Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
domingo, 15 de agosto de 2010
Mensagem contra Uribe chega ao IV FSA
por Rita Freire
A carta endereçada a
participantes do IV Fórum Social das Américas e também à Assembléia dos
Movimentos Sociais foi lida na manhã deste domingo pela feminista Nalu
Faria, da Marcha Mundial de Mulheres, sob aplausos de representantes de
organizações de todo continente. Trata-se de uma mensagem enviada por
organizações da Palestina ocupada, que não puderam chegar a Assunção,
Paraguai, mas que tiveram sua participação remota no encontro por meio
da carta, denunciando e pedindo solidariedade latino-americana contra a
participação do ex-presidente colombiano, Álvaro Uribe, no Comitê
designado pela ONU para investigar os ataques israelenses contra a
Flotilla de Gaza.
"Massacres, desaparecimentos forçados, refugiados internos e outros graves crimes internacionais foram documentados pelas mesmas Nações Unidas na Colombia presidida por Uribe", diz a nota.
As organizações pedem que entidades participantes do Fórum de Assunção denunciem o Comitê da ONU, lutem contra o apartheid imposto por Israel à Palestina e se somem aos movimentos que defendem boicote, desinvestimento e sanções contra a Israel até que a ocupação da Palestina tenha fim.
Esta não é a primeira vez que as organizações da Palestina ocupada encontram maneiras de romper distâncias e limitações e participam de modo remoto de eventos do Fórum Social Mundial.
Em janeiro, o dirigente da organização Stop the Wall, Jamal Juma, convidado para o Seminário sobre os 10 Anos do FSM, em Porto Alegre, não pode estar presente porque foi preso por Israel e libertado apenas às vésperas do evento, após muita pressão internacional.
Por meio de internet e conexão audiovisual, o convidado se fez presente através de um telão que transmitiu sua mensagem ao FSM.
Em Maio, na Cidade do México, participantes que chegaram ao Fórum Social Temático e ao Encontro do Conselho Internacional do FSM, se reuniram com ativistas da Palestina através do programa México Expandida, também com uso de recursos audiovisuais e internet.
O Fórum Mundial de Educação na Palestina, programado para acontecer de 28 a 31 de Outubro, será mais um importante momento para romper distâncias e o silêncio imposto à Palestina por meio da ocupação. Será realizado simultaneamente em Ramallah, Haifa, Gaza, Jerusalém e também em Beirute, no Líbano. E está prevista a participação à distância de organizações que tentarão conectar suas atividades através da programação da Palestina Expandida.
A seguir leia a carta em espanhol e inglês
"Massacres, desaparecimentos forçados, refugiados internos e outros graves crimes internacionais foram documentados pelas mesmas Nações Unidas na Colombia presidida por Uribe", diz a nota.
As organizações pedem que entidades participantes do Fórum de Assunção denunciem o Comitê da ONU, lutem contra o apartheid imposto por Israel à Palestina e se somem aos movimentos que defendem boicote, desinvestimento e sanções contra a Israel até que a ocupação da Palestina tenha fim.
Esta não é a primeira vez que as organizações da Palestina ocupada encontram maneiras de romper distâncias e limitações e participam de modo remoto de eventos do Fórum Social Mundial.
Em janeiro, o dirigente da organização Stop the Wall, Jamal Juma, convidado para o Seminário sobre os 10 Anos do FSM, em Porto Alegre, não pode estar presente porque foi preso por Israel e libertado apenas às vésperas do evento, após muita pressão internacional.
Por meio de internet e conexão audiovisual, o convidado se fez presente através de um telão que transmitiu sua mensagem ao FSM.
Em Maio, na Cidade do México, participantes que chegaram ao Fórum Social Temático e ao Encontro do Conselho Internacional do FSM, se reuniram com ativistas da Palestina através do programa México Expandida, também com uso de recursos audiovisuais e internet.
O Fórum Mundial de Educação na Palestina, programado para acontecer de 28 a 31 de Outubro, será mais um importante momento para romper distâncias e o silêncio imposto à Palestina por meio da ocupação. Será realizado simultaneamente em Ramallah, Haifa, Gaza, Jerusalém e também em Beirute, no Líbano. E está prevista a participação à distância de organizações que tentarão conectar suas atividades através da programação da Palestina Expandida.
A seguir leia a carta em espanhol e inglês
CANÇÃO EM HOMENAGEM À FRATERNIDADE E À AMIZADE! A VIOLÊNCIA JAMAIS VENCERÁ!
Ludwig
Van Beethoven é um dos maiores compositores de todos os tempos. Sua
criação é monumental. Sua obra-prima é a Nona Sinfonia, que também é uma
das mais belas obras produzidas pela humanidade. O quarto movimento,
inspirado por um belíssimo poema de um grande poeta alemão chamado
Friederich Von Schiller é um verdadeiro hino à fraternidade entre os
homens e entre os povos. Uma afirmação da vida, da sociedade humana, do
otimismo, do sonho... uma passarela que conduz à certeza que a beleza
existe, a harmonia produzindo em quem ouve um sentimento de que todo
sonho, a construção do paraíso sonhado, e à certeza que todo utopia é
possível.
Ode à Alegria
(An Die Freude)
Oh amigos, mudemos o som!
Entoemos algo mais prazeroso
E alegre!
Alegria, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios pelo fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce vôo se detém.
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Mesmo aquele que conquistou apenas uma alma,
Uma única alma em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!
Da alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim para se erguer diante de Deus!
Alegremente, como seus sóis corram
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Exultantes como o herói diante da vitória.
Alegria, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios pelo fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Enviem um beijo ao mundo todo!
Mundo, você sente a presença do seu Criador?
Pois milhões se abatem diante dele!
Abracem-se milhões!
Porque Irmãos, além do céu estrelado
Deve haver um Pai Amado!
sábado, 14 de agosto de 2010
Mulheres contra a militarização
Encontro Internacional de Mulheres e Povos das Américas contra a Militarização
Cristóvam Feil no Diario Gauche
A expectativa é que mais de mil mulheres e homens de movimentos
populares e organizações sociais e políticas da América Latina debatam
estratégias de ações contra a militarização e a presença de tropas
estrangeiras na região. O encontro ocorre em um momento crucial dada
conjuntura política e militar latino-americana.
Golpe de Estado em Honduras, ocupação militar no Haiti e instalação de bases militares estadunidenses na Colômbia e no Panamá são apenas alguns exemplos do avanço da investida dos Estados Unidos na região. O país escolhido para ser sede do Encontro contra a Militarização também não poderia ser melhor: Colômbia, Estado que, em 2009, assinou um Acordo de Defesa e Segurança com o país norte-americano.
"Além disso, o encontro se desenvolve em um país cujo governo mantém uma história de 40 anos de cooperação militar com os Estados Unidos que - sob o sofisma da luta contra as drogas, o narcotráfico e o terrorismo que foi desculpa para a perseguição e estigmatização do protesto social - oculta os verdadeiros interesses econômicos por trás do conflito na Colômbia: a manutenção do controle de seus recursos naturais, territórios e do povo", acrescentou a convocatória divulgada no início deste mês.
A crescente militarização na América Latina tem afetado a soberania dos povos com deslocamentos forçados, violações aos direitos humanos e exploração de recursos naturais. As mulheres são as principais vítimas dessa situação. Isso porque, com o aumento de militares em um território, aumenta também o machismo, a prostituição e a violência sexual contra as mulheres.
