Entre
todas as “heresias” de Daniel Bensaïd, quer dizer, suas contribuições
para a renovação do marxismo, a mais importante, a meus olhos, é a sua
ruptura radical com o cientificismo, o positivismo e o determinismo que
se impregnaram tão profundamente no marxismo “ortodoxo”,
principalmente na França. Por Michael Löwy no COMBATE
“Auguste Blanqui, comunista herético” é o
título de um artigo que Daniel Bensaïd e eu redigimos juntos em 2006
(para um livro sobre os socialistas do século XIX na França, organizado
por nossos amigos Philipe Corcuff e Alain Maillard) [no Brasil, o
artigo foi publicado na revista Margem Esquerda, nº 10]. Esse conceito
se aplica perfeitamente a seu próprio pensamento, obstinadamente fiel à
causa dos oprimidos, mas alérgico a qualquer ortodoxia.
Daniel havia escrito alguns livros importantes antes de 1989, mas a partir daquele ano, com a publicação de Moi la Révolution : Remembrances d’un bicentenaire indigne [Eu, a revolução: Remembranças de um bicentenário indigno] (Gallimard, 1989) e Walter Benjamin, sentinelle messianique
[Walter Benjamin, sentinela messiânico] (Plon, 1990), começa um novo
período, que se caracteriza não apenas por uma enorme produtividade –
dezenas de obras, dentre as quais várias consagradas a Marx – mas também
por uma nova qualidade de escrita, uma fantástica efervescência de
ideias, uma surpreendente
inventividade. Apesar de sua grande diversidade, esses escritos não
deixam de ser tecidos com fios vermelhos comuns: a memória das lutas – e
suas derrotas – do passado, o interesse pelas novas formas de
anticapitalismo e a preocupação com os novos problemas que se colocam à
estratégia revolucionária. Sua reflexão teórica era inseparável de sua
militância, quer ele escreva sobre Joana D’arc – Jeanne de guerre lasse [Joana D’arc de guerra cansada] (Gallimard, 1991) – ou sobre a fundação do NPA (Prendre parti
[Tomar partido], com Olvier Besancenot, 2009). Seus escritos têm,
consequentemente, uma forte carga pessoal emocional, ética e política,
que lhes dá uma qualidade humana pouco comum. A multiplicidade de suas
referências pode tomar desvios: Marx, Lenin e Trotsky, com certeza, mas
também Auguste Blanqui, Charles Péguy, Hannah Arendt, Walter Benjamin,
sem esquecer Blaise Pascal, Chateaubriand, Kant, Nietzsche e muitos
outros. Apesar de toda essa surpreendente variedade, aparentemente
eclética, seu discurso não deixa de ter uma notável coerência.
“Eu leio seus livros sem parar como
remédios contra a burrice e o egoísmo”, escreveu recentemente seu amigo,
o poeta Serge Pey. Se os livros de Daniel são lidos com tanto prazer, é
porque eles foram escritos com a pena afiada de um verdadeiro
escritor, que tem o dom da fórmula: uma fórmula que pode ser assassina,
irônica, nervosa ou poética, mas que vai sempre direto ao ponto. Esse
estilo literário, próprio ao autor e inimitável, não é gratuito, mas
vem a serviço de uma ideia, de uma mensagem, de um apelo: não se
dobrar, não se resignar, não se reconciliar com os vencedores.
Esta ideia se chama comunismo. Ela
não poderia ser identificada com os crimes burocráticos cometidos em
seu nome, assim como o cristianismo não pode ser reduzido à Inquisição e
às dragonnades [espécie de polícia religiosa criada durante o reinado
de Luis XIV para perseguir protestantes e reconvertê-los ao
catolicismo]. O comunismo, em última análise, é apenas a esperança de
suprimir a ordem existente, o nome secreto da resistência e da
sublevação, a expressão da grande
cólera negra e vermelha dos oprimidos. É o sorriso dos explorados que
esperam ao longe os tiros de fuzil dos insurgentes em junho de 1848 –
episódio contado com inquietude por Alexis de Tocqueville e
reinterpretado por Toni Negri. Seu espírito sobreviverá ao triunfo
atual da mundialização capitalista, tal como o espírito do judaísmo
durante a destruição do Templo e a expulsão da Espanha (gosto dessa
comparação insólita e um pouco provocadora).
O comunismo não é o resultado do
“Progresso” ou das leis da História (com P e H maiúsculos): trata-se de
uma eterna luta, incerta e anunciada. A política, que é a arte
estratégica do conflito, da conjuntura e do contratempo, implica numa
responsabilidade humanamente falível, e deve ser confrontada com as
incertezas de uma história aberta.
O comunismo do século XXI era, para
Daniel, o herdeiro das lutas do passado, da Comuna de Paris, da
Revolução de Outubro, das ideias de Marx e Lenin, e dos grandes vencidos
que foram Trotsky, Rosa Luxemburgo, Che Guevara. Mas também algo de
novo, a altura das questões do presente: um eco-comunismo (termo que ele
inventou), integrando centralmente o combate ecológico contra o
capital.
Para Daniel, o espírito do comunismo não
podia ser reduzido às suas falsificações burocráticas. Se ele era, com
suas últimas energias, contra a tentativa da Contra-Reforma liberal de
dissolver o comunismo no stalinismo, ele não reconhecia tampouco que
pode-se fazer a economia de um balanço crítico dos erros que desarmaram
os revolucionários de Outubro em face das provas da história,
favorecendo a contra-revolução termidoriana: confusão entre povo,
partido e Estado, cega em relação ao perigo burocrático. É preciso
retirar disto certas lições históricas já esboçadas por Rosa Luxemburgo
em 1918: a importância da democracia socialista, do pluralismo
político, da separação dos poderes, da autonomia dos movimentos
sociaisem relação ao Estado.
