domingo, 29 de agosto de 2010

Escola vira ponto de cultura e transforma vila em centro cultural

Na Vila da Prata, em Mogi das Cruzes (SP), tem pessoas que valem ouro. Entre elas está a dona Ana. Voluntariamente ela iniciou um projeto que mudou a cara da comunidade e das pessoas que moram nela. Tudo isso a partir do espaço da escola da região. O local que antes estava abandonado hoje já é ponto de cultura e esporte da Vila da Prata. O Tá na Escola, da Opção Brasil, é o segundo episódio da série Interprogramas, que você vê todos os sábados aqui na TV Vermelho.


A 2ª edição do Prêmio Cultura Viva, idealizado pelo Ministério da Cultura (MinC), com patrocínio da Petrobras, produziu uma série de seis interprogramas. Essas peças audiovisuais foram veiculadas nos intervalos da programação do Canal Futura, no evento Teia/2007 e em eventos do Prêmio.

Para o desenvolvimento deste projeto, que abordou o tema da 2ª edição do Prêmio Cultura, educação e comunidade, foram selecionados seis Pontos de Cultura que atuam na área do audiovisual: Amanda Associação Mundo Animado das Artes (CE), Espelho da Comunidade TV Ovo (RS), Instituto Marlin Azul (ES), Opção Brasil (SP), Paraiwa Coletivo de Assessoria e Comunicação (PB) e Vídeo nas Aldeias (PE).

Veja o primeiro episódio da série na sequência do vídeo acima ou clique:
-Animação recria cotidiano das aldeias de pescadores do Brasil

Ovos podres e nossa democracia rompida

28 de agosto de 2010, coluna semanal de Amy Goodman

Qual é a relação entre 500 milhões de ovos e a democracia? A retirada em massa de ovos infectados com salmonela do mercado de consumo, o maior recolhimento de produtos primários na história dos Estados Unidos, permite-nos ver o poder que as grandes corporações transnacionais têm. Poder este que se exerce não apenas sobre nossa saúde, senão também sobre nosso governo.

Ainda que sejam muitas as marcas retiradas do mercado de consumo, todas estas podem ser rastreadas até chegar a só duas granjas de produção de ovos. Cada vez mais, a provisão de alimentos está em mãos de enormes companhias, crescendo vertiginosamente, e que exercem um enorme poder sobre nosso processo político. A mesma situação que ocorre com a indústria alimentícia, dá-se também com as petroleiras e os bancos: são corporações gigantescas (algumas com orçamentos superiores a maioria dos países do planeta), estão controlando nossa saúde, nosso meio ambiente, nossa economia e, cada vez mais, nossas eleições.

O surgimento de salmonela é só o episódio mais recente de uma série de outros que demonstra uma indústria alimentícia desenfreada. Patty Lovera, subdiretora do grupo pela segurança alimentar Food & Water Watch, me disse: “Historicamente, sempre tem havido resistência por parte da indústria a todo tipo de norma de segurança alimentar, seja esta ditada pelo Congresso ou por outros organismos governamentais. Existem grandes associações comerciais para cada setor de fornecedores dos nossos alimentos, desde os grandes produtores agroindustriais até as lojas produtos comestíveis.”

Os ovos contaminados com salmonela provinham de apenas duas granjas com porte de fábrica, a Hillandale Farms e a Wright County Egg, ambas do estado de Iowa. Por trás deste surgimento da doença está o empório do ovo de Austin “Jack” DeCoster. DeCoster é proprietário da Wright County Egg e também da Quality Egg, provedora de frangos e de alimentos para frangos das duas granjas de Iowa. Patty Lovera afirma que: “DeCoster é um nome que se escuta muito quando alguém começa a falar com conhecedores da indústria do ovo ou com pessoas que provem dos estados de Iowa, Ohio ou dos outros estados em que DeCoster opera. Por isso achamos que DeCoster é o perfeito exemplo do que sucede quando temos este tipo de concentração e produção em grande escala. Não se trata só de segurança alimentar ou só de dano ambiental ou do tratamento que recebem os trabalhadores. Quando estamos em frente a este tipo de produção em massa, responsável por enormes quantidades e variedades de nossos alimentos, se trata de um pacote completo de efeitos colaterais negativos.”

A agência de notícias Associated Press produziu um resumo das violações às normas sanitárias, de segurança e de leis trabalhistas presentes nas operações de DeCoster com ovos e porcos em vários estados. Em 1997, a empresa DeCoster Egg Farms aceitou o acordo da Justiça e resolveu de pagar uma multa de dois milhões de dólares pouco depois que o então ministro de Trabalho Robert Reich qualificou sua granja de “tão perigosa e opressora como qualquer empresa maquiladora (ver nota 1 no final do texto). Em 2002, a companhia de DeCoster pagou USd 1 milhão e meio de dólares para chegar a um acordo fruto de uma demanda legal apresentada pela Comissão Federal de Igualdade de Oportunidades Trabalhistas, que representou judicialmente contra a empresa, em defesa de mulheres mexicanas que informaram ter sido submetidas a assédio sexual, inclusive violação e estupro, incluindo abusos e represálias por parte de seus supervisores. Este verão, outra companhia vinculada a DeCoster teve de pagar USd. 125 mil dólares ao estado de Maine por ser acusada de trato cruel contra os animais.

Apesar de tudo isto, DeCoster tem prosperado no negócio de ovos e porcos, o que o põe à altura de outras grandes corporações transnacionais, como a British Petroleum (BP) e os grandes bancos. O derramamento de petróleo da BP, o maior na história deste país, esteve precedido por uma longa lista de fatos criminosos e graves violações às normas de segurança no trabalho. Sendo que todas estas denúncias já datam de vários anos. Um dos mais conhecidos destes atos foi a grande explosão da refinaria da cidade de Texas, desastre esse que custou a vida de quinze pessoas no ano 2005. Se a BP fosse uma pessoa física (um cidadão qualquer), teria ido a prisão faz muito tempo.

A indústria financeira é outro delinqüente crônico. Pouco tempo após o maior desastre financeiro mundial (desde a Grande Depressão iniciada com o Craque da Bolsa de Valores de Nova York em 1929), bancos como Goldman Sachs, cheios de dinheiro depois resgate financeiro governamental - quando os cofres públicos jorraram dinheiro para a salvação da Banca - interferiram no processo legislativo que justamente os tentava controlar.

O resultado foi um novo e amplamente ineficaz organismo governamental de proteção ao consumidor, além de uma implacável oposição à designação, para a direção deste organismo, da defensora dos direitos do consumidor Elizabeth Warren, que seria a pessoa quem supervisionaria aos bancos tanto como o novo organismo lhe permitisse. Este é o motivo pelo qual se opõem a sua designação os banqueiros, dentre eles, Timothy Geithner e Larry Summers. O primeiro foi nomeado pelo Presidente Obama nomeou como Secretário do Tesouro e Assessor Econômico.

