, se compararmos com outros países”, declara Cervinski.
Segundo informações das próprias empresas, os lucros apontados pelos balanços trimestrais estão batendo recordes: a CPFL Energia ampliou seu lucro em 33,8%; a Light quase dobrou no trimestre; a Eletrobrás 76,2%, a Tractebel ampliou em 13,4% e a Eletropaulo elevou seu lucro em 22,7%.
Esses valores podem ser ampliados no próximo período, pois cerca de 20% da geração, 74% da transmissão e 33% da distribuição têm seus contratos de concessão de energia elétrica vencendo a partir de 2012. Quase 100% dessas concessões hoje são estatais e as renovações envolvem valores equivalentes a R$ 30 bilhões ao ano. As empresas privadas do setor elétrico estão pressionando para que o governo leiloe as usinas e as linhas de transmissão, já os movimentos sociais estão propondo reverter para o controle estatal o que está sob controle privado, a renovação das concessões estatais com manutenção do seu controle acionário, além da criação de uma política de aplicação dos recursos para programas sociais.

Entraves na política social
Desde que a maior parte do setor elétrico foi privatizado no início dos anos 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a política de tratamento social dos atingidos por barragens tornou-se mais restrita e violenta. A pressão por direitos por parte dos atingidos, que antes era dirigida às estatais do setor elétrico, passou a ser feita às empresas transnacionais que, na maioria das vezes, negam as reivindicações, deslegitimam a organização e usam da força policial para desmobilização. Durante o governo Lula, esse quadro não se alterou e muitos atingidos por barragens foram inclusive presos, como aconteceu no Pará, em Santa Catarina e em Rondônia, com a deportação dos bolivianos que participavam dos protestos contra as usinas do rio Madeira.
Uma das críticas feita pelo MAB é com relação à atuação do MME no tratamento das questões sociais, e dos órgãos ambientais, sobre os licenciamentos. Em todas as situações, o Ministério procurou combater as conquistas dos atingidos, tal como aconteceu com o Relatório da Comissão Especial sobre as violações dos direitos humanos em barragens. A mesma coisa pode ser vista nos órgãos ambientais, com um fracionamento que permitiu licenciamentos irregulares e com a aplicação de condicionantes que ficam só no papel, como é o caso de Belo Monte; cujas condicionantes não estão sendo aplicadas e as licenças estão prestes a serem emitidas.
O relacionamento irregular com os atingidos por barragens nos oito anos de governo não propiciou avanços significativos, de mudanças estruturais na condição de vida dos mesmos. Segundo a avaliação do MAB, as políticas foram focalizadas, atendendo pontualmente as reivindicações. “Na nossa avaliação, a condução das políticas de Estado para os atingidos foi inexpressiva, pois não alterou as condições de vida para melhor, apenas tem concedido alguns programas, extremamente burocratizados na sua execução. A política de reassentamentos não avançou em praticamente nada e temos que brigar por mais cestas básicas por famílias ao ano, isso é uma vergonha para quem sempre sobreviveu do plantio e da colheita. Enquanto isso, o BNDES financia a construção de barragens por todo o país, como aconteceu com a usina de Jirau [no rio Madeira], cujo financiamento de R$ 7,2 bilhões foi a maior linha de financiamento dada a uma empresa”, critica Cervinski. (Leia mais na edição 409 do Brasil de Fato, já nas bancas)