A fidelidade ao espectro do comunismo
não impede que Daniel advogue em favorde uma renovaçãoprofunda do
pensamento marxista, especialmente sobre dois terrenos onde a tradição
falha em particular: o feminismo e a ecologia. As feministas – como
Christine Delphy – por criticar a abordagem de Engels, que definia a
opressão doméstica como um arcaísmo pré-capitalista que em breve se
apagaria com a salarização das mulheres. No movimento operário, ele
forneceu muitas vezes um sexismo grosseiro, principalmente ao retomar a
seu favor a noção burguesa de salário mínimo. A necessária aliança
entre a consciência de gênero e a consciência de classe não pode ser
feita sem um retorno crítico dos marxistas sobre sua teoria e sua
prática.
O mesmo vale para a questão do meio
ambiente: habitualmente ligado ao compromisso fordista e à lógica
produtiva do capitalismo, o movimento operário era indiferente ou hostil
para com a ecologia. Por seu lado, os partidos Verdes têm a tendência
de se contentar com uma ecologia de mercado e com um reformismo
social-liberal. Ora, o antiprodutivismo de nosso tempo deve
necessariamente ser um anticapitalismo: o paradigma ecológico é
inseparável do paradigma social. Diante dos danos catastróficos
provocados no meio ambiente pela lógica do valor de mercado, é preciso
propor a necessidade de uma mudança radical do modelo de consumo, de
civilização e de vida.
——————-
A filosofia de Daniel Bensaïd não era um
exercício acadêmico, mas estava atravessada, de um lado a outro, pelo
fogo da indignação, um fogo que, segundo ele, não pode ser apagado nos
mornos da resignação consensual. Daí o seu desprezo pelo “homo resignatus”,
político ou intelectual que é reconhecido à distância por sua
impassibilidade batraquiana perante a ordem impiedosa das coisas. Para
além da modernidade e da pós-modernidade, nos resta, dizia Daniel, a
força irredutível da indignação, a incondicional recusa da injustiça,
que são o contrário exato do costume e da resignação. “A indignação é um
começo. Uma maneira de se erguer e de se colocar em movimento.
Primeiro a gente se indigna, se insurge e depois vê”.
Seu hino poético-filosófico à glória da
resistência – esta “paixão messiânica de um mundo justo que não aceita
sacrificar o “cintilar do possível diante da terna fatalidade do real” –
se inspira ao mesmo tempo na paciência do marrano e na impaciência
messiânica de Franz Rosenzweig e Walter Benjamin. É também inspirado na
profecia do Antigo Testamento, que não se propõe predizer, como a
adivinhação antiga o futuro, mas, ao contrário, soar o alerta da
catástrofe possível. O profeta bíblico, como já o havia sugerido Max
Weber em seu trabalho sobre o judaísmo antigo, não procede com ritos
mágicos, mas convida a agir. Contrariamente ao esperar e ver
apocalíptico e aos oráculos de um destino inexorável, a profecia é uma
antecipação condicional, significada pelo oulai (“se”)
hebraico. Ela busca desviar a trajetória catastrófica, conjurar o pior,
manter aberto o feixe dos possíveis, logo ela é um apelo estratégico à
ação. Segundo Daniel, há profecia em toda grande aventura humana,
amorosa, estética ou revolucionária.
—————
Entre todas as “heresias” de Daniel
Bensaïd, quer dizer, suas contribuições para a renovação do marxismo, a
mais importante, a meus olhos, é a sua ruptura radical com o
cientificismo, o positivismo e o determinismo que se impregnaram tão
profundamente no marxismo “ortodoxo”, principalmente na França.
Um de seus últimos escritos foi uma
longa introdução aos escritos de Marx sobre a Comuna – uma brilhante e
enérgica defesa e ilustração do político enquanto pensamento
estratégico revolucionário. A doutrina oficial pretende que não há
pensamento político em Marx, já que a sua teoria se resume ao
determinismo econômico. Ora, a leitura de seus escritos políticos,
principalmente a sequência Lutas de classe na França, O 18 de brumário de Luís Bonaparte e A guerra civil na França (os
dois últimos publicado no Brasil pela Boitempo em 2011) mostra, muito
pelo contrário, uma leitura estratégica dos acontecimentos, levando em
consideração a temporalidade própria do político, os antípodas do tempo
mecânico do relógio e do calendário. O tempo não-linear e sincopado
das revoluções no qual se cavalgam as tarefas do passado, do presente e
do futuro é sempre aberto à contingência. A interpretação de Marx por
DB é, certamente, influenciada por Walter Benjamin e pelas polêmicas
antipositivistas de Blanqui, dois pensadores revolucionários aos quais
ele rende uma homenagem apoiada.
Auguste Blanqui é uma referência
importante nesta abordagem crítica. No artigo de 2006, mencionado mais
acima, ele lembra a polêmica de Blanqui contra o positivismo, esse
pensamento de progresso em boa ordem, de progresso sem revolução, esta
“doutrina execrável do fatalismo histórico” erigida na religião. Contra a
ditadura do fato consumado, acrescentava Bensaïd, Blanqui proclamava
que o capítulo das bifurcações ficava aberto à esperança. Contra “a
mania do progresso e do desenvolvimento contínuo”, a irrupção eventual
do possível no real se chamava revolução. A política que prevalece sobre
a história. E propunha as condições de uma temporalidade estratégica e
não mais mecânica, “homogênea e vazia”. Logo, para Blanqui, “a
engrenagem das coisas humanas não é fatal como a do universo, ela é
modificável em cada minuto”. Daniel Bensaïd comparava esta fórmula com
ade Walter Benjamin: cada segundo é a porta estreita por onde pode
surgir o Messias, quer dizer, a revolução, esta irrupção eventual do
possível no real.