Permite-se às corporações transnacionais operar praticamente sem supervisão e nem regulação. Permite-se que o dinheiro das grandes empresas exerça influência sobre as eleições, e por tanto, sobre a conduta de nossos representantes. Depois da decisão da Corte Suprema no caso apresentado pelo grupo de direita Citizens United, permitindo doações corporativas ilimitadas às campanhas, o problema vai de mau em pior. Para ser eleitos e manter no poder, os políticos deverão satisfazer mais e mais a seus doadores empresariais. Se poderia dizer que o lobo vigia ao galinheiro (e aos ovos podres que há nele). No entanto, há esperança. Existe um crescente movimento para reformar a constituição dos Estados Unidos, para tirar das corporações transnacionais o status legal de “pessoa jurídica”, conceito pelo qual estas empresas têm os mesmos direitos que as pessoas normais.

Isto faria que as corporações estivessem sujeitas à mesma supervisão que existiu durante os primeiros cem anos da história dos Estados Unidos. Mas para que as pessoas sejam as únicas com direito à participação política será necessário um verdadeiro movimento de base, dado que o Congresso e o governo de Obama parecem não ser capazes de implantar nem sequer as mudanças mais básicas. Como diz o refrão: “para se fazer um omelete, é preciso quebrar alguns ovos”.

1 Observação do tradutor: maquiladoras são empresas de montagens de peças industriais localizadas na fronteira entre os EUA e o México, que basicamente emprega mulheres, paga salários aviltantes e oferece tratamento desumano.


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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.


© 2010 Amy Goodman: Âncora de Democracy Now!, um noticiário internacional transmitido diariamente em mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro "Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cono Sur.

Texto traduzido do castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português por Estratégia & Análise. É livre a difusão em língua portuguesa, desde que citando a fonte do original e neste idioma.
Imagem: The Quality Egg of New England, uma das gigantescas empresas de Austin “Jack” DeCoster, empresário da alimentação e acusado de ser o responsável final pela praga de salmonela nos ovos. Tal como no ramo alimentício, a concentração produtiva e de poder, faz com as corporações transnacionais estejam acima da cidadania.

sábado, 28 de agosto de 2010

Eleições presidenciais em Portugal....

Finalmente um candidato que defende a Revolução de Abril
por Francisco Lopes
Francisco Lopes. Com a decisão hoje assumida e tornada pública sobre a candidatura do PCP às eleições presidenciais, damos expressão a uma intervenção política indispensável à afirmação de um projecto essencial para o presente e para o futuro de Portugal.

Sobre o nosso País pesam a influência negativa decorrente da natureza do capitalismo, dos objectivos e rumo da União Europeia após quase 25 anos de integração e de 34 anos de política de direita e abdicação nacional realizada por sucessivos governos, em desrespeito da Constituição da República Portuguesa, com o apoio ou cumplicidade da Presidência da República.

As consequências estão à vista. Portugal é hoje um país mais injusto, mais desigual e mais dependente. O desemprego, a precariedade, a exploração, a pobreza e as dificuldades de muitos milhões de portugueses contrastam com a corrupção, a acumulação de riqueza e a opulência de alguns. É um país marcado por um processo de declínio nacional, de descaracterização do regime democrático e de amputação da soberania e independência nacionais.

Não aceitamos esse rumo. Recusamos o desaproveitamento das potencialidades existentes, não aceitamos o comprometimento do futuro do País. Portugal não é um país pobre. Portugal pode ser melhor, mais desenvolvido e mais justo. Para isso exige-se a ruptura com a política de direita e a opção de um novo rumo para o País.

Um novo rumo para o País

Um novo rumo, assente numa política patriótica e de esquerda, vinculada aos valores de Abril, capaz de realizar os direitos e as aspirações dos trabalhadores e do povo, de assegurar o desenvolvimento económico e o progresso social e afirmar a identidade cultural, a soberania e independência nacionais.

Um rumo de reforço do aparelho produtivo e da produção nacional, de criação de emprego com direitos, de aumento dos salários e das pensões, de defesa dos direitos sociais, de garantia de um sector público forte e determinante, de apoio às PME, ao mundo rural e às pequenas e médias explorações agrícolas, de defesa dos serviços públicos, das funções sociais do Estado na saúde, na educação, na segurança social, na defesa do meio ambiente e de promoção e valorização da cultura.

Um rumo em que o Estado esteja ao serviço do desenvolvimento, com uma Administração Pública eficiente, uma segurança interna para garantir a tranquilidade e os direitos das populações, uma justiça célere e eficaz, uma defesa nacional e relações externas assentes nos princípios da soberania nacional, da cooperação e da paz.

Um rumo que promova a ruptura com a natureza do processo de integração europeia, com a postura de submissão ao imperialismo e à NATO e contribua para um mundo mais justo, onde sejam afirmados os direitos dos trabalhadores e dos povos. Este caminho é possível e está nas mãos do povo português, com a sua opinião, a sua participação, a sua luta e o seu voto.

A candidatura que hoje assumimos, é parte integrante da construção desse percurso colectivo que há-de inscrever no futuro um horizonte de esperança e concretização de uma vida melhor.

Quando se perfilam novos ataques às liberdades, aos direitos e interesses dos trabalhadores e do povo português e à Constituição, que conduziriam à acentuação da exploração, das injustiças sociais e do risco de desastre nacional, o Presidente da República no quadro dos seus poderes pode e deve intervir de forma inequívoca na concretização do compromisso que assume de cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.

As eleições presidenciais pelo seu processo, a sua dinâmica e a decisão sobre as orientações e opções do órgão de soberania Presidência da República exercerão uma importante influência para abrir caminho a uma nova fase da vida nacional. As candidaturas até hoje anunciadas não respondem a esse objectivo.

Compromisso com o futuro de Portugal

A candidatura do PCP, distanciando-se e distinguindo-se de posicionamentos ambíguos, opõe-se ao prosseguimento do actual rumo ao serviço dos interesses dos grupos económicos e financeiros, sejam quais forem os protagonistas que a realizem. A candidatura que assumo emerge e afirma-se como uma necessidade incontornável, com um compromisso claro sobre a situação e o futuro de Portugal.

Assumimos o compromisso de apresentar e protagonizar uma alternativa para o exercício das funções do Presidente da República, marcada pela determinação e a confiança na força dos trabalhadores e do povo e na projecção dos valores de Abril, num Portugal com futuro.

