domingo, 14 de novembro de 2010

O Western Americano e o Western Europeu- Conclusão

Créditos: Paulo Néry em seu blog Filmes Antigos Club

Terminando esta série de artigos sobre as diferenças entre o gênero estritamente feito nos EUA, mas que os europeus (italianos e espanhóis) moldaram que um pouco mais que realisticamente, vou falar sobre como os americanos reagiram ao sucesso dos europeus, o fim dos “faroestes spaghetti”, e a decadência do gênero nos EUA, embora com um “leve retorno” ao gênero no início dos anos de 1990.

Todo aquele sucesso dos westerns europeus acabou de fato provocando uma nova onda de faroestes americanos, pois aparentemente enciumados, Hollywood voltou a dar atenção ao gênero, mas desta vez, todos os clichês e moldes mitológicos do tema, e a legenda áurea de seus cowboys, eram substituídos por assuntos mais sérios e polêmicos dentro do Velho Oeste.

Nos Estados Unidos, a partir de 1964, foi feito faroestes quase que similares aos europeus, pois seus “mocinhos” já não eram os mocinhos dos áureos tempos, mas sim personagens perturbados, sofridos, e muitas vezes traumatizados, ou como outras vezes, pessoas frias que impunham o medo dentro de comunidades, como foi o caso de Yul Brynner (1915-1985) em Convite a um Pistoleiro (Invitation to a Gunfighter), que foi uma produção de Stanley Kramer. Já o diretor Martin Ritt resolveu seguir os passos de Sergio Leone, em Quatro Confissões (The Outrage), um western violento abordando estupro e assassinato, algo nada visto anteriormente nos faroestes americanos. No elenco, Paul Newman, Claire Bloom, Laurence Harvey e Edward G. Robinson.

O outro, dos bons mas ignorado Rio Conchos (idem), dirigido por Gordon Douglas, de estrelado por Stuart Whitman e Richard Boone; e Crepúsculo de uma Raça (Cheyenne Autumm), último western dirigido pelo Mestre John Ford (1895-1973), onde ele defendeu a causa dos índios e procurava se redimir pela matança deles durante toda sua carreira. Como ele mesmo disse: “Matei mais índios no cinema do que o General Custer nos campos de batalha!”. O filme, com locações no Monument Valley – como grande parte dos westerns do diretor que faleceu em 1973- resultou lento e cansativo em seus quase 160 minutos de projeção, e nem o elenco all-star, como Richard Widmark (grande mocinho dos faroestes americanos da década de 1950), Carroll Baker, Ricardo Montalban, Gilbert Roland, Edward G. Robinson, Dolores Del Rio, e numa participação, James Stewart.


Mas nem todos em Hollywood queriam aceitar estas mudanças. Os heróis dos faroestes Classe B americanos (conforme explicado na parte 1), ainda representados por Rory Calhoun, Audie Murphy, e Dale Robertson (este ainda vivo), ainda preferiram ser os mocinhos “limpinhos e barbeados”, muito embora Murphy (que morreu em maio de 1971 num acidente aéreo) foi o mais assíduo e aproveitou o embalo dos westerns spaghetti e protagonizou Bandoleiro Temerário (The Texican), dirigido por Sidney Salkow e rodado na Espanha, onde ainda tinha no elenco (e como vilão) um ator ganhador do Oscar (e com a carreira em declínio) – Broderick Crawford (1911-1986).


Em 1969, Elvis Presley (1935-1977) também estrelou um western americano com moldes “Spaghetti”, Charro (idem). Elvis, cujo seu primeiro filme era um western (Ama-me com Ternura/Love-me Tender, 1956) e em 1960 foi o astro de Estrela de Fogo (Flaming Star), em papel reservado para Marlon Brando, não ficou nada mal como um pistoleiro a lá Django, com barba por fazer e tudo mais.

Ainda na década de 60, e em seus meados, a disputa continuava cada vez mais acirrada entre os americanos e europeus, e por isto, alguns diretores hollywoodianos deixaram o orgulho de lado e passaram a imitar os Spaghetti, como é o caso de A Marca do Vingador (Ride Beyond), estrelado pelo astro da série de TV O Homem do Rifle, Chuck Connors (1921-1992), e contando ainda com Michael Rennie, Bill Bixby (da série O Incrível Hulk), e Claude Akins, com quem tem com Connors uma sensacional cena de luta num saloon, onde é explícito a violência e o tema da vingança, muito comum nos faroestes italianos.

OS PROFISSIONAIS (The Professionals), de Richard Brooks, situou esta obra no México como a maioria dos concorrentes latinos, e estrelado por um elenco de primeira grandeza: Burt Lancaster, Lee Marvin, Robert Ryan, Jack Palance, e não por coincidência, uma atriz italiana, se não mais que a bella Claudia Cardinale.

SANGUE EM SONORA (Appaloosa), em 1966, dirigido por Sidney J. Furie, também utilizou locações mexicanas. Western racista e muito violento, estrelado por Marlon Brando e John Saxon.
E quem diria, o MAIS SPAGHETTI WESTERN AMERICANO DE TODOS: A MARCA DA FORCA (Hang em High), em 1968, produzido e estrelado por Clint Eastwood, já consagrado, que tão logo voltou ao Estados Unidos resolveu projetar uma película aos moldes de seu grande Mestre, Sergio Leone. Para dirigi-lo, Clint chamou Ted Post, um velho conhecido dos tempos em que ele estrelava a série de TV Couro Cru (Rawhide). A boa acolhida da maioria desses filmes deixou claro que o público agora dava preferência a faroestes mais realistas, e que aqueles “cowboys imaculados” portando revólveres reluzentes de coronha de marfim, estavam com seus dias contados.
Apesar daquela nova tendência, John Wayne (1907-1979), com seus faroestes tradicionais, ainda continuava sendo sinônimo de bilheteria. Com o sucesso estrondoso de Meu ódio será sua Herança (The Wild Bunch), em 1969, de Sam Peckimpah (1928-1983), os produtores acharam que era o momento oportuno para o veterano ator de 62 anos voltar ao seu habitat e experimentar o novo estilo. Wayne concordou, mas com uma condição: teria que ser a sua maneira.

O resultado foi Bravura Indômita (True Grit), dirigido por Henry Hathaway, não era propriamente um western desmistificador e nem muito violento, mas certamente, era diferente dos filmes que o velho Duke vinha fazendo por quase 40 anos. Seja como for, Wayne ficou perfeito no papel do delegado gordo, bêbado e falastrão, usando um tapa-olho, tão perfeito que acabou ganhando o Oscar de melhor ator do ano (que mereceria muito mais por Rastros de ódio/The Searchers, 1956 caso fosse indicado). Uma nova versão de Bravura Indômita em breve chegará aos nossos cinemas, com Jeff Bridges no papel que foi de Wayne.


A PARTIR DA DÉCADA DE 1970, Hollywood mergulhou de cabeça no Western violento e desmistificador (algo que não agradava John Wayne, este um tradicional e devoto admirador da legenda áurea do gênero), para competir com os europeus. Um bom exemplo disso é um western dirigido por Michael Winner (o mesmo de “Desejo de Matar”, com Charles Bronson), que escolheu a dedo dois dos maiores atores que o cinema já teve: Burt Lancaster (1913-1994) e Robert Ryan (1909-1973), amigos na vida real e que pela segunda vez voltavam a trabalhar juntos (a primeira foi também no Western “Os Profissionais” (1966), e a terceira e última no drama político “O assassinato de um Presidente” (1973), que foi o último filme de Ryan, que morreu em julho de 1973), em MATO EM NOME DA LEI/Lawman , em 1970. Lancaster ainda participaria em Quando os Bravos se encontram e A Vingança de Ulzana, que abusaram da violência ao extremo, temperando o filme com psicologia e racismo.

E OS FAROESTES ITALIANOS?

Enquanto isso, na Europa, os últimos cineastas a explorarem o estilo “tradicional” (que eles já consideravam violento), davam uma releitura em um estilo cômico (como nas séries de “Trinity”, com Terence Hill e Bud Spencer), mas depois de uma dúzia de filmes como estes, já mostravam sinais de extremo desgaste, e o tradicional Bang Bang à Italiana, apesar de ter durado bem, estava com seus dias contados como o gênero em geral (mesmo os americanos). Mas mesmo assim, os faroestes spaghetti poderiam contar com diretores como Sergio Corbucci, Sergio Leone, Duccio Tessari, entre outros, e mocinhos europeus como Franco Nero (que para quem não sabe, recentemente participou de uma minisérie sobre a vida de Santo Agostinho, interpretando o religioso na fase da velhice), Giuliano Gemma, Tomas Milian, Terence Hill, entre outros.


Entre 1963 a 1978, foram produzidos cerca de 600 westerns europeus. E foi nesse ano de 1978 que veio a acabar definitivamente a munição do Bang Bang à Italiana. Sella D’ Argento (Sela de Prata- 1978), dirigido por Lucio Fulci, e estrelado por Giuliano Gemma e Ettore Manni, é considerado oficialmente o último faroeste europeu do cinema.

Odiado pelos puristas e considerado trash pela crítica, mas queira ou não, os westerns spaghettis foram responsáveis pelo revigoramento dos faroestes de Hollywood, que não saíam dos mitos, e deram uma retomada. Se não fosse pelos europeus, teríamos sido privados de obras como “Meu ódio Será sua Herança”, “Josey Wales”, e “O Pequeno Grande Homem”.