Sua releitura de Marx, à luz de Blanqui,
de Walter Benjamine de Charles Péguy, o conduz a conceber a história
como uma série de ramificações e bifurcações, um campo de possíveis onde
a luta de classes ocupa um lugar decisivo, mas cujo resultado é
“imprevisível”. Em Le pari mélancolique [A aposta melancólica]
(Fayard, 1997), talvez seu mais belo livro, o mais “inspirado”, ele
retoma uma fórmula de Pascal para afirmar que a ação emancipadora é “um
trabalho para o incerto”, implicando numa aposta no futuro: uma
esperança que não é demonstrável cientificamente, mas sobre a qual
envolve-se a existência por inteiro. Redescobrindo a interpretação
marxista de Pascal de Lucien Goldmann, ele define o envolvimento
político como uma aposta pensada sobre o devir histórico, “com o risco
de perder tudo ou de se perder”. A aposta é inelutável, num sentido ou
no outro: como escrevia Pascal, “embarcamos”. Na religião do deus oculto
(Pascal) como na política revolucionária (Marx), a obrigação da aposta
define a condição trágica do homem moderno.
A revolução deixa, portanto, de ser o
produto necessário das leis da história, ou das contradições econômicas
do capital para se transformar numa hipótese estratégica, um horizonte
ético, “sem o qual a vontade renuncia, o espírito da resistência
capitula, a fidelidade falha, a tradição se perde”. A ideia de revolução
se opõe à sequência mecânica de uma temporalidade implacável.
Refratária à conduta causal dos fatos ordinários, ela é interrupção.
Momento mágico, a revolução leva ao enigma da emancipação em ruptura com
o tempo linear do progresso, esta ideologia da caixa de poupança tão
violentamente denunciada por Péguy, onde a cada minuto, a cada hora que
passa supõe-se trazer algum crescimento à sua pequena poupança através
de aumentos nos juros.
Em consequência, como ele explica em Fragments mécréants
[Fragmentos canalhas] (Lignes, 2005), o homem revolucionário é o da
dúvida em oposição ao homem de fé, um indivíduo que aposta nas
incertezas do século, e que põe uma energia absoluta a serviço de
certezas relativas. Logo, alguém que tenta, incansavelmente, praticar
esse imperativo exigido por Walter Benjamin em seu último escrito, as
Teses “Sobre o conceito de história” (1940): escovar a história a
contrapelo.
—————
Daniel fará falta. Já o faz, cruelmente.
Mas pensamos que ele gostaria que nos lembrássemos da famosa mensagem
de Joe Hill, o I.W.W., o poeta e músico do sindicalismo revolucionário
norte-americano, a seus camaradas, às vésperas de ser fuzilado pelas
autoridades (sob falsas acusações) em 1915: “Don’t mourn, organize!”.
Não lamentem, organizem (a luta)!
(escrito quando do falecimento de Daniel Bensaïd, em 2010). Traduzido do francês por Leonardo Gonçalves e publicado no blog da Boitempo.
***
Daniel Bensaïd (1946-2010),
filósofo e dirigente da Liga Comunista Revolucionária, foi um dos
militantes mais destacados dos movimentos de Maio de 1968. Foi professor
de Filosofia da Universidade de Paris VIII. Autor de muitas obras,
tem, entre as publicadas em português, Os irredutíveis (Boitempo, 2008), Marx, o intempestivo (1999) e, em co-autoria com Michael Löwy, Marxismo, modernidade e utopia (2000).
***
Michael Löwy,
sociólogo, é nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na
Universidade de São Paulo, e vive em Paris desde 1969. Diretor emérito
de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS).
Homenageado, em 1994, com a medalha de prata do CNRS em Ciências
Sociais, é autor de Walter Benjamin: aviso de incêndio (Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann ou a dialética da totalidade (Boitempo, 2009) e organizador de Revoluções (2009), dentre outras publicações. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
A heresia comunista de Daniel Bensaïd
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Militares ameaçam jovens que protestaram contra comemoração do golpe de 1964
Samir Oliveira no SUL21
Cinco jovens do Rio de Janeiro que protestaram contra a comemoração
do golpe de 1964 feita por militares da reserva no dia 29 de março estão
sendo ameaçados e tendo suas vidas expostas. O site A Verdade Sufocada, mantido pelo coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante
Ustra, publicou fotos com o nome de cinco manifestantes e os locais
onde eles trabalham. A ira da caserna recaiu com mais força sobre Luiz
Felipe Garcez, que foi flagrado numa fotografia cuspindo no
coronel-aviador Juarez Gomes enquanto ele deixava o Clube Militar no Rio
de Janeiro.
O site de Ustra, ex-comandante do DOI-CODI de São Paulo e torturador
reconhecido pela Justiça, informa o e-mail e os perfis no Twitter e no
Facebook de Luiz Felipe. Os dados se espalharam por sites e blogs
mantidos por militares, que estão postando diversas ameaças aos cinco
jovens pela internet.