Assumimos o compromisso de desenvolver o esclarecimento sobre a prática negativa seguida pelo actual Presidente da República, Cavaco Silva, sobre as suas reais responsabilidades na situação que o País vive, quer pelos dez anos em que foi primeiro-ministro, quer pelo seu mandato como Presidente da República e de contribuir para derrotar a sua candidatura cujo eventual sucesso configuraria a persistência dos problemas nacionais e um salto qualitativo no seu agravamento.

Assumimos o compromisso de intervir na defesa e afirmação do regime democrático, promovendo o respeito, cumprimento e efectivação da Constituição da República e dando combate às práticas que a desrespeitam e aos projectos que visam a sua subversão.

Assumimos o compromisso de afirmar a necessidade de uma profunda mudança na vida nacional, de promover o debate, a afirmação e a mobilização em torno de um grande projecto político, patriótico e de esquerda, capaz de enfrentar a gravidade da situação a que o País chegou e de lançar Portugal no caminho do desenvolvimento, da justiça e do progresso social.

Inabalável confiança no futuro

Esta candidatura, que protagoniza um projecto próprio e inconfundível, suscita no seu desenvolvimento, uma dinâmica de participação e empenhamento populares e assume plenamente o exercício dos seus direitos, desde a apresentação até ao voto, bem como as responsabilidades decorrentes da opção do povo português.

Esta é uma candidatura vinculada aos valores de Abril, a um projecto de democracia política, económica, social e cultural, a um Portugal soberano e independente. Uma candidatura patriótica e de esquerda, coerente e determinada, portadora de um projecto de ruptura e mudança. Uma candidatura aberta à participação de todos aqueles que, inquietos e atingidos pela grave situação do País, aspiram a uma profunda mudança na vida nacional. Uma candidatura dirigida aos trabalhadores e à afirmação dos seus direitos, às aspirações dos jovens, empenhada com a luta pela igualdade no trabalho e na vida das mulheres, solidária com os direitos das pessoas com deficiência, presente na luta pela dignificação e valorização da vida dos mais idosos. Uma candidatura dirigida a todos os democratas e patriotas.

Iniciamos hoje aqui um percurso, que nos levará a todo o País, que se cruzará todos os dias com os interesses e direitos dos trabalhadores, das jovens gerações, do povo, com os seus problemas aspirações e lutas, o percurso de uma candidatura que age para abrir uma fase nova na vida do nosso País.

No início da segunda década do século XXI, aqui estamos, com a convicção de sempre, com a determinação correspondente às exigências actuais e com uma inabalável confiança no futuro.
O original encontra-se em http://www.avante.pt/pt/1917/emfoco/110234/

Esta declaração encontra-se em http://resistir.info/ .

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Crack Nunca Mais, pela reabilitação do RS




Por Katarina Peixoto

Programas de reabilitação de drogados costumam prescrever a aceitação de que o mundo é maior que a dependência do drogadito. Ou, em outras palavras, que o drogadito não é maior do que o mundo. Versões mais grosseiras dessas tentativas de desintoxicação costumam meter deus no meio dessa superação. Fato é que desintoxicar exige humildade. E uma consciência da própria finitude, quer dizer, um compromisso inadiável com a própria carne, com as próprias dores e possibilidades. Desintoxicar, por isso, exige um compromisso com a verdade. Não há espaço para mentira e suas variantes do auto-engano no caminho de luta contra a dependência.
Por isso falar em desintoxicação do Rio Grande do Sul faz sentido, e não exatamente como metáfora.
Um Estado que padeceu com a experiência Yeda Crusius não precisa de metáfora, mas de realidade e, portanto, de um compromisso inadiável com a verdade. A viagem tem sempre vida curta e a chapação, ao longo do tempo, mata. De 2003 para cá, quando a direita gaúcha rearticulou seu projeto de poder no estado do Rio Grande do Sul, a situação do Estado, perante si mesmo e perante o país realmente merece uma campanha como “Crack, nunca mais”. Não é sem propósito que o esteio propagandístico da chapação lança essa campanha. E, mais uma vez, não há metáfora, aqui.
A decadência econômica vem caminhando de mãos dadas com a degeneração política. Se esse vínculo é necessário ou não, pouco importa. Fato é que constatar sua existência no RS dos dias que correm é dizer a verdade. O lero-lero delirante do Déficit Zero é propagandeado a despeito do declínio nos índices de qualidade de ensino, de saúde, dos serviços públicos e nos grandes esquemas de saque do erário já combalido. Saques, por sua vez, investigados e denunciados antes pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. A chapação e a dependência não deram lugar à oposição. Mas esta, como um fígado, seguiu se regenerando.
Seria simplesmente ridículo ver Yeda Crusius na televisão, com aquela sua peculiar mirada ao infinito, não fosse desagradável. É constrangedor e triste ver no que as drogas podem transformar uma pessoa. E a mentira das sanhas ideológicas não apenas alienam politicamente, como demenciam. Tem algo demente, ali, naquele queixo acrítico, naquele déficit zero que outro dia até a representante não escolhida pelo voto do sofrido Ministério Público Estadual repetia. Diabos, o que pode querer dizer déficit zero no MP estadual???
Para criticar o Olívio Dutra, diziam que nas Assembléias do OP se discutia até a compra de carteiras para escolas. Para criticar, diga-se. Porque o que fizeram com este homem é inominável. Agora, não podem mais fazê-lo. Não falam mais sozinhos, não intoxicam plenamente, não asseguram a terra das palavras delirantes nas mentes incautas. E o Rio Grande do Sul fica mais saudável.
Posso discordar de que tudo seja discutido numa assembléia de OP. Mas frente ao crime o que está em jogo não é a concórdia ou a discórdia; é a justiça, a lei. Ambas, em tempo, vêm sendo destroçadas neste estado. Desmantelaram a legislação ambiental, esquartejaram a legislação dos incentivos fiscais e, com isso, a mínima decência tributária (o Fundopem do governo Rigotto tornaria Britto um republicano), desinvestiram deliberada e sistematicamente na saúde, recusaram e se abstiveram do recebimento e do empenho de verbas federais destinadas a políticas públicas para jovens, crianças, mulheres, mulheres negras, comunidades indígenas, catadores de papel, usuários do SUS.
Esse acúmulo de perdas só reforçou a dependência da máquina propagandística, o estuário de verbas estaduais para seguir tentando perpetuar o vício. Como se sabe, o vício tem muitos aspectos: culpa-se o outro, projeta-se a própria miséria e se denega qualquer responsabilidade. Assim se pode ver motoristas de táxi, lobotomizados via rádio o dia inteiro, bradarem contra a Dilma porque os azuiszinhos não fiscalizam as pessoas que estacionam nas ruas. Crack,nunca mais.
E por falar nisso, o senador Simon está calado. O paladino da imparcialidade ativa que embruteceu, empobreceu e corrompeu o Estado em níveis nunca dantes vividos. Seu candidato, até que se prove o contrário, é um senhor tão obscuro como descompromissado, cujo discurso vazio só é superado pela ausência de vitalidade.
Quem quer manter essa carcaça em que o RS se tornou? Como um resto de gente, com dentes empodrecidos, ira contra o mundo, sobretudo incompreensível; quem caminha pelas ruas e vê as hordas de jovens chapados sabe do que se trata a imparcialidade ativa do déficit zero. Sabe o que desinvestimento, abstenção e recusa de assistência geram. Ainda virá à tona o quanto foi devolvido à união pelos governos (sic) da imparcialidade ativa e do déficit zero, em recursos sem empenho, destinados a políticas públicas no âmbito da assistência social, médica, à criança e ao adolescente, à juventude. Crack, nunca mais.
Reabilitação é um processo doloroso, mas diariamente fortalecido. Toda desintoxicação exige mais do fígado do que os porres de palavras cruzadas e falsas polêmicas. Mas funciona, constitui, faz sentido. É um caminho incerto, com recaídas, ou sem. Mas aponta para a agregação, a consciência do mundo e a independência moral. Sem chapação, sem mentira, sem saque do erário e sobretudo sem o delírio destruidor de futuro, de responsabilidade e de saúde.
O que será do RS reabilitado não se sabe, visto que a destruição não foi pouca nem irrelevante. Mas cessar a dependência, hoje, é vencer o vício, ganhar da mentira, recusar o auto-engano mistificador e empenhar-se com o futuro. Crack, nunca mais.