CONTUDO, a retirada dos Westerns europeus não significou a vitória dos americanos. O premiado diretor Michael Cimino (5 Oscars por Franco-Atirador, incluindo melhor diretor) tinha a plena convicção que o western em estilo épico que estava prestes a dirigir para a United Artist seria um dos grandes ápices de sua carreira. O Portal do Paraíso, entretanto, não conseguiu repercussão nos Estados Unidos, embora os franceses tenham gostado. Isto motivou a expulsão de Cimino em Hollywood e o início da falência da United Artist. A maioria dos estúdios evitavam o gênero, e com isto, o Western, gênero americano por excelência, parecia estar com seus dias contados.

Em 1985, Clint Eastwood produziu e dirigiu O Cavaleiro Solitário” (Pale Rider), onde estrelou como um “Pistoleiro sem nome e sobrenatural”, mas um pistoleiro do bem. O roteiro escolhido por Eastwood era uma mistura de Shane e Matar ou Morrer, dois clássicos por excelência do gênero, mas nem por isso, fez tanto sucesso. Eastwood voltaria novamente ao gênero em 1992, dessa vez em um tema psicológico e desmistificador, em Os Imperdoáveis (Unforgiven), onde estrelou e dirigiu. No elenco, Gene Hackman como um bom vilão, Morgan Freeman, e o talentoso Richard Harris.

Aqui, Eastwood fazia o papel de um ex-pistoleiro frio e sanguinário perseguido pelos fantasmas do passado, que embora regenerado, volta a empregar em armas para ajudar uma prostituta que foi estraçalhada. O filme foi um grande sucesso de crítica e público, e possibilitou uma pequena volta ao gênero na década de 1990 aos cinemas (Wyatt Earp, Tombstone- A Justiça esta Chegando, Quatro Mulheres e um Destino, Rápida e Mortal, este estrelado por Sharon Stone), principalmente, graças aos 4 (quatro) Oscars conquistados, onde Clint Eastwood, então com mais de 30 anos em Hollywood, subiu ao palco para receber a estatueta de melhor diretor; Gene Hackman foi o melhor ator coadjuvante; OS IMPERDOÁVEIS ganhou o Oscar de melhor filme de 1992, além de quebra, ter ganho também um Oscar de melhor edição.
 
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BIBLIOGRAFIA: 100 ANOS DE WESTERN- Autor: Primaggio Mantovi- Editora Opera Graphica.

EUA: Indignação mal orientada


Os cidadãos querem respostas e não as estão a obter, excepto de vozes que contam histórias com alguma coerência interna para quem entre no mundo deles, de irracionalidade e mentira. Por Noam Chomsky
Manifestação do Tea Party. Foto de Fibonnaci Blue, FlickR

As eleições intercalares nos EUA registaram um nível de raiva, medo e desilusão no país como não me lembro em toda a minha vida. Desde que estão no poder, os democratas carregam o peso da revolta contra a nossa actual situação socioeconómica e política.
Numa sondagem da Rasmussen, no mês passado, mais de metade dos americanos da corrente dominante disseram que encaram positivamente o movimento Tea Party, um reflexo do espírito de desencanto.
Os ressentimentos são legítimos. Há mais de 30 anos que os rendimentos reais da maioria da população estagnaram ou baixaram, enquanto que as horas de trabalho e a insegurança aumentaram, juntamente com a dívida. Foi acumulada riqueza, mas em muito poucos bolsos, conduzindo a uma desigualdade sem precedentes.
Estas consequências surgiram principalmente da financeirização da economia a partir dos anos 1970 e do correspondente esvaziamento da produção nacional. A impulsionar o processo está a obsessão pela desregulamentação apadrinhada por Wall Street e apoiada por economistas fascinados pelos mitos do mercado eficiente.
As pessoas assistem ao regozijo dos banqueiros, que foram em grande parte responsáveis pela crise financeira e que foram salvos da bancarrota pela comunidade, com os lucros recorde e os enormes bónus. Entretanto, o desemprego oficial permanece em cerca de 10 por cento. A indústria transformadora está nos níveis da Depressão: um em cada seis estão desempregados, os bons empregos têm poucas hipóteses de voltarem.
Os cidadãos querem justamente respostas e não as estão a obter, excepto de vozes que contam histórias com alguma coerência interna para quem suspenda o cepticismo e entre no mundo deles, de irracionalidade e mentira.
Contudo, ridicularizar o Tea Party é um erro grave. É muito mais útil perceber o que está por trás da atracção popular pelo movimento e perguntarmo-nos por que é que são precisamente as pessoas enraivecidas que estão a ser mobilizadas pela extrema-direita e não pelo tipo de activismo construtivo que cresceu durante a Depressão, como o CIO (Congresso das Organizações Industriais).
Agora, os simpatizantes do Tea Party estão a ouvir dizer que todas as instituições, o governo, as empresas e os sectores profissionais, estão podres e que nada funciona.
No meio do desemprego e das execuções de hipotecas, os democratas não se podem queixar das políticas que conduziram ao desastre. O presidente Ronald Reagan e os seus sucessores republicanos podem ter sido os maiores responsáveis, mas essas políticas começaram com o presidente Jimmy Carter e prosperaram sob a presidência de Bill Clinton. Durante a eleição presidencial, a base de apoio eleitoral de Barack Obama eram as instituições financeiras, que adquiriram notável supremacia sobre a economia na geração anterior.
O incorrigível radical do século XVIII Adam Smith, falando da Inglaterra, observou que os principais arquitectos do poder eram os donos da sociedade; na sua época, os comerciantes e os fabricantes, que se certificaram de que a política do governo atenderia escrupulosamente aos seus interesses, por mais "doloroso" que fosse o impacto sobre o povo de Inglaterra, e pior, sobre as vítimas da "injustiça selvagem dos europeus" no exterior.
Uma versão moderna e mais sofisticada da máxima de Smith é a "teoria do investimento na política" do economista político Thomas Ferguson, que encara as eleições como ocasiões em que grupos de investidores se juntam para controlar o estado, seleccionando os arquitectos das políticas que irão servir os seus interesses.
A teoria de Ferguson acaba por ser um indicador muito eficaz da política durante longos períodos. Dificilmente isto surpreende. As concentrações de poder económico procurarão naturalmente alargar a sua influência a todo o processo político. Acontece que a dinâmica é extrema nos EUA.
Pode ainda dizer-se que os grandes especuladores das empresas têm uma defesa válida contra as acusações de "ganância" e desrespeito pelo bem-estar da sociedade. A sua missão é maximizar o lucro e a quota de mercado; na verdade, é a sua obrigação legítima. Se não cumprirem essa função, serão substituídos por alguém que o faça. Eles ignoram também o risco sistémico: a probabilidade das suas operações prejudicarem a economia em geral. Essas "externalidades" não os preocupam, não por serem más pessoas, mas por razões institucionais.
Quando a bolha estoura, os que arriscaram podem fugir para o abrigo do Estado protector. Os resgates financeiros, uma espécie de apólice de seguro governamental, estão entre os muitos incentivos perversos que aumentam as ineficiências do mercado.
"Há um reconhecimento crescente de que o nosso sistema financeiro está a aproximar-se do dia do Juízo Final", escreveram os economistas Peter Boone e Simon Johnson, no Financial Times, em Janeiro. "Sempre que ele falha, contamos com o dinheiro e as políticas fiscais negligentes para o resgatar. Esta resposta aconselha o sector financeiro: aposta em grande para seres pago regiamente, não te preocupes com os custos, que serão pagos pelos contribuintes" através de resgates e outros mecanismos, e o sistema financeiro "é, assim, ressuscitado para voltar a jogar e voltar a falhar".
A metáfora do Juízo Final também se aplica fora do mundo financeiro. O Instituto Americano do Petróleo, apoiado pela Câmara de Comércio e outros lobbies empresariais, tem intensificado os seus esforços para persuadir o público a descartar as preocupações sobre o aquecimento global antropogénico, com considerável sucesso, como as sondagens indicam. Entre os candidatos republicanos ao Congresso nas eleições de 2010, praticamente todos rejeitam o aquecimento global.
Os executivos por trás da propaganda sabem que o aquecimento global é real e que as nossas perspectivas são sombrias. Mas o destino da espécie é uma externalidade que os executivos têm de ignorar, na medida em que prevalecem os sistemas de mercado. E o público não conseguirá caminhar para a salvação, quando se desenrola o pior cenário.
Tenho idade suficiente para me lembrar daqueles dias deprimentes e ameaçadores do declínio da Alemanha, da decência para a barbárie nazi, para usar as palavras de Fritz Stern, o ilustre estudioso da história alemã. Num artigo de 2005, Stern refere que tinha o futuro dos Estados Unidos em mente quando reviu "um processo histórico em que o ressentimento contra um mundo secular desencantado encontra alívio no escape extático da irracionalidade."
O mundo é demasiado complexo para que a história se repita, mas há, todavia, lições a reter à medida que notamos as consequências de mais um ciclo eleitoral. Não faltam tarefas aos que tentam apresentar uma alternativa à raiva e indignação mal orientadas, ajudando a organizar os inúmeros descontentamentos e a mostrar o caminho para um futuro melhor.
Tradução de Paula Coelho para o Esquerda.net

Correntes do PT-RS se movimentam para conquistar mais espaço no governo Tarso


Wilson Dias/ABr
Tarso: impostos de micro e pequenas empresas serão desonerados / Foto: Wilson Dias/ABr

Rachel Duarte no Sul21

Dos nove nomes anunciados pelo governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), para o secretariado, cinco são quadros do PT, que contemplam três das sete principais correntes que compõem o partido no estado. Passado pouco mais de um mês da sua eleição, em primeiro turno, Tarso já tem definido um terço do primeiro escalão.
Os critérios adotados pelo futuro governador para a escolha dos nomes são: competência técnica; votação obtida na última eleição por candidatos das correntes petistas e dos partidos aliados; relação de confiança do indicado com o próprio Tarso; peso político do escolhido e, ainda, a busca pela maioria na Assembleia Legislativa. Integrantes das mais diversas correntes do PT afirmaram ao Sul21 que Tarso Genro não tem privilegiado nenhuma das correntes.