No blog
do coronel da reserva Lício Maciel – que participou da repressão à
Guerrilha do Araguaia – há um vídeo de 3 minutos, que já foi retirado do
YouTube, com o título de “maloqueiros alucinados”, em referência aos
manifestantes. Os jovens são tratados o tempo inteiro como criminosos e
agressores de idosos e os militares fazem questão de expor informações
sobre eles.
No post que exibe o vídeo, o comentário de um sujeito identificado
como Eduardo Cruz demonstra que a vida desses cinco jovens –
especialmente a de Luiz Felipe – foi investigada. “Após um levantamento
preliminar, obtive algumas informações importantes sobre o covarde que
agrediu aquele senhor idoso no dia 29. O nome completo do meliante é
Luiz Felipe Monteiro Garcez, vulgarmente conhecido como Pato, estudante
do curso de Produção Cultural do IFRJ (Instituto Federal do Rio de
Janeiro) desde 2010. Tem 25 anos de idade, frequenta o Diretório
Estadual do PT no Rio de Janeiro e não trabalha”, escreveu o
comentarista, que fornece informações dos empregos que o jovem já teve.
Eduardo Cruz vai além em seu comentário no blog de Lício Maciel. Ele
dá informações sobre a família de Luiz Felipe e ainda faz juízo de valor
sobre sua criação. O comentarista cita o nome da “namoradinha” de Luiz
Felipe, informa que ele tem uma filha, publica o nome dos pais do jovem e
ainda comenta que eles “visivelmente falharam na educação do moleque”.
Eduardo Cruz finaliza o comentário dizendo que “por enquanto é isso” e
assegurando que irá prosseguir com a “averiguação” e que voltará “em
breve com informações sobre os outros agressores presentes naquele
episódio”.
Nesse mesmo post do blog do coronel Lício Maciel há um link para uma
pasta no site de compartilhamentos 4Shared com informações sobre a vida
de Luiz Felipe Garcez. São exibidas fotos dele, de sua mulher e até de sua filha. Uma das imagens mostra o jovem com a filha recém-nascida no colo, com as devidas identificações.
“Não podemos nos permitir ter medo”, diz jovem ameaçado
Em conversa por telefone com o Sul21, Luiz Felipe
Garcez conta que já recebeu mais de 150 ameaças por Facebook e por
e-mail. Ele assegura que o vídeo feito com informações sobre sua vida,
de seus amigos e de sua família – que chegou a ter mais de 11 mil
acessos até ser retirado do ar – foi produzido por um jovem “infiltrado”
no protesto do dia 29 de março e diz que vai entrar
com processos judiciais contra as pessoas que estão expondo sua vida.
“Estamos tomando medidas preventivas, documentando as ameaças e vamos
entrar com um processo por incitação ao ódio. Não podemos ter medo,
senão vão entender que esse tipo de intimidação funciona”, comenta.
Ele acredita que os ataques venham de grupos organizados de extrema
direita – com a presença ou não de militares. “São grupos organizados
politicamente que podem ter militares da ativa. Mas não é a instituição
Exército que está nos atacando, são fascistas que se organizam
internamente”, explica.
Luiz Felipe garante que continuará denunciando os abusos e não se
intimidará com as ameaças. “Sabemos que é isso que eles fazem, não
podemos esperar nenhum tipo de reação diferente. São filhotes de uma
ditadura que matou, perseguiu e torturou, ainda tem muita gente que
acredita nisso. Muitos dos que eles mataram deram a vida para que
pudéssemos estar hoje protestando. Não podemos nos permitir ter medo”,
defende.
Outro manifestante exposto por Ustra, Rodrigo Mondego, também conversou por telefone com o Sul21
e disse que também vem sofrendo ameaças. “Se identificam como militares
e nos ameaçam de morte. Entramos em contato com o ouvidor da Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República, com a Defensoria
Pública do Rio de Janeiro, com a OAB-RJ e vamos conversar também com
Ministério Público Federal”, avisa.
Rodrigo explica que o principal objetivo é retirar a exposição de
seus dados e dos seus amigos dos sites dos militares. “Podemos ver que
vários blogs de militares nos citam, basta colocar nossos nomes no
Google”, lamenta.
Ele acredita que há policiais da PM do Rio de Janeiro atuando para
ajudar na apuração de informações sobre sua vida e a dos outros jovens
expostos. E lembra que havia diversos agentes disfarçados da P2 – o
setor de investigações da Polícia Militar carioca – durante a
manifestação contra a comemoração do golpe no dia 29 de março. “Eles são
organizados e muita gente simpatiza com a lógica da ditadura. As
ameaças são virtuais, mas vindo de onde estão vindo, tememos que se
transformem em realidade”, considera.
Rodrigo diz que está tomando precauções quanto à sua segurança e
admite que as ameaças afetam o seu cotidiano. “A tortura psicológica
está funcionando”, desabafa.
Dentre as centenas de pessoas que participaram do protesto no dia 29
de março, apenas cinco jovens foram expostos por Ustra. Rodrigo Mondego
acredita que foram escolhidos por estarem envolvidos na organização do
ato, além de serem todos amigos de Luiz Felipe Garcez. Além disso, todos
militam na juventude do PT do Rio de Janeiro.
Resistência civil, a nova estratégia palestina
Escrito por Luiz Eça no CORREIO DA CIDADANIA |
Do fundo de sua cela numa prisão israelense, onde cumpre pena de
prisão perpétua, Marwan Barghouti apresentou a nova estratégia dos
movimentos palestinos. Depois de afirmar que o processo de paz estava
morto, ele conclamou seu povo à resistência civil.
A estratégia militar, através de atentados e lançamento de mísseis
contra o território israelense, também fracassara. E não só pela imensa
superioridade militar israelense, mas também por repercutir mal na
opinião pública externa.