Quando as prisões de Israel se inundam de crianças palestinas



AVN - [Tradução do Diário Liberdade] Enquanto os grandes meios de comunicação mostram os preparativos para a próxima reunião entre a Palestina e Israel, sob os auspícios do governo estadunidense, pouco se fala das meninas e meninos palestinos detidos nas prisões judias.
Até agora, as declarações diplomáticas realizadas no marco do reinício do diálogo que busca pôr fim ao conflito no Oriente Médio deixou óbvia a situação dos menores.
As acusações levadas a cabo por Israel nos últimos tempos, como o avanço sobre os territórios palestinos ou as incursões militares em todas as escalas, revelam que o governo de Benjamín Netanyahu não tem incluída em sua agenda a questão das crianças presas.
A esta altura, não é estranho que o Estado judaico neguem todas as acusações que são feitas contra eles, ainda que as denúncias estejam documentadas e na maioria dos casos respaldadas por organismos de direitos humanos internacionais.
Como exemplo mais recente, encontra-se o ataque das forças armadas israelenses contra seis embarcações em maio. As embarcações transportavam ajuda humanitária à Faixa de Gaza, região palestina que desde 2006 sofre um forte bloqueio imposto por Israel. Nessa ação militar, os soldados hebreus assassinaram nove tripulantes do barco Mavi Marmara.
Ainda que a comunidade internacional tenha condenado o fato e a Organização das Nações Unidas (ONU) tenha criado uma comissão para investigar o sucedido, as autoridades judias se empenham em justificar o ataque.
O argumento é repetido: as embarcações transportavam materiais para a construção de armas que favoreciam os "inimigos" de Israel. A fome e as mortes evitáveis em Gaza devido ao bloqueio, pelo visto, tampouco estão na agenda da administração Netanyahu.

Os métodos de Israel para caçar menores

Incursões em plena noite, golpes e amordaçamentos, interrogatórios sem nenhum marco legal que seja respeitado e a agressão psicológica são as características que Israel impõe às crianças palestinas.
Mas a esta situação há que somar que os menores nos territórios ocupados vivem com o assédio militar permanente do exército judeu, sofrem graves problemas de alimentação, suas escolas foram destruídas e muitos deles viram morrer seus pais e familiares.
Na atualidade, nas prisões israelenses há quase 8 mil presos palestinos, incluindo crianças e mulheres, muitos deles em detenção administrativa.
Este último procedimento permite às forças armadas israelenses manter um palestino preso por três meses sem acusá-lo ante a justiça, com um período de prisão prorrogável por outros três meses.
O Centro Palestino para a Defesa dos Detidos (PCDD) revelou no início de 2010 que Israel mantém cativos cerca de 340 crianças palestinas, privando-lhes seus direitos básicos.
Segundo o diário francês L'Humanité, de julho passado, cada ano 700 menores palestinos "são detidos, interrogados e perseguidos pelo sistema militar israelenses".

Quando as leis internacionais não tem validade

Ainda que Israel figure entre os 191 firmantes da Convenção dos Direitos da Infância, vigente desde 1990, os fatos demonstram o incumprimento da norma.
A Convenção aponta que "a detenção, encarceramento ou prisão de uma criança será levado a cabo em conformidade com a lei e se utilizará tão somente como medida de último recurso e durante o período mais breve que proceda".
Em janeiro de 2010, o Comitê para os direitos das crianças da Organização das Nações Unidas (ONU), publicou um informe onde assegurou que Israel não responde as exigências referentes à detenção e interrogatório de crianças nos territórios ocupados.
O organismo internacional também denunciou as ordens militares 378 e 1.591 que "violam os padrões internacionais para a justiça dos menores e o direito a um processo justo".
O primeiro dos decretos prisionais prevê uma pena máxima de 20 anos contra os menores que se defendam jogando pedras contra soldados israelenses.
O Comitê da ONU também se mostrou muito preocupado porque "mais de 2 mil crianças, entre eles alguns de 12 anos, foram acusados de infrações contra a segurança entre 2005 e 2009, detidos sem acusações por um período superior a 8 dias e levados ante tribunais militares".
De sua parte, a ONG Defesa de Meninas e Meninos Internacional (DNI em espanhol) alertou no ano passado sobre a situação que atravessam os menores quando são detidos.
Para a organização, nos interrogatórios às crianças não é permitido chamar um advogado ou que os acompanhe algum familiar.
Segundo o DNI, os menores "são submetidos a técnicas proibidas, com o uso excessivo de vendas e algemas, bofetadas, patadas, posições dolorosas por tempo prolongado, confinamento solitário, privação de sono e combinações de ameaças físicas e psicológicas".
A isto, há que agregar que neste ano foi apresentado à ONU a denúncia de que mais de 100 crianças receberam maltratos e abusos sexuais enquanto estiveram detidos em 2009 pelo Exército israelense.
No entanto, a organização israelense de direitos humanos B'Tselem explicou que para o confinamento das crianças utilizam-se vários tipos de celas.
Entre elas encontram-se as denominadas "bloqueio", sem luz e de 1,5 por 1,5 metros; "armário", com teto baixo, na qual o detido pode ficar parado, mas é incapaz de se sentar ou se mover; e a "tumba", uma caixa de um metro de altura, 80 centímetros de frente e 60 de profundidade.
Quando em 1948 Israel começou a invasão da Palestina, os meninos e meninas desse país observaram como suas casas eram ocupadas e muitos de seus familiares expulsos à diáspora.
Depois de sessenta anos de políticas sistemáticas de ocupação por parte dos governos hebreus, os atuais pequenos palestinos sofrem ao lado de seu povo e suas vidas, muitas vezes, dependem de como se possam defender, ainda que Israel criminalize o lançamento de pedras contra seus soldados.