Partido Plural

A composição do secretariado tem se mostrado uma tarefa complexa para Tarso, porque o PT é um partido plural, formado desde a sua origem por diferentes grupos de pensamento. Ao mesmo tempo, em seus oito anos de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ensinou que a governabilidade passa por uma ampla coalizão. Tarso Genro, responsável pela articulação politica no governo Lula, seguirá o exemplo do líder. Com base na experiência obtida em dialogar com partidos das mais diferentes tendências, o governador eleito vem conversando com as legendas da Coligação Unidade pelo Rio Grande (PSB, PCdoB e PR), que o elegeu, e com as que convidou a participar do seu governo, como o PDT e o PTB.
Ao viajar para a Europa, Tarso deixou o vice-governador eleito, Beto Grill (PSB), e o futuro secretário do Planejamento, João Motta (PT), encarregados de dar seguimento ao diálogo com os demais partidos, incluindo o PMDB, adversário do PT na disputa pelo Piratini.
Fabiano Pereira /Divulgação Assembleia Legislativa

Diálogo essencial

Para o deputado estadual Fabiano Pereira (PT), da corrente PT de Luta e Massa, o diálogo dentro do partido é essencial para lidar com os descontentamentos individuais que eventualmente surjam quando o governo é amplo. “É preciso manter a representatividade de um governo plural. As correntes não podem estar acima do partido e dos interesses do estado. Para um governo de coalizão ampla, o essencial é consenso”, explica. Ele revela que, desde o início do processo eleitoral, o PT já tinha claro que seria necessário ampliar a governança. “A decisão pela coligação com PCdoB e PSB foi acordada entre todas as correntes, bem como com os apoiadores trabalhistas e petebistas. Ninguém quer avançar o sinal, para não eliminar os espaços para os apoios que darão maioria na Assembleia para o governador governar”, afirma.
Apesar dos constantes diálogos e das sugestões das correntes, a decisão final dos nomes está sendo do próprio governador. Com a divisão dos cargos entre os partidos aliados, “o que sobrar será conversado entre as correntes”, disse Fabiano Pereira. As estatais mais fortes, como a Corsan e a CEEE, estariam no páreo desta disputa interna do PT.
Na avaliação do presidente do PT de Porto Alegre, Adeli Sell (PT), da corrente Construindo um Novo Brasil, Tarso pode ter se precipitado em alguma das indicações, mas nenhuma escolha que fez compromete a relação com o PT. “Sempre haverá disputa e pessoas não contempladas, mesmo porque os espaços no governo são limitados”, disse. O vereador explica que a disputa se dá na área do convencimento e não pela determinação de cotas por correntes. Adeli lembra que o debate entre as correntes leva em conta também o espaço para os demais partidos e a eleição para a prefeitura de Porto Alegre. “Com a participação do PDT no governo Tarso até podemos vir a apoiar a candidatura de José Fortunati (PDT) à reeleição na prefeitura. Mas, isso exigiria a retirada de alguns secretários que hoje estão com ele e o ingresso do PCdoB ou do PSB na chapa”, opinou.
Adeli Sell / Divulgação CMPA

A razão das correntes do PT

Num partido, como o PT, composto por mais de 30 grupos distintos, a disputa por espaço é legítima. A organização do PT foi se modificando ao longo de seus 30 anos de existência. Atualmente, as correntes estão abrigadas em dois campos: Construindo um Novo Brasil e Mensagem.
A maioria das correntes petistas, como a Unidade na Luta, Ação Democrática e os grupos independentes, estão no campo Construindo um Novo Brasil. Já no campo Mensagem, estão as correntes PT Amplo, Democracia Socialista e Esquerda Democrática. Há ainda correntes importantes, como a Articulação de Esquerda e o Movimento PT. Recentemente, um grupo liderado pelo deputado Fernando Marroni e o prefeito de Canoas, Jairo Jorge, gerou uma nova corrente, o Novo Grupo, integrada ambém pela deputada eleita Miriam Marroni, mulher de Fernando. O casal deixou há bastante tempo o PT Amplo para integrar o movimento Maioria Nacional, bem como o grupo de Jairo Jorge, uma dissidência recente do PT Amplo. O Novo Grupo surgiu este ano, durante a campanha eleitoral e os movimentos para a formação do governo Tarso. O grupo pretende emplacar o nome do sociólogo Jorge Branco, ex-superintendente da Metroplan no governo Olívio Dutra. Ele está cotado para a secretaria de Meio Ambiente e parece ter recebido sinal verde de Tarso Genro.
As pretensões futuras de Tarso e o papel que ele pretende desempenhar no cenário nacional vão influenciar na composição do governo e na participação das correntes. Tarso precisar ser uma alternativa à maioria nacional, ainda comandada direta ou indiretamente por José Dirceu.
Bruno Alencastro/Sul21
Raul Pont / Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Particularidades regionais

Segundo o cientista político Tarson Nuñes, o número de grupos dentro do PT tem particularidades regionais e se diferenciam nos estados brasileiros. “Cada corrente tem uma identidade própria e os campos são os aglutinadores dos pensamentos. A organização do partido em correntes pode gerar ambiente de conflito e tem uma necessidade de constantes reuniões, mas este formato evita o movimento excludente”, explicou.
Tarson falou que, historicamente o PT é um partido diferenciado, pois, reuniu pessoas de sindicatos, sobreviventes da clandestinidade no regime militar, religiosos e intelectuais de esquerda. Já o presidente do PT gaúcho, deputado estadual Raul Pont, diz que a existência das correntes tem ainda outra justificativa: O PT, partido de esquerda, não pode ser monolítico como foram outros partidos de esquerda no Brasil e no mundo.
“A nossa concepção de construção partidária é a de que, mesmo tendo programa definido, estratégico e claro, o partido de esquerda não pode ser de poucos tomando decisões para maiorias. Nós somos o único partido de esquerda de massas hoje no mundo dentro deste formato”, salientou Pont. Segundo o deputado, no estatuto do PT está assegurada a organização de tendências de opinião e seus integrantes têm direito a produzir boletins informativos e lançar chapas em momentos de eleição.
A composição do governo Tarso obedece ao seu jeito de fazer política, que, naturalmente, fortalece algumas lideranças, legitimando alguns quadros petistas. Algumas correntes, no entanto, podem divergir da forma de Tarso fazer política e se distanciar do seu governo.

A origem e os rompimentos

Nos primeiros anos, um bloco de sindicalistas e alguns intelectuais formavam o PT. Havia ainda os grupos que atuavam em outros setores da sociedade, como a Igreja, e que viviam na clandestinidade. Estes, lembra o deputado Raul Pont, foram classificados como petistas de duas camisetas. “Este debate foi muito forte no começo. E, a partir daí, se legitimaram os grupos em forma de correntes”, explica o presidente do PT RS, Raul Pont.
Durante os 30 anos do PT, alguns agrupamentos romperam com o partido ou foram expulsos. Entre os intelectuais de maior porte no PT, o sociólogo Chico de Oliveira passou para o PSol, assim como o economista Plínio de Arruda Sampaio. Da mesma forma, os setores mais à esquerda da Igreja Católica, também sofreram alguns afastamentos.
O PT, no entanto, foi se reciclando com o passar do tempo e as correntes conquistaram espaço proporcional na composição de governos, diretórios e demais instâncias partidárias. Em 2001, o partido decidiu por mudar a forma de escolha dos seus candidatos que era por meio de congressos e passou a ser por votação.
Na avaliação do deputado estadual Fabiano Pereira (PT), as correntes serviram para organizar o partido durante muito tempo, mas, apesar de serem boas, podem ser revistas. “As correntes ainda são boas, mas não podem ser utilizadas para um bloqueamento dentro do partido, de forma enfraquecida entre nós”, diz.
Para o presidente do PT de Porto Alegre, Adeli Sell, o partido tem que se recriar e rever o sistema de muitas correntes. “Devemos apostar na organização do partido por setoriais e fortalecer os debates nas diferentes áreas para que possamos debater soluções para as diversas demandas da população”, acredita.