Os atentados, sempre divulgados com o maior destaque pela imprensa
internacional, abalavam a imagem pública dos movimentos de libertação. E
os duelos entre os mísseis lançados de Gaza e a aviação israelense não
só resultavam em perdas muito maiores para os palestinos como também,
ainda pela ação da imprensa, pareciam ter sido provocados por eles.
O processo de paz, através de negociações com Israel, sob patrocínio
dos EUA e da Europa Unida, já tinha se mostrado incapaz de chegar à
parte alguma, depois de 19 anos inúteis.
Como diz o ditado inglês, “it takes two to tango” (é preciso dois
para dançar o tango), ficou mais do que claro que os líderes de Israel,
especialmente o atual, Bibi Netanyahu, não estavam nem um pouco
interessados numa paz justa com os árabes. Seu objetivo, especialmente
agora, nunca foi atender aos desejos dos árabes palestinos.
Se os governos israelenses anteriores ainda faziam concessões, embora
insuficientes, o atual não faz nenhuma. A política de Netanyahu sempre
foi adiar ao máximo o início das negociações, ganhando tempo para
aumentar constantemente o número de assentamentos na Margem Oeste e em
Jerusalém, tornando sua ocupação um fait accompli.
Com isso vai ficando cada vez mais difícil a formação de um Estado palestino independente. Até tornar-se inviável.
As esperanças depositadas em Obama após o “histórico” discurso do
Cairo, no qual defendeu a independência da Palestina, já foram
desfeitas.
Se ainda restavam algumas, sumiram de vez diante do discurso do
presidente dos EUA na reunião da AIPAC (maior lobby judeu-americano).
Nessa ocasião, ele declarou que fizera de tudo em defesa de Israel. E
citou muitas medidas nesse sentido, a maioria delas contrárias às leis
internacionais e aos justos interesses palestinos.
Mais ultimamente, o governo Obama mostrou sua total parcialidade, que
o incapacita a ser um árbitro no conflito da Palestina: foi o único
voto contrário à criação de uma comissão de investigação dos problemas
dos assentamentos, aprovada por 36 votos na Comissão de Direitos Humanos
da ONU.
Fato chocante, pois Obama passou todo o seu primeiro ano de governo
pedindo que Israel interrompesse a fundação de novos assentamentos para
permitir o início das negociações.
Sem ter força militar capaz de enfrentar Israel, sem o interesse
israelense numa Palestina independente, sem o apoio de Obama para
garantir as negociações de paz, a resistência civil era mesmo a única
saída que restava.
Em mensagem escrita, enviada através de um portador, Barghouti
declarou: “Parem de fazer marketing com a ilusão de que há alguma
possibilidade de terminarmos a ocupação e conseguirmos um Estado livre
através de negociações, quando isso falhou miseravelmente”.
E apontou sua solução: “O lançamento da resistência popular em larga
escala neste estágio é o que interessa à causa do nosso povo.”
Barghouti faz um apelo à não-violência, deixando claro que a
resistência civil é mais do que isso. Consiste em usar todos os meios
possíveis para protestar e denunciar a violência da ocupação e cortar
toda a cooperação com os israelenses em segurança e assuntos econômicos.
A investigação a ser feita pela ONU, através de enviados da Comissão
de Direitos Humanos, permitirá que se revele ao mundo as barbaridades
sofridas pelo povo da Palestina, sob a ocupação israelense. E, o que é
muito importante, terá sua veracidade comprovada por uma entidade
respeitada internacionalmente.
Por isso mesmo, Netanyahu, ajudado pelos prestimosos amigos
estadunidenses, está acusando de faccioso o setor de Direitos Humanos da
ONU. Seu argumento principal é que das 91 decisões de investigação, 39
foram sobre Israel. O que na verdade depõe contra seu país. Se é alvo de
tantas comissões de investigação é porque nele se praticam as maiores
violências contra os direitos humanos.
Bargouthi tem grande prestígio junto aos palestinos de todas as facções. Acredita-se que suas propostas serão aceitas.
Muitos líderes do Hamas e do Fatah querem que ele suceda a Abbas na
presidência da Autoridade Palestina. No entanto, a resistência civil
poderá implicar no fim da Autoridade Palestina, já que faz parte de suas
funções colaborar com o governo israelense.
Com isso, os EUA e a Europa Unida serão também responsabilizados pelo fracasso das negociações de paz.
Vale lembrar que Tony Blair foi escolhido como enviado especial desse
conjunto de nações para promover as negociações entre as partes. Pelo
nenhum resultado dessa missão, faz-se pesar que ele se limitou a fazer
turismo.
Muita coisa pode acontecer agora. Bargouthi poderá não ser obedecido.
O Hamas continuará em pé de guerra e o Fatah fazendo de conta que
acredita nas negociações com Israel.
Até mesmo Barghouti poderá ser anistiado pelos israelenses, por ser
pragmático e aceitar o Estado de Israel, embora nos limites de 1967, com
uma Palestina independente tendo soberania sobre Jerusalém Oriental.
Não será por Netanyahu, é claro, mas por seu sucessor, que nunca poderá
ser tão duro quanto ele.
Adotando o caminho da resistência civil, a renúncia dos palestinos ao
processo de paz implicará provavelmente no fim da Autoridade Palestina,
que foi criada em função desse processo.
Livre ou preso, Barghouti é uma voz que os palestinos ouvem. É de se
acreditar que sua estratégia será posta em prática. Mas não se pode
pensar em resultados a curto prazo.