Fonte: AVN

Traduzido para o Diário Liberdade por Lucas Morais (@luckaz)





Fórum Mundial de Educação na Palestina

Entre os dias 28 e 31 de outubro, será realizado o Fórum Mundial de Educação em Ramalah, cidade palestina. Não será mais um fórum temático. Realizá-lo na Palestina tem um significado especial.
Ao não obedecer a Resolução da ONU do direito de criação de um Estado palestino, com os mesmos direitos do Estado de Israel, ocupando os territórios que deveriam constituir esse Estado, Israel – com o apoio solitário dos EUA – impede que a decisão das Nações Unidas seja cumprida. Para chegar à Palestina, é necessário chegar ao aeroporto principal de Israel – Aeroporto Ben Gurion –, onde é necessário submeter-se aos interrogatórios dos serviços de segurança israelenses, que detêm o poder arbitrário de deixar uma pessoa passar ou não. A alternativa é descer na Jordânia e fazer uma longa viagem por terra até o território palestino.
Embora com uma forte identidade, uma história milenar e uma extraordinária trajetória de lutas, a Palestina ainda não existe como território soberano, como Estado independente. Está invadida militarmente por Israel, que ocupa seus territórios, mantém o país separado entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, sendo esta, por sua vez, esquartejada pelos muros que a cruzam, pelos assentamentos de judeus em pleno território palestino.
Os palestinos são dominados, oprimidos, humilhados. Tenta-se fazer com que a vida deles seja impossível nesses territórios para que se submetam definitivamente a ser superexplorados por Israel ou a abandonar a Palestina, deixando o campo livre para o objetivo de Israel – apropriar-se de todo o território palestino e incorporá-lo a Israel.
A realização do Fórum na Palestina tem muito mais significado do que simplesmente mais um espaço de discussão e intercâmbio dos movimentos que lutam por “um outro mundo possível”. Significa legitimar a existência da Palestina, dar voz aos palestinos, integrá-los às suas lutas no movimento global do Fórum Social Mundial. Da mesma forma que foi importante que Lula não apenas visitasse a Palestina, mas fizesse o que os outros mandatários não fazem: dormisse lá, convivesse com o povo palestino, conhecesse as reais e opressivas condições de vida deles.
Mas, ao mesmo tempo, o fórum deve conhecer diretamente as condições muito precárias de funcionamento das escolas na Palestina, tanto materiais, como de materiais que permitam o conhecimento, o estudo, a continuidade do conhecimento e da consciência da identidade palestina com as novas gerações.

Emir Sader é cientista político.

Créditos: Caros Amigos

Considerada inimiga da educação, Yeda não foi convidada para debate com candidatos ao governo do estado

O CPERS/Sindicato realiza na sexta-feira 27, às 9h30, debate com os candidatos ao governo do Estado. O encontro será no salão de eventos do hotel Plaza São Rafael, no centro de Porto Alegre (Av. Alberto Bins, 509). O debate terá a participação de mil educadores.

Inimiga da educação pública, dos educadores e dos movimentos sociais, a governadora Yeda Crusius não foi convidada. Na educação, ela passou sua gestão atacando a organização dos trabalhadores e os direitos conquistados pela categoria. Além disso, tem reafirmado que, em caso de reeleição, manterá entre suas propostas a implementação da meritocracia e a realização de mudanças nas carreiras dos educadores.

“Durante quase quatro anos de governo, Yeda nunca quis sentar e discutir a educação pública com o CPERS. Portanto, não será agora, a convite do sindicato, que ocuparemos uma mesma mesa”, finalizou Rejane de Oliveira, presidente do CPERS/Sindicato.

João dos Santos e Silva, assessor de imprensa do CPERS/Sindicato
http://www.cpers.com.br/index.php?&menu=1&cd_noticia=2565