As correntes e seus líderes

No Rio Grande do Sul, há correntes em que a lidernça é exercida por apenas uma pessoa, enquanto em outras, ela aparece dividida, ou sendo disputada, por duas ou mais. A liderança pode sofrer altos e baixos de acordo com os resultados das eleições. Veja aqui quais são as correntes e seus líderes gaúchos:
Divulgação
Estilav Xavier / Foto: Divulgação

PT Amplo

O deputado Federal Paulo Pimenta e o ex-deputado federal Luiz Fernando Mainardi lideram o PT Amplo. No entanto, Estilac Xavier, pelo lugar conquistado no governo de Tarso (Secretaria Geral de Governo), voltou a ser uma das lideranças mais importantes da corrente, como era quando foi deputado. Ao defini-lo como secretário, Tarso reforçou a liderança de Estilac. Pimenta e, principalmente, Mainardi têm maiores ligações com os setores moderados do PT, enquanto Estilac, hoje, encontra-se mais próximo da Democracia Socialista – corrente do deputado estadual e presidente do PT, Raul Pont, e do futuro chefe da Casa Civil, Carlos Pestana. Com estas escolhas – Estilac e Pestana – Tarso sinaliza uma aproximação maior com a DS.
Elvino Bohn Gass/ Divulgação AL

Democracia Socialista

Apesar de estar muito dividida, a Democracia Socialista é, majoritariamente, liderada pelo presidente do PT, deputado estadual Raul Pont. Carlos Pestana, na prática um moderado, é homem de confiança de Pont. Eleito para a Câmara Federal, o deputado estadual Ronaldo Zulke expressa uma posição mais pragmática. Já o deputado Elvino Bohn Gass, que também é liderança importante na corrente, tem uma posição mais ligada ao sindicalismo.
Adão Villaverde / Marcos Eifler/ AL

Construindo um Novo Brasil

A maioria nacional, agrupada no Construindo um Novo Brasil, agrega muitas correntes, sendo a maior delas a Unidade na Luta, do deputado Villaverde. Outra corrente que compõe a Construinhdo um Novo Brasil é a Ação Democrática, do deputado federal Marco Maia e o deputado estadual Ivar Pavan. Diante dos resultado das eleições 2010 e de sua expressão pública, o deputado Adão Villaverde surge como um dos nomes mais importantes do Bloco. Já Marco Maia, reeleito para a Câmara Federal com 122.134 votos é uma figura importante na montagem tanto do governo de Tarso quanto no de Dilma. Ex-presidente da Assembleia, o deputado Ivar Pavan não conseguiu eleger-se para a Câmara Federal e a derrota transformou-o em figura secundária na corrente, abrindo espaço para outros nomes como o do deputado eleito Valdeci Oliveira, que poderá conquistar espaço no primeiro escalão de Tarso.
Divulgação
Maria do Rosário/ Divulgação

Movimento PT

A figura pública da corrente Movimento PT é a deputada federal reeleita Maria do Rosário. Seu marido, Eliezer Pacheco, é o “pensador estratégico” da corrente. Ele chegou a ser cotado para a secretaria de Educação do governo Tarso, mas espera manter-se no governo federal.
Bruno Alencastro/Sul21
Ary Vanazzi / Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Articulação de Esquerda

A maior liderança do grupo é o prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi, que inclusive conseguiu eleger a vereadora leopoldense Ana Affonso como deputada estadual. Desta corrente, o cotado para o governo Tarso é o secretário de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano de São Leopoldo, Marcel Frison, bancado pelo próprio Vanazzi.
Fabiano Pereira / Divulgação AL

PT de Luta e Massa

Esta corrente é liderada praticamente por uma única pessoa: o deputado estadual Fabiano Pereira.
Flávio Koutzii /Divulgação

Esquerda Democrática

A Esquerda Democrática foi fundado por Flavio Koutzii, que vai assessorar o gabinete de Tarso. A corrente, que nasceu como uma dissidência dentro do partido, atua como braço auxiliar da Democracia Socialista. Apesar de ter se retirado da atividade parlamentar e da direção da corrente, Koutzii segue sendo o comandante de fato da Esquerda Democrática, integrada, também, pelo deputado federal Henrique Fontana. Esta é uma corrente que se identifica com o governo Lula.

sábado, 13 de novembro de 2010

A CRIADA HANYO - 1960 - KI-YOUNG KIM


A CRIADA HANYO
1960
KI-YOUNG KIM


SINOPSE:
Thriller que conta a história de um professor de piano rígido e moralista que um belo dia sucumbe aos encantos de sua empregada doméstica. E o que podia ser apenas um mau passo na vida desse homem, acaba se tornando um drama que arrasta toda a família, com consequências realmente assustadoras para todos.




LEGENDAS PT/BR EXCLUSIVAS


MAIS UMA PARCERIA ENTRE OS BLOGS: CINE-CULT-CLASSIC E Don't Panic!

SOBRE:
Esta obra-prima deKim Ki-young realizada em 1960 deve ser vista na primeira oportunidade possível - se você tiver a sorte. Este conto moral em preto e branco é uma comédia de humor negro puro, um conto quase exagerado de um respeitável professor de música, cuja vida é complicada, por uma aluna que se apaixona por ele. O tom não é diferente de um drama deliciosamente escabroso .A empregada quase tem prazer em mostrar a erosão gradual da moralidade e da corrosividade do pecado. As falas, estranhas, algumas manuscritas, apenas contribuem para a atmosfera. E prepare-se para um final que vai deixar você de queixo caído por alguns dias. O filme é um milagre.

Começando com um olhar realista da Coréia do Sul em 1960 centrado em uma família em ascensão, a trama se volta para um conto histérico e expressionista, de pecado corrosivo e decepção. A transformação do romance de uma noite chuvosa em uma grandiosa erradicação moral é uma das voltas mais impressionantes de atmosfera que eu já vi em um filme. Igualmente surpreendente é a sua visão das mudanças dos personagens, dramaticamente, à medida que são confrontados com este inferno. A atriz que interpretou a empregada, Lee Eun-calço, cumpriu seu papél tão bem, que ela não conseguia mais encontrar trabalho depois desse filme. Expectadores literalmente gritavam por sua morte nas primeiras exibições! Ver este filme só por ela, já vai fazer você não se arrepender!

Não é de se adimirar que um crítico chamou o diretor Kim de"Douglas Sirk com ácido" . Enquanto o público ocidental pode rir de algumas situações exageradamente melodramáticas, este filme, no entanto, é muito selvagem para os anos 60, e consegue ser chocante e inesquecível. (Tem também uma das grandes cenas de morte já apresentadas pelo cinema).

O DIRETOR KI-YOUNG KIM:
A primeira expressão, madura, do estilo de Kim Ki-young estava em seu “A Criada” (1960), que apresentou uma personagem femme fatale poderosa. É amplamente considerado um dos melhores filmes coreanos de todos os tempos. Depois de uma "Idade de Ouro" durante os anos 1960, a década de 1970 foi um ponto baixo na história do cinema coreano por causa da censura governamental e uma diminuição do interesse público. No entanto, trabalhando independentemente, Kim produziu algumas de suas mais excêntricas criações cinematográficas nesta época. Filmes como Mulher Inseto (1972) e Iodo (1977) foram sucesso na época e muito influente nas gerações mais novas de cineastas sul-coreanos, tanto em sua época de lançamento, como em sua redescoberta anos mais tarde. Na década de 1980, a popularidade de Kim entrou em declínio, e sua produção diminuiu na segunda metade da década. Negligenciado pelo mainstream durante a maior parte dos anos 90, Kim se tornou uma figura de culto em fóruns de cinema sul-coreano na Internet no início de 1990. A atenção internacional em seu trabalho foi estimulado por uma retrospectiva da carreira em 1997 no “Pusan International Film Festival”. Filmes de Kim, anteriormente pouco conhecidos ou completamente desconhecidos fora da Coréia do Sul, mostraram entusiasmo e ganhou novas audiências no Japão, nos Estados Unidos, na Alemanha, na França e outros lugares. Ele estava preparando um filme para sua volta, quando juntamente com sua esposa foram mortos em um incêndio em 1998. O Festival Internacional de Berlim deu a Kim uma retrospectiva póstuma em 1998, e a Cinemateca Francesa selecionou 18 filmes de Kim, alguns recém-redescobertos e restaurados, em 2006. Através dos esforços do Conselho de Cinema Coreano (KOFIC), filmes anteriormente perdidos de Kim Ki-young continuam à ser redescobertos e restaurados. Muitos dos atuais proeminentes cineastas sul coreanos, incluindo diretores como Im Sang-soo, Kim Ki-duk, Joon-ho Bong e Park Chan-wook, alegam a influência de Kim Ki-young em suas carreiras.


ELENCO:
Eun-shim Lee
Jeung-nyeo Ju
Jin Kyu Kim
Sung-kee Ahn
Aeng-ran Eom
Seok-je Kang
Seon-ae Ko
Jeong-ok Na

FICHA:

Título Original: Hanyo
País De Origem: Coréia do Sul
Ano De Lançamento: 1960
Gênero: Terror / Drama / Thriller
Duração: 1h 51Min
Idioma: Coreano

DADOS DO ARQUIVO:

Qualidade: DVDRip
Formato: AVI
Tamanho: 1.20 GB
Legenda: Português/BR (Separadas)
Servidor: Megaupload

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Venezuela aprova projeto que facilita nacionalização dos bancos

  Por Redação do Correio do Brasil, com Reuters - de Caracas

Parlamentares venezuelanos aprovaram na última quinta-feira em primeira votação um projeto que facilita a nacionalização dos bancos e exige que eles destinem 5% dos seus lucros a entidades sociais.
chavez
Chávez já aumentou a presença do Estado em várias áreas da economia, especialmente petróleo, eletricidade e telecomunicações
Nas últimas semanas, o presidente Hugo Chávez tem acelerado sua meta de construção de um Estado socialista, mas poucos acreditam que ele irá estatizar de uma vez o sistema bancário. O mais provável é que ele busque aumentar a participação governamental no setor.
- Qualquer banco privado que não se submeter à lei, que seja nacionalizado -, disse Chávez, brandindo um exemplar da Constituição numa reunião ministerial transmitida pela TV na última quinta-feira. Ele estava se referindo a outra lei, que obriga os bancos a financiarem projetos habitacionais.
Parlamentares chavistas dizem que o novo projeto adequa o setor bancário aos planos de desenvolvimento do governo, e protege os correntistas ao adotar regras mais rígidas.
- O espírito da nossa lei é proteger os usuários, não os banqueiros, como costumava acontecer -, disse o deputado Ricardo Sanguino, presidente da Comissão de Finanças da Assembleia Nacional.
Não há data marcada para a segunda votação, mas ela pode acontecer já na semana que vem.
O projeto simplifica o processo de aquisição e fechamento de bancos falidos, permitindo que o presidente autorize pessoalmente essas medidas. Aparentemente, também os declara como de “utilidade pública”, status que habitualmente antecede as estatizações.
Em quase 12 anos no poder, Chávez já aumentou a presença do Estado em várias áreas da economia, especialmente petróleo, eletricidade e telecomunicações. Os bancos estatais já constituem cerca de um terço do sistema bancário na Venezuela.
Em 2009, o governo adquiriu o Banco Venezuela, um dos maiores do país, que pertencia ao espanhol Santander. Nos últimos 12 meses, o Estado assumiu vários bancos menores em dificuldades.
Depois de ter sua maioria parlamentar reduzida nas eleições de setembro, Chávez está acelerando a tramitação de projetos antes da posse dos novos deputados, em janeiro.
Se a lei for aprovada, os bancos terão de entregar 5% dos seus lucros para os chamados “conselhos comunitários”, mas poderão optar por fazer essas doações a outras entidades beneficentes.
O projeto estabelece também multas de até 5% do capital do banco e longas penas de prisão em casos de fraude.