"Historicamente as bases militares têm servido para invadir territórios estratégicos por sua localização geopolítica e as riquezas naturais que muitas vezes se encontram nos povos milenários, afrodescendentes e camponeses. Estas bases militares também promovem a prostituição com a regulação de casas oficiais que servem como ‘entretenimento’ aos soldados, mas, para as mulheres, representem escravidão sexual e outros tipos de violência, como os feminicídios", explicaram as organizações de mulheres em comunicado de julho passado.
O Encontro Internacional de Mulheres e Povos das Américas contra a Militarização será divido em três momentos. No primeiro, de 16 a 20 de agosto, uma missão humanitária de solidariedade e resistência visitará diversas regiões na Colômbia para observar os efeitos da militarização.
O Encontro Internacional propriamente dito começará no dia 21, na cidade de Barrancabermeja, Santander, com debates e trocas de experiências entre os movimentos sociais. Na tarde do dia 22, os participantes apresentarão a declaração final do encontro e a agenda de trabalho para a desmilitarização do continente. O encerramento das atividades será no dia 23, com uma Vigília pela Vida.
As mobilizações não se restringirão à Colômbia. Organizações e movimentos sociais estão convidados a realizar, em vários países, uma Jornada Internacional de Solidariedade às Mulheres e aos Povos da Colômbia e das Américas que lutam contra a Militarização.
A ideia é chamar atenção da sociedade sobre o avanço da militarização na América Latina. Para isso, os grupos interessados em participar podem fazer atividades como: vigílias e atos em frente a consulados e representações da Colômbia e dos Estados Unidos, panfletagens, seminários, ações de rua e reuniões com parlamentares. A informação é do portal Adital.
Mais informações aqui.
Golpe de Estado em Honduras, ocupação militar no Haiti e instalação de bases militares estadunidenses na Colômbia e no Panamá são apenas alguns exemplos do avanço da investida dos Estados Unidos na região. O país escolhido para ser sede do Encontro contra a Militarização também não poderia ser melhor: Colômbia, Estado que, em 2009, assinou um Acordo de Defesa e Segurança com o país norte-americano.
"Além disso, o encontro se desenvolve em um país cujo governo mantém uma história de 40 anos de cooperação militar com os Estados Unidos que - sob o sofisma da luta contra as drogas, o narcotráfico e o terrorismo que foi desculpa para a perseguição e estigmatização do protesto social - oculta os verdadeiros interesses econômicos por trás do conflito na Colômbia: a manutenção do controle de seus recursos naturais, territórios e do povo", acrescentou a convocatória divulgada no início deste mês.
A crescente militarização na América Latina tem afetado a soberania dos povos com deslocamentos forçados, violações aos direitos humanos e exploração de recursos naturais. As mulheres são as principais vítimas dessa situação. Isso porque, com o aumento de militares em um território, aumenta também o machismo, a prostituição e a violência sexual contra as mulheres.
"Historicamente as bases militares têm servido para invadir territórios estratégicos por sua localização geopolítica e as riquezas naturais que muitas vezes se encontram nos povos milenários, afrodescendentes e camponeses. Estas bases militares também promovem a prostituição com a regulação de casas oficiais que servem como ‘entretenimento’ aos soldados, mas, para as mulheres, representem escravidão sexual e outros tipos de violência, como os feminicídios", explicaram as organizações de mulheres em comunicado de julho passado.
O Encontro Internacional de Mulheres e Povos das Américas contra a Militarização será divido em três momentos. No primeiro, de 16 a 20 de agosto, uma missão humanitária de solidariedade e resistência visitará diversas regiões na Colômbia para observar os efeitos da militarização.
O Encontro Internacional propriamente dito começará no dia 21, na cidade de Barrancabermeja, Santander, com debates e trocas de experiências entre os movimentos sociais. Na tarde do dia 22, os participantes apresentarão a declaração final do encontro e a agenda de trabalho para a desmilitarização do continente. O encerramento das atividades será no dia 23, com uma Vigília pela Vida.
As mobilizações não se restringirão à Colômbia. Organizações e movimentos sociais estão convidados a realizar, em vários países, uma Jornada Internacional de Solidariedade às Mulheres e aos Povos da Colômbia e das Américas que lutam contra a Militarização.
A ideia é chamar atenção da sociedade sobre o avanço da militarização na América Latina. Para isso, os grupos interessados em participar podem fazer atividades como: vigílias e atos em frente a consulados e representações da Colômbia e dos Estados Unidos, panfletagens, seminários, ações de rua e reuniões com parlamentares. A informação é do portal Adital.
Mais informações aqui.
Pesos e medidas
Mino Carta no Carta Capital
Não há semelhança possível entre um estúdio de tevê e um ringue. Pelo
menos não havia até poucos dias atrás. A gravação de uma entrevista na
TV 5, filiada à Rede Bandeirantes em Rio Branco, acabou em vale-tudo
entre o entrevistador, o jornalista Demóstenes Nascimento, e o
entrevistado, candidato ao Senado pelo Acre, o emedebista João Correia.
De categoria nitidamente superior, Demóstenes pareceu mais talhado para
catch-as-you-catch-can e ganhou a luta com bom aproveitamento tanto nos
socos quanto nos pontapés. Empate em matéria de insultos e palavrões.
O entrevistado farejou certa agressividade em uma pergunta sobre
segurança pública e reagiu com acusações ao atual governo acriano. O
entrevistador negou-lhe condições morais para manifestar-se ao apontá-lo
como envolvido em certo escândalo. O candidato ergueu-se de sua
poltrona aos gritos de “lacaio, vendido”. Partiram para a briga e a
célebre turma-do-deixa-disso demorou para entrar em ação.
Correia sofreu escoriações no rosto e no joelho direito e lesão no
tendão do dedo anular, também direito. Trata-se de um lutador
comprovadamente destro. Mas o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do
Acre e a Federação Nacional divulgaram uma nota para verberar “a
atitude covarde e agressiva” do entrevistado. Nada como a eterna
vigilância dos paladinos da liberdade de imprensa, mesmo quando
participam de refregas desiguais, representados por pesos-pesados
chamados a enfrentar moscas ou galos.
A luta de Rio Branco é um episódio novo na nossa história das
campanhas eleitorais, mesmo porque, salvo melhor juízo, os candidatos
entrevistados não pulam corda ou socam o punching ball antes de qualquer
entrevista. Para revidar às perguntas que não são do seu gosto, o
candidato José Serra adota uma linha de refinado senso de humor. Anota a
repórter Juliana Cipriani, de O Estado de Minas, que Serra “parece ter
dificuldade em entender o que dizem os brasileiros ou inventou uma nova
estratégia para evitar responder às perguntas que não o agradam”.
Em meados de julho passado, em Pernambuco, o repórter de um jornal
local dirigiu-lhe uma pergunta sobre o trem-bala destinado a ligar São
Paulo ao Rio: obra feita ou tiro de festim? A pergunta deveria ser do
seu gosto, pois o candidato é contrário ao projeto. Surpresa. “Não
entendi, foi muito sotaque”, decretou Serra. Em Minas, quando um
jornalista o questionou sobre recente entrevista de Lula em que o
presidente lamenta-lhe a falta de sorte ao enfrentá-lo em 2002 e agora
diante de Dilma Rousseff, Serra escandiu: “Esta fala mineira de vocês eu
não entendo”.
O candidato tucano consegue, porém, ser mais cordato, a depender das
situações. Lá pelas tantas desta tertúlia eleitoral, o repórter Fábio
Turci dirige a Serra uma pergunta sobre juros. O perguntado não esconde
sua irritação, e indaga com a devida veemência: “De onde você é?” Turci
esclarece ser da Globo. E Serra, de pronto: “Ah, então desculpe”. Tucano
não voa, mas sabe onde pisa.