A resistência civil vai atrair uma repressão ainda mais violenta de
Israel. Que tornará cada vez mais negativa sua imagem internacional e
mais urgente uma solução. Serão necessários muitos anos. Muito tempo
para as pessoas da Europa se emocionarem o bastante e se associar aos
palestinos nos protestos. E mais tempo ainda para os estadunidenses e os
israelenses sentirem e agirem igual.
Bargouthi acredita que só quando isso acontecer haverá pressão
externa e até interna para o governo de Israel aceitar uma Palestina
independente e viável.
Luiz Eça é jornalista.
Website: www.olharomundo.com.br
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Monólogos da Vagina
Os
Monólogos da Vagina foi criado e interpretado por Eve Ensler, que
debutou no off Broadway em 1996. Este controverso trabalho iniciou
rapidamente uma onda nacional de boas críticas e continuou a percorrer a
América do Norte e todo o mundo.O show foi chamado "um fenômeno real e
verdadeiro" pelo The New York Times. "Um trabalho de arte com um texto
inteligente" disse o Variety. "Simplesmente espetacular. Nota ´A´" disse
a Entertainment Weekly. Agora, a intimidade do show original de Eve
Ensler foi magnificamente trazida para a tela. Os Monólogos da Vagina
captura a performance única de Eve Ensler e viaja para além dos palcos à
medida que ela
explora o ímpeto criativo por trás dos monólogos, e conduz uma série de
novas e reveladoras entrevistas tão inspiradoras como aquelas que
motivaram o trabalho original.
Até onde vai a insubordinação militar
ESTIGMA
Luís Fernando Veríssimo no CONTEXTOLIVRE
É difícil acreditar que não exista, entre os militares, uma corrente, ou
talvez até uma maioria, que reprova a atitude dos clubes de reformados
das Forças Armadas em relação à Comissão da Verdade e ao esclarecimento
final do que houve nos anos de rebeldia e repressão.
Dos clubes militares só se pode esperar bravatas vazias mas ignora-se
até que nível vai a mesma insubordinação entre os da ativa.
Entende-se a resistência a remexer lama antiga mas é impossível que se
continue a sonegar à Nação uma parte tão importante da sua história. E é
impossível que ainda confundam a preservação da honra da instituição
militar com o silêncio, e prefiram o estigma das acusações nunca
investigadas ao esclarecimento.
LEGADO
Dizem que o legado mais importante de qualquer presidente americano não
são suas obras, suas escolhas econômicas ou sua herança política, são
suas nomeações de juízes para a Suprema Corte.
Os juízes supremos, com suas decisões e interpretações da lei, são os
que determinam os rumos do país, seja quem for o presidente — que é
apenas temporário, enquanto eles costumam ser longevos. A Suprema Corte
americana (muito mais marcadamente do que a nossa, onde há algumas
figuras intermediárias) se divide em conservadores e liberais, e nos
últimos anos tem sido dominada pelos conservadores. Que, apesar da
antipatia declarada da maioria por uma Corte muito “ativista”, tem se
metido bastante em política.
Foi a atual Corte, com duas ou três exceções, que literalmente doou a
reeleição ao Bush, quando houve aquele problema da recontagem dos votos
para ele e para o Gore na Flórida e havia a ameaça de que a recontagem
favoreceria o Gore. A Corte mandou parar a recontagem.
Estes mesmos juízes, quase todos nomeados por republicanos, estavam
infernizando a vida do Obama, que tenta criar um programa de saúde publica que só os Estados Unidos não têm, entre as potências industriais do mundo, e que os juízes retalharam.
CAÇA-NIQUEIS
A mesma Suprema Corte americana decidiu eliminar qualquer limite ao que
empresas e corporações podem doar aos candidatos a cargos públicos em
campanha. Antes, claro, já davam muito dinheiro escondido, ou você pensa
que a Caixa 2 foi inventada no Brasil?
Agora podem dar às claras, e o quanto quiserem. E os candidatos prometerem o melhor governo que o dinheiro pode comprar.
No Brasil deveríamos fazer o mesmo, uma espécie de leilão em que o
candidato se ofereceria abertamente ao maior patrocinador com o
compromisso de defender seus interesses no governo ou no Congresso. O
que nos pouparia de espetáculos melancólicos como o do Demóstenes —
claramente uma vítima do sistema atual de financiamento de campanhas —
negociando apoio clandestino com o rei dos caça-níqueis.
quarta-feira, 4 de abril de 2012
As eleições na França
Entusiasmo provocado por Jean-Luc Mélenchon deu uma nova esperança às classes trabalhadoras, aos militantes veteranos e a milhares de jovens indignados
Por Ignacio RamonetPublicado por Esquerda.net. Foto de R. Blang, retirado do blogue de Jean-Luc-Melenchon
Na França, a eleição presidencial é “a mãe de todas as votações” e o ponto incandescente do debate político. Ela
ocorre a cada cinco anos. É um sufrágio universal direto em dois
turnos. Em princípio, qualquer cidadão francês pode apresentar-se como
candidato no primeiro turno, que desta vez será no dia 22 de abril.
Deve, porém, cumprir uma série de requisitos. Entre eles, contar com o
apoio de 500 representantes eleitos de, pelo menos, 30 departamentos
distintos1.
Se nenhum candidato obtiver maioria absoluta (50% dos votos mais um),
um segundo turno será realizado duas semanas depois. Desde a inauguração
da Quinta República em 1958, houve sempre um segundo turno. Participam
dele somente os dois candidatos mais votados no primeiro turno. Ou seja,
será preciso esperar até ao dia 6 de maio para conhecer o resultado.