Ainda sobre o ENEM...

Nicolelis: Só no Brasil a educação é discutida por comentarista esportivo

por Conceição Lemes no Viomundo

Desde o último final de semana, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Ministério da Educação (MEC) estão sob bombardeio midiático.
Estavam inscritos 4,6 milhões estudantes, e 3,4 milhões  submeteram-se às provas.  O exame foi aplicado em 1.698 cidades, 11.646 locais e 128.200 salas.  Foram impressos 5 milhões de provas para o sábado e outros 5 milhões para o domingo. Ou seja, o total de inscritos mais de 10% de reserva técnica.
No teste do sábado, ocorreram  dois erros  distintos. Um foi assumido pela gráfica encarregada da impressão. Na montagem, algumas provas do caderno de cor amarela tiveram questões repetidas, ou numeradas incorretamente ou que faltaram. Cálculos preliminares do MEC indicavam que essa falha tivesse afetado cerca de 2 mil alunos. Mas o balanço diário tem demonstrado, até agora, que são bem menos: aproximadamente 200.
O outro erro, de responsabilidade do Inep, foi no cabeçalho do cartão-resposta. Por falta de revisão adequada, inverteram-se os títulos. O de Ciências da Natureza apareceu no lugar de Ciências Humanas e vice-versa. Os fiscais de sala foram orientados a pedir aos alunos que preenchessem o cartão, de acordo com a numeração de cada questão, independentemente do cabeçalho. Inep é o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, órgão do MEC encarregado de realizar o Enem.
“Nenhum aluno será prejudicado. Aqueles que tiveram problemas poderão fazer a prova em outra data”, tem garantido desde o início o ministro da Educação, Fernando Haddad. “Isso é possível porque o Enem aplica  a teoria da resposta ao item (TRI), que permite que exames feitos em ocasiões diferentes tenham o mesmo grau de dificuldade.”
Interesses poderosos, porém, amplificaram ENORMEMENTE os erros para destruir a credibilidade do Enem. Afinal, a nota no exame é um dos componentes utilizados em várias universidades públicas do país para aprovação de candidatos, além de servir de avaliação parabolsa do PRO-UNI.
“Só os donos de cursinhos e aqueles que não querem a democratização do acesso à universidade podem ter algo contra o Enem”, afirma, indignado, ao Viomundo o neurocientista Miguel Nicolelis, professor da Universidade de Duke, nos EUA, e fundador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, no Rio Grande do Norte. “Eu vi a entrevista do ministro Fernando Haddad ao Bom Dia Brasil, TV Globo. Que loucura!  Como  jornalistas  que num dia falam de incêndio, no outro, de escola de samba, no outro, ainda, de esporte, podem se arvorar em discutir um assunto tão delicado como sistema educacional? Pior é que ainda se acham entendedores. Só no Brasil educação é discutida por comentarista esportivo!”
Nicolelis é um dos maiores neurocientistas do mundo. Vive há 20 anos nos Estados Unidos, onde há décadas existe o SAT (standart admissions test), que é muito parecido com o Enem. Tem três filhos. Os três já passaram pelo Enem americano.
Viomundo — De um total de 3,4 milhões de provas aplicadas no sábado, houve problema incontornável em menos de 2 mil. Tem sentido detonar o Enem, como a mídia brasileira tem feito? E dizer que o Enem fracassou, como um ex-ministro da Educação anda alardeando?
Miguel Nicolelis — Sinceramente, de jeito algum — nem um nem outro. O Enem é equivalente ao  SAT, dos Estados Unidos. A metodologia usada nas provas é a mesma: a teoria de resposta ao item, ou TRI, que é uma tecnologia de fazer exames.  O SAT foi criado  em 1901. Curiosamente, em outubro de 2005, entre as milhões de provas impressas, algumas tinham problema na barra de códigos onde o teste vai  ser lido.  A entidade que  faz o exame não conseguiu controlar, porque esses erros podem acontecer.
Viomundo — A Universidade de Duke utiliza o SAT?
Miguel Nicolelis — Não só a Duke, mas todas as grandes universidades americanas reconhecem o SAT. É quase um consenso nos Estados Unidos. Apenas uma minoria é contra. E o Enem, insisto, é uma adaptação do SAT, que é uma das melhores maneiras de avaliação de conhecimento do mundo. O teste é a melhor  forma de avaliar uniformemente alunos submetidos a diferentes metodologias de ensino. É a saída para homogeneizar a  avaliação de estudantes provenientes de um sistema federativo de educação, como o americano e o brasileiro,  onde os graus de informação, os métodos, as formas como se dão, são diferentes.
Viomundo — Qual a periodicidade do SAT?
Miguel Nicolelis –  Aqui, o exame é aplicado sete vezes por ano. O aluno, se quiser, pode fazer três, quatro, cinco, até sete, desde que, claro, pague as provas. No final, apenas a melhor é computada. Vários estudos feitos aqui já demonstraram que o SAT é altamente correlacionado à capacidade mental geral da pessoa.
Todo ano as provas têm uma parte experimental. São questões que não contam nota para a prova. Servem apenas para testar o grau de dificuldade. Outro peculiaridade do sistema americano é a forma de corrigir a prova. É desencorajado o chute.
Viomundo — Explique melhor.
Miguel Nicolelis — Resposta errada perde ponto, resposta em branco, não. Por isso, o aluno pensa muito antes de chutar, pois a probabilidade de ele errar é grande. Então se ele não sabe é preferível não responder do que correr o risco de responder errado.
Viomundo –  Interessante …
Miguel Nicolelis – Na verdade,  o SAT é  maneira  mais honesta, mais democrática de avaliar pessoas de  lugares diferentes, com sistemas educacionais diferentes,  para tentar padronizar o ingresso. Aqui, nos EUA, a molecada faz o exame e manda para as faculdades que querem frequentar. E as escolas decidem quem entra, quem não entra. O SAT é um dos componentes para essa avaliação.
Viomundo — Aí tem cursinho para entrar na faculdade?
Miguel Nicolelis — Tem para as pessoas aprenderem a fazer o exame, mas não é aquela loucura da minha época. Era cheio de cursinho para todo lugar no Brasil. Cursinho  é uma máquina de fazer dinheiro.  Não serve para nada a não ser para fazer o exame. Por isso ouso dizer: só os donos de cursinho e aqueles que não querem democratizar o acesso à universidade podem ter algo contra o Enem.
Viomundo –Mas o fato de a prova ter erros é ruim.
Miguel Nicolelis — Concordo. Mas os erros vão acontecer.  Em 1978, quando fiz a Fuvest (vestibular unificado no Estado de São Paulo), teve pergunta eliminada, pois não tinha resposta.  Isso acontece desde o tempo em que havia exame para admissão [ao primeiro ginasial, atualmente 5ª série do ensino fundamental)  na época das cavernas (risos). Você não tem exame 100% correto o tempo inteiro.
Então, algumas pessoas estão confundindo uma metodologia  bem estudada, bastante conhecida e aceita há décadas,   com problemas operacionais que acontecem em qualquer processo de impressão de milhões de documentos. Na dimensão em que aconteceram no Brasil está dentro das probabilidade de fatalidades.
Viomundo -- Em 2009, também houve problema, lembra-se?
Miguel Nicolelis -- No ano passado foi um furto, foi um crime. O MEC não pode ser condenado por causa de um assalto, que é uma contigência e nada tem a ver com a metodologia do teste.
Só que, infelizmente, gerou problemas operacionais para algumas universidades, que não consideraram a nota do Enem nos seus vestibulares. Isso não quer dizer que elas não entendam ou nãoaceitam o teste. As provas do Enem são muito mais democráticas, mais  racionais e mais bem-feitas do que os vestibulares de qualquer universidade brasileira.
Eu fiz a Fuvest. Naquela época, era muito ruim. Não media nada. E, ainda assim, a gente teve de se sujeitar àquilo, para entrar na faculdade a qualquer custo.
Viomundo -- Fez cursinho?
Miguel Nicolelis -- Não. Eu tive o privilégio de estudar numa escola privada boa. Mas muitas pessoas que não tinham educação de alto nível eram obrigadas a recorrer ao cursinho para competir em condições de igualdade.
Mas o cursinho não melhora o aprendizado de ninguém. Cursinho é uma técnica de aprender a maximizar a feitura do exame. É quase um efeito colateral do sistema educacional absurdo que  até recentemente tínhamos no Brasil. É um arremedo. É um aborto do sistema educacional que não funciona.
Viomundo -- Qual a sua avaliação do Enem?
Miguel Nicolelis -- É um avanço tremendo, porque a longo prazo a repetição do Enem várias vezes por ano vai acabar com o estresse do vestibular. Você retira o estresse do vestibular. Na minha época, e isso acontece muito ainda hoje, o jovem passava os três anos esperando aquele "monstro". De tal sorte, o vestibular transformava o colegial numa câmara de tortura. Uma pressão insuportável. Um  inferno tanto para os meninos e meninas quanto para as famílias. Além disso,  um sistema humilhante, porque as pessoas que não podiam frequentar um colégio privado de alto nível sofriam com o complexo de não poder competir em pé de igualdade. Por isso os cursinhos floresceram e fizeram a riqueza de tanta gente, que agora está metendo o pau no Enem. Evidentemente  vários interesses estão sendo contrariados devido ao êxito do Enem.
Viomundo -- Tem muita gente pixando, mesmo.
Miguel Nicolelis -- Todo esse pessoal que pixa acha que sabe do que está falando.  Só que não sabe de nada. Exame educacional não é  jogo de futebol. Tem metodologia, dados, história. E olha que eu adoro futebol. Sempre que estou no Brasil, vou ao estádio para assistir ao jogos do Palmeiras [Ninguém é perfeito (rs)!] O Brasil fez muito bem em entrar no Enem. É o único jeito de  acabar com esse escárnio, com essa ferida que é o vestibular .
Viomundo — Nos EUA, não há vestibular para a universidade. O senhor acha que o Brasil seguirá essa tendência?
Miguel Nicolelis --  Acho que sim. O importante é o seguinte. O Brasil está tentando iniciar esse processo. Quando você inicia um processo dessa magnitude, com milhões fazendo exame,  é normal ter problemas operacionais de percurso, problemas operacionais. Isso faz parte do processo.
Nós estamos caminhando para o Enem ser a moeda de troca da inclusão educacional. As crianças vão aprender que não é porque elas fazem cursinho famoso da Avenida Paulista que elas vão ter mais chance de entrar na universidade. Elas vão entrar na universidade pelo que elas acumularam de conhecimento ao longo da vida acadêmica delas. Elas vão poder demonstrar esse conhecimento sem estresse, sem medo, sem complexo de inferioridade. De uma maneira democrática.E, num futuro próximo, tanto as crianças de escolas privadas quanto as  de escolas públicas vão começar a entrar nesse jogo  em pé de igualdade. Aí,  sim vai virar jogo de futebol.
Futebol é uma das poucas coisas no Brasil em que o mérito é implacável. Joga quem sabe jogar. Perna de pau não joga. Não tem espaço. O talento se impõe instantantaneamente.
Educação tem de ser a mesma coisa. O talento e a capacidade têm de aflorar naturalmente e todas as pessoas têm de ter a chance de sentar na prova com as mesmas possibilidades.

