quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Igreja Católica e a Pedofilia...até quando a impunidade?


Vítimas de pedofilia contam rotina de medo sob o rigor da Igreja na Irlanda

Ernani Lemos e Juliana Yonezawa | Dublin

Ex-internos de instituições dirigidas por padres e freiras católicos nos anos 1940 e 1950 na Irlanda dizem ainda ter pesadelos com os abusos sofridos e prometem lutar pela punição dos culpados, mesmo décadas depois
“A Irlanda deveria se envergonhar para sempre por permitir que tal barbaridade acontecesse a qualquer ser humano. Eu amo meu país e nunca vou deixar de amar. Eu sou católico e continuarei sendo. Independentemente de ir ou não à igreja. Mas eu jamais vou perdoar as pessoas que fizeram aquelas atrocidades comigo e com meus irmãos”, diz Michael O’Brien.

“A única forma que eu tenho de descrever aquelas instituições é dizer que são piores do que prisões e similares aos campos de concentração da Alemanha. A rotina era rigorosa e muito dura. Nós passamos fome e sofremos de malnutrição. Eles deveriam nos preparar para a vida, nos educar e ensinar uma profissão. Em vez disso, só nos infligiram punições e o dogma religioso”, conta Christopher Heaphy.

As palavras ásperas e carregadas de rancor são de dois auto-intitulados “sobreviventes” dos abusos sexuais e da violência praticados contra crianças por membros da Igreja Católica na Irlanda. Sentados na poltrona de um hotel em Dublin, O’Brien e Heaphy contam ao Opera Mundi, em detalhes, o horror que passaram em instituições infantis dirigidas por religiosos nas décadas de 1940 e 1950.


Christopher Heaphy (à esquerda) e Michael O’Brien (à direita), foram vítimas de abusos em escolas católicas

“Eles não nos tratavam como crianças, nem mesmo como seres humanos. Nós éramos tratados como animais”, desabafa O’Brien. Aos 77 anos de idade, o irlandês de Tipperary dedica a vida à luta pelos direitos das vítimas dos abusos. Em 1999, ele criou a associação Right for Peace – uma organização de pessoas que viveram situações semelhantes nos abrigos infantis, orfanatos e reformatórios católicos da Irlanda. O’Brien foi parar em uma dessas instituições em 1941, quando tinha 8 anos, logo após a morte da mãe. Ele e os sete irmãos foram tirados do pai e colocados em diferentes internatos. “Eu fui abusado desde o instante em que entrei naquele lugar. Sexualmente, fisicamente, mentalmente e verbalmente. Todos os dias, sem nenhuma razão. E não foram apenas os castigos e os abusos. Eles tiraram de nós as nossas famílias. Isso é imperdoável. O crime contra uma criança inocente é o pior crime que alguém pode cometer”, relata.

Michael O’Brien era semi-analfabeto quando deixou a Escola Industrial São José (St Joseph’s Industrial School), aos 16 anos. “Após oito anos de internato, minha mentalidade era a de uma criança. Eu não sabia nada sobre o mundo. Não sabia o que era mulher ou dinheiro. Não imaginava que poderia comprar coisas. Não estava pronto para a vida, porque eles não faziam o que deveriam fazer, que era nos educar”. Mesmo com tantas lembranças ruins, o ex-interno se considera um dos sortudos. Ele serviu ao exército e aprendeu a ler sozinho, usando livros que encontrava nos quartéis e alojamentos. Mais tarde, trabalhou como funcionário público, virou político e conseguiu ser eleito prefeito da cidade de Clonmel, onde nasceu. O’Brien casou-se há 55 anos, tem quatro filhos, 11 netos e seis bisnetos. Mesmo com uma vida aparentemente bem estruturada, ele diz que não se sente uma pessoa normal e que não consegue passar um único dia sequer sem se lembrar dos maus tratos da infância. “Vou fazê-los pagar enquanto eu viver, não perdoando. Vou lutar para que haja reparação até o dia em que eu morrer. Lutar para que não aconteça de novo. Nunca serei feliz enquanto não houver justiça”, promete.

Christopher Heaphy, de 65 anos, líder da associação Right of Place, também se dedica em tempo integral a buscar punição para os culpados e reparação às vítimas dos abusos. Ele perdeu a mãe quando tinha 5 anos de idade e foi enviado para a Escola Industrial Greenmount em Cork, sul da Irlanda. “O governo poderia ter ajudado meu pai a cuidar de mim e dos meus dois irmãos. Em vez disso, eles nos arrancaram de casa e nos trancaram em instituições”, desabafa.


Christopher Heaphy tinha pesadelos com as lembranças de infância marcada por abusos de padres

Enquanto conta sobre o passado, com a voz calma e delicada, Cristopher se emociona com os momentos que marcaram a vida dele: “Vivíamos sob terror e medo todos os dias. Eu me reprimi. Saí de lá e não falava. Mal lia ou escrevia. Estava sempre amedrontado. Precisei superar muitas dificuldades na vida. Nunca contei à minha esposa sobre os abusos. Ela não entendia por que eu dava pulos e chutes na cama durante a noite. A verdade é que eu ainda tinha a impressão de que aqueles homens vinham colocar a mão debaixo das minhas cobertas para me molestar enquanto eu dormia”.

Hoje, o irlandês tem três filhos e foi abandonado pela primeira esposa por causa do comportamento estranho que tinha em casa. “Agradeço por ela ter ido embora e levado as crianças. Eu era um estranho para eles. Na época, eu não podia dar o amor que eles precisavam. O triste é saber que hoje, depois de quase 30 anos, eu mal conheço meus filhos. Não pude vivenciar a alegria de vê-los crescendo”.

Heaphy se formou em engenharia aos 58 anos de idade, mas se acha muito velho para trabalhar na área. Para ele, são três os principais culpados pelos abusos cometidos contra as crianças: o governo, por fracassar em proteger os cidadãos; a Igreja, por ter protegido os sacerdotes; e os próprios religiosos que dirigiam as instituições infantis. “Eles cometeram os crimes contra nós. Os crimes foram denunciados na época, mas a Igreja só protegeu a si mesma. Não protegeu as crianças. E, agora, todos deveriam enfrentar as implicações legais dos direitos civis que quebraram”, defende o ex-interno. O governo irlandês indenizou os “sobreviventes” com uma reparação média de 63 mil euros. A Igreja não pagou nada.

Instituições

As escolas industriais na Irlanda foram instituições para onde eram levadas crianças sem pais ou das quais os parentes não tinham condições de cuidar. As entidades eram dirigidas por ordens religiosas da Igreja Católica e recebiam ajuda financeira do governo para dar educação e ensinar uma profissão aos menores. Mas, na prática, segundo relatos dos ex-internos, pouco se ensinava nas salas de aula. O Estado era responsável pelas escolas, mas, de acordo com as associações de sobreviventes, os Ministérios da Educação, da Saúde e da Justiça jamais fiscalizaram as condições de ensino, de higiene ou de comportamento nos locais. O governo irlandês admitiu as falhas recentemente, ao indenizar as vítimas dos maus tratos.

Desde 1930, milhares de crianças passaram pelas cerca de 250 escolas industriais da Irlanda. O contato com a família era perdido, já que a visita dos parentes era desencorajada. Os internos só eram liberados ao completar 16 anos. Cristopher Heaphy foi uma exceção. Aos 12 anos, o garoto foi espancado por um religioso e, durante uma rara visita, conseguiu mostrar ao pai as cicatrizes e machucados. O pai o levou à Justiça e o então ministro Jack Lynch assinou uma ordem liberando o garoto da instituição. A escola foi fechada três anos depois. Mais tarde, Lynch se tornou primeiro-ministro da Irlanda, mas pouco fez para mudar o que acontecia dentro dos muros de várias outras entidades para crianças.

Ao falar sobre as escolas industriais, tanto Heaphy quanto O’Brien se referem ao “tempo em que servimos naqueles lugares”. Para ambos, foi uma época de puro sofrimento, sem nenhuma boa lembrança.

“Eu nunca tive um julgamento, nunca fui legalmente representado. E acabei tirado do conforto da minha casa e jogado naquele lugar, como se fosse um assassino. Já as pessoas que me violentaram nunca foram punidas nem levadas ao tribunal”, lamenta O’Brien. “O crime era tão horrível que ninguém acreditava. Era desumano. Animalesco. E nós não podíamos fazer nada, a não ser esperar pela próxima pessoa a nos chamar para cometer a mesma violência de novo. Eu espero que você nunca testemunhe algo semelhante ao que eu passei”, completa.

As escolas industriais foram fechadas nos anos 1990 e substituídas por escolas para menores delinquentes. Atualmente, há apenas cinco em funcionamento em todo o pais. Os crimes dos quais membros da Igreja Católica são acusados de cometer contra crianças durante mais de 60 anos teriam acontecido também em orfanatos, reformatórios e em sacristias de igrejas. Ordens religiosas como os Christian Brothers (Irmãos Cristãos) chefiavam muitos desses locais.

Segundo investigações, meninas irlandesas teriam sofrido menos abusos sexuais. Mas eram frequentemente molestadas moralmente, humilhadas e espancadas em instituições dirigidas por freiras, como as da ordem Sisters of Mercy (Irmãs da Piedade). Há também relatos de trabalhos forçados em instituições femininas, como os Magdalene Asylums (Orfanatos de Madalena). As entidades que abrigavam mulheres consideradas socialmente degradadas ficaram famosas em outros países quando foram retratadas no cinema em 2002 no filme Em Nome de Deus (The Magdalene Sisters), de Peter Mullan. O último abrigo da irmandade em Dublin foi fechado em 1996.

Religião

Antigamente, na Irlanda, havia uma tradição forte quanto à profissão dos homens: qualquer um que decidisse ser médico ou padre teria o futuro garantido. Quando um filho decidia ser sacerdote, a família não precisava mais se preocupar. Ele teria a melhor educação, as melhores roupas, uma boa moradia e tudo mais de que precisasse. Cristopher Heaphy aponta isso como um dos fatores que podem ter levado a tantos abusos por membros da Igreja. “Esses homens foram supervalorizados. Nós os colocamos em pedestais onde eles jamais deveriam estar. Por isso, eles se sentiam superiores e com direito de fazer tudo o que achassem certo”, comenta.

Entretanto, o engenheiro não perdeu a religiosidade. “Eu acredito em Deus. A Igreja é uma instituição gerenciada por homens. Quem cometeu os crimes são pessoas e elas devem responder por isso. Mas eu ainda vou à missa. Minha relação com Deus é direta, cara a cara. Não há um padre entre nós”.

A postura de Michael O’Brien é semelhante. “Eu não vou à igreja. Mas sempre serei católico por um único motivo: minha mãe me batizou na igreja católica. E isso eu devo a ela”, explica. “Mas não tenho motivos para ir à igreja. Muitos padres iam à minha casa conversar e beber uísque quando eu era prefeito. Depois que eu deixei o cargo e resolvi contar sobre os abusos, eles fingem que não me conhecem”, lamenta.