Na noite de 11 de agosto coube a ele ser sabatinado por 12 minutos
pelo casal JN, William Bonner e Fátima Bernardes, os sorrisos mais
radiosos do Brasil. Antes, a oportunidade foi bondosamente oferecida às
candidatas Dilma Rousseff, segunda 9, e Marina Silva, terça 10. Para
ambas, um sufoco. As perguntas do locutor que considera Homer Simpson
como telespectador ideal foram muito mais esticadas que as respostas,
quando estas não foram furibundamente atropeladas.
No caso de Dilma, o propósito foi mostrar (ingenuamente?) que ela é
ao mesmo tempo uma marionete na mão de Lula e personagem dura,
prepotente, mandona. De sorte a suscitar a observação da entrevistada,
mais ou menos do seguinte teor: então, como vocês me querem, como títere
do titereiro ou como a ministra inflexível que chama às falas os
colegas de gabinete? Na vez de Marina, o intuito foi outro: provar que
ela saiu do governo por discordâncias sobre a política ambiental
enquanto, tempos antes, não se incomodou com o mensalão, o escândalo
pretendido e até hoje não provado. A certa altura, a ex-ministra teve de
reagir com alguma, insólita veemência, para pedir que a deixassem
concluir o raciocínio.
Com Serra, na quarta 11, tudo mudou. O casal JN deixou o candidato
falar à vontade. E quando a entrevista pretendeu chegar ao ponto de
fervura, a pergunta foi: o senhor não se sente constrangido de ter o
apoio do PTB, partido metido no escândalo do mensalão petista? Nada do
mensalão mineiro nem do escândalo do DEM em Brasília. Maluf e Quércia?
Esquecidos. E os votos comprados para a reeleição de FHC?
Segundo momento de aperto. Pergunta a evocar os usuários que reclamam
dos preços altos do pedágio em São Paulo. Serra ganha a oportunidade de
falar mal das estradas federais. Aí Bonner acrescenta: não existe um
meio-termo, só dá para ter estradas boas e caras ou ruins e baratas?
Serra emenda, feliz, que na última concessão que fez, os preços do
pedágio caíram pela metade. Omitiu que os postos de cobrança foram
dobrados e ao cabo cita sua origem humilde, estudante de escola pública
etc. etc. Só falta chorar.
A rapaziada não se dá ao respeito. Quem sabe haja quem se incomoda ao
perceber que nos enxergam como malta de idiotas. Esta visão da plateia é
própria, aliás, dos jornalistas nativos e seus patrões. Será que não
usam na medição o metro recomendável para medir a si mesmos?
Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital.
Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de
Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do
jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde.
redação@cartacapital.com.br
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sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Nicarágua: saúde gratuita e de qualidade para todos
Manágua,
(Prensa Latina)
Em aproximadamente três anos e meio, a atenção
sanitária na Nicarágua deixou de ser uma prática elitista e controlada
pelas regras do mercado, e se converteu em uma prioridade governamental e
um direito de toda a população. Os
avanços conseguidos neste campo desde que os sandinistas assumiram pela
segunda vez o governo desta nação centro-americana, em janeiro de 2007,
são enormes e respondem a uma política de Estado concebida a partir do
critério de que a saúde é um direito fundamental de toda a população e é
uma obrigação governamental brindar uma atenção de qualidade, de
maneira eficiente e gratuita.
Depois de 17 anos
de governos neoliberais (1990-2006), uma das primeiras decisões adotadas
pelo presidente Daniel Ortega foi decretar a gratuidade da atenção
médica em hospitais e centros de saúde, incluindo os exames de
laboratórios e com equipes de alta tecnologia, que depois se estendeu
aos medicamentos prescritos nessas unidades.
Essa medida
possibilitou o acesso à atenção médica de grande parte da população
nicaragüense, sobretudo a de menores rendimentos, até então impedida de
pagar os altos custos de hospitais privados e inclusive públicos.
Por exemplo, no
Centro Nacional de Cardiologia realizaram-se, em 2007, 2.898
eletrocardiogramas, mas a cifra subiu a 7.932 em 2009 e só durante o
primeiro semestre deste ano se reportaram 4.500.
Há três anos, os
nicaragüenses deviam pagar por um eletrocardiograma o equivalente a uns
30 dólares por exame, mas desde 2007 realizam-se gratuitamente em todos
os hospitais públicos e centros assistenciais controlados pelo
Ministério de Saúde (Minsa).
Mas de pouco serve a
gratuidade da atenção médica se são escassos os centros assistenciais e
os que existem não dispõem de recursos humanos e técnicos necessários.
Concentrada
principalmente em Manágua e em algumas outras cidades, a infra-estrutura
de saúde pública que encontrou o governo sandinista em 2007 estava
marcada pela corrupção e pelo abandono de três administrações
neoliberais precedentes.
Não existiam
máquinas de hemodiálise em nenhum dos hospitais públicos do país, e
muito menos equipes para realizar tomografias, ressonâncias magnéticas,
ecocardiogramas e outros exames especializados.
Tudo isso começou a
mudar rapidamente, graças a importantes e sustentados investimentos
governamentais e à ajuda brindada pelos países da Aliança Bolivariana
dos Povos de Nossa América (ALBA), principalmente de Cuba e Venezuela.
A infra-estrutura
Em três anos e
meio, foram consertados e acondicionados dezenas de hospitais e centros
de saúde em todo o país e se construíram outros, principalmente em zonas
do interior onde praticamente nunca antes houve atenção médica à
população.
Na primeira semana
de julho e em comemoração ao XXXI aniversário do triunfo da Revolução
Sandinista, a ministra de Saúde, Sonia Castro, anunciou a inauguração,
no mês, de 15 novas unidades sanitárias, entre elas quatro hospitais
primários.
Há uma melhora na
infra-estrutura e pouco a pouco estamos investindo num modelo de saúde
que encontramos fracassado; sabemos que as necessidades são grandes, mas
vamos avançando, disse a titular do Minsa.
Na aplicação de sua
política sanitária, o governo sandinista tem outorgado a prioridade à
prevenção e a partir desse conceito intensificou-se a atenção às
grávidas e multiplicam-se os programas de vacinação, sobretudo à
população infantil, o que permitiu eliminar ou reduzir a incidência de
doenças como a poliomielite, o tétano neonatal, o sarampo, a rubéola e
outras. Ao mesmo tempo trabalhou-se intensamente na formação de novos
médicos, pessoal de enfermaria e técnicos da saúde, com vocação de
serviço solidário e humanista, alheia a conceitos mercantilistas.
Ao pujante
movimento de médicos sandinistas que se move por todo o país, unem-se
pouco a pouco os graduados das universidades locais, bem como os mais de
mil jovens que a Nicarágua enviou à Escola Latino-americana de Medicina
(ELAM) de Havana, e os mais de 200 que estudam na Venezuela.
O esforço realizado
ao longo de mais de três anos possibilitou que, no final de maio, o
representante permanente na Nicarágua da Organização Panamericana de
Saúde (OPS), Jorge Luis Prósperi, destacasse as conquistas do governo
sandinista em matéria de saúde.
Nicarágua é um dos
países com mais alta cobertura de vacinação no continente, disse o
servidor público, e acrescentou que nem na América do Sul nem na Central
atingem-se cifras acima de 95 por cento na maioria das vacinas como na
Nicarágua e isso só se consegue com um compromisso político muito forte
do governo.