Os dilemas do Enem


Criado em 1998 com o objetivo de revolucionar a maneira como os estudantes do País são avaliados, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aumentou, ano a ano, de tamanho e de funções até ser alçado à categoria de principal pilar para a seleção de estudantes às universidades federais – no que depender do Ministério da Educação (MEC), será o único sistema de seleção ao ensino superior no futuro. Cresceu tanto que virou um problema: como ministrar uma prova em perfeitas condições de segurança, sigilo e baixo índice de erros para milhões de alunos em todo o território nacional? As duas últimas edições expuseram falhas que respingaram na reputação do MEC e que forçaram o ministro Fernando Haddad a passar a semana a se explicar. No frigir dos ovos, a dimensão do problema na edição 2010 foi menor do que parecia de início, mas serviu para colocar em discussão o papel do exame na educação nacional.
As dores de cabeça do Enem deste ano começaram no primeiro dia de exame, no sábado 6, por conta de dois erros. Primeiro, as provas, as mesmas para todos os estudantes, são divididas em diferentes cores, que correspondem a uma ordem do gabarito. Alguns alunos no Paraná e em Sergipe receberam uma versão da prova amarela com questões repetidas e outras faltando. O segundo problema, com o gabarito: o espaço para o preenchimento das questões de Ciências da Natureza estava trocado com o de Ciências Humanas. Os alunos que enfrentaram o problema foram instruídos a solicitar ao MEC a correção invertida de cabeçalho.
Cerca de 20 mil alunos receberam a prova com problemas, mas a maioria deles conseguiu trocar pela versão correta durante o exame. No total, menos de 2 mil, em um universo de mais de 4 milhões acabaram não recebendo uma nova prova amarela sem os erros. Se depender de Had-dad, somente eles farão nova avaliação. A questão dos gabaritos foi solucionada com os fiscais dos exames no dia e com a solicitação de uma correção específica.
Outras denúncias foram feitas durante os dois dias de prova. No Recife, um repórter do Jornal do Commercio que prestou o exame mandou uma mensagem de celular para a sua redação contando o tema da redação – o objetivo seria denunciar a brecha na segurança. O MEC pediu a abertura de um inquérito para investigar a atuação do jornalista.
Houve ainda a suspeita, repercutida nos meios de comunicação, de que o tema da redação havia vazado em cursinhos preparatórios para o vestibular em Petrolina (PE). A Polícia Federal investigava o caso até o fechamento desta edição. Se houver consistência na investigação, um inquérito será aberto.
A repercussão dos problemas começou ainda no sábado à noite e tornou-se o principal assunto do início da semana. A preocupação justificava-se: o Enem vinha sendo foco de olhares desconfiados por conta do imbróglio na edição 2009, este mais grave, quando um segurança da Gráfica Plural, responsável por imprimir o exame, roubou exemplares da prova e tentou vendê-los a jornais. A denúncia gerou o adiamento do Enem, a troca da Plural pela norte-americana RR Donnelley, a maior do mundo (e bem mais cara que a antecessora) e muita turbulência. O nome de Haddad, que chegou a ser cotado como possível candidato apoiado pelo presidente Lula ao governo do Distrito Federal ou de São Paulo em 2010 perdeu força.
Portanto, no fim de semana da realização do Enem 2010, toda a mídia focou-se no andamento da avaliação. Após o exame, o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), orgão do MEC responsável pelo Enem, Joaquim Soares Neto, minimizou as falhas e falou em “missão cumprida” – e foi o termo usado pelo presidente Lula. Não foi o que acharam a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Defensoria Pública da União, pelas ações do defensor Ricardo Salviano, que chegou a declarar que uma nova prova para poucos acabaria com a isonomia do exame. As duas entidades pregavam que, havendo alunos prejudicados, mesmo que poucos, todos deveriam refazer a prova. Simultaneamente a isso, a juiza Karla Miranda Maia, da 7ª Vara Federal do Ceará, concedeu uma liminar para o cancelamento do exame. Estudantes protestaram contra o MEC usando narizes de palhaço. Outros protestos estavam marcados pelo País.
A CartaCapital Haddad reafirmou ser contra um novo exame para todos. “O problema é localizado e as provas devem ser ministradas somente para os alunos prejudicados.” “O exame utiliza uma metodologia internacionalmente reconhecida que não é novidade entre pensadores da educação, mas obviamente o é no meio jurídico.”
A metodologia referida pelo ministro é a chamada Teoria de Resposta ao Item (TRI), usada no Enem desde 2009. A TRI baseia-se em um modelo internacionalmente reconhecido que assegura o mesmo grau de dificuldade em provas diferentes. É a mesma estratégia usada no Scholastic Assessment Test (STI), o sistema de seleção para vagas universitárias nos Estados Unidos e em outros países. “Em uma prova clássica como o vestibular convencional, qualquer problema pontual é motivo para uma reaplicação da prova. O Enem não é mais assim, nem poderia ser com o tamanho que tem. Por isso só precisamos fazer novo exame para quem foi prejudicado”, defendeu Haddad.
Segundo o ministro, sua conversa com o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, foi elucidativa para suspender a anulação do Enem 2010. A aplicação posterior de um novo Enem somente aos prejudicados tem um precedente em 2009 no Espírito Santo, quando inundações impediram que cerca de 8 mil estudantes chegassem ao local da prova em alguns municípios. “Dada a urgência do caso, quero crer que os tribunais como o TRF e o STF vão estar disponíveis para uma solução”, complementa.
A novela Enem 2010 reacendeu a discussão sobre o papel da prova. Criado durante o governo Fernando Henrique, o Enem seria um termômetro do ensino médio. Diferente dos vestibulares, sua prova é baseada no conceito de habilidades e competências, que prioriza a capacidade de raciocínio e interpretação, e não o conhecimento adquirido de quem o faz. Dois anos depois, sua nota já era contabilizada parcialmente em alguns vestibulares públicos.
Em 2004, no governo Lula, a nota do Enem passou a valer como nota para o Programa Universidade para Todos (ProUni), o sistema de financiamento de bolsas de estudo que concede descontos fiscais às instituições que o adotam. Com a associação Enem-ProUni, o número de estudantes que passaram a participar do teste quadruplicou – foram 4,6 milhões de estudantes inscritos este ano.
Atualmente, o Enem serve como avaliação também para o programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, desde 2009, como critério de seleção para 39 instituições federais de ensino superior. O reitor da Universidade de São Carlos (Ufscar), Targino de Araújo Filho, entende que o “Enem-vestibular” é bom para as universidades e os alunos. “Na medida em que ele se transforma em processo único de seleção, torna-se um objeto de inserção social. Minimiza a quantidade de vestibulares, e na medida em que há uma ênfase em conteúdos, tem uma influência muito grande no ensino médio”, diz. A Ufscar comandada por Targino usou, a partir deste ano e em conjunto com outras 38 universidades federais, apenas o Enem como processo de seleção.
Mas o fato de o Enem ter várias aplicações simultâneas assusta alguns especialistas da educação. A ex-assessora do Inep e ex-formuladora de questões da Unicamp Maria Luiza Abaurre entende que ter muitos focos simultâneos é o mesmo que não ter nenhum. “O Enem é avaliação do ensino médio e vestibular, e também seleciona para o Pro-Uni, ou seja, uma função diferente, de pessoas que concorrem a bolsas, não a vagas. E também tornou-se uma prova de certificação para o EJA, que é uma prova sem caráter de seleção. Isso torna muito difícil ao elaborador do exame conseguir um perfil do que de fato precisa ser medido pelas questões”, acredita.
Haddad discorda da questão levantada por Abaurre e cita o sistema norte-americano. “O método dos Estados Unidos funciona da mesma maneira e é o melhor sistema universitário do mundo. Não foi por outra razão que miramos nele para fortalecer o nosso.”
Outra crítica cada vez mais constante ao Enem como selecionador para as universidades é que o sistema de habilidades e competências, criado para avaliar alunos e não as escolas, na realidade não traz diferenças marcantes em relação ao vestibular convencional. É assim que vê Romualdo Portela, professor da USP que estuda políticas educacionais. “Existe uma coerência entre quem se qualifica para uma faculdade via Enem e via vestibulares convencionais. Não mudou substancialmente”, diz. A opinião de Portela é compartilhada por Otaviano Helene, ex-presidente do Inep durante o primeiro governo Lula. “As escolas também são responsáveis por desenvolver habilidades dos alunos. Portanto, quem está em escola melhor segue tendo vantagem”, afirma.
O ministro concorda que o cenário atual é este, mas deve mudar ao longo dos anos. “Veja a Prova Brasil, que é uma espécie de Enem do ensino fundamental (para alunos do 5° e 9° anos). Desde 2005, houve uma nítida queda na diferença entre as escolas particulares e públicas. É o que espero do Enem para os próximos anos.”
Os próximos dias devem ser de batalhas entre o MEC e a Justiça. Se não conseguir reverter a anulação, Haddad vai se manter forte o bastante para levar adiante o projeto de ampliação do Enem? O impacto nas mudanças curriculares pode demorar ainda mais se a resposta por negativa.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Como nasceu e como morreu o «Marxismo Ocidental»


Domenico Losurdo

Porque é que, depois de ter gozado de uma extraordinária fortuna nos anos sessenta e setenta, o marxismo caiu no Ocidente numa crise tão profunda? Vale a pena tomar como ponto de partida um debate de 1954 provocado por Norberto Bobbio. Este, embora justamente insistindo no carácter irrenunciável da liberdade «formal», conta a favor dos Estados socialistas o terem «iniciado uma nova fase de progresso civilizacional em países politicamente atrasados, introduzindo instituições tradicionalmente democráticas, de democracia formal como o sufrágio universal e a electividade dos cargos, e de democracia substancial como a colectivização dos instrumentos de produção». E, no entanto – é a conclusão crítica ¬– o novo «Estado socialista» ainda não foi capaz de transplantar para o seu seio o governo da lei e os mecanismos garantistas liberais, ainda não foi capaz de proceder à «limitação do poder» e deitar «uma gota de óleo [liberal] nas máquinas da revolução já realizada». Como se vê, estamos longe das posições assumidas pelo filósofo turinês na última fase da sua evolução, quando se torna em última análise um ideólogo da guerra do Ocidente: em 1954 são grandes a influência do marxismo e o prestígio dos países que dele se reclamam; neste momento, juntamente com a «democracia formal» Bobbio teoriza também uma «democracia substancial»; aliás, sobre os países socialistas exprime um juízo que não é univocamente negativo nem sequer no que respeita à «democracia formal».
Quais são as reacções dos intelectuais comunistas italianos? Para rejeitar ou atenuar as críticas dirigidas em primeiro lugar à União Soviética, como justificação parcial do atraso, eles poderiam ter aduzido o estado de excepção permanente imposto ao país nascido da revolução de Outubro e a ameaça de aniquilação nuclear que continuava a pairar sobre ele. Galvano della Volpe segue contudo uma estratégia absolutamente diferente, concentrando-se na celebração da libertas maior (o desenvolvimento concreto da individualidade garantido pelas condições materiais de vida). Assim, por um lado desvalorizam-se as garantias jurídicas do Estado de direito, implicitamente degradadas a libertas minor; e por outro, acaba-se por valorizar a transfiguração a que procede Bobbio da tradição liberal como campeã da causa do gozo universal pelo menos dos direitos civis, da liberdade formal. E contudo em 1954 ainda está de pé o sistema colonial e dentro do seu âmbito é claro que não se respeita nenhuma liberdade; nos próprios Estados Unidos os negros continuavam a ser largamente excluídos dos direitos políticos e, muitas vezes, até dos direitos civis (no Sul ainda não desaparecera o regime de segregação racial e de white supremacy). Todo empenhado na celebração da libertas maior, Della Volpe não se preocupa ou não é capaz de chamar a atenção para o clamoroso infortúnio de Bobbio.
O facto é que o marxismo ocidental daqueles anos se caracteriza largamente pelo menosprezo da questão colonial. Em 1961 Ernst Bloch publica Direito natural e dignidade humana. Como já emerge do título, estamos bem longe da desvalorização cara a Della Volpe da libertas minor; pelo contrário é explícita a reivindicação da herança da tradição liberal, submetida contudo a uma crítica que infelizmente mais parece uma transfiguração. Bloch censura ao liberalismo o propugnar uma «igualdade formal e apenas formal». E acrescenta: «Para se impor, o capitalismo só está interessado na realização de uma universalidade da regulamentação jurídica, que tudo abrange de modo igual».
Esta afirmação pode-se ler num livro cuja publicação é do mesmo ano em que em Paris a polícia desencadeia uma impiedosa caça aos argelinos, afogados no Sena ou mortos à bastonada; e tudo à luz do sol, aliás perante a presença de cidadãos franceses que, sob a protecção do governo da lei, assistem divertidos ao espectáculo: qual «igualdade formal»! Na própria capital de um país capitalista e liberal vemos em acção uma dupla legislação, que entrega ao arbítrio e ao terror policial um grupo étnico bem determinado. Se depois tomarmos em consideração as colónias e as semi-colónias e virarmos os olhos por exemplo para a Argélia ou para o Quénia ou para a Guatemala (um país formalmente livre mas de facto sob o protectorado estado-unidense), vemos o Estado dominante, capitalista e liberal, recorrer em grande escala e de modo sistemático às torturas, aos campos de concentração e às práticas genocidas contra os indígenas. De nada disto há sinais, nem em Bobbio, nem em Della Volpe nem em Bloch.
Contudo, é precisamente nestes anos que começa a desenvolver-se nos EUA a luta dos afro-americanos. É um assunto que atrai as atenções da China de Mao Zedong, e pode ser interessante comparar as tomadas de posição de duas personalidades tão diferentes entre si. Se Bloch denuncia o carácter meramente «formal» da igualdade liberal e capitalista, o dirigente comunista chinês procede de modo bem diferente. Certamente, sublinha que os negros sofrem uma taxa nitidamente mais alta de desemprego em relação aos brancos, são relegados para os segmentos inferiores do mercado do trabalho e obrigados a contentar-se com salários reduzidos. Mas não é tudo: Mao chama a atenção para a violência racista desencadeada pelas autoridades do Sul e pelos bandos por elas tolerados ou encorajados e celebra «a luta do povo negro americano contra a discriminação racial e pela liberdade e igualdade de direitos». Bloch critica a revolução burguesa pelo facto de ela «ter limitado a igualdade à política»; em referência aos afro-americanos, Mao recorda que «a maior parte deles está privada do direito de voto».
Ressoam tons análogos no Vietname, onde está em curso uma grande luta de libertação nacional dirigida por Ho Chi Minh, que já em 1920 tinha acusado a Terceira República francesa nestes termos: «A chamada justiça indochinesa tem lá dois pesos e duas medidas. Os anamitas não têm as mesmas garantias dos europeus e dos europeizados». Não só são «vergonhosamente oprimidos e explorados», como são também «horrivelmente martirizados» e sofrem «todas as atrocidades cometidas pelos bandidos do capital». Como se vê, nos textos aqui citados de Mao e Ho Chi Minh não existe nem a desvalorização cara a Della Volpe da libertas minor nem a ilusão (comum, com modalidades diferentes, a Bobbio, Della Volpe e Bloch), de que o capitalismo e o liberalismo apesar de tudo garantiriam a «igualdade formal» ou a própria «igualdade política». Como vemos, na denúncia das macroscópicas cláusulas de exclusão da liberdade liberal, o marxismo «oriental» empenha-se, compreensivelmente, bem mais do que o «ocidental».
Tornemos ao debate provocado por Bobbio em 1954. Há uma intervenção sensivelmente diferente da de Della Volpe. A polémica com o filósofo turinês agora desenvolveu-se assim: «Quando e em que medida foram aplicados aos povos coloniais os princípios liberais sobre os quais se disse estar assente o Estado inglês oitocentista, modelo, creio, do regime liberal perfeito para quem raciocina como Bobbio?». A verdade é que a «doutrina liberal […] assenta numa bárbara discriminação entre as criaturas humanas», que alastra não só nas colónias mas também na própria metrópole, como demonstra o caso dos negros estado-unidenses, «em tão grande parte privados de direitos elementares, discriminados e perseguidos». Nesta tomada de posição não há nenhuma degradação a libertas minor da «liberdade formal» mas, ao mesmo tempo, não se perde de vista o facto de que a negar o seu gozo a ilimitadas massas de homens tem sido historicamente o próprio Ocidente liberal. A intervenção que acabamos de ver deve-se a um autor hoje quase totalmente esquecido, mas que responde pelo nome de Palmiro Togliatti, à época secretário-geral do PCI.
2.
Nos anos sessenta e setenta do século XX um equívoco de massa caracteriza na Europa e nos Estados Unidos a esquerda de orientação marxista: as grandes manifestações a favor do Vietname entrelaçam-se tranquilamente com a homenagem tributada a autores inclinados a considerar definitivamente superados os movimentos de libertação nacional. Em 1966, na Dialéctica negativa, Adorno liquida a tese hegeliana do «espírito do povo», ou seja, do carácter essencial da dimensão e da questão nacional, como «reaccionária» e regressiva, por estar afectada de «nacionalismo» e ser «provinciana na época de conflitos mundiais e do potencial de uma organização mundial do mundo». É’ uma tomada de posição que a posteriori tirava legitimidade à guerra conduzida pela Frente de Libertação Nacional da Argélia, um povo e um país indubiamente mais provincianos, mais atrasados e menos cosmopolitas que a França contra quem se tinham insurgido. Seja como for, Adorno colocava-se na impossibilidade de compreender as grandes lutas que mo entanto se iam desenrolando diante dos seus olhos, a começar pela guiada pela Frente de Libertação Nacional do Vietname.
De resto, vejamos como sobre este ponto argumenta o «marxismo oriental». Três anos após a publicação da Dialéctica negativa morre Ho Chi Minh. No seu Testamento, depois de ter chamado os seus concidadãos à «luta patriótica» e ao empenho «pela salvação da pátria», no plano pessoal traça este balanço: «Por toda a vida, de corpo e alma servi a pátria, servi a revolução, servi o povo». Por outro lado, já em 1960, por ocasião do seu septuagésimo aniversário, assim evocou o dirigente vietnamita o seu percurso intelectual e político: «Ao princípio o que me impeliu a crer em Lénine e na Terceira Internacional foi o patriotismo, e não o comunismo». O que provocou grande emoção foram em primeiro lugar os apelos e os documentos que apoiavam e promoviam a luta de libertação dos povos coloniais, sublinhando o seu direito de se constituírem como Estados nacionais independentes: «As teses de Lénine [sobre a questão nacional e colonial] despertaram em mim uma grande comoção, um grande entusiasmo, uma grande fé, e ajudaram-me a ver claramente os problemas. Foi tão grande a minha alegria que até chorei». No que diz respeito a Mao, basta pensar na declaração que fez em 1949, nas vésperas da fundação da República Popular Chinesa: «A nossa nunca mais será uma nação sujeita ao insulto e à humilhação. Pusemo-nos de pé […] A era em que o povo chinês era considerado incivilizado terminou agora».
Bem se compreende o comportamento dos dois grandes revolucionários. Por detrás deles actua a lição de Lénine, que assim caracterizara o imperialismo: trata-se de um sistema em cujo âmbito algumas ditas «nações modelo» atribuem a si mesmas «o privilégio exclusivo da formação do Estado», negando-o aos povos das colónias; sim, «poucas nações eleitas» pretendem edificar o seu «bem-estar» e estabelecer o seu próprio primado na base do saque e da dominação do resto da humanidade. Mas nesses anos a homenagem a Ho Chi Minh ou a Mao ou a Fidel não estimulava de modo nenhum uma distanciação do niilismo nacional absorvido na escola do marxismo ocidental.
A razão profunda desta atitude contraditória será esclarecida de modo exemplar, uns decénios depois, por Hardt e Negri: «Da Índia à Argélia, de Cuba ao Vietname, o Estado é o presente envenenado da libertação nacional». Sim, os palestinos podem contar com a nossa simpatia; mas a partir do momento em que «se institucionalizarem», já não se pode estar do «lado deles». O facto é que «no momento em que a nação começa a formar-se e se torna um Estado soberano perdem-se as suas funções progressistas». Ou seja, só se pode simpatizar com os vietnamitas, com os palestinos ou com outros povos enquanto eles forem oprimidos e humilhados; só se pode apoiar uma luta de libertação nacional na medida em que ela não deixar de ser derrotada!
3.
Neste clima espiritual e político, a cultura de orientação marxista começa a ser atraída e revirada do avesso por autores e correntes de pensamento que contudo deveriam ser vistos com uma certa distância critica. Irrompe em força Foucault com a sua análise da penetração ou da omnipresença do poder não só nas instituições e nas relações sociais mas já no dispositivo conceptual. É um discurso que fascina pelo seu radicalismo e que ainda por cima permite ajustar contas com o poder e a ideocracia como fundamento do «socialismo real», cuja crise se manifesta cada vez com maior nitidez. Na realidade, o radicalismo não só é aparente, como se vira no seu contrário. O gesto de condenação de todas as relações de poder, aliás, de todas as formas de poder quer no âmbito da sociedade que no discurso sobre a sociedade torna bastante problemática ou impossível a «negação determinada», a negação de um «conteúdo determinado» que, hegelianamente, é o pressuposto de uma real transformação da sociedade, o pressuposto da revolução. Para mais, este esforço de identificação e desmistificação do domínio em todas as suas formas revela lacunas surpreendentes justamente onde o domínio se manifesta em toda a sua brutalidade: sìm, bastante escassa ou inexistente é a atenção reservada à dominação colonial.
Pode-se ir mais longe: o colonialismo e a ideologia colonial estão largamente ausentes na história que Foucault reconstrói do mondo moderno e contemporâneo. A julgar por esta, a «aparição do racismo de Estado [deve-se situar] nos inícios do século XX». Quem tratou de pôr em causa esta cronologia foram com larguíssima antecipação os abolicionistas que já no século XIX queimavam na praça pública a Constituição americana, rotulada como um pacto com o diabo pelo facto de consagrar a escravatura racial. Se não na história dos Estados Unidos, Foucault poderia ter-se concentrado na história da Confederação secessionista ou da África do Sul, ou então poderia ter feito uma consideração de carácter geral: se analisarmos os países capitalistas juntamente com as colónias por eles possuídas, podemos facilmente dar-nos conta de que o fenómeno denunciado por Ho Chi Minh em relação à Indochina tem um carácter geral: estamos na presença de uma dupla legislação, uma para a raça dos conquistadores, e a outra para a raça dos conquistados. Neste sentido o Estado racial acompanha como uma sombra a história do colonialismo no seu conjunto; só que este fenómeno se apresenta com maior evidência nos Estados Unidos devido à contiguidade espacial em que vivem as diferentes raças. Aliás, quando em 1976 o autor francês se põe em busca de outra realidade para juntar ao Terceiro Reich sob a bandeira do «racismo de Estado», ele só consegue identificá-la na União Soviética, o país que desde a sua fundação desempenhava um papel decisivo em promover a emancipação dos povos coloniais e que em 1976 ainda estava em primeiro plano na denúncia da politica anti-negra conduzida pela África do Sul!
Tem-se observado que Foucault exerce uma considerável influência sobre Antonio Negri. Com efeito… Nos nossos dias, autorizados especialistas estado-unidenses de orientação liberal descrevem a história do seu país como a história de uma Herrenvolk democracy, isto é, de uma democracia válida só para o Herrenvolk (é significativo o recurso à linguagem cara a Hitler), para o «povo dos senhores» e que, por outro lado, não hesita em escravizar os negros e em eliminar os peles-vermelhas da face da terra. A Empire, em contrapartida, fala em tom compungido de uma «democracia americana» que rompe com a visão «transcendente» do poder, própria da tradição europeia.
Chegados a este ponto, proponho uma espécie de experiência intelectual ou, se quiserem, de jogo. Comparemos dois trechos de dois autores entre si sensivelmente diferentes, mas ambos empenhados em contrapor positivamente os Estados Unidos à Europa. O primeiro celebra «a experiência americana», sublinhando «a diferença entre uma nação concebida na liberdade e devota ao princípio de que todos os homens foram criados iguais e as nações do velho continente, que decerto não foram concebidas na liberdade».
E agora vejamos o segundo:
«O que era a democracia americana senão uma democracia assente no
êxodo, em valores afirmativos e não dialécticos, no pluralismo e na liberdade? Estes mesmos valores – juntamente com a ideia da nuova fronteira – não viriam alimentar constantemente o movimento expansivo do seu fundamento democrático, para além das abstracções da nação, da etnia e da religião? […] Quando Hannah Arendt escrevia que a Revolução americana era superior à francesa dado que a Revolução americana se devia entender como uma busca sem fim da liberdade política, enquanto a Revolução francesa tinha sido uma luta limitada em torno da escassez e da desigualdade, exaltava um ideal de liberdade que os europeus haviam perdido mas que fariam ganhar terreno nos Estados Unidos».
Qual dos dois trechos aqui citados é mais apologético? É difícil dizê-lo, embora o segundo pareça mais inspirado e mais lírico: deve-se à pluma de Negri (e de Hardt), enquanto o primeiro é de Leo Strauss, o autor de referência dos neoconservadores americanos!