Sofrimento como rotina

De acordo com os relatos, nas escolas industriais as crianças eram acordadas às 6h. Mesmo no inverno, elas usavam roupas curtas e, por vezes, não tinham sapatos. Antes da missa das 7h, todos tinham de tomar café da manhã: um pedaço de pão mergulhado num galão que misturava água e geleia. Em seguida, todos deveriam estudar até a hora do almoço. Na prática, crianças amedrontadas eram obrigadas a ficar sentadas em suas mesas por horas, sem falar e sem aprender nada. Se alguém era questionado e desse a resposta errada, tinha que ir à frente da sala, tirar a roupa e apanhar do ‘professor’ diante de todos os colegas. No meio da ‘aula’, alguns padres apareciam para tirar vários alunos das classes. Os menores eram levados para o campo, onde trabalhavam recolhendo pedras, batatas e outros vegetais.

“Não bastava trabalhar e obedecer. Os castigos eram severos e sem motivo. Nós éramos atirados em uma banheira de água fria. Depois tínhamos que tirar a roupa e subir uma escada, enquanto um adulto nos batia com uma vara. Não havia razão para aquilo. Eles eram sádicos”, diz Heaphy. O’Brien completa: “Nós éramos tirados da cama no meio da noite para apanhar com a vara. Eles batiam em qualquer parte do corpo. Por quê? Eu acho que aquilo dava a eles satisfação sexual”.

Ao chegar às escolas industriais, os garotos tinham o cabelo raspado e ganhavam um número. Os nomes eram esquecidos e aquela era a nova identidade deles. “O espancamento não era suficiente, eles queriam nos humilhar. Os padres nos chutavam enquanto andávamos pelos corredores e diziam que não éramos ninguém, que nunca seríamos nada. Aquilo era um abuso mental. Nós tínhamos medo o tempo todo”, lembra o engenheiro.

“Havia o abuso mental, o abuso psicológico, o abuso físico... mas nada se compara ao abuso sexual. Sujo, nojento, asqueroso. Um homem me violentou brutalmente no meu primeiro dia naquele lugar e depois me bateu, dizendo que eu era culpado pelo que tinha acontecido, que eu era o diabo trazendo tentação. O pior foi ver o mesmo homem me dar a comunhão na missa da próxima manhã. Depois de me estuprar, ele colocou a hóstia em minha boca”, desabafa o ex-prefeito.

Heaphy conta que viveu situações semelhantes: “Em um instante eu tinha o padre me ensinando religião. No próximo minuto, ele estava arrancando as minhas roupas e estuprando meu pequeno corpo inocente. Isso causou problemas psicológicos que me perseguem durante toda a vida”.

Quando confrontadas com evidencias de abuso sexual, as autoridades transferiam as crianças para outras instituições, onde elas poderiam ser abusadas novamente.

Suicídio

As lembranças e os pesadelos que perseguem as vítimas dos abusos muitas vezes conseguem acabar com a vida dessas pessoas. O’Brien confessa ter tentado se matar uma vez. “Eu voltava dirigindo de Dublin para Clonmel e quis destruir o carro para acabar de vez com o sofrimento. Estava completamente desesperado, me sentindo como um pedaço de sujeira. Só não terminei com a dor naquele momento porque minha mulher estava ao meu lado e me convenceu a não fazer aquela besteira”, relata.

Heaphy foi mais longe. Aos 29 anos, passou por um momento de desespero e cortou as veias sanguíneas do braço. A hemorragia não foi suficiente para matá-lo. “Eu fiz isso por causa dos crimes psicológicos. Eu continuo indo ao analista a cada duas semanas até hoje, mas nunca vou me livrar disso. Às vezes eu paro e penso que esse não é um corpo para estar dentro. Em um momento eu estou alegre e, no instante seguinte, algo me lembra o que aconteceu e a vida perde o sentido”.

Outros ex-internos não tiveram a mesma sorte. Por questões de privacidade, as associações de vítimas trabalham para manter em sigilo as identidades, mas sabe-se que muitos chegaram a cometer suicídio após anos de tormento.

Escândalo

Os casos de violência contra internos das escolas industriais ficaram amplamente conhecidos em maio de 2009, quando o juiz Sean Ryan divulgou um relatório de 2600 páginas contendo o resultado de nove anos de trabalho da Comissão de Investigação de Abuso Infantil na Irlanda. A Comissão ouviu o testemunho de mais de 250 ex-internos e oficiais dessas instituições. O documento afirma que durante 60 anos, da década de 30 até o fechamento das escolas nos anos 90, mais de 2 mil meninos e meninas foram espancados, violentados e humilhados por padres e freiras. Irlandeses que atualmente vivem em países como Austrália e Estados Unidos voltaram para casa para contar sobre a infância de terror e intimidação. O relatório classifica como ‘endemia’ a rotina de estupro e molestação nas entidades gerenciadas pela igreja católica. Representantes da igreja conseguiram adiar a divulgação do texto por várias vezes e garantiram o direito de anonimato das pessoas citadas no documento como culpadas pelos abusos, mesmo em casos de indivíduos julgados e condenados por ataques físicos e sexuais contra crianças. A manobra revoltou as vítimas. “Eu lutei 10 anos da minha vida para tudo isso vir à tona. Eu fiquei exposto e expus minha família. E agora ninguém será punido. É muito triste”, lamenta Michael O’Brien.

Igreja

A proporção do caso preocupou as lideranças da igreja católica. No começo desse ano, bispos irlandeses foram chamados ao Vaticano para explicar como estavam lidando com a questão da violência infantil. Em 19 de março, o Papa divulgou uma carta dirigida aos católicos da Irlanda. No texto, Bento XVI se diz profundamente perturbado com as informações sobre o abuso sofrido pelas crianças. O chefe da Igreja pede desculpas pelo que ele chama de “traição, pecado e atos criminosos”. O conteúdo da carta, no entanto, não foi tão bem recebido pelos irlandeses. “Nós aceitamos as desculpas do Papa. Isso não é um problema. Acontece que a maior parte da carta foi nada mais do que uma demonstração de solidariedade aos bispos, cardeais e padres que falharam com o país. O texto foi dirigido a eles, para mantê-los dentro da igreja”, comenta Heaphy. O’Brien tem opinião parecida: “A carta trouxe uma desculpa que me deixou feliz. Mas o principal ponto do documento é a própria Igreja. É pedir aos bispos para unir a igreja, para salvar a instituição. Não há nenhuma preocupação em salvar as pessoas abusadas pelos membros da Igreja”.

Ainda no mês de março, o cardeal primaz da Irlanda pediu perdão por ocultar os casos de abuso sexual no clero. Sean Brady se disse envergonhado por não ter defendido valores que prega para os fiéis. Ele admitiu que, em 1975, pediu a vítimas da violência que mantivessem silêncio. As associações de ex-internos ficaram revoltadas e começaram um movimento pela renúncia do Arcebispo. Em 31 de março, Brady se reuniu com líderes das vítimas e prometeu uma investigação nacional sobre todas as denúncias. O representante máximo da igreja católica na Irlanda afirmou, no entanto, que só renuncia se o Papa pedir. A decisão do cardeal é aguardada para o fim de maio.

*Texto e fotos.

A UDR ataca...todo cuidado é pouco...

A imagem do MST segundo a CNA

Jeansley Lima

Logo depois da aprovação do requerimento de abertura de uma nova CPMI no Congresso Nacional contra o MST, a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) encomendou uma pesquisa ao Ibope, que ouviu 2002 pessoas de todas as regiões do país, entre os dias 12 a 16 de novembro de 2009. Para criar um novo fato político para tentar desmoralizar o MST, a pesquisa CNA/Ibope contou com a habitual complacência das principais emissoras de TV e dos grandes jornais impressos para sua divulgação. O destaque foi que 60% dos brasileiros desaprovam o MST.
 
A pesquisa aponta dados que sequer foram divulgados. Somente 20% dos entrevistados afirmaram conhecer bem o MST, enquanto 73% declararam conhecer pouco. Não se sabe ao certo a definição do que é “conhecer bem o MST”, contudo, podemos fazer algumas suposições. A primeira é que os entrevistados de algum modo já tiveram em algum assentamento/acampamento do MST, conhecem o seu funcionamento e as experiências de produção agrícola, ou os processos educativos e culturais desenvolvidos. Com isso, teriam elementos para opinar a respeito. Outra hipótese – e a mais provável - é que os entrevistados acompanham a cobertura da mídia, especialmente da televisão, sobre o MST e, portanto, estão seguros do que afirmam sobre o assunto.
 
Dessa maneira, levando em conta o modo como a mídia cobre os conflitos agrários, a luta do MST e sua relação com o governo e a sociedade é plausível entender o motivo por que 53% dos entrevistados associam o MST à violência. Afinal, não seria por só verem o movimento representado dessa maneira na TV?
 
A velhinha de Taubaté já seria capaz de prever os resultados de uma pesquisa encomendada pela senadora Kátia Abreu (DEM/TO), postulante a líder dos ruralistas no Congresso Nacional, a respeito do MST. E esta não é apenas uma dedução simplista. O caráter panfletário e manipulador da pesquisa são expostos em algumas questões, que revelam as suas verdadeiras intenções.
 
Vejamos, por exemplo, a pergunta se o entrevistado concorda ou discorda que “quem já possui propriedade hoje tem o direito de escolher se quer ou não produzir nela”, ou se o mesmo está de acordo com a seguinte frase: “o que lhe pertence ninguém pode tomar”. Como a grande maioria dos entrevistados concordou com tais assertivas, 77% e 87% respectivamente, a CNA pretende reiterar que a ocupação de terra é um crime - por entender que a propriedade, para todos os efeitos, é inviolável - e que a população recrimina essa ação, por isso o MST deve ser investigado e para isso conta com o suposto suporte popular.
 
 Além de tratar questões políticas e sociais com uma perspectiva dissimulada, a pesquisa pretende tentar legitimar a violência dos proprietários rurais para defenderem suas terras. Nesse ponto, a pretensão ruralista deu com os burros n’água. Cerca de 60% dos entrevistados não concordam que os proprietários rurais utilizem dos seus meios para evitar as ocupações (ou seja, repudiam jagunços e grupos armados). Somente 4% concordam que os ruralistas devem usar dos seus próprios recursos para garantir a reintegração da terra.
 
 
 
A maioria acredita que a solução da questão está a cargo do governo e da justiça. Para quem historicamente se dispõe da arbitrariedade e da violência para tratar as questões sociais, os contratantes da pesquisa devem ter ficado desapontados com o resultado.
 
Na pesquisa, há mais uma tentativa desesperada dos ruralistas de relacionar o governo Lula ao MST, insinuando que as ocupações de terra são financiadas com recursos públicos. Porém, 35% dos entrevistados acreditam que o governo federal é desfavorável ao MST, dado superado apenas pela mídia, 40%, e o Congresso Nacional, 41%.
 