Neste período, toda a vida política do país gira em torno desse
acontecimento central.
No momento, ninguém pode considerar a disputa ganha. Segundo todas as
sondagens, a final será disputada entre dois candidatos: o atual
presidente conservador, Nicolas Sarkozy, e o líder socialista, François
Hollande. Mas restam ainda várias semanas de campanha e muita coisa pode
acontecer2. Além disso, cerca de um terço dos eleitores não decidiram ainda em quem votar.
Os debates desenvolvem-se num contexto marcado por dois fenômenos
principais: 1) a maior crise econômica e social que a França já conheceu
nas últimas décadas3; 2) uma crescente desconfiança sobre o funcionamento da democracia representativa.
A Constituição só autoriza dois mandatos consecutivos. O presidente
Sarkozy anunciou oficialmente, no dia 15 de fevereiro, a sua candidatura
à reeleição. Desde então, a poderosa máquina do seu partido, a União
por um Movimento Popular (UMP), foi colocada briosamente em
funcionamento e conseguiu que todos os demais candidatos de direita (com
exceção de Nicolas Dupont-Aignan) se retirassem da disputa, deixando
Sarkozy como único representante da corrente conservadora4.
A batalha, porém, não será fácil. Todas as sondagens apontam Sarkozy
como derrotado no segundo turno pelo candidato socialista François
Hollande.
Sarkozy tornou-se muito impopular. No exterior, muitas pessoas não
aceitam isso, unicamente porque privilegiam a sua imagem de líder
internacional enérgico, dirigindo, juntamente com Angela Merkel, as
cúpulas europeias ou as reuniões do G-20. Além disso, em 2011, ele
assumiu também uma postura de chefe militar e conseguiu ganhar duas
guerras, na Costa do Marfim e na Líbia
Por outro lado, no terreno do “glamour”, o seu casamento com a
célebre ex-modelo Carla Bruni, com quem acaba de ter uma filha,
contribuiu para fazer dele um ator permanente da imprensa de
celebridades. Daí a perplexidade de parte da opinião pública estrangeira
ante a sua eventual derrota eleitoral.
Mas é preciso levar em conta, em primeiro lugar, um princípio
político quase universal: não se ganham eleições graças a um bom balanço
de política externa, por melhor que ele seja. O exemplo histórico mais
conhecido é o de Winston Churchill, o “velho leão” britânico vencedor da
Segunda Guerra Mundial e derrotado nas eleições de 1945. Outro exemplo é
o de Richard Nixon, o presidente norte-americano que colocou um fim à
Guerra do Vietnã e reconheceu a China Popular, mas viu-se obrigado a
renunciar para não ser substituído. É preciso considerar também que
outra lei parece ter-se estabelecido na Europa nestes últimos anos no
contexto da crise financeira: nenhum governo que disputou a reeleição
saiu vencedor.
Em segundo lugar, está o balanço do seu mandato, que é execrável.
Além dos numerosos escândalos em que esteve envolvido, Sarkozy foi o
“presidente dos ricos” a quem brindou com regalias fiscais inéditas,
enquanto sacrificava as classes médias e desmantelava o Estado de bem
estar. Essa atitude alimentou críticas de todos os cidadãos que, pouco a
pouco, foram sendo engolidos pelas dificuldades: perda de emprego,
redução do número de funcionários, ampliação da idade de reforma,
aumento do custo de vida. Não cumpriu as suas promessas e a deceção dos
franceses aumentou.
Sarkozy cometeu também gigantescos erros de comunicação. Já na noite
de sua eleição, em 2007, ele exibiu-se num célebre restaurante
parisiense na avenida Champs Elisées, festejando sem constrangimento na
companhia de um punhado de multimilionários. Aquela interminável farra
no Fouquet’s acabou por se tornar o símbolo da vulgaridade e ostentação
do seu mandato. Os franceses não se esqueceram dela e muitos dos seus
eleitores mais humildes jamais o perdoaram.
Com a sua hiperatividade, a sua vontade de estar presente em todas as
partes e de decidir tudo sozinho, Sarkozy esqueceu uma regra
fundamental da Quinta República: o presidente – que possui mais poder
que qualquer outro chefe de Executivo das grandes democracias mundiais –
deve saber ser reservado e dosar com prudência as suas intervenções
públicas. Deve ser o senhor da penumbra e não se queimar por excesso de
exposição. E foi o que acabou por acontecer. O excesso de visibilidade
acabou por desgastar a sua autoridade, convertendo-o numa caricatura de
si mesmo, a caricatura de um dirigente permanentemente empolgado,
impetuoso, excitado...
Nenhuma sondagem, até agora, aponta Sarkozy como vencedor destas
eleições. Mas ele é um guerreiro disposto a tudo. E também, às vezes, um
mentiroso sem escrúpulos, capaz de agir como um verdadeiro aventureiro.
Foi assim que, desde que se lançou na campanha no mês passado, com um
descaramento monumental não hesitou em apresentar-se - ele que foi o
“presidente dos ricos” – como o “candidato do povo”, esgrimindo
argumentos próximos da xenofobia para roubar votos à extrema-direita. O
movimento teve eficácia eleitoral. Imediatamente as sondagens de
intenção de voto disseram que ele ganhou vários pontos conseguindo
ultrapassar o candidato socialista no primeiro turno.
François Hollande é, no momento, o favorito, segundo as sondagens.
Todas, sem exceção o apontam como vencedor no próximo dia 6 de maio.