A julgamento de
Prósperi, as limitações são basicamente financeiras, mas para chegar a
essa meta conta-se com uma forte política sanitária e o país tem um
plano de saúde e um modelo de organização dos sistemas sanitários locais
que são exemplos para a América.
A colaboração cubana
A colaboração
cubana neste esforço é notável. A brigada Ernesto Che Guevara, integrada
por uns 180 especialistas, opera em dois hospitais, um no município
Muelle de los Bueyes, na Região Autônoma do Atlântico Sul (RAAS), e
outro em Waspán, na Região Autônoma do Atlântico Norte (RAAN), zonas de
assentamento tradicional dos povos originários.
O pessoal médico da
Che Guevara está presente também nos departamentos de Matagalpa e Rio
San Juan, e seus técnicos operam as equipes vindas da Venezuela para o
Centro de Alta Tecnologia do capitalino hospital Lenin Fonseca.
Também integram
essa brigada os 45 médicos e técnicos que operam os quatro hospitais
oftalmológicos criados na Nicarágua como parte da Operação Milagro,
instalados em Cidade Sandino, Matagalpa, Bluefields e Puerto Cabezas,
onde, em conjunto realizaram-se até agora mais de 67 mil operações
cirúrgicas em pessoas com problemas visuais.
A maior parte
dessas operações foi realizada em pessoas afetadas por cataratas ou
pterigium e foi totalmente gratuita, algo muito importante se se tiver
em conta que uma operação desse tipo custa em um hospital privado da
Nicarágua em torno de 900 dólares.
Outra colaboração
cubana de grande impacto social é a que protagonizam os 64 especialistas
e técnicos da Ilha que integram a Brigada Todos com Voz, que desde
outubro de 2009 realiza o Estudo Psico-social, Pedagógico e
Clínico-Genético das Pessoas com Incapacidades em todos os departamentos
da Nicarágua.
Essa brigada,
integrada também por 25 médicos nicaragüenses, completou já esses
estudos em Masaya, Matagalpa, Chinandega, Managua, León, Jinotega, Nueva
Segovia, Estelí e a princípios de julho estava a ponto de terminar em
Chontales.
Até o dia 6 desse
mês tinham estudado um total de 88.419 pessoas com diversos tipos de
incapacidades, para o que visitaram mais de 131 mil moradias.
Esses estudos
permitem registrar informação que antes não existia sobre as pessoas
incapacitadas, o que possibilita ao governo elaborar e aplicar programas
de atenção para melhorar a qualidade de vida desse vulnerável setor da
população.
(*) O autor é co-responsável da Prensa Latina na Nicarágua.
A tendência à barbárie e as perspectivas do socialismo
James Petras no Correio da Cidadania | |
As sociedades ocidentais e os Estados estão se deslocando
inexoravelmente para condições semelhantes à barbárie; mudanças
estruturais estão revertendo décadas de bem estar social e sujeitando o
trabalho, os recursos naturais e as riquezas das nações à exploração
bruta, à pilhagem e ao saque, rebaixando os padrões de vida e causando
descontentamento num nível sem precedentes.
Inicialmente, descreveremos os processos econômicos, políticos e
militares que vêm abrindo este caminho à decadência e à decomposição
social, e a seguir mostraremos a reação das massas populares à
deterioração de suas condições de vida. As profundas mudanças
estruturais que acompanham a ascensão da barbárie constituirão a base
para considerar as perspectivas para o socialismo no século XXI.
A crescente onda de barbárie
Nas sociedades antigas, a "barbárie" e os seus portadores – os
"bárbaros" invasores – foram vistos como uma ameaça vinda das regiões
periféricas de Roma ou Atenas. Nas sociedades ocidentais contemporâneas,
os bárbaros vêm de dentro, da elite, com a intenção de impor uma nova
ordem que corrói o tecido social e a base produtiva da sociedade,
convertendo meios de subsistência estáveis em condições deterioradas e
inseguras da vida cotidiana.
A chave para a barbárie contemporânea encontra-se nas estruturas internas do Estado imperial e da economia. Estas incluem:
1. A ascensão de uma elite financeira e especulativa, que tem saqueado
trilhões de dólares dos poupadores, investidores, mutuários,
consumidores e do Estado, subtraindo enormes recursos da economia
produtiva e colocando-os nas mãos da camada parasitária aninhada no
Estado e nos mercados financeiros.
2. A elite política militarista, que vem supervisionando um estado de
guerra permanente desde meados do século passado. Terror de Estado,
guerras intermináveis, assassinatos em zonas fronteiriças e a suspensão
das garantias constitucionais tradicionais levaram à concentração de
poderes ditatoriais, prisões arbitrárias, torturas e à negação do habeas corpus.
3. Em meio a uma profunda recessão econômica e estagnação, os altos
gastos do Estado na construção de um império econômico e militar, às
expensas da economia nacional e dos padrões de vida, refletem a
subordinação da economia local às atividades do Estado imperial.
4. A corrupção desde o topo, visível em todos os aspectos da atividade
do Estado - desde as aquisições de bens e serviços até a privatização e
os subsídios para os super-ricos –, incentiva o crescimento do crime
internacional de cima para baixo, a lumpenização da classe capitalista e um Estado onde a lei e a ordem se encontram em descrédito.
5. Resultantes dos elevados custos de construção do império e da
pilhagem da oligarquia financeira, os encargos sócio-econômicos recaem
diretamente sobre os ombros dos trabalhadores assalariados, aposentados e
trabalhadores por conta própria, determinando uma grande mobilidade
descendente na escala social ao longo do tempo. Com a perda de empregos e
o desaparecimento das posições mais bem remuneradas, as retomadas de
casas pelos bancos crescem exponencialmente e as classes médias, antes
estáveis, encolhem, e os trabalhadores são forçados a alongar suas
jornadas de trabalho diárias e a trabalhar durante um maior número de
anos.
6. As guerras imperiais, que se espalham pelo mundo e são direcionadas a
populações inteiras, que sofrem com os bombardeios e as operações
clandestinas de terror, geram, em oposição, redes terroristas, que
também atingem alvos civis nos mercados, transportes e espaços públicos.
O mundo vai se parecendo ao pesadelo hobbesiano de "todos contra
todos".
7. Um crescente extremismo etno-religioso ligado ao militarismo é
encontrado entre os cristãos, judeus, muçulmanos e hindus, que substitui
a solidariedade de classe internacional por doutrinas de supremacia
racial e penetra as estruturas profundas dos Estados e das sociedades.
8. O desaparecimento dos Estados europeus e asiáticos de bem-estar
social coletivo – nomeadamente, a ex-URSS e a China – levantou as
pressões competitivas sobre o capitalismo ocidental e o encorajou à
revogação de todas as concessões de bem-estar social obtidas pela classe
trabalhadora no período pós-II Guerra Mundial.
9. O fim do "comunismo" e a integração da social-democracia ao sistema
capitalista levaram a um enfraquecimento severo da esquerda, que os
protestos esporádicos dos movimentos sociais não conseguiram substituir.
10. Diante do atual assalto às condições de vida dos trabalhadores e da
classe média, só se vêem protestos esporádicos, no melhor dos casos, e
impotência política, no pior.