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Como se fosse um partido


AYRTON CENTENO no  Brasilia Confidencial
   
Suponha que Ali Kamel fosse presidente da república. Fantasie um pouco mais e descubra Miriam Leitão, também eleita, subindo a rampa do Palácio do Planalto. Sob o impulso do mesmo delírio coloque Fátima Bernardes candidata ao Senado Federal. Fátima vai disputar a cadeira que o senador Faustão não deseja mais ocupar. Difícil conceber? É possível. Mas não no Rio Grande do Sul. Ninguém ficaria surpreso. É que este cotidiano sequestrado ao realismo fantástico “naturalizou-se” no território gaúcho. Um exemplo: desde 1994, egressos dos quadros do grupo RBS – a Globo local – disputam todas as eleições para governador naquele que, durante muito tempo, jactou-se de ser o estado mais politizado do Brasil. E, em duas ocasiões, eles venceram. Em 2010, a RBS novamente está no páreo não apenas para o Palácio Piratini, mas também para o Senado, a Assembleia Legislativa e a Câmara dos Deputados.
    Com 21 emissoras de TV (18 afiliadas à Globo), 25 rádios, oito jornais diários e quatro portais na internet, a RBS não comanda apenas a mídia, mas boa parte dos corações e mentes no Sul. Em 1994, quando seu ex-diretor de telejornalismo Antonio Britto elegeu-se governador, a força do conglomerado tornou-se ainda mais notória. Nas prévias do PMDB, os dois candidatos em confronto tinham raízes na RBS: Britto e o deputado federal e apresentador de rádio e TV Mendes Ribeiro. Em 1998 e 2002, Britto tentou retornar ao governo. Em 2006, mais uma novidade procedente da RBS chegaria ao Piratini: Yeda Crusius.
    Eleita pelo PSDB, Yeda popularizou sua imagem com aparições diárias no telejornal noturno da então TV Gaúcha, onde ocupava um espaço de análise econômica. Dali desabrochou para a política a bordo de uma esquisitice.  No governo Itamar Franco, o presidente pediu ao amigo Pedro Simon a indicação de uma mulher para fazer florir seu ministério que considerava demasiadamente carrancudo e atulhado de homens. Simon lembrou-se da professora de economia que aparecia bem na TV. E, como as coisas aconteciam sob Itamar, da noite para o dia, Yeda virou ministra do Planejamento. Durou 70 dias, uma passagem breve e bisonha — foi informada da existência do Plano Real na coletiva de lançamento – mas acarpetou seu trajeto para a Câmara Federal. Em 2010, tenta reeleger-se governadora.
    Para o Senado, a jornalista Ana Amélia Lemos é a representante do poder do grupo no pleito de outubro. Após décadas chefiando a sucursal de Brasília, com presença diária no rádio, na televisão e no jornal Zero Hora, ela ingressou na corrida como candidata do PP. Mas, na cabeça do eleitor, não vai estar o partido submerso no escândalo do Detran/RS, que fez evaporar R$ 44 milhões dos cofres estaduais, e sim a figura que diariamente entrava na sua sala para tratardos temas mais candentes do Brasil. E conta com boas chances de sucesso, embora enfrentando dois pesos-pesados: o atual senador Paulo Paim (PT) e o ex-governador Germano Rigotto (PMDB).
    Se isto ocorrer, Ana Amélia ocupará a cadeira do senador Sérgio Zambiasi (PTB), apresentador de programas populares na rádio Farroupilha, também da empresa. Aportando no Senado em 2002, após sucessivas eleições como um dos deputados estaduais mais votados do país e presidente da Assembleia Legislativa, Zambiasi absteve-se de concorrer em 2010. Projeta um cargo no executivo em 2012 ou 2014.
    Além das eleições majoritárias, os representantes do time da RBS sempre se engajaram na caça às vagas nas proporcionais. Neste ano não será diferente. O ex-vice-presidente institucional do grupo, Afonso Motta, concorre a deputado federal pelo PDT. Um dos parlamentares mais votados do estado em 2006, Paulo Borges elegeu-se com a ajuda do cognome “O Homem do Tempo” – era o encarregado da previsão na RBS TV – e disputa a reeleição pelo DEM.
    Como regra quase sem exceções, os candidatos assim forjados não possuem vida partidária pregressa, escalando cargos eletivos por obra da exposição midiática e de sua natureza de personalidades “não-políticas”. Com perfil conservador, alinham-se no espectro que vai do centro à direita. Nesta modalidade de berlusconização delegada, como emergem na condição de criaturas da mídia, dificilmente contrastam os muitos interesses da mesma mídia que os criou.
    Não falta quem diga que é um partido, o PRBS. Não falta quem diga que é o único. Um exagero, deve-se convir. Porém, com os jornais mais influentes, a TV aberta e as rádios AM e FM líderes de audiência, supõe-se até que 90% dos assuntos que freqüentam as conversas dos gaúchos tenham origem na pauta da RBS. Verdade ou não, vale como elemento de reflexão sobre o efeito aberrante da concentração e da propriedade cruzada dos meios de comunicação no jogo eleitoral e na livre manifestação dos eleitores. Vinte e cinco anos após o suspiro final de sua última ditadura, é uma pedra no caminho de um país que ainda constrói penosamente sua democracia.

ESFERA PÚBLICA X ESFERA MERCANTIL

por Emir Sader, blog do Emir


O neoliberalismo é a realização máxima do capitalismo: transformar tudo em mercadoria. Foi assim que o capitalismo nasceu: transformando a força de trabalho (com o fim da escravidão) e as terras em mercadorias. Sua história foi a crescente mercantilização do mundo.
A crise de 1929 – de que o liberalismo foi unanimemente considerado o responsável – gerou contratendências, todas antineoliberais: o fascismo (com forte capitalismo de Estado), o modelo soviético (com eliminação da propriedade privada dos meios de produção) e o keynesianismo (com o Estado assumindo responsabilidades fundamentais na economia e nos direitos sociais).
O capitalismo viveu seu ciclo longo mais importante do segundo posguerra até os anos 70. Quando foi menos liberal, foi menos injusto. Vários países – europeus, mas também a Argentina – tiveram pleno emprego, os direitos sociais foram gradualmente estendidos no que se convencionou chamar de Estado de bem-estar-social.
Esgotado esse ciclo, o diagnóstico neoliberal triunfou, voltando de longo refluxo: dizia que o que tinha levado a economia à recessão era a excessiva regulamentação. O neoliberalismo se propôs a desregulamentar, isto é, a deixar circular livremente o capital. Privatizações, abertura de mercados, “flexibilização laboral” – tudo se resume a desregulamentações.
Promoveu-se o maior processo de mercantilização que a história conheceu. Zonas do mundo não atingidas ainda pela economia de mercado (como o ex-campo socialista e a China) e objetos de que ainda usávamos como exemplos de coisas com valor de uso e sem valor de troca (como a água, agora tornada mercadoria) – foram incorporadas à economia de mercado.
A hegemonia neoliberal se traduziu, no campo teórico, na imposição da polarização estatal/privado como o eixo das alternativas. Como se sabe, quem parte e reparte fica com a melhor parte – privado – e esconde o que lhe interessa abolir – a esfera pública. Porque o eixo real que preside o período neoliberal se articula em torno de outro eixo: esfera pública/esfera mercantil.
Porque a esfera do neoliberalismo não é a privada. A esfera privada é a esfera da vida individual, da família, das opções de cada um – clube de futebol, música, religião, casa, família, etc.. Quando se privatiza uma empresa, não se colocam as ações nas mãos dos indivíduos – os trabalhadores da empresa, por exemplo -, se jogam no mercado, para quem possa comprar. Se mercantiliza o que era um patrimônio público.
O ideal neoliberal é construir uma sociedade em que tudo se vende, tudo se compra, tudo sem preço. Ao estilo shopping center. Ou do modo de vida norteamericano, em que a ambição de todos seria ascender como consumidor, competindo no mercado, uns contra os outros.
O neoliberalismo mercantilizou e concentrou renda, excluiu de direitos a milhões de pessoas – a começar os trabalhadores, a maioria dos quais deixou de ter carteira de trabalho, de ser cidadão, sujeito de direitos -, promoveu a educação privada em detrimento da publica, a saúde privada em detrimento da pública, a imprensa privada em detrimento da pública.
O próprio Estado se deixou mercantilizar. Passou a arrecadar para, prioritariamente, pagar suas dívidas, transferindo recursos do setor produtivo ao especulativo. O capital especulativo, com a desregulamentação, passou a ser o hegemônico na sociedade. Sem regras, o capital – que não é feito para produzir, mas para acumular – se transferiu maciçamente do setor produtivo ao financeiro, sob a forma especulativa, isto é, não para financiar a produção, a pesquisa, o consumo, mas para viver de vender e comprar papéis – de Estados endividados ou de grandes empresas -, sem produzir nem bens, nem empregos. É o pior tipo de capital. O próprio Estado se financeirizou.
O neoliberalismo destruiu as funções sociais do Estado e depois nos jogou como alternativa ao mercado: se quiserem, defendam o Estado que eu destruí, tornando-o indefensável; ou venham somar-se à esfera privada, na verdade o mercado disfarçado.
Mas se a esfera neoliberal é a esfera mercantil, a esfera alternativa não é a estatal. Porque há Estados privatizados, isto é, mercantilizados, financeirizados; e há Estados centrados na esfera pública. A esfera pública é centrada na universalização dos direitos. Democratizar, diante da obra neoliberal, é desmercantilizar, colocar na esfera dos direitos o que o neoliberalismo colocou na esfera do mercado. Uma sociedade democrática, posneoliberal, é uma sociedade fundada nos direitos, na igualdade dos cidadãos. Um cidadão é sujeito de direitos. O mercado não reconhece direitos, só poder de comprar, é composta por consumidores.
Na esfera da informação, houve até aqui predomínio absoluto da esfera mercantil. Para emitir noticias era necessário dispor de recursos suficientes para instalar condições de ter um jornal, um rádio, uma TV. A internet abriu espaços inéditos para a democratização da informação.
A democratização da mídia, isto é, sua desmercantilização, a afirmação do direito a expressar e receber informações pluralistas, tem que combinar diferentes formas de expressão e de mídia. A velha mídia é uma mídia mercantil, composta de empresas financiadas pela publicidade, hoje aderida ao pensamento único. Uma mídia composta por empresas dirigidas por oligarquias familiares, sem democracia nem sequer nas redações e nas pautas dos meios que a compõem.
A nova mídia, por sua vez, é uma mídia barata nos seus custos, pluralista, crítica. O novo espaço criado pelos blogueiros progressistas faz parte da esfera pública, promove os direitos de todos, a democracia econômica, política, social e cultural. A esfera pública tem expressões estatais, não-estatais, comunitárias. Todas comprometidas com os direitos de todos e não com a seletividade e a exclusão mercantil.
São definições a ser discutidas, precisadas, de forma democrática, aberta, pluralista, de um fenômeno novo, que prenuncia uma sociedade justa, solidária, soberana. A possibilidade com que estão comprometidos Dilma e Lula de uma Constituinte autônoma permite que se possa discutir e levar adiante processos de democratização do Estado, de sua reforma em torno das distintas formas de esfera pública, desmercantilizando e desfinanceirizando o Estado brasileiro.