Pouco conhecido no exterior, Hollande é considerado pelos seus próprios
eleitores como um “burocrata” por ter sido durante mais de onze anos
(1997-2008) o primeiro secretário do Partido Socialista5.
Contrariamente à sua ex-companheira Segolène Royal, nunca foi ministro.
E a sua indicação como candidato dos socialistas não foi pacífica. Ele
só garantiu a nomeação após duríssimas eleições primárias no interior do
partido (nas quais, por razões fartamente conhecidas6, Dominique Strauss-Kahn, o preferido dos eleitores socialistas, não pode competir).
François Hollande é um social-liberal de centro, conhecido pelas suas
habilidades como negociador e a sua dificuldade em tomar decisões. Ele é
reprovado por ser demasiadamente tímido e manter-se permanentemente em
situações confusas. O seu programa econômico não se distingue
nitidamente, nas questões de fundo, do programa dos conservadores. Após
ter afirmado num discurso eleitoral que “o inimigo principal” era o
setor financeiro, ele apressou-se a ir a Londres para tranquilizar os
mercados lembrando-lhes que ninguém privatizou e liberalizou mais que os
socialistas franceses7.
No que diz respeito ao euro, à dívida soberana e aos déficits
orçamentais, Hollande – que afirma agora querer renegociar o Pacto
Fiscal8 –
segue a mesma linha de outros dirigentes social-democratas, como Yorgos
Papandreou (Grécia), José Sócrates (Portugal) e José Luis Zapatero
(Espanha), que depois de terem renegado seus princípios e aceitado a
forca de Bruxelas, foram eleitoralmente expulsos do poder.
A flacidez política de François Hollande aparece ainda mais flagrante
quando comparado com o candidato da Frente de Esquerda, Jean-Luc
Mélenchon. Com 14% das intenções de voto, ele é a grande revelação
destas eleições. Os seus comícios são os que reúnem o maior número de
pessoas e os seus discursos,
verdadeiros modelos de educação popular, são os que despertam maior
entusiasmo. No dia 18 de março, aniversário da revolução da Comuna de
Paris, conseguiu mobilizar cerca de 120 mil pessoas na Praça da
Bastilha, algo jamais visto nos últimos cinquenta anos. Tudo isso
deveria favorecer uma guinada à esquerda dos socialistas e de François
Hollande, ainda que as diferenças de propostas entre os dois sejam
abismais.
O programa de Jean-Luc Mélenchon, resumido num pequeno livro intitulado “L’Humain d’abord!” 9(O
humano em primeiro lugar!), que já vendeu centenas de milhares de
exemplares, propõe, entre outras medidas: repartir a riqueza e abolir a
insegurança social; retirar o poder dos bancos e dos mercados
financeiros; planificação ecológica; convocação de uma Assembleia
Constituinte para uma nova República; rompimento com o Tratado de Lisboa
e construção de outra Europa; iniciar a “desmundialização”.
O entusiasmo popular provocado por Jean-Luc Mélenchon dá uma nova
esperança às classes trabalhadoras, aos militantes veteranos e a
milhares de jovens indignados. É também uma resposta a uma democracia em
crise, na qual muitos cidadãos já não acreditam na política nem no
ritual das eleições.
Enquanto a extrema-direita diminui de tamanho e fracassa a tentativa
de revivê-la mediante a experimentação de Marine Le Pen, estas eleições
presidenciais francesas podem demonstrar que, numa Europa desorientada e
em crise, continua viva a esperança de construir um mundo melhor.
1 Esta exigência revelou-se insuperável para pelo menos dois pretendentes importantes: Dominique de Villepin, gaulista, ex-primeiro ministro, e Corinne Lepage, ecologista, ex-ministra, acabaram excluídos da competição.
2 Por
exemplo, o assassinato de três militares no sul da França e a odiosa
matança de crianças judias em Tolouse no dia 19 de março, cometidos por
um jovem jihadista relacionado com a Al Qaeda, impactaram com força a
campanha, dando naturalmente um protagonismo particular ao presidente
Nicolas Sarkozy.
3 Taxa de desemprego: 9,8%. Desemprego dos jovens com menos de 25 anos: 24%. Número total de desempregados: 4,5 milhões.
4 Retiraram-se
da disputa em favor de Sarkozy: Christine Boutin (Partido Democrata
Cristão), Hervé Morin (Novo Centro) e Frédéric Nihous (Caça, Pesca,
Natureza e Tradições). Pelo mesmo motivo, o centrista Jean-Louis Borloo
não apresentou a sua candidatura. E a eliminação de Dominique de
Villepin e de Corinne Lepage terá também como consequência a migração do
apoio da maioria de seus eleitores para a candidatura de Sarkozy.
6 Sobre esse tema ler: “Uma izquierda descarriada”,de Ignacio Ramonet, Le Monde Diplomatique em espanhol, junho de 2011.
6 Sobre esse tema ler: “Uma izquierda descarriada”,de Ignacio Ramonet, Le Monde Diplomatique em espanhol, junho de 2011.
7 The Guardian, Londres, 14 de fevereiro de 2012.
8 Sobre esse tema ler: “Nuevos protectorados”, de Ignacio Ramonet, Le Monde Diplomatique em espanhol, março de 2012.
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revolucionários,
socialismo
Rogers Waters defende Palestina e sofre críticas de sionistas brasileiros
Da Redação do SUL21
A passagem pelo Brasil de Roger Waters, um dos fundadores do extinto
grupo de rock progressivo Pink Floyd e ativista da causa palestina,
enfureceu representantes do pensamento sionista, que defende um Estado
judaico independente e soberano. Em entrevista