11. A exploração maciça do trabalho nas sociedades capitalistas
pós-revolucionárias, como a China e o Vietnã, compreende a exclusão de
centenas de milhões de trabalhadores migrantes dos serviços públicos
elementares de educação e saúde. A pilhagem sem precedentes e a captura,
por oligarquias nacionais e multinacionais estrangeiras, de milhares de
lucrativas empresas públicas estratégicas da Rússia, das repúblicas da
ex-União Soviética, dos países da Europa Oriental, dos Bálcãs e dos
países bálticos, foram a maior transferência de riqueza pública para
mãos privadas, em curto espaço de tempo, em toda a História.
Em resumo, a barbárie surgiu como uma realidade definida, produto da
ascensão de uma classe dominante financeira parasitária e militarista.
Os bárbaros encontram-se aqui e agora, presentes dentro das fronteiras
das sociedades ocidentais e seus Estados. Eles governam e perseguem
agressivamente uma agenda que está continuamente a reduzir os padrões de
vida, a transferir a riqueza pública para os seus cofres privados, a
pilhar recursos públicos, a violar direitos constitucionais no exercício
de suas guerras imperiais, a segregar e perseguir milhões de
trabalhadores imigrantes e a promover a desintegração e o
desaparecimento do trabalho estável e de classe média. Mais do que em
qualquer outro momento na história recente, o 1% mais rico da população
controla uma parcela crescente das riquezas e das rendas nacionais.
Mitos e realidades do capitalismo histórico
A retirada, em grande escala e de forma sustentada, dos direitos sociais
e previdenciários, da segurança no emprego, e as reduções de salários e
aposentadorias, demonstram a falsidade da idéia do progresso linear do
capitalismo. Essa reversão, produto do poder ampliado da classe
capitalista, demonstra a validade da proposição marxista de que a luta
de classes é o motor da História – na medida em que, pelo menos, a
própria condição humana é considerada como sua peça central.
A segunda premissa falsa – a de que os Estados organizados em "economias
de mercado" têm como pré-requisito a paz, tendo como corolário a
ascendência dos "mercados" sobre o militarismo – é refutada pelo fato de
que a principal economia de mercado – os Estados Unidos – tem
permanecido em constante estado de guerra desde o início da década de
1940, estando ativamente engajada em guerras em quatro continentes, até
os dias de hoje, e com perspectiva de novas, maiores e mais sangrentas
guerras no horizonte. A causa e conseqüência da guerra permanente é o
crescimento de um monstruoso "Estado de segurança nacional" que não
reconhece fronteiras nacionais e absorve a maior parte do Orçamento do
país.
O terceiro mito do "capitalismo avançado maduro" é o de que este sempre
revoluciona a produção através da inovação e da tecnologia. Com a
ascensão da elite financeira especulativa e militarista, as forças
produtivas foram saqueadas e a "inovação" é em grande parte direcionada à
elaboração de instrumentos financeiros que exploram os investidores,
reduzem os ativos e acabam com o trabalho produtivo.
Enquanto o império cresce, a economia local se contrai, o poder está
centralizado no Executivo, o poder legislativo é reduzido e aos cidadãos
é negada uma representação efetiva, ou mesmo o poder de veto através de
processos eleitorais.
A resposta das massas ao aumento da barbárie
A ascensão da barbárie em nosso meio tem provocado revolta pública
contra seus principais executores. As pesquisas de opinião têm
reiteradamente encontrado:
(1) Profunda aversão e revolta contra todos os partidos políticos.
(2) Grande desconfiança, nutrida pela maioria da população, contra a elite empresarial e política.
(3) Rejeição, também pela maioria, da concentração de poder corporativo e
do seu abuso, principalmente por parte dos banqueiros e financistas.
(4) Questionamento amplo das credenciais democráticas dos líderes
políticos que agem a mando da elite empresarial e promovem as políticas
repressivas do Estado de segurança nacional.
(5) Rejeição, pela grande maioria da população, da pilhagem do Tesouro
nacional para salvação dos bancos e da elite financeira, com a imposição
de programas de austeridade regressivos sobre a classe média
trabalhadora.
Perspectivas para o socialismo
A ofensiva capitalista teve certamente um grande impacto sobre as
condições objetivas e subjetivas da classe média trabalhadora,
empobrecendo- a e provocando uma onda crescente de descontentamento
pessoal, que ainda não se traduziu numa movimentação anticapitalista
massiva, ou mesmo numa resistência dinâmica e organizada.
As grandes mudanças estruturais requerem um melhor entendimento das
atuais circunstâncias adversas e a identificação de novas instâncias e
meios onde se desenvolvem a luta de classes e de transformação social.
Um problema-chave é a necessidade de se recriar uma economia produtiva
e reconstruir uma classe trabalhadora industrial após anos de pilhagem
financeira e desindustrialização, não necessariamente para as poluidoras
indústrias do passado, mas certamente para novas indústrias que criem e
utilizem fontes de energia limpa.
Em segundo lugar, as sociedades capitalistas altamente endividadas
necessitam, fundamentalmente, sair do modelo de construção imperial
militarista de alto custo em direção a um modelo de austeridade
financeira baseado na classe e que imponha os sacrifícios e as reformas
estruturais aos setores bancário, financeiro e comercial de grande
varejo, que substitui a produção local pela importação de artigos de
consumo de baixo custo.
Em terceiro lugar, o enxugamento do setor financeiro e do comércio
retalhista exige a melhoria das qualificações dos trabalhadores que
serão deslocados ou desempregados, bem como mudanças no setor de TI, de
forma a acomodar as próprias mudanças econômicas. Exige, também, a
mudança de um paradigma – da renda monetária para o rendimento social –,
em que a educação pública e gratuita de alto nível, o acesso universal à
saúde e as aposentadorias abrangentes substituirão o consumismo global
financiado por dívidas. Isso pode se tornar a base para o fortalecimento
da consciência de classe contra o consumismo individual.
Esta é a questão: como passar de uma posição em que a classe
trabalhadora se encontra fragmentada e enfraquecida e os movimentos
sociais em recuo ou na defensiva a uma posição em que seja possível
lançar uma ofensiva anticapitalista?
Vários fatores subjetivos e objetivos já permitem o trabalho nesse sentido. Primeiro, há uma negatividade
crescente contra a grande maioria dos atuais operadores políticos e, em
particular, contra as elites econômicas e financeiras que estão
claramente identificadas como responsáveis pelo declínio nos padrões de
vida. Em segundo lugar, há o ponto de vista popular, compartilhado por
milhões de pessoas, de que os atuais programas de austeridade são
claramente injustos - com os trabalhadores a pagar pela crise que a
classe capitalista produziu. Até o momento, no entanto, estas maiorias
são mais "anti"-status quo do que "pró"-transformação. A
transição do descontentamento privado para a ação coletiva é uma questão
em aberto quanto a quem a desencadeará e como o fará, mas a
oportunidade está presente.
Existem vários fatores objetivos que podem deflagrar uma mudança
qualitativa do descontentamento, deslocando-o da raiva passiva rumo a um
maciço movimento anticapitalista. Um "duplo mergulho" na recessão, o
fim da atual recuperação anêmica e o início de uma recessão mais
profunda e prolongada ou de uma depressão poderiam desacreditar ainda
mais os governantes atuais e seus aliados econômicos.
Em segundo lugar, o aprofundamento interminável da austeridade poderá
desacreditar a noção atual, difundida pela classe dominante, de que os
sacrifícios atuais são necessários para se obterem ganhos futuros,
abrindo as mentes e encorajando os corpos a se moverem à procura de
soluções políticas, de forma a alcançar ganhos no presente e infligir
dor às elites econômicas.