Vodou Haitiano: O poder do que se vê e do que não se vê


Thalles Gomes
 
“Eu sou haitiano. Eu saí do ventre da África Guiné. Eu fui transportado para o Haiti. Eu misturei meu sangue com o sangue dos índios, que foram os primeiros donos desta terra. Eu misturei meu sangue com o sangue dos brancos, que me escravizaram. Eu sou haitiano. Ser que é feito de corpo, ser que é feito de alma. O poder de Olowoun me deu a responsabilidade de conduzir, respeitar e aproveitar tudo aquilo que eu posso ver e tudo aquilo que eu não posso ver sobre esta terra.” Assim começa a oração entoada por centenas de camponeses e camponesas que participaram nos dias 11 a 14 de agosto, nas montanhas de Mawotyè no Noroeste do Haiti, do Encontro de Vodouizantes em homenagem aos 219 anos da celebração vodou mais famosa da história: a Cerimônia de Bwa Kayiman.
 
Na noite de 14 de Agosto de 1791, cerca de duzentos escravos e escravas se reuniram nas matas de Bwa Kayiman, extremo norte do país. Cada uma dessas pessoas havia sido convocada pessoalmente em diferentes rincões da ilha. O homem que deu origem a essa convocatória se chama Boukmann. Ele é um Hougan, sacerdote principal do Vodou. Dentre os presentes estão todos os futuros comandantes da Revolução Haitiana, como Jean Jacques Dessalines, Toussaint Louverture e Capois La Mort. Boukmann explica que foram os Lwas, espíritos do vodou, que decidiram reunir todos eles. Não para pedir-lhes algo, mas sim para comunicar-lhes da decisão dos Lwas: iniciar a batalha pela libertação do Haiti. Com o sangue proveniente do sacrifício de um porco, um pacto secreto e sagrado é selado entre os presentes na cerimônia. Uma pacto que transcende a vida e a morte, entre eles e os espíritos, que garantiria o triunfo sobre o inimigo europeu. 13 anos depois da Cerimônia de Bwa Kayiman, derrotando os três maiores exércitos europeus da época – Espanha, Inglaterra e França –, os negros e negras haitianos levam a cabo em 1804 a primeira revolução de escravos vitoriosa da história e declaram o Haiti território livre e independente.
 
“Passados 219 anos desde que nossos ancestrais decidiram se levantar contra o mal que assolava nossa nação, nós vivemos hoje em dia sob o jugo da mesma exploração, da mesma miséria da época colonial”, afirma o hougan Monmus Ervilus Tibos aos participantes do Encontro Vodouizante em Mawotyè. “Nós precisamos construir um novo Bwa Kayiman. Nós precisamos de um novo Boukmann, de um novo Dessalines entre nós”, conclama Tibos, entre palmas e gritos de Ayibobo! (aleluia) dos camponeses e camponesas presentes.
 
Mas, afinal, que religião é essa na qual os vivos e os espíritos caminham juntos em busca da liberdade de seu povo?
 
Lwas libertadores
 
Com sua origem entre os escravos do antigo Egito, cultivada por distintas etnias africanas, o vodou, nas palavras da pesquisadora venezuelana Jenny Gonzalez Muñoz, “é um viajante que acompanhou os escravos africanos na longa travessia a bordo dos navios negreiros”. Muñoz acrescenta que “ao chegar às terras que constituem atualmente o Haiti, esta crença ou prática religiosa se enriquece com os aportes nativos e europeus. Seu culto se focaliza em gênios e deuses como uma homenagem aos Lwas, que transcendem a forma material humana ou animal, em um ato de fé onde os Hougan e os Bòkò, quer dizer, os sacerdotes e os médiuns, se convertem em verdadeiros canais de comunicação entre os seres transcendentais e os terrenos”.
 