 Assim, os dados indicam que a população não acredita na tese defendida pelos ruralistas, que deseja que o governo federal e a sociedade sejam contrários ao MST tanto quanto a eles. No que se refere à ocupação das terras, mesmo que sejam latifúndios improdutivos, terras griladas, ou propriedades que desenvolvem atividades ilegais, como o trabalho escravo, 68% dos entrevistados discordam desse tipo de ação do MST.
 
 Embora 29% afirmam que a finalidade desta ação seja para assentar as famílias que estão acampadas, enquanto 66% acreditam que serve para pressionar o governo para fazer a reforma agrária. Os ruralistas tentam convencer a população que a ocupação é um crime. Por isso, devem ser combatidas com rigor, a ponto de utilizar deste argumento para a todo custo aprovar um projeto de lei que torna a ocupação de terra um crime hediondo, como o seqüestro, latrocínio e o tráfico de drogas.
 
E para deleite da Kátia Abreu, Ronaldo Caiado e quejandos, a pesquisa alcançou a auge esperado no seguinte item: 82% dos entrevistados afirmaram ser a favor da CPMI e 11% contra. Nesse sentido, os ruralistas entendem que a população reprova o MST e concorda que todas as tentativas de investigação, pois se trata de um movimento criminoso.
 
A pesquisa também pondera ao seu público sobre os objetivos do MST, que segundo o Ibope são três: a luta pela terra; a distribuição de renda e a busca por uma sociedade mais justa e igualitária. Em termos gerais, a CNA gostaria de saber se o seu discurso conservador e contra os pobres tinha ressonância na sociedade, ou se a causa do MST era vista popularmente como justa. E 88% dos entrevistados concordam com os objetivos descritos, apesar de 57% desconfiarem que o MST esteja lutando para tais fins. Enquanto 58% acham que o MST é legítimo porque são trabalhadores querendo terra para trabalhar e morar, mas que não têm condições de pagar por ela.
 
Assim, os ruralistas se defrontam com a legitimidade da reforma agrária na sociedade e que a maioria da população considera justa a sua causa. Daí se justifica a incessante tentativa de usarem o artifício de criminalizar os movimentos sociais e suas lideranças, julgando-os incapazes para atingir tal fim. Apesar de utilizar variados instrumentos para tentar impedir o avanço da reforma agrária, a bancada ruralista não conseguiu o argumento necessário para inviabilizar um projeto social que conceba uma sociedade mais justa e igual e não conta com o apoio da população brasileira.
 
- Jeansley Lima, 32 anos, é mestre em História Social pela Universidade de Brasília.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Incra critica ação ilegal de ruralistas em Bagé



A Superintendência Regional do Incra no RS divulgou nota oficial criticando a situação de conflito criada em Bagé por proprietários rurais que impediram, ontem, que funcionários do instituto ingressassem na área da comunidade quilombola das Palmas, em processo de regularização. A nota relata o ocorrido e lamenta a ação dos ruralistas:
A Superintendência Regional do Incra RS vem a público lamentar a situação de conflito criada em Bagé por proprietários rurais. Hoje (13) pela manhã, técnicos do Incra estiveram a campo iniciando o levantamento fundiário necessário ao Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do território da comunidade quilombola das Palmas. Um grupo de ruralistas cercou a equipe e não permitiu a realização do trabalho, dentro da área do próprio quilombo, em atitude totalmente ilegal e incompreensível.
Os servidores registraram queixa, e o Incra/RS está tomando providências para a realização do levantamento em segurança.
Cabe ressaltar que a atitude desmedida deste grupo depõe contra os avanços que o estado têm registrado nas políticas de reconhecimento dos direitos das comunidades remanescentes de quilombo. São do RS as duas primeiras comunidades quilombolas urbanas tituladas no país, no resgate de uma dívida histórica que o Estado brasileiro tem com o povo negro. Um avanço na cidadania, nos direitos humanos.
Em Bagé, a comunidade das Palmas habita a região há 200 anos. Em 2005, abriu processo no Incra para a regularização do seu território. Já possui laudo sócio-histórico-antropológico feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e o Incra/RS precisa iniciar os demais estudos necessários para definir o território a ser titulado em nome da comunidade.
Todo o processo é realizado de maneira pública, com muita tranqüilidade, seguindo a legislação competente, com acompanhamento do Ministério Público Federal. Uma vez publicado o RTID, há garantia de prazo de contestação por quem quer que se sinta prejudicado. Proprietários de áreas que devam ser desapropriadas são indenizados, a preço de mercado, conforme os termos legais.
Por tudo isto, é lamentável a atitude de um grupo como este em Bagé, que não buscou o diálogo, e sim o confronto. Só podemos entender que esta seja, terrivelmente para os gaúchos, a manifestação explícita de um racismo que tanto castiga o povo negro em nosso país, e que nos envergonha. Os quilombolas vizinhos, na visão destes proprietários, não têm o direito de registrar a sua própria terra.
Lamentamos esta atitude. Mas seguiremos o curso da história e da lei, e o município de Bagé poderá se orgulhar de ter resgatado a cidadania de seus quilombolas, quando a comunidade das Palmas estiver de posse de seu título, depois de séculos de espera.

Em busca de uma alternativa socialista...


Gerald Cohen: Em busca de uma alternativa socialista


“O Socialismo”, disse Albert Einstein, é a tentativa da humanidade “superar e sobrepujar a fase predatória da evolução humana”; e, para Gerald. A. Cohen, “todo mercado (...) é um sistema predatório”. Essa é a essência do último livro de Cohen, considerado pelo The Guardian como o maior filósofo político marxista dos nossos dias. O propósito do autor, que morreu em agosto de 2009, é assentar o que chama de as bases “preliminares” - uma tentativa que, afinal, bem poderia chegar a ser derrotada por realidades inexoráveis – de uma alternativa socialista.

Ellen Melksins Wood resenha o livro póstumo de Gerald A. Cohen “Why not Socialism?” (Princeton, 83 pgs, ISBN 978 0 691 143613).
“O Socialismo”, disse Albert Einstein, é a tentativa da humanidade “superar e sobrepujar a fase predatória da evolução humana”; e, para Gerald. A. Cohen, “todo mercado (...) é um sistema predatório”. Tal é a essência de seu último livro, breve porém incisivo e elegantemente escrito (Cohen morreu em agosto passado). Seu propósito é assentar o que chama de as bases “preliminares” - uma tentativa que, afinal, bem poderia chegar a ser derrotada por realidades inexoráveis – de uma alternativa socialista. É desejável, pergunta-se, e se desejável, factível, construir uma sociedade movida por algo que não seja a predação, que não responda às motivações “mesquinhas”, “baixas”, “repugnantes” do mercado, mas que esteja antes dirigida por um compromisso moral com a comunidade e com a igualdade?

Em seu estilo caracteristicamente lúcido, comprometido e delicadamente humorístico, Cohen começa imaginando um grupo de pessoas numa excursão para um camping. Nessas circunstâncias, sugere que a maioria das pessoas seriam “vigorosamente a favor de uma forma socialista de vida, preferindo-a outras alternativas factíveis”, comportando-se assim, pois, conforme aos princípios de igualdade e de comunidade, muito distintos dos que governam o comportamento normal no mercado. A questão é se esses princípios do acampamento poderiam ou deveriam ser postos em prática por obra do conjunto da sociedade. Na sua opinião, isso seria desejável para evitar os resultados necessariamente injustos dos mecanismos de mercado e as desigualdades que os acompanha. Mas é factivel?

Sobre isso, o veredito está por se pronunciar. É importante, insiste Cohen, distinguir entre dois tipos muito diferentes de obstáculos, os que emanam das limitações da natureza humana e os procedentes das limitações da tecnologia social; e conclui que nosso principal problema não é o egoísmo humano, mas a “carência do que chamamos de tecnologia organizativa adequada”. Trata-se, em outras palavras, de um problema de design. Mas, o fato de que não saibamos como desenhar a maquinaria social que teria de funcionar no socialismo não significa que nunca o poderemos ou que nunca o quereremos.

Cohen foca na idéia do “socialismo de mercado”, um sistema que estaria ainda fundado no mecanismo de preços, mas que evitaria a concentração de capital que gera o grosso das desigualdades do mercado capitalista. Isso, para ele, seria melhor que nada. É “o gênio do mercado que recruta motivações de baixa qualidade para fins desejáveis”; mas, o que os socialistas de mercado esquecem é que também há efeitos indesejáveis e que também esse seu tipo de mercado se orienta conforme esses motivos “mesquinhos”. Assim, pois, ele preferiria seguir buscando um meio de obter efeitos econômicos produtivos fundado em outras motivações.

As preocupações morais da filosofia de Cohen e – na sua análise dos mercados – e sua ênfase na moralidade das motivações poderiam parecer, à primeira vista, muito distantes; até diametralmente opostos à obra com que começou a se tornar conhecido: Karl Marx's Theory of History: A Defense (1978). O necrológio de Cohen publicado no The Guardian, em que ele é descrito como “comprovadamente o principal filósofo político da esquerda”, falou desse livro como de uma “reinterpretação revolucionária da teoria marxista”. Na realidade, o que Cohen produziu foi algo ainda mais audacioso. Era menos uma reinterpretação de Marx que uma defesa cerrada da interpretação mais ortodoxa.

É verdade, como se disse no Guardian, que aquilo que Cohen e seus colegas “marxistas analíticos” gostavam de chamar de o “no-bullshit Marxism” ou o “marxismo não charlatão”(1) arrastaram a teoria marxista para o vão da “ciência social burguesa da corrente principal”, aplicando-lhe as técnicas linguísticas e lógidas da filosofia analítica; só isso já era uma façanha. A teoria que ele defendia, cuja substância era um determinismo tecnológico, devia menos a Marx que a intérpretes posteriores, como Georgi Plejánov; mas terminou sendo tomada como a essência do materialismo histórico, no modo como o entendiam tanto os ideólogos dos partidos comunistas quanto os antimarxistas mais furibundos. O que tornou o projeto de Cohen ainda mais notório foi que, na época em que publicou sua defesa, essa ortodoxia tinha sido vigorosamente desafiada por historiadores que trabalhavam na tradição marxista, desde E.P.Thompson a Robert Brenner; e o velho determinismo tecnológico já tinha cedido espaço a interpretações muito diferentes de Marx.

É verdade que, uma vez descoberto, não é provável que todo progresso chegue a desaparecer por completo. Mas a compulsão primordial de melhorar constantemente as forças técnicas de produção não é uma lei geral da história. É, para bem ou para o mal, uma característica específica de uma forma social, o capitalismo. Seu modo particular de exploração, à diferença de quaisquer outro gera, como condição mesma de sua sobrevivência, uma compulsão implacável de melhorar a produtividade e, assim, de rebaixar os custos do trabalho, a fim de satisfazer e maximizar o lucro.

Embora as inevitabilidades históricas do determinismo tecnológico de Cohen tenham sido traduzidas por outros marxistas analíticos na linguagem da “eleição racional”, parecia haver nesse determinismo pouca margem para a eleição moral ou para as motivações morais, como forças históricas dinâmicas. Sem embargo, sua carreira intelectual subsequente se consagrou na questão da justiça e da igualdade socialistas, que estão no núcleo de seu último livro. Pareceria um caminho distante desde sua peculiar variedade de marxismo; e, visto que terminou descrevendo a si mesmo como um “ex-marxista”, poderíamos nos ver tentados a deixar as coisas assim, limitando-nos a concluir que, tendo repudiado o marxismo, e com ele quaisquer ilusões sobre o curso necessário da história, restou livre para pensar sobre o socialismo, não em termos de algo historicamente inevitável, mas como uma opção moral.

As coisas, porém, não são simples assim. Se contrastarmos o marxismo de Cohen com outras versões disponíveis, o que salta aos olhos é a congruência entre seu precoce determinismo tecnológico e sua filosofia moral dos últimos anos de vida. Não só porque seguiu apaixonadamente compromissado, como ex-marxista não menos que como marxista ortodoxo, com os valores socialistas e em especial com a igualdade. O certo é que sua teoria da história também está conectada com sua filosofia moral, no sentido de que ambas, afinal, são a-históricas. Isso é óbvio o suficiente quando referido nas abstrações da filosofia analítica, mas parece algo estranho se atribuído a uma teoria da história. O fato é que resulta extremamente difícil sustentar esse tipo de determinismo transhistórico [em termos kantianos, transcendental], sem se desinteressar dos processos históricos: não só das particularidades e das contingências do tempo e lugar, mas dos princípios diferencialmente operantes em cada modo específico de organizar a vida social.

(1) Bullshit é expressão da língua inglesa falada nos EUA e muito popular, que o filósofo Harry Frankfurt tomou de empréstimo para se referir a trabalhos intelectuais que não são exatamente nem falsários nem mentirosos, mas algo ainda pior, porque o falsário ou mentiroso são capazes de distinguir o verdadeiro do falso, ao passo que o bullshiter perdeu até essa capacidade.

(*) Ellen Meiksins Wood foi durante muitos anos professora de ciência política e filosofia na York University de Toronto, Canadá e também fez parte do comitê editorial da New Left Review. Entre 1997 e 2000 co-editou, junto com Paul Sweezy e Harry Magdoff, a revista estadunidense Monthlly Review. De orientação marxista, Wood publicou recentemente: “Citizens to Lords: A Social History of Western Political Thought from Antiguity to Middle Ages (Verso, London, 2008), The Origin of Capitalism: A Longer View (Verso, London, 2002). No Brasil, a Boitempo Editorial publicou Democracia contra Capitalismo: A Renovação do Materialismo Histórico, em 2003.

Tradução: Katarina Peixoto

terça-feira, 13 de abril de 2010

Escola Nacional Florestan Fernandes, uma conquista dos trabalhadores...

Vamos manter viva a universidade dos trabalhadores!
 
Por José Arbex Jr.
 
Caro leitor:a Escola Nacional Florestan Fernandes pede a sua ajuda urgente para se manter em funcionamento. Situada em Guararema (a 70 km de São Paulo), a escola foi construída, entre os anos 2000 e 2005, graças ao trabalho voluntário de pelo menos mil trabalhadores sem-terra e simpatizantes. Nos cinco primeiros anos de existência, passaram pela escola 16 mil militantes e quadros dos movimentos sociais do Brasil, da América Latina e da África. Não se trata, portanto, de uma “escola do MST”, mas de um patrimônio de todos os trabalhadores comprometidos com um projeto de transformação social. Entretanto, no momento em que o MST é obrigado a mobilizar as suas energias para resistir aos ataques implacáveis dos donos do capital, a escola torna-se carente de recursos. Nós não podemos permitir ou sequer tolerar a ideia de que ela interrompa ou diminua o ritmo de suas atividades.
 
A escola oferececursos de nível superior, ministrados por mais de 500 professores, nas áreas de Filosofia Política, Teoria do Conhecimento, Sociologia Rural, Economia Política da Agricultura, História Social do Brasil, Conjuntura Internacional, Administração e Gestão Social, Educação do Campo e Estudos Latino-americanos. Além disso, há cursos de especialização, como Direito e Comunicação no campo, em convênio com outras universidades. O acervo de sua biblioteca, formado com base em doações, conta hoje com mais de 40 mil volumes impressos, além de conteúdos com suporte em outros tipos de mídia. Para assegurar a possibilidade de participação das mulheres, foram construídas creches (as cirandas), onde os filhos permanecem enquanto as mães estudam.
 
A escola foi erguida sobre um terreno de 30 mil metros quadrados, com instalações de tijolos fabricados pelos próprios voluntários. Ao todo, são três salas de aula, que comportam juntas até 200 pessoas, um auditório e dois anfiteatros, além de dormitórios, refeitórios e instalações sanitárias. Os recursos para a construção foram obtidos com a venda do livro Terra (textos de José Saramago, músicas de Chico Buarque e fotos de Sebastião Salgado), contribuições de ONGs europeias e doações.
 
Claro que esse processo provocou a ira da burguesia e de seus porta-vozes “ilustrados”. Não faltaram aqueles que procuraram, desde o início, desqualificar o ensino ali ministrado nem as “reportagens” sobre o suposto caráter ideológico das aulas (como se o ensino oferecido pelas instituições oficiais fosse ideologicamente “neutro”) ou ainda as inevitáveis acusações caluniosas referentes às “misteriosas origens” dos fundos para a sustentação das atividades. As elites simplesmente não suportam a ideia de que os trabalhadores possam assumir para si a tarefa de construir um sistema avançado, democrático, pluralista e não alienado de ensino. Maldito Paulo Freire!
                                                    
José Arbex Jr. é jornalista

Para ler o artigo completo e outras reportagens confira a edição de março da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.

Análise economica...

Fundamentalismo marxista

por Zoltan Zigedy
Evolução de taxas de rendimentos nos EUA, 1990-2005. Por mais que as coisas tenham mudado desde o tempo de Karl Marx, suas percepções fundamentais sobre a conexão entre trabalho, exploração e lucro continuam sendo o melhor guia para a compreensão do capitalismo e da sua crise. Teóricos vêm e vão, alternando revisões elaboradas ou alternativas baseadas em conceitos de subconsumo, superprodução, desequilíbrio, etc.

Muitos têm encontrado nas características mutantes do capitalismo – como monopolização, automação, integração vertical, descentralização, inovação em chips e robôs, globalização, financiarização, etc. – a alternância entre a lógica da produção capitalista e sua inclinação à disfunção.

Outros ainda têm visto as mudanças nas relações gerenciais e de propriedade como mudanças na dinâmica da acumulação capitalista. Ainda que tudo isso reflita verdades e perspectivas úteis, perdem de vista ou obscurecem o mecanismo que dirige todos os processos capitalistas: a busca do lucro pela exploração da empresa capitalista.

Para Marx, a expressão desse mecanismo e da sua propensão para errar o alvo reside na luta para manter lucros mesmo com sua tendência intrínseca ao declínio. Chamem-me de fundamentalista, mas eu acredito que isso era, e ainda é, o melhor, se não o único, caminho para entender a crise capitalista, incluindo a recente profunda recessão.

Exploração, lucros e salários

Tenho frequente e enfaticamente escrito acerca da elevação da taxa de exploração nos EUA como consequência do severo declínio econômico. Apontei a explosão de produtividade do trabalho gerada pelo desemprego em massa, fraca resistência organizada e cumplicidade governamental.

Os números oficiais são assombrosos, e superam todos os precedentes recentes (ver A exploração aumenta, o desemprego dispara! e A guerra de classes: como estão as coisas ). E os relatórios desta radical reestruturação das relações entre trabalho e capital continuam a aumentar, apesar de haver pouca repercussão na imprensa trabalhista e esquerdista.

O Departamento do Comércio relata que os lucros corporativos antes de impostos no quarto trimestre de 2009 subiram quase 30% em relação ao ano anterior e 8% em relação ao trimestre anterior (a elevação no terceiro trimestre foi de 10,8% sobre o segundo trimestre). A economia dos EUA não via aumento igual nos lucros corporativos antes de impostos desde 1984, durante a administração Reagan. Claramente, a produtividade do trabalho e a taxa de lucro estão se movendo atreladamente. Isso é uma evidência adicional de que os lucros estão crescendo a partir da intensificação do processo do trabalho – nas costas dos trabalhadores.

Se algum dado adicional ainda fosse necessário, o Departamento de Comércio também relata que o rendimento pessoal caiu em 42 dos 50 estados no último ano a uma taxa acumulada de 1,7%, não ajustada pela inflação. Deve-se notar que este relatório agrupa num bolo só os salários, dividendos, rendas, pensões de aposentadoria e benefícios governamentais, subestimando o impacto sobre a classe trabalhadora.

É claro que nem todos os lucros foram gerados diretamente a partir da exploração no nível da produção. Metade da explosão de lucros foi gerada no setor financeiro. Com o setor financeiro, os trabalhadores foram, todavia, indiretamente explorados pelos numerosos empréstimos, pela assunção de ativos cancerosos e pela extensão dos empréstimos essencialmente livres de juros e risco. Alguns estimam esse fardo – a ser recuperado através de juros futuros e dos cortes em ativos públicos comuns e programas sociais – em um total de US$ 14 milhões de milhões (trillion). Outros estimam ainda mais.

Admito que o trabalho organizado nos EUA está mostrando alguma iniciativa no campo eleitoral, incentivando a administração e os Democratas a mostrar alguma fibra na defesa de programas que beneficiam trabalhadores. Não obstante, o legado de cumplicidade na destruição do sindicalismo de luta de classes nos primeiros estágios da Guerra Fria atrelou os atuais líderes trabalhistas a um tímido colaboracionismo de classe que falha em opor mesmo uma resistência modesta a esta brutal ofensiva de classe.

O crescimento, a rede de segurança e a luta de classe

Redução da desigualdade através de impostos e de transferências 
governamentais. Graças a movimentos mais militantes e mais fortes de trabalhadores, formações oposicionistas e partidos políticos genuinamente de esquerda, tem havido muita resistência na União Européia a qualquer rendição no estilo americano a uma recuperação unicamente capitalista construída nas costas dos trabalhadores e a partir dos seus bolsos.

Num raro distanciamento das práticas passadas, de reservar diatribes ideológicas às páginas finais, The Wall Street Journal apresentou um discurso na primeira página à União Européia: "A escolha da Europa: Crescimento ou rede de segurança" (25/3/2010). Os redatores do WSJ encamparam a causa do alto desemprego de jovens na Europa, mas estranhamente deixaram de reconhecer qualquer conexão com os fracassos do capitalismo. Ao invés disso, culparam as pensões, benefícios, proteção ao emprego e outros elementos da rede de segurança social-democrata histórica na Europa. Estranho, mesmo. Eles notam que "… muitos economistas dizem: vamos acabar com o precioso 'modelo social'.

Isso significa limitar as pensões e benefícios àqueles que realmente necessitam deles, assegurando que os capacitados estejam trabalhando ao invés de viver do estado, e eliminando leis de comércio e do trabalho que desestimulem o empreendedorismo e a criação de empregos".

Esta prescrição pode ter sido considerada um atrativo para o modelo americano quando a economia dos EUA estava indo bem sozinha, mas inspira desprezo face ao desemprego maciço dos EUA, com pensões e benefícios financiados ou inexistentes, cuidados médicos criminosamente inadequados, execuções de hipotecas residenciais, aumento da fome, etc. Não admira que escritores comentem "Mesmo nas melhores épocas, os europeus relutam em migrar para o modelo do tipo dos EUA". E deviam mesmo relutar.

As trincheiras desta batalha pelo futuro da classe trabalhadora européia estão nos países tradicionalmente mais pobres – Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda – que tomaram extensivamente empréstimos para manter um ritmo econômico e um padrão de vida consoantes com seus vizinhos mais ricos: acompanhando os outros numa escala nacional. Agora, os membros mais fortes da comunidade européia querem puni-los por suas dívidas – dívidas em escala não muito diferente da dos EUA ou Reino Unido. Os estados mais poderosos estão insistindo em cortes orçamentários que reduzirão drasticamente salários, pensões e benefícios, ao mesmo tempo em que também sufocarão qualquer potencial para o crescimento. Isso é simplesmente impor o modelo americano por decreto.

Na Grécia, em particular, as classes trabalhadoras estão vigorosa e determinadamente resistindo a essas mudanças draconianas, dirigidas por um movimento trabalhista combativo e pelos comunistas gregos. Eles merecem nossa solidariedade e servem como exemplo ao nosso próprio movimento trabalhista.

Dívida e a luta de classe

A dívida é um monstro de duas cabeças. No pior momento da crise, a carga de débitos incorridos por instituições financeiras irresponsáveis foi pronta e não-democraticamente transferida do setor privado para o setor público através de imensos empréstimos. O problema deles com as dívidas é agora nosso problema. Zhu Min, vice-governador do Banco Popular da China, coloca bem isso: "Os governos tentam colocar todo o fardo do seu setor financeiro sobre os seus próprios filhos".

Mas agora, com esta carga sobre os ombros dos trabalhadores, estes mesmos governos pedem alarmados a redução das dívidas. Não surpreendentemente, seguem de perto a estratégia da UE de exigir reduções em programas sociais. No caso dos EUA, a dieta de dívidas prescreve cortes no "desperdício" de programas sociais como Medicaid, Medicare e Segurança Social. Naturalmente, não se fala em reduzir o imenso orçamento militar ou elevar impostos sobre corporações e grandes riquezas. A questão da dívida é calculada para ser outra arma no assalto aos padrões de vida dos trabalhadores.

Devem-se extrair lições desta ofensiva intensa contra os trabalhadores. Nos EUA, a administração Democrata e sua tropa de congressistas fizeram pouco o nada para apoiar os trabalhadores na luta de classe. Ao contrário, eles incentivaram medidas que intensificaram a exploração, acumularam dívida sobre a classe trabalhadora e ameaçaram sua rede de segurança. Os líderes do movimento trabalhista conseguiram muito pouco com lobbies, persuasão e afagos; eles falharam em levar a luta para os locais de trabalho e para as ruas.

A crise capitalista está longe de ultrapassada. As monstruosidades financeiras que desencadearam a crise estão novamente gordas, desreguladas e perseguindo ardorosamente novas aventuras arriscadas que acelerarão sua taxa de lucro. Há todas as razões para acreditar que irão cair por terra novamente. Tivemos uma oportunidade de parar este ciclo louco com a nacionalização, mas nossos líderes econômicos escolhem premiar os bancos e encorajá-los a continuar com suas loucuras.

Empresas não financeiras estão inchando com lucros da exploração intensificada, mas não têm mercados ou crescimento de consumo que justifiquem investimento, expansão ou aumento de empregos, uma situação que promete ainda mais pressão em sua taxa de lucros. Naturalmente eles podem arrochar ainda mais os trabalhadores, mas esperançosamente aprenderemos a lição dos nossos camaradas gregos e a eles nos uniremos nas ruas.
O original encontra-se em http://mltoday.com/en/marxist-fundamentalism-821-2.html . Tradução de RMP.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Igreja e a pedofilia....

Vinde a eles as criancinhas?




Frei Betto *Adital -
 

As sucessivas denúncias de pedofilia e abuso sexual cometidos por sacerdotes e acobertados por bispos e cardeais envergonham a Igreja Católica e abalam a fé de inúmeros fiéis.
No caso da Irlanda, onde mais de 2 mil crianças entregues aos cuidados de internatos religiosos foram vítimas da prática criminosa de assédio sexual, o papa Bento XVI divulgou documento em que pede perdão em nome da Igreja, repudia como abominável o que ocorreu e exige indenização às vítimas.
Faltou ao pontífice determinar punições da Igreja aos culpados, ainda que tenha consentido em submetê-los às leis civis. O clamor das vítimas e de suas famílias exige que a Santa Sé aja com rigor: suspensão imediata do ministério sacerdotal, afastamento das atividades pastorais e sujeição às leis civis que punem tais práticas hediondas.
A crescente laicização da sociedade europeia reduz drasticamente o número de fiéis católicos e a freqüência à igreja. O catolicismo europeu, atrelado a uma espiritualidade moralista e a uma teologia acadêmica, afastado do mundo dos pobres e imbuído de um saudosismo ultramontano que o faz ignorar o Concilio Vaticano II, perde sempre mais o entusiasmo evangélico e a ousadia profética.

 

Dominado por movimentos fundamentalistas que cultivam a fé em Jesus, mas não a fé de Jesus, o catolicismo europeu cheira a heresia ao incensar a papolatria e encarar o mundo não mais como vale de lágrimas e sim como refém de um relativismo que corrói as noções de autoridade, pecado e culpa.
Ao olvidar a dimensão social do pecado, como a injustiça, a opressão, o latifúndio improdutivo ou a apologia da desigualdade, o catolicismo liberal centrou sua pregação na obsessão sexual. Como se Deus tivesse incorrido em erro ao tornar a sexualidade prazerosa.
Como o Espírito Santo se vale de vias transversas para renovar a Igreja, tomara que as denúncias de pedofilia eclesiástica sirvam para pôr fim ao celibato obrigatório do clero diocesano, permitir a ordenação sacerdotal de homens e mulheres casados e ultrapassar o princípio doutrinário, ainda vigente, de que, no matrimônio, as relações sexuais são admissíveis apenas quando visam à procriação.
Ora, tivesse Deus de acordo com tal princípio, não teria feito do gênero humano uma exceção na espécie animal e, portanto, destituiria o homem e a mulher da capacidade de amar e expressar o amor por meio de carícias e incutiria neles o cio próprio dos períodos procriatórios dos bichos, o que os faz se acasalar.
Jesus foi celibatário, mas é uma falácia deduzir que pretendeu impor sua opção aos apóstolos. Tanto que, segundo o evangelho de Marcos, curou a sogra de Pedro (1, 29-31). Ora, se tinha sogra, Pedro tinha mulher. E ainda foi escolhido como primeiro cabeça da Igreja.
Os evangelhos citam as mulheres que integravam o grupo de discípulos de Jesus: Suzana, Joana etc. (Lucas 8, 1-3). E deixam claro que a primeira pessoa a anunciar Jesus como Deus entre nós foi uma apóstola, a samaritana (João 4, 39).
Nos seminários e casas de formação do clero e de religiosos é preciso avaliar se o que se pretende é formar padres ou cristãos, uma casta sacerdotal ou evangelizadores, pessoas submissas ao figurino romano ou homens e mulheres dotados de profunda espiritualidade evangélica, afeitos à vida de oração e comprometidos com os direitos dos pobres.
No tempo de Jesus, as crianças eram desprezadas por sua ignorância e repudiadas pelos mestres espirituais. Jesus agiu na contramão dos preceitos vigentes ao permitir que as crianças dele se aproximassem e ao citá-las como exemplo de fidelidade a Deus. Porém, deixou claro que seria preferível amarrar uma pedra no pescoço e se atirar na água do que escandalizar uma delas (Marcos 9, 42).
As sequelas psíquicas e espirituais daqueles que confiaram em sacerdotes tarados são indeléveis e de alto custo no tratamento terapêutico prolongado. As vítimas fazem muito bem ao exigir indenização. Resta à Igreja punir os culpados e cuidar para que tais aberrações não se repitam.

[Autor de Um homem chamado Jesus (Rocco), entre outros livros.

Transcrito do jornal ‘Estado de Minas’ em 08/04/2010].

* Escritor e assessor de movimentos sociais

sábado, 10 de abril de 2010

A midia corporativa e o monopólio da comunicação.....

Velhas e novas formas de ameaças à liberdade de expressão

Ao contrário do que afirma a grande imprensa, as ameaças à liberdade de expressão no país não vêm das iniciativas de regulação da mídia. No Brasil, é o sistema de concessões e renovação de outorgas de rádio e TV um dos principais mecanismos de concentração da propriedade da mídia e ausência da pluralidade de vozes nos meios de comunicação. Por outro lado, as verbas governamentais para publicidade se transformaram numa nova maneira de influenciar a cobertura dos veículos impressos.

Desde 2009, quando o tema da regulação e controle social da mídia ganhou espaço no debate público nacional com a realização da I Conferência Nacional de Comunicação, os grandes meios têm dedicado espaço considerável em suas páginas ou telejornais para bradar, sem cessar, que a liberdade de expressão está ameaçada no país. Foi esta a tônica da cobertura das resoluções da I Confecom; tem sido este um dos motivos para os ataques da imprensa ao Programa Nacional de Direitos Humanos; e foi este o discurso professado sem constrangimentos pelas entidades apoiadoras do Instituto Millenium, que recentemente realizou um seminário em São Paulo onde os donos da mídia garantiram que há censura estatal no Brasil.

No entanto, em um outro seminário, também realizado em São Paulo, esta semana, desta vez no Memorial da América Latina, o debate sobre liberdade de expressão ganhou outros contornos. E deixou claro que os limites e supostas ameaças a este direito fundamental em nosso país são de outra ordem e têm raízes muito mais profundas do que querem nos fazer crer os grandes empresários da comunicação.

Numa palestra elucidadora, o pesquisador e ex-professor da Universidade de Brasília, Venício Lima, apontou o sistema de concessões e renovação das outorgas de rádio e televisão como um lócus privilegiado para a manutenção de interesses privados – disfarçados de públicos –, que na prática caracteriza uma das maiores ameaças à liberdade de expressão no país. Segundo Lima, o funcionamento das concessões de radiodifusão no Brasil gerou um fenômeno agora conhecido por “coronelismo eletrônico”, só que em vez do controle da terra, como acontecia na República Velha, hoje é o controle dos meios de comunicação de massa que leva seus proprietários ao controle político de diferentes regiões do país.

“Não é novidade que os políticos locais tenham vínculos com a mídia, não apenas no nordeste. São governadores, deputados estaduais, senadores, que formam verdadeiras oligarquias regionais. Os nomes também são conhecidos: Sarney, Garibaldi, Collor, Magalhaes, Jereissati etc”, conta Venício Lima. “A moeda de troca continua sendo o voto, mas agora com base no controle da informação e na influência da opinião pública. A recompensa é antecipada aos coronéis pelas outorgas de rádio e TV, que depois são renovadas automaticamente”, explica.

Segundo o pesquisador, há uma série de normas e procedimentos legais das concessões que têm permitido e perpetuado essa situação, ameaçadora para a liberdade de expressão do conjunto da população brasileira. Uma delas, prevista na Constituição Federal, cria assimetrias em relação aos demais concessionários de serviços públicos. Ao contrário de outras áreas, onde o poder concedente pode cancelar contratos de concessão caso o serviço não esteja sendo cumprido a contento, na radiodifusão, para uma concessão não ser renovada são necessários dois quintos de votos nominais, ou seja, abertos, do Congresso Nacional.

“Diante do poder da mídia, é improvável que um processo de não renovação chegue a ser votado. Menos provável ainda que uma concessão não seja renovada por quem depende da televisão para sua sobrevivência política. Não há na história do Brasil um projeto de não renovação que tenha sido sequer apresentado no Congresso”, afirma. “Já o cancelamento de uma concessão durante sua vigência só ocorre com decisão judicial”, acrescenta.

Os critérios para definição dos concessionários de rádio e televisão também não têm relação com o que a legislação brasileira estabelece para o serviço de radiodifusão. Os princípios que devem orientar a programação das emissoras, por exemplo, previstos no Art.221 da Constituição, não são usados como critério. Tão pouco o respeito à complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal de comunicação e à regra que proíbe o monopólio da mídia.

“Sem falar dos casos em que os próprios representantes do coronelismo eletrônico votam em benefício próprio. Como a Constituição compartilha entre o Executivo e o Congresso Nacional o poder de outorga, há casos de senadores e deputados votando na renovação de suas próprias concessões”, critica Venício Lima. “O resultado é a formação de um sistema de radiodifusão protagonizado pela concentração privada, e onde há uma clara assimetria na disputa eleitoral entre aqueles que usam as concessões em benefício próprio e aqueles que não têm acesso a este serviço público”, completa.

Independência editorial
Se por um lado o sistema de outorgas de rádio de TV historicamente tem contribuído para limitar a liberdade de expressão no país, o seminário no Memorial chamou a atenção para uma nova ferramenta que, de forma indireta, pode trazer conseqüências na linha editorial dos veículos, sobretudo dos impressos: a publicidade governamental.

Para o jornalista Eugênio Bucci, professor da Universidade de São Paulo e articulista do jornal O Estado de S.Paulo, a influência do poder político no funcionamento dos meios de comunicação através da publicidade oficial tem crescido nos últimos anos. Levantamento do Grupo de Mídia São Paulo, que faz uma avaliação anual do tamanho do mercado anunciante no Brasil, mostrou que em 2008 foram gastos R$ 23 bilhões em publicidade no país. O maior anunciante são das Casas Bahia, com R$ 3 bilhões. Somados, todos os governos municipais, estaduais e federal totalizaram R$ 2,7 bilhões. Somente o governo de São Paulo saltou de R$ 59 milhões de publicidade oficial em 2007 para R$ 158 milhões em 2008. Os Ministérios da Educação, do Turismo e da Saúde, juntos, gastaram R$ 628 milhões no mesmo ano.

“Por meio da verba governamental, interesses dos governos adquirem uma entrada privilegiada nas redações dos jornais, influenciando na pauta e minando a liberdade de imprensa. Tenho dúvidas sobre a necessidade e pertinência do Poder Executivo ser um anunciante tão grande”, questiona Bucci. “Na prática, os anúncios são a continuação da propaganda eleitoral fora do período de campanha. Não é à toa que são feitas pelas mesmas equipes, com a mesma linguagem”, acredita.

Com este tipo de política, na opinião do jornalista, abre-se espaço para um tipo de pressão do governo sobre jornais de porte médio ou pequeno, onde a presença do anúncio público pode representar a diferença entre a viabilidade econômica e a falência. “A força de pressão que o controlador da verba pública tem sobre essas publicações é imensa. Direta ou indiretamente as oligarquias que controlam as verbas públicas acabam interferindo na pauta desses jornais”, afirma.

Bucci admite que há uma chantagem mútua neste processo, onde muitos veículos também podem pressionar governos por mais anúncios em troca de uma cobertura favorável ou não às administrações públicas. “É um ecossistema. Este tipo de pressão existe de um lado e de outro e setores do mercado e do Estado se associam nesta simbiose”, diz.

Um caminho apontado no seminário para garantir a independência editorial dos veículos de pequeno e médio porte foi a criação de linhas de financiamento e fomento público para órgãos de comunicação, prática bastante difundida nos países europeus e também nos Estados Unidos e que ainda não se tornou realidade no Brasil.

A convidada internacional do seminário, a jornalista Liza Shepard, ombudsman da Rádio Pública Nacional (NPR) dos Estados Unidos, concordou. Com a crise econômica que atravessa o país e a queda nas vendas dos jornais impressos diante do boom da internet, pela primeira vez algumas empresas americanas privadas de comunicação começam a pensar em ajuda governamental.

“Vivemos um tempo de instabilidade e revolução na mídia. Se o governo ajuda a indústria bélica, automobilística, porque não pode fazer o mesmo com a indústria de notícias? É algo que ainda está em discussão”, conta.

Hoje, no entanto, a independência editorial da NPR é garantida em parte por sua forma de financiamento. Somente 2% dos 150 milhões de dólares de seu orçamento anual vêm do governo dos Estados Unidos. A NPR não é uma emissora, e sim uma produtora de conteúdo para rádios públicas que tira a maior parte de seu sustento da venda de programação para 900 emissoras em todo o país. Sua programação atinge 34 milhões de pessoas, das quais 10%, todos os anos, doam recursos para a sustentação das rádios.

“Pode o governo fazer parte do financiamento e não controlar nada editorialmente? Sim. É assim que funciona nos EUA. A NPR é um exemplo positivo de como uma mídia pública pode operar de forma independente de um governo”, conclui Liza.

Documentário para entender melhor os conflitos agrários no Brasil....





(Brasil, 2007, 111min.- Direção: Alexandre Rampazzo)

Um dos documentários mais completos para se entender a questão dos conflitos agrários no Brasil.

Trabalhadores sem opção de sobrevivência em seus estados partem para a Amazônia, no Pará, para trabalhar nas fazendas iludidos pelo sonho de se poder conseguir o sustento de suas famílias. Mas a realidade é outra, grande parte não volta mais, torna-se um contingente de trabalhadores escravos, inseridos em um ciclo vicioso de trabalho e dívida com seu patrão. Após serem explorados durante décadas, muitos tornam-se indigentes. Muitos dos que tentam escapar desse sistema, são assassinados.

O chamado "Agronegócio" do latifúndio está quase sempre associado a diversas práticas nocivas a sociedade e ao planeta: quase todas as fazendas da região são produtos da grilagem, ou seja, são terras da União que de alguma forma foram fraudadas em nome de alguém; os pistoleiros, quando não a polícia do Estado, promovem a "limpeza" humana das áreas, ameaçando, assassinando os colonos que lá antes habitavam. Esse modelo está ligado a derrubada de florestas, extinção de espécies, queimadas, contaminação dos recursos hídricos, a concentração de terras e de renda.

Para fazer frente a isso, surgem os grupos sociais, como o Movimento dos Sem Terra, a Pastoral da Terra e personalidades internacionais, como Dorothy Stang, que enfrentam o poder dos fazendeiros, políticos corruptos, assassinos e a mídia tradicional.
(Comentários: Docverdade)

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sexta-feira, 9 de abril de 2010

Nota do MST de apoio à greve dos professores de SP...

SOLIDARIEDADE À LUTA DOS PROFESSORES DE SÃO PAULO

O direito de greve foi conquistado com a pressão dos trabalhadores e trabalhadoras por melhores condições para exercerem as suas atividades. Dessa forma, as sociedades avançaram em todo o mundo, com a consolidação das legislações trabalhistas para garantir direitos aos trabalhadores e deveres ao capital.

Os professores da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo estão em greve desde 8 de março, portando na sua mobilização toda a mística das lutas históricas do Dia Internacional das Mulheres.

Na greve, apresentam uma pauta de negociação que reivindica reajuste salarial de 34,3%, a incorporação das gratificações e extensão aos aposentados, um plano de carreira justo e a garantia de emprego. O salário base de um professor alfabetizador de Educação Básica I é de R$ 785,50. Já os professores de Educação Básica II recebem R$ 909,32.

Dois dados para efeito de comparação, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A cesta básica na cidade de São Paulo, a segunda mais cara do país, custa R$ 229,64 - isso é quase 30% do salário de um educador só para comer o básico. Já o salário mínimo necessário, de acordo com o preceito constitucional, deveria estar na base de R$ 2.003,30.

No momento em que as centrais sindicais e os movimentos populares fazem uma grande campanha pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, o governo de São Paulo, comandado por José Serra (PSDB), atua de forma intransigente e reprime violentamente os protestos de professores.

Os protestos dos grevistas sofreram uma forte repressão da Polícia Militar. Mais uma vez, os direitos de organização e manifestação previstos na Constituição são desrespeitados. A PM paulista infiltrou até mesmo soldados numa passeata com 30 mil educadores pelas ruas da capital paulista. Depois de 25 anos da derrota da ditadura militar, manifestantes são monitorados e lideranças listadas para posterior perseguição, além da criação de tumultos para desmoralizar a greve.

Dessa forma, o governo Serra repete os métodos de criminalização de viés fascista da gestão Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul. A ausência de diálogo, violência física, processos judiciais (nos âmbitos civil e criminal) e perseguição política caracterizam o tratamento das lutas dos trabalhadores pelos governos conservadores.

Temos denunciado o processo de criminalização das lutas sociais, a perseguição dos movimentos populares, sindicais e estudantis e a interdição de qualquer conquista da classe trabalhadora. O governo Serra pretende derrotar a greve dos professores e abrir caminho para uma ofensiva contra os direitos sociais e trabalhistas do povo. Dessa forma, pretendem repetir a ação do governo Fernando Henrique Cardoso contra a greve dos petroleiros em 1995.

O nosso movimento, que vem enfrentando um processo duro de criminalização, liderado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, pela bancada ruralista no Congresso Nacional (foram criadas três CPIs em oito anos para nos investigar) e pela mídia burguesa, manifesta apoio à luta dos educadores.

Vamos organizar, ao lado das centrais sindicais, movimentos populares e organizações estudantis, uma grande campanha nacional de apoio aos professores e contra a criminalização das lutas sociais.

As reivindicações são justas e necessárias, ainda mais porque a educação deve ser a prioridade no país. Se os professores, que exercem uma das atividades mais nobres na nossa sociedade, são tratados dessa forma, não podemos esperar nada além do que violência como resposta às lutas da classe trabalhadora que ainda virão.

SECRETARIA NACIONAL DO MST

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Estado fascista-sionista de Israel bombardeia Faixa de Gaza e Cisjordânia


A resistência não cessa

Com paus e pedras, palestinos enfrentam a repressão sionista após bloqueio à Cisjordânia
Na primeira quinzena de março o exército sanguinário de Israel bloqueou os acessos à   Cisjordânia. Os sionistas bloqueiam a Cisjordânia em data festiva, mas dessa vez a razão não era essa. Mais de duzentos manifestantes palestinos enfrentaram, no dia 13 de março, o exército israelense no posto de controle militar de Kalendia, ao norte de Jerusalém, na região da Cisjordânia ocupada. A resistência palestina, que tem o Hamas como sua força principal, denuncia a invasão de Israel na Cisjordânia e em particular na Jerusalém oriental.
Cresce o número e o volume dos protestos, cada vez mais radicalizados, desde que Israel anunciou seu plano para a ocupação de um bairro da Cisjordânia com 1.600 casas de colonos.
A política colonialista e de agressão lançada por Israel contra o povo e os territórios palestinos é incessante desde o fim da 2? guerra imperialista mundial e se aprofundou nos últimos anos. O imperialismo, principalmente o ianque, que se utiliza do Estado de Israel como seu principal preposto no Oriente Médio, faz demagogia "aconselhando" a não implantação das 1.600 casas de colonos judeus. Dois pesos, duas medias: aos sionistas, patrocínio e "conselhos"; aos palestinos, genocídio e cerco permanente.

Dia de fúria

Frente aos ataques de Israel, o Hamas convocou o 'dia de fúria'. Centenas de palestinos se levantaram em uma onda de protestos e entraram em choque com as forças sionistas em Jerusalém.
No dia 16 de março manifestantes palestinos queimaram pneus e atiraram pedras contra os policiais israelenses, cerca de 60 pessoas foram presas. O governo fascista de Israel enviou três mil militares para reprimir os protestos.
Também ocorreram enfrentamentos no posto de controle de Qalandiya, nas proximidades de Ramallah, capital administrativa palestina. Grupos de manifestantes ergueram barricadas e lançaram pedras contra as tropas israelenses. Em Dir Nizam, próximo a Ramallah, cerca de cem palestinos atiraram pedras contra os soldados israelenses. Outros enfrentamentos se deram em Bilin e Nilin.

Bombas assassinas de Israel

No dia 19 o exército sionista desferiu um ataque aéreo atingindo dez áreas em Gaza. Helicópteros Apache e aviões F-16 do exército sionista dispararam 10 mísseis a meia noite.
No dia 20, novo ataque deixou onze pessoas feridas. As bombas lançadas por helicópteros israelenses atingiram um aeroporto desativado na Faixa de Gaza. As forças da resistência palestina responderam lançando foguetes contra Israel.
Os porta-vozes sionistas dizem que estes bombardeios são uma "forte resposta" a cinco foguetes lançados contra Israel pela resistência palestina entre os dias 18 e 19 de março que teriam causado a morte de um tailandês naquele país. O que não é citado em nenhum momento é que este suposto tailandês foi a primeira pessoa a morrer no sul de Israel desde agressão sionista à Faixa de Gaza, entre dezembro de 2008 e janeiro do ano passado, que deixou milhares de mortos e centenas de milhares de mutilados e desabrigados. Nesse mesmo período cerca de cem palestinos foram assassinados em Gaza por militares israelenses ou morreram em confrontos.

Gaza se levanta

Grandes protestos marcaram o dia 19 de março na Faixa de Gaza. Mais de 10 mil pessoas saíram às ruas na área central do território, enquanto outras 2 mil realizaram uma manifestação em Rafah, ao sul.
Durante os protestos os militares israelenses mataram quatro palestinos. Os dois primeiros, mortos no dia 20 a tiros, eram camponeses que portavam apenas seus instrumentos de trabalho. Enquanto os militares sionistas dizem ter sido atacados pelos dois, testemunhas palestinas, citadas pela agência de notícias palestina Wafa, afirmaram que ambos "eram lavradores que carregavam ferramentas agrícolas, e que os soldados atiraram quando eles se aproximaram do posto de controle porque cantavam canções políticas da resistência".
No dia 21, um jovem palestino foi assassinado por tropas israelenses durante um protesto no território ocupado da Cisjordânia. Um outro jovem da mesma família também morreu ao ser atingido pelos tiros. Useid Abed an-Nasser Qadus, de 17 anos, foi atingido no estômago. Segundo a agência de notícias palestina Maan, "o adolescente morreu por causa da perda intensa de sangue, apesar de receber 12 transfusões". Mohammed Ibrahim Qadus, de 16 anos, morreu no mesmo ataque sionista sendo atingido por um tiro na cabeça. 

Original em : A Nova Democracia

Reforma agrária urgente....

Em concentração de renda, Brasil rural só não supera Namíbia





Repórter Brasil *Adital -
 

Um "país" dentro do Brasil com 30 milhões de habitantes, com a quadragésima (40a) maior população do mundo, atrás apenas de Brasil e Argentina na América do Sul. Este "numeroso contingente" que forma a "nação" do Brasil rural, mesmo que cada vez menos quantitativa em comparação às multidões dos centros urbanos, continua sendo relevante.
De acordo com estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), que analisou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008, "as dificuldades a que essa população [rural brasileira] está sujeita produzem, do ponto de vista social, grandes impactos".
A acentuada desigualdade - já destacada em outros levantamentos como o Censo Agropecuário 2006 - é um dos principais traços desta "pátria" fora das cidades. A concentração de renda dos domicílios rurais brasileiros, aferida segundo o índice de Gini, atinge 0,727. Guardadas as devidas particularidades e apenas a titulo de comparação em termos de grandeza, no mundo todo, somente a Namíbia, com 0,743, apresenta índice maior, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 das Nações Unidas . Quanto maior o índice (que vai de 0 a 1), maior a concentração.
Países com concentração acima 0,6 se enquadram nos "níveis extremamente altos de desigualdade social". Além da Namíbia, apenas Comores (0,643) - formada por três ilhas entre a Costa Oriental de África e Madagascar - e Botsuana (0,61) fazem parte do grupo. O Brasil como um todo é o atrás apenas dos três países africanos já citados e de Haiti (0,595), Angola (0,586), Colômbia (0,585), Bolívia (0,582), África do Sul (0,578) e Honduras (0,553).
"A questão da concentração do patrimônio rural no Brasil precisa ser resolvida. O fortalecimento da democracia implica distribuir melhor esse patrimônio", comentou Brancolina Ferreira, coordenadora de Desenvolvimento Rural da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) e uma das autoras da publicação. "Grande parte da mídia demoniza os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária. Eles contribuíram muito para a democratização no campo, que ainda tem um longo caminho a percorrer", completou.
Além da concentração, também surpreende a quantidade de não remunerados em empreendimento do grupo agrícola: eles representam 43% da mão de obra rurícola (veja divisão abaixo). Uma das hipóteses plausíveis sugeridas no estudo do Ipea é que a maior parte desses trabalhadores vive em domicílio em que a família possui alguma fonte de renda.
"Porém, dada a expressividade do número de não remunerados no total da força de trabalho ocupada, é provável que no interior deste contingente encontremos relações precárias de trabalho e desemprego", completa o estudo. Na avaliação do Ipea, este cenário de vulnerabilidade "confirma a atualidade e urgência da reforma agrária como única forma de superar as condições precárias de vida e a pobreza que caracteriza o meio rural brasileiro".

Ocupação
Quase 70% dos grupamentos agrícola estão fora de qualquer relação de assalariamento - 43% de não-remunerados e 25% de trabalhadores por conta própria. "Este elevado contingente está sujeito a uma renda instável, sujeita a um conjunto de fatores sobre os quais os trabalhadores não possuem controle", prossegue o comunicado divulgado pelo Ipea na última quinta-feira (1º). "O risco de uma renda insuficiente ao provimento de bens necessidades básicas reforça a importância da previdência social e dos programas sociais de transferência de renda do governo federal no meio rural".
A confirmação do emprego temporário como "elemento estruturante do mercado de trabalho agrícola, respondendo por 43% de empregados ocupados" (confira Gráfico) também sobressai no trabalho do Ipea sobre a PNAD 2008. "A alta taxa de participação dos temporários sintetiza algumas das características ainda dominantes na área rural: sazonalidade das ocupações, relações de trabalho altamente instáveis, baixos salários, trabalho braçal e extenuante e péssimas condições de trabalho", analisa o instituto.

Grau de formalização
A forte desigualdade entre homens e mulheres nas ocupações agrícolas (Tabela I) constitui outro aspecto observado nos dados. "A proporção de mulheres em atividades precárias e não remuneradas (incluindo a produção para o próprio consumo) é significativamente maior que a de homens dedicados a estas atividades. O mesmo não se verifica nas atividades remuneradas, em que os homens representam mais que 85% da força de trabalho empregada em todas as condições de ocupação", sublinha o Ipea.
Para Brancolina, da Disoc, o quadro é preoupante não só pela grande quantidade de trabalhadores rurais que estão fora de qualquer relação de assalariamento, mas também por causa das condições enfrentadas por elas (inclusive quanto às dificuldades de acesso à educação). "As mulheres funcionam como um exército de reserva de trabalhadores do campo. Elas não possuem renda e muitas vezes trabalham em substituição aos homens, que se locomovem para outras frentes de trabalho em busca de melhores salários".

Participação homens/mulheres
"À concentração urbana dos trabalhadores se contrapõe uma baixa participação da população rural no total de ocupados, resultado de todo o processo de concentração fundiária e de expulsão da população rural ao longo do século XX", avalia o Ipea. As políticas dirigidas ao fortalecimento do agronegócio, frisa o instituto, "intensificam e reproduzem esta herança".
Renda
O rendimento médio mensal do trabalho principal para a família nas áreas rurais do país se limita a 35% (R$ 360) do rendimento médio mensal do trabalho principal daqueles que vivem nas cidades (R$ 1.017). Quando o critério adotado é a atividade propriamente dita, esta diferença aumenta: o rendimento médio mensal do trabalho principal agrícola (R$ 335) é menor que um terço (32,8%) do rendimento médio de atividades não-agrícolas (R$ 1.020).

Os números que evidenciam a discrepância entre as realidades rural e urbana no Brasil ficam evidentes nas Tabelas II e III (veja abaixo) e são complementados por outros indicadores. A renda média mensal da População Economicamente Ativa (PEA), residente em área rural, representa apenas 43% da renda de mesmo tipo auferida pela PEA com domicílio em área urbana.

Tanto o rendimento médio no meio rural quanto o rendimento médio de atividade agrícola detectados em 2008 sequer alcançavam o salário mínimo da época (R$ 415). A verificação de rendimentos menores que o mínimo transparece nos rendimentos por classes. A partir desta divisão, é possível notar que 43% das pessoas com 10 anos ou mais, ocupadas na atividade agrícola (Tabela IV), simplesmente não tinham nenhum rendimento.

Os rendimentos médios mensais dos empregados permanentes e dos trabalhadores por conta própria eram, como mostra a Tabela V, bastante próximos entre si: R$ 567 e R$ 509, respectivamente. Enquanto o rendimento médio mensal do empregado temporário era de R$ 344 em 2008, a média do empregador, com pelo menos um empregado, era de R$ 2.552. Em suma, os temporários e os permanentes ganhavam, respectivamente, cerca de 13,4% e 22,2% da quantia média acumulada pelos empregadores.

A distribuição dos rendimentos médios mensais da PEA pelas diferentes regiões do país também é revaladora. A renda média no Nordeste não ultrapassava R$ 296, inferior ao salário mínimo, justamente na região onde é maior a proporção de pessoas vivendo em áreas rurais - e a média dos valores correspondentes nas demais regiões do país era de R$ 578,75. Vale ressaltar ainda que a grande maioria das ocupações no meio rural (em torno de 70%), detectada pela PNAD 2008, estava ligada à agricultura familiar, que responde ainda por cerca de 70% da produção de alimentos no Brasil.
Panorama
Conforme dados selecionados da PNAD 2008, os domicílios rurais abrigam pouco mais de 16% do total de habitantes do País. "A diferença em relação ao tamanho da população das cidades, amplamente majoritária, tem por vezes suscitado a opinião de que a questão agrária perdeu muito de sua importância, e que a questão social se transferiu, junto com os milhões de trabalhadores migrantes, para a cidade", realça o comunicado.
Os autores do comunicado específico sobre o meio rural lembram que "a dinâmica da modernização econômica, que engendrou a acelerada urbanização do país, teve, nas áreas rurais, um caráter conservador: transformou a base técnica da produção, obrigando a mão de obra a migrar para as cidades, sem contudo alterar o padrão fundiário dominante".
"A expressiva repercussão do Censo Agropecuário 2006, os debates fortemente polarizados que a divulgação de seus resultados suscitou, e outras controvérsias relativas ao meio rural, como a proposta de reajuste dos índices de produtividade, confirmam, por si só, a permanência da questão agrária", completa o estudo, que julga as políticas públicas de desenvolvimento rural e o aprimoramento constante das informações relativas aos modos de vida e produção da população do campo como "imprescindíveis".
Nas regiões Nordeste e Norte, por exemplo, a população rural bate 27,6% e 22%, respectivamente. Mais urbanizada do País, a Região Sudeste tem só 8% de sua população residindo na zona rural. A mesma região, porém, abriga a segunda maior concentração de população rural (20,5% da soma nacional). Nesse quesito, a Região Sudeste só perde para a Região Nordeste, que concentra 48% da população rural, como frisa o documento do Ipea.
Na zona urbana, a taxa de analfabetismo para pessoas acima de 15 anos é de 7,5%. Na zona rural, esta mesma taxa chega a 23,5%. A população mais escolarizada, com mais de 11 anos de estudo, representa mais de 40% da população urbana e apenas 12,8% da população rural. A maioria da população do campo (73%) sequer completou o ensino fundamental.
De 2004 para 2008, a porcentagem de domicílios abastecidos por energia elétrica subiu de 81% para 91%, em grande medida graças ao Programa Luz para Todos de eletrificação rural, implementado pelo governo federal.
Por meio dos indicadores da PNAD 2008, o comunicado do Ipea mostra que apenas um terço dos domicílios rurais não possui água encanada. Nas cidades, este percentual não atinge 3%. Outro relatório apresentado no final de março pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que 23% das casas nas áreas rurais do Brasil eram atendidas por saneamento básico em 2008. A cobertura é inferior aos dados recolhidos pelas Nações Unidas acerca da área rural de países da África e da Ásia como Sudão (24%), Nepal (24%), Nigéria (25%) e Afeganistão (25%).
*Com informações da Agência Ipea

* Agência de Notícias sobre Trab

O fascismo na Bolivia....

Bolívia: Erradicar os surtos fascistas

Marcos Domich*
Marcos Domich 
“A que atribuir este súbito ressurgimento dos símbolos e do pensamento nazi na política boliviana? É óbvio que há uma crise profunda nas direitas. Fechou-se-lhes o campo democrático. Não gozam de aceitação popular; não podem aspirar à conquista da maioria dos votos. Nessas circunstâncias não lhes resta outro caminho que não seja o da conspiração aberta, o recurso à subversão e à simulação política.”
Fora do país fui surpreendido pela notícia, difundida pela internet, da realização de um «Encontro Nacional Indianista-Katarista (ULAQA) que teve facetas preocupantes. O encontra, realizado nas instalações da Universidade Pública de El Alto (UPEA) e patrocinado por 7 entidades, entre elas a Cátedra de Sociologia, tinha um conteúdo estranho. Foram exibidos «estandartes» com simbologia nazi e alguns dos vestiam capotes que imitavam os dos soldados nazis e braceletes com a típica suástica. Além disso tinham um estranho discurso e poses que eram, como eles próprios se encarregaram de explicitar, uma mistura de indianismo e nazismo que não admite dúvidas sobre o seu enraizamento de extrema-direita, fascista.
A essência nazi, que implica sempre racismo, exteriorizou-se imediatamente. Um rapaz loiro que ingenuamente participava, talvez levado pelo sentimento que há hoje na Bolívia de que se deve apoiar toda a manifestação índia e de mudança, foi expulso da reunião com violência verbal e uma «argumentação» esfarrapada e ridícula. Disseram-lhe que por ter «mais pelos na cara» estava mais próximo do macaco e por isso menos evoluído, incapacitado «para fazer a revolução». Em suma, que era de um escalão inferior da evolução do homo sapiens. Concluindo a irracional argumentação, acusaram o criador da teoria da evolução das espécies, o ilustre Charles Darwin, de ter «roubado a concepção evolucionistada Porta do Sol». Atribuem ao grande cientista uma coisa que nem sequer é coerente no tempo. Quando Darwin formulava a sua teoria, na década de 30 do século XIX, duvidamos que tivesse notícia da Porta do Sol.
Onde entendemos que foram coerentes é designarem-se de indianistas e não indigenistas. O indianismo, desde Mariátegui e outros teóricos que abordaram o tema, é a tendência ideológica destinada a exaltar e proclamar os povos, a nacionalidades e etnias indígenas ou originárias portadoras de valores e objectivos exclusivos. No caso de países como a Bolívia, multinacionais (ou plurinacionais), plurilingues e multiculturais, os objectivos destes povos só seriam alcançados e poderiam realizar-se excluindo os outros, os não originários.
Não é a primeira vez que círculos indianistas recorrem ao uso de símbolos fascistas. Há alguns anos, Fernando Antoja já utilizou a suástica nazi num boletim cujo nome era, se a memória não me falha, «Ayra». A sua explicação foi a de que este símbolo aparece em talhas tiahunacotas. Mas a verdadeira explicação é outra. A corrente indianista a que pertence Untoja não só utiliza estes símbolos como suposta reminiscência da cultura andina, mas por uma – muito actual e nada casual – identificação com essa simbologia de extrema-direita. Daquilo que falamos é, ninguém duvide, de algo mais do que uma brincadeira de adolescentes que não sabem o que procuram. São pessoas adultas, homens feitos, que sabem perfeitamente o que querem. No caso concreto de Untoja há uma correspondência perfeita com quem num determinado momento foi deputado do ditador Banzer e depois reiteradamente candidato fracassado de formações da direita; tenaz opositor de Evo Morales ao processo de mudanças.
Esta tendência não é única. Em pista separada há outros indianistas que há já algum tempo desenvolvem uma política de direita e etnocentrista que continuam a esconder-se atrás da máscara indianista ou indigenista.
A que atribuir este súbito ressurgimento dos símbolos e do pensamento nazi na política boliviana? É óbvio que há uma crise profunda nas direitas. Fechou-se-lhes o campo democrático. Não gozam de aceitação popular; não podem aspirar à conquista da maioria dos votos. Nessas circunstâncias não lhes resta outro caminho que não seja o da conspiração aberta, o recurso à subversão e à simulação política. Mas ao mesmo tempo necessitam de executores e preferentemente que não apareçam directamente ligados às organizações ou correntes tradicionais do conservadorismo. Entre estas organizações e tendências estão os que aparentam proximidade ideológica ou de classe e nacional-étnica. Inclusivamente, aqui estão aqueles grupos e personagens que em algum momento aderiram à causa que hoje combatem freneticamente. Grupos, correntes, organizações e personagens de diverso jaez tornam-se funcionais aos planos do imperialismo e da direita. Mariátegui evidenciava-o quando na sua recompilação «Ideologia e política», há 80 anos, dizia que a intelectualidade burguesa elucubrava com a raça, para desviar a atenção dos reais problemas do povo.
Referimos Untoja, mas também aqui há personagens como Félix Patzi, não para o citar, mas para referir o mais visível do grupo que poderíamos chamar de os frustrados. Há alguma coisa em comum entre Untoja, Felipe Quispe, V.H. Cárdenas, Alejo Véliz, Román Loayza e Patzi? Além das ambições pessoais e de protagonismo, há o discurso, a retórica acerca do «colonialismo interno». E aqui está um ponto importante. O anticolonialismo interno também se converte numa máscara que não tem nada a ver com o anti-imperialismo real e efectivo. Também não tem muito a ver com o verdadeiro combate à oligarquia. Para a totalidade do conjunto referido (tocam todos a mesma partitura) as projecções anti-imperialista e anti-oligárquica não existem como essência e abordagem de classe.
Por último não podemos deixar de ver um aspecto mais, próprio das situações de grande viragem histórica. É o momento da política quando a confusão ideológica e doutrinal é um campo escorregadio e movediço. Há um caso na história do fascismo espanhol. O criador das Juntas Operárias Nacional-Sindicalistas concluía os seus manifestos «dando vivas à Itália fascista, à Alemanha nazi e à Rússia Soviética!». Aparentemente um alteração grave da palavra e do pensamento que pode penetrar, sobretudo numa juventude despolitizada desorientada, mas emocionalmente disposta á acção, a qualquer acção. Não será difícil encontrar os que dentro e fora do país manejam os actores que podem causar mais transtornos, quando do que se trata é de conseguir estabilidade, paz e democracia para continuar a mudar a Bolívia
* Marcos Domich, Professor na Universidade de La Paz, é amigo e colaborador de odiario.info.