As inesgotáveis e "invencíveis" guerras imperiais que sangram a economia
e a classe trabalhadora podem, em última análise, criar uma consciência
de que a classe dominante oferece "sacrifícios" à nação sem nenhuma
finalidade "útil".
Provavelmente, o efeito combinado de uma nova etapa da recessão, a
austeridade perpétua e as estúpidas guerras imperiais acabarão por
transformar o mal-estar atual e a difusa hostilidade das massas contra a
elite econômica e política em favor dos movimentos socialistas,
partidos e sindicatos.
James Petras é sociólogo, nascido em Boston, e publicou mais de
sessenta livros de economia política e, no terreno da ficção, quatro
coleções de contos.
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Ana Amélia Lemos e a credibilidade
Por Marcelino Korst no RsUrgente
Ana Amélia Lemos passou décadas fazendo a cobertura política nos
veículos de comunicação mais lidos, vistos e ouvidos do Rio Grande do
Sul. Durante todo aquele tempo, sempre que qualquer dúvida se levantava
sobre sua imparcialidade, a reação era imediata. Os críticos,
invariavelmente, eram classificados como “patrulhas” ou “pessoas que não
sabem lidar com a liberdade de imprensa”. Mas eis que Ana Amélia Lemos
aparece nas páginas de política como candidata a uma vaga de Senadora
pelo Partido Progressista batendo palmas para… Yeda Crusius.
O governo Yeda, e isso até os flocos de neve que decoram a Serra
gaúcha sabem, é alvo de uma montanha de suspeitas de corrupção, algumas
cabalmente comprovadas. Mais do que isso: até hoje Yeda mantém ao seu
lado, com poder absoluto de contrastar e demitir, uma assessora que está
indiciada por formação de quadrilha e corrupção; e até ontem, um Chefe
de Gabinete que usou o aparelho do Estado para espionar adversários
políticos e acompanhou delegados para avisar o pai de um traficante que o
filho seria preso.
O governo Yeda, e disso sabem bem os trabalhadores em educação e os
bancários, ordenou que a Brigada Militar disparasse balas de borracha,
bombas de efeito moral e usasse cães ferozes para tentar dissolver
protestos legítimos de cidadãos contra os desmandos evidentes da
administração tucana.
O governo Yeda não permitiu a conclusão de uma sindicância aberta há
mais de três anos para investigar o comportamento de um procurador do
Estado acusado de fazer parte de uma quadrilha que roubou R$ 44 milhões
do Detran.
O governo Yeda escolheu um Chefe para a Casa Civil que foi gravado
pelo vice-governador confessando o loteamento de cargos do primeiro
escalão para financiar partidos que, em troca, sustentaram a
administração e impediram que se investigasse as responsabilidades
políticas sobre as fraudes do Detran e das grandes obras.
O governo Yeda, bem… basta que se veja os altíssimos índices de
rejeição da governadora mesmo quando ela despeja em obras eleitoreiras
todo o dinheiro que deveria ter sido investido na educação, na saúde e
da segurança do povo gaúcho…
Pois é este governo que não mais a jornalista imparcial mas a
candidata Ana Amélia Lemos, aparece aplaudindo nas fotografias da
campanha. Convenhamos. Cumprindo este papel, Ana Amélia não está
propriamente prestando um serviço à credibilidade. Nem do jornalismo,
nem da política.
Chávez não é tão feio quanto parece
Luiz Eça - Correio da cidadania | |
Nas últimas semanas, nossa grande mídia tem caprichado nos ataques ao
general Chávez. Diariamente, sucedem-se matérias que, além das habituais
críticas aos atritos com a imprensa oposicionista, anunciam uma crise
terrível, que atestaria o fracasso talvez definitivo do governo
venezuelano.
Baseiam-se em dados alarmantes. Em 2009, a inflação venezuelana foi de
25% e o crescimento de menos 3,3%, sendo que neste ano se prevê
repetição do crescimento negativo e da inflação, a qual poderia chegar a
40%.
Os números são verdadeiros, mas, quanto à conclusão, há reparos a fazer.
Como se sabe, a economia da Venezuela depende, e muito, da exportação do
petróleo (90% do total das exportações). Foi profundamente afetada pela
recente crise mundial, que reduziu o preço do petróleo de cerca de 120
para 40 dólares o barril.
Diante dessa situação, o governo adotou uma política extremamente conservadora, tipo FMI. Ao invés de estimular os investimentos (como fez o Brasil com sucesso), tratou de cortar despesas, o que trouxe recessão. Some-se a isso uma grande seca, absolutamente sem precedentes, no país, que gerou falta de energia e graves paralisações das atividades industriais, mais uma política errada de supervalorização do bolívar (moeda local), que encareceu e reduziu as exportações, e o resultado foi crescimento negativo e aumento da inflação.
Apesar disso, estes dados estão longe de configurar uma crise de vastas proporções, semelhante à da Grécia.
De fato, enquanto os gregos gemem sob um débito público de 115% do
Produto Interno Bruto, o índice do país de Chávez, em 2009, foi de
apenas 19,9% - bem melhor do que o índice médio da União Européia, que
chega a 79%. E esse bom estado das finanças venezuelanas garante ao
governo a obtenção de empréstimos, se necessário, como aconteceu,
recentemente, quando a China adiantou 20 bilhões de dólares, por conta
de futuras entregas de petróleo.
Quanto à economia, as perspectivas de recuperação são positivas. O
governo corrigiu sua política errada de contenção e volta a investir no
desenvolvimento. Entre outras ações, iniciou um grande plano para
aumento da geração de energia elétrica, aplicando 6 bilhões de dólares.
Com o fim da crise mundial, o preço do petróleo que era de 40
dólares/barril em 2009, neste ano subiu para 82 dólares, em julho. Isso
dará maior fôlego para os planos de expansão da economia venezuelana.
Espera-se que as previsões sombrias de crescimento negativo de 3,3% e de
inflação entre 25 e 40% sejam, pelo menos, aliviadas.
A médio prazo, a Venezuela tem boas condições de deslanchar, voltando a
apresentar taxas de crescimento semelhantes às dos 10 primeiros anos do
governo Chávez, quando sua média superou 10% anuais. Recursos, parece
que não faltarão. A U.S. Energy Administration projetou que os preços do
petróleo deverão atingir 98 dólares/barril em 2020. Ótimo para a
Venezuela, cujas reservas petrolíferas são, depois das últimas
descobertas, as maiores do mundo, atingindo uma estimativa de 500
bilhões de barris. O governo Chávez, presentemente, estuda propostas de
empresas estrangeiras para explorações em joint venture com o estado
venezuelano.
Mesmo no período do segundo semestre de 2008/2009, em que o governo teve
suas receitas minguadas pelos reflexos da crise mundial, a redução dos
gastos não chegou à área do bem estar popular.
Chávez continuou aplicando 40% do orçamento (3 vezes mais do que o governo anterior) na área social.
Programas como construção em massa de casas populares, armazéns do povo,
vendendo produtos mais baratos, expansão constante da assistência
médica nas favelas e outros bairros carentes, criação acelerada de
escolas na periferia – com 3 refeições para as crianças -, água tratada e
saneamento básico foram levados a extensas massas populacionais.
Assim, contrapondo os sinistros números econômicos citados acima, o governo pôde apresentar números sociais bastante positivos.
O desemprego foi mantido sob controle, em 8,2%, índice muito bom se
comparado com outros países da região como a Colômbia, tão elogiada pela
grande mídia, que obteve 12,2% nesse índice.
A pobreza, que atingira 54% dos venezuelanos em 1999, início do governo
Chávez, chegou a 23% em 2009, ano em que a pobreza extrema foi reduzida
em 72%.