Ao trazer o sobrenatural para a realidade cotidiana, colocando os espíritos dos ancestrais lado a lado com os viventes, o vodou se configura numa ferramenta de união e identidade entre os escravos haitianos, criando assim uma solidariedade possível somente quando se compartilha algo que os une desde o além. É por essa razão que o vodou ganha força crescente na ilha como uma forma de organização que aglutina as tendências emancipatórias e revolucionárias. Esclarece González Muñoz, em seu artigo Vaudou: herencia africana en la sangre americana, que “sob a figura do vodou e do kreyòl, o primeiro como fé que tem como denominador comum a procedência e as condições de seus fiéis, e o segundo como idioma único não compreensível para os europeus, se cria uma espécie de cumplicidade entre os escravos”. Essa cumplicidade incompreensível se converterá num poder que se lançará contra o inimigo para imprimir-lhe o temor e a derrota.
 
Não seria errado afirmar, dessa forma, que as palavras e sons sagrados do vodou foram o ponto crucial da libertação do povo haitiano.
 
Represália ocidental
 
Tamanha ousadia não sairia impune, pelo menos aos olhos dos brancos. Não tardou muito para que as elites ocidentais lançassem sua represália contra o vodou e seu rebento, a revolução haitiana.
 
Se o Haiti sofreu com embargos econômicos, pagamento compulsório da dívida da independência, sucessivas ocupações militares estrangeiras e a ingerência constante das potências norte-americanos e européias – que o transformaram da colônia mais próspera do século XVIII à nação mais pobre do continente americano no século XXI –, o vodou foi rapidamente identificado pela civilização branca ocidental como uma crença selvagem e primitiva, que cultuava forças satânicas e praticava a magia negra.
 
Essa tentativa de deslegitimação do vodou foi reforçada pelas autoridades católicas e protestantes, em aliança com as elites locais. Não custa lembrar que a entrada das igrejas protestantes no Haiti ocorreu justamente no período da primeira ocupação militar estadunidense, entre 1915 e 1934. E que são as organizações católicas e protestantes que dominam o ensino no país. Atualmente, 60% das instituições de ensino haitianas estão nas mãos de entidades cristãs.
 
O resultado dessa empreitada foi o fortalecimento do preconceito e perseguição contra o vodou e seus praticantes. Dezenas de hougan foram presos e assassinados e as celebrações vodou se tornaram cada vez mais clandestinas. Foi somente em 1987 que essa perseguição começou a perder parte de seu ímpeto, quando a atual Constituição Haitiana foi promulgada, dando plenos direitos de culto aos vodouizantes.
 
As estatíticas oficiais indicam que 80% dos haitianos se declaram católicos, 16% protestantes e apenas 3% vodouizantes. Esses dados, entretanto, não indicam a verdadeira força do vodou entre o povo haitiano. Lidando com o forte preconceito que ainda persiste contra os vodouizantes declarados, não é raro encontrar um haitiano ou haitiana que se proclama cristão, freqüenta missas e cultos pela manhã, e no calar da noite busca os tambores vodou no meio das matas para dançar e cultuar os Lwas.
 
Mais do que uma religião
 
Mas não é só por essa razão que se pode medir a força do vodou. Presente principalmente no meio camponês, que representa 66% da população haitiana, o vodou se expressa por outras formas além do culto aos Lwas. Uma dessas expressões é o Rara, que engloba danças, ritmos e instrumentos musicais nascidos da junção entre as celebrações vodouizantes e os mutirões de trabalho nas roças camponesas. Com presença garantida em todas as festividades no meio rural, o Rara tem no mês de abril o seu momento de ápice, quando concursos e festas de rua se espalham por todo o campo haitiano, com bandas e grupos Raras que arrastam milhares de seguidores, naquele que é conhecido como o carnaval camponês do Haiti.
 
Outro função importante desempenhada pelo vodou é na área da saúde. Num país que possui apenas um hospital para cada 200.000 habitantes, os Hougan e Mambò – sacerdotes e sacerdotisas – jogam um papel fundamental no tratamento das famílias camponesas. Detentores do ‘segredo das folhas’, com seu conhecimento ancestral em medicina natural e alternativa, são eles que costumam curar boa parte das enfermidades que assolam os camponeses e camponesas haitianos.
 
De fato, sendo o Estado no Haiti praticamente inexistente e incapaz de estender seus serviços básicos à grande maioria do campo haitiano, o vodou se configura como uma poderosa organização social capaz de articular dentro de si atividades religiosas, culturais, sociais e políticas.
 
O vodou e a reconstrução
 
Entretanto, apesar de toda essa representatividade e experiência, que poderiam ajudar o país a superar o atual momento de ocupação militar das tropas da MINUSTAH e de refundação da nação após o terremoto de 12 de Janeiro de 2010, o vodou e seus representantes não estão inseridos nos debates e espaços públicos de reconstrução do Haiti.
 
Um exemplo dessa segregação é o CIRH – Comitê Provisório para a Reconstrução do Haiti –, criado em março deste ano com a responsabilidade de definir e gerir os recursos e projetos para a reconstrução pós-terremoto. Com a participação de diversos estrangeiros e presidida pelo estadunidense Bill Clinton, o CIRH não conta com a presença de nenhum hougan ou representante vodouizante.
 
“Por que os vodouizantes não estão participando do processo de reconstrução do país?” indaga Dyo Fenne Lendi, hougan porta-voz da Zantray (Zanfan Tradiksyon Ayisyen), organização nacional que congrega hougans e vodouizantes de todo o país e que convocou o Encontro de Mawotyè. “Boukman não construiu o Bwa Kayiman para nós servimos ao estrangeiro. Não podemos nos tornar uma mercadoria nas mãos dos políticos e poderosos. Foi através do vodou que nossos ancestrais derrotaram a exploração escravista e será a partir dele que nós vamos tirar nossa nação da situação em que ela se encontra”, assegura Dyo Fenne.
 
É neste sentido que a Zantray está construindo, junto com outros 600 centros Vodou, a Confederação Nacional dos Vodouizantes Haitianos (KNVA). Mais do que reivindicar sua inclusão na atual sociedade haitiana, os vodouizantes da Zantray buscam a construção de uma novo Haiti, que resgate os principios de solidariedade e soberania de Boukman, Dessalines, Toussaint e Capois La Mort.
 
Ópio do povo?
 
Quando afirmou que a religião era o ópio do povo, Karl Marx provavelmente não conhecia o Vodou haitiano. Tivesse entrado em contato com a religião construída pelos escravos e escravas desta ilha, o autor de O Capital talvez mudasse sua afirmação. Sem esconder certa malícia dialética, diria que, neste caso, o Vodou é e não é o ópio do povo.
 
Ao conjugar o transcendental e o terreno, a fé e a prática, a mística e a política, o Vodou vai mais além de uma simples religião e se transforma num instrumento original de união e poder do povo haitiano na sua luta por libertação.
 
 
Thalles Gomes
de Mawotyè (Pòdepè)/Haiti

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