Ainda nesse crítico 2009, a Venezuela continuou com a melhor performance
em termos de desigualdades sociais na América Latina : os 20% mais
ricos detendo menos de 40% da riqueza nacional.
Em plena crise, o salário-mínimo continuou o mais alto da América
Latina. E no mês que vem, subirá ainda mais, a 521 dólares, para
recuperar o poder de compra da classe trabalhadora, afetado pela alta
inflação.
Na Educação, com recessão e tudo, o governo não alterou os 6% do
orçamento habitualmente gastos nessa área (nos países ricos, a média é
3,9%), responsáveis pelo índice de 93% da população alfabetizada – mais
do que no Brasil, México e Colômbia.
Todos esses dados são animadores, mas não se pode subestimar a alta
inflação e a recessão econômica que ainda não foram vencidas.
A grande mídia apontou incompetência, empreguismo e socializações
desordenadas como causas da presente situação difícil. Talvez tenha
alguma razão, embora haja dúvidas sobre alguns desses fatores ou pelo
menos quanto às cores exageradas com que foram pintados. No entanto,
ignorou os fatos positivos da realidade venezuelana e nega-se a admitir
possibilidade da recuperação econômica do país de Chávez.
Elas, as grandes empresas jornalísticas, tão ciosas da liberdade de
imprensa, deveriam lembrar que essa liberdade se justifica na medida em
que seja cumprida sua missão de informar, sem omissões ou distorções. No
caso de governo Chávez, passar um retrato fiel, evitando a tentação da
caricatura ou de retoques que o façam ficar parecido com Frankestein.
Luiz Eça é jornalista.
|
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
O sorriso de Biondi
Antonio Lassance
A Telebrás está de volta. Desde o
dia 3 de agosto, ela retornou às operações. Seus antigos funcionários
foram reconvocados e têm pela frente o desafio de reerguer a empresa,
demonstrar a excelência do serviço público e, mais especificamente,
implementar o Plano Nacional de Banda Larga.
Quando se informou que a Telebrás seria reativada, houve uma grita de algumas empresas de telefonia e um ataque feroz da mídia tradicional. Ressuscitar a estatal foi tratado como verdadeira heresia. Na crítica mais amena, um disparate.
A volta da Telebrás não apenas provocou a ira do liberalismo como representou uma derrota amarga, pois incidiu no setor que até hoje é apresentado como modelo do processo de privatização e das benesses dele decorrentes. O tratamento dado ao tema mais uma vez foi acometido de uma patologia crônica, apontada por diversos estudiosos da mídia: a falta de contextualização ou mesmo a descontextualização de um assunto.
Uma falta de contextualização primária esteve na ausência de um diagnóstico sobre o setor, que sabidamente oferece serviços caros e de péssima qualidade. Suas empresas são campeãs de reclamações de usuários e de ações junto aos órgãos de defesa do consumidor.
Outra falta de contextualização, ainda mais importante, está em que poucos se deram ao trabalho de trazer à tona a história da Telebrás e de seu processo de privatização. Lacuna curiosa, pois, afinal, a quem interessaria relembrar tal passado? Resposta: interessaria à maioria das pessoas, aos que têm e aos que não têm acesso aos serviços de telecomunicação.
Até hoje, a melhor forma de contar essa história e travar a batalha da memória contra o esquecimento é revisitar o livro de Aloysio Biondi, “O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado”. O livro teve sua primeira edição em 1999. Sua 11ª edição se encontra disponível, gentil e gratuitamente, no site da Editora Fundação Perseu Abramo: http://www2.fpa.org.br/uploads/Bras...
Biondi, como se sabe, foi um monstro sagrado do jornalismo brasileiro, grande mestre do jornalismo econômico. Faleceu há 10 anos (em julho de 2000).
“O Brasil privatizado” abria seu capítulo “As estatais: sacos sem fundo?” justamente falando da Telebrás. Biondi relembrava que, entre 1996 e 1997, a empresa teve um salto de 250% em seu lucro, desmentindo categoricamente a mensagem fabricada de que as estatais só davam prejuízo. No livro que tornou-se um clássico para a compreensão sobre o que fizeram com o Brasil nos anos 90, Biondi contextualizava que tanto os prejuízos quanto os lucros das estatais tinham sido fabricados para atender a interesses muito bem identificados.
Dizia ele: “Os prejuízos que o achatamento de tarifas e preços trouxe para as estatais teve efeitos que o consumidor conhece bem: nesses períodos, elas ficaram sem dinheiro para investir e ampliar serviços. Explicam-se, assim, as filas de espera para os telefones, ou as constantes ameaças de “apagões” no sistema de eletricidade. Ou, dito de outra forma: não é verdade que os serviços das estatais tenham se deteriorado por “incompetência”. Como também é mentira que “o Estado perdeu sua capacidade de investir”, como diz a campanha dos privatizantes. O que houve foi uma política econômica absurda, que sacrificou as estatais.” (pág. 30).
Lembrava ainda de uma decisão incrível: em 1989, um decreto do presidente da República proibia o BNDE (hoje BNDES) de realizar empréstimos a empresas estatais.
Biondi era um “antifukuyama”. Só para lembrar, Fukuyama foi um dos garotos propaganda do neoliberalismo, muito badalado durante o Governo Reagan, autor de uma tese espalhafatosa sobre o “fim da história” e da vitória do capitalismo sobre tudo e sobre todos. Hoje, se alguém fizer um Google sobre os “francis” existentes na face da Terra, Fukuyama sequer aparece nas sugestões do motor de busca. Fica atrás de Francis Bacon, Francis Ford Copola, Francisco Cuoco e Francisco Alves. Indício de que quem corre o risco de desaparecer é o próprio Fukuyama.
Enfim, Biondi desmentia a tese do fim da história, mostrando que a moda era tentar “cancelar” a história. Contextualizava a esdrúxula decisão que proibia o BNDES de financiar empresas estatais lembrando ter sido ele criado “exatamente com o objetivo de fornecer recursos para a execução de projetos de infra-estrutura, que exigem desembolso de bilhões e bilhões – e precisam de alguns anos para sua execução” (pág. 30).
A memória do texto de Biondi é mais uma vez útil a um momento em que o BNDES também se tornou alvo de ataques violentos e virulentos à gestão de Luciano Coutinho, veja só, por fazer exatamente aquilo para o qual o banco existe: levantar investimentos e fazer financiamentos.
Biondi também usou o exemplo da Telebrás para relembrar uma diferença básica do setor público em relação ao privado: além de prestar serviços, as estatais deveriam ser utilizadas com o objetivo de justiça social. Tais empresas não têm como objetivo fundamental o lucro, nem têm como sina acumular prejuízos. Seu objetivo fundamental é garantir o atendimento à população em serviços essenciais. O fato de que muitas vezes acumularam prejuízos, além das malversações que acompanharam algumas de suas gestões, decorria das condições de desigualdade do país. A pobreza criava um obstáculo sério ao modelo de negócio de muitas estatais. Milhões de brasileiros excluídos do mercado interno de massas por um modelo de desenvolvimento excludente não tinham como contratar serviços em níveis que garantissem a rentabilidade de certas empresas estatais.
Por isso, na atual situação do país, de expansão acelerada do mercado interno de massas, de ascensão de um contingente expressivo de pessoas à classe média e da tendência de crescimento da economia, do emprego e da renda dos brasileiros, o discurso contra as estatais está obsoleto. É como o relógio quebrado que homenageia a nostalgia e a ostentação, mas é incapaz de fornecer uma informação correta.
As estatais, diante do novo quadro econômico, já podem se dar ao luxo de serem extremamente lucrativas. Mas estão longe de constituir uma ameaça ao setor privado. Elas podem atuar em atividades nas quais empresas privadas têm demonstrado dificuldades crônicas em dar conta do recado ou, como no caso da Petrobrás, podem funcionar como grandes alavancas do crescimento econômico, responsáveis por irrigar inúmeras cadeias produtivas que sequer existiam, ou que tinham sido desativadas.
Passados dez anos desde que perdemos Aloysio Biondi, tem-se a exata dimensão da importância daquilo que ele nos mostrou e de sua contribuição para reverter a cegueira que tomava conta do País.
Me arrisco a dizer que, se vivo estivesse, o autor daquele texto célebre e indignado estaria tomado por um sorriso satisfeito com a volta dos elefantes. Até porque, “três elefantes incomodam, incomodam…. incomodam muito mais”.
Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política.
Quando se informou que a Telebrás seria reativada, houve uma grita de algumas empresas de telefonia e um ataque feroz da mídia tradicional. Ressuscitar a estatal foi tratado como verdadeira heresia. Na crítica mais amena, um disparate.
A volta da Telebrás não apenas provocou a ira do liberalismo como representou uma derrota amarga, pois incidiu no setor que até hoje é apresentado como modelo do processo de privatização e das benesses dele decorrentes. O tratamento dado ao tema mais uma vez foi acometido de uma patologia crônica, apontada por diversos estudiosos da mídia: a falta de contextualização ou mesmo a descontextualização de um assunto.
Uma falta de contextualização primária esteve na ausência de um diagnóstico sobre o setor, que sabidamente oferece serviços caros e de péssima qualidade. Suas empresas são campeãs de reclamações de usuários e de ações junto aos órgãos de defesa do consumidor.
Outra falta de contextualização, ainda mais importante, está em que poucos se deram ao trabalho de trazer à tona a história da Telebrás e de seu processo de privatização. Lacuna curiosa, pois, afinal, a quem interessaria relembrar tal passado? Resposta: interessaria à maioria das pessoas, aos que têm e aos que não têm acesso aos serviços de telecomunicação.
Até hoje, a melhor forma de contar essa história e travar a batalha da memória contra o esquecimento é revisitar o livro de Aloysio Biondi, “O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado”. O livro teve sua primeira edição em 1999. Sua 11ª edição se encontra disponível, gentil e gratuitamente, no site da Editora Fundação Perseu Abramo: http://www2.fpa.org.br/uploads/Bras...
Biondi, como se sabe, foi um monstro sagrado do jornalismo brasileiro, grande mestre do jornalismo econômico. Faleceu há 10 anos (em julho de 2000).
“O Brasil privatizado” abria seu capítulo “As estatais: sacos sem fundo?” justamente falando da Telebrás. Biondi relembrava que, entre 1996 e 1997, a empresa teve um salto de 250% em seu lucro, desmentindo categoricamente a mensagem fabricada de que as estatais só davam prejuízo. No livro que tornou-se um clássico para a compreensão sobre o que fizeram com o Brasil nos anos 90, Biondi contextualizava que tanto os prejuízos quanto os lucros das estatais tinham sido fabricados para atender a interesses muito bem identificados.
Dizia ele: “Os prejuízos que o achatamento de tarifas e preços trouxe para as estatais teve efeitos que o consumidor conhece bem: nesses períodos, elas ficaram sem dinheiro para investir e ampliar serviços. Explicam-se, assim, as filas de espera para os telefones, ou as constantes ameaças de “apagões” no sistema de eletricidade. Ou, dito de outra forma: não é verdade que os serviços das estatais tenham se deteriorado por “incompetência”. Como também é mentira que “o Estado perdeu sua capacidade de investir”, como diz a campanha dos privatizantes. O que houve foi uma política econômica absurda, que sacrificou as estatais.” (pág. 30).
Lembrava ainda de uma decisão incrível: em 1989, um decreto do presidente da República proibia o BNDE (hoje BNDES) de realizar empréstimos a empresas estatais.
Biondi era um “antifukuyama”. Só para lembrar, Fukuyama foi um dos garotos propaganda do neoliberalismo, muito badalado durante o Governo Reagan, autor de uma tese espalhafatosa sobre o “fim da história” e da vitória do capitalismo sobre tudo e sobre todos. Hoje, se alguém fizer um Google sobre os “francis” existentes na face da Terra, Fukuyama sequer aparece nas sugestões do motor de busca. Fica atrás de Francis Bacon, Francis Ford Copola, Francisco Cuoco e Francisco Alves. Indício de que quem corre o risco de desaparecer é o próprio Fukuyama.
Enfim, Biondi desmentia a tese do fim da história, mostrando que a moda era tentar “cancelar” a história. Contextualizava a esdrúxula decisão que proibia o BNDES de financiar empresas estatais lembrando ter sido ele criado “exatamente com o objetivo de fornecer recursos para a execução de projetos de infra-estrutura, que exigem desembolso de bilhões e bilhões – e precisam de alguns anos para sua execução” (pág. 30).
A memória do texto de Biondi é mais uma vez útil a um momento em que o BNDES também se tornou alvo de ataques violentos e virulentos à gestão de Luciano Coutinho, veja só, por fazer exatamente aquilo para o qual o banco existe: levantar investimentos e fazer financiamentos.
Biondi também usou o exemplo da Telebrás para relembrar uma diferença básica do setor público em relação ao privado: além de prestar serviços, as estatais deveriam ser utilizadas com o objetivo de justiça social. Tais empresas não têm como objetivo fundamental o lucro, nem têm como sina acumular prejuízos. Seu objetivo fundamental é garantir o atendimento à população em serviços essenciais. O fato de que muitas vezes acumularam prejuízos, além das malversações que acompanharam algumas de suas gestões, decorria das condições de desigualdade do país. A pobreza criava um obstáculo sério ao modelo de negócio de muitas estatais. Milhões de brasileiros excluídos do mercado interno de massas por um modelo de desenvolvimento excludente não tinham como contratar serviços em níveis que garantissem a rentabilidade de certas empresas estatais.
Por isso, na atual situação do país, de expansão acelerada do mercado interno de massas, de ascensão de um contingente expressivo de pessoas à classe média e da tendência de crescimento da economia, do emprego e da renda dos brasileiros, o discurso contra as estatais está obsoleto. É como o relógio quebrado que homenageia a nostalgia e a ostentação, mas é incapaz de fornecer uma informação correta.
As estatais, diante do novo quadro econômico, já podem se dar ao luxo de serem extremamente lucrativas. Mas estão longe de constituir uma ameaça ao setor privado. Elas podem atuar em atividades nas quais empresas privadas têm demonstrado dificuldades crônicas em dar conta do recado ou, como no caso da Petrobrás, podem funcionar como grandes alavancas do crescimento econômico, responsáveis por irrigar inúmeras cadeias produtivas que sequer existiam, ou que tinham sido desativadas.
Passados dez anos desde que perdemos Aloysio Biondi, tem-se a exata dimensão da importância daquilo que ele nos mostrou e de sua contribuição para reverter a cegueira que tomava conta do País.
Me arrisco a dizer que, se vivo estivesse, o autor daquele texto célebre e indignado estaria tomado por um sorriso satisfeito com a volta dos elefantes. Até porque, “três elefantes incomodam, incomodam…. incomodam muito mais”.
Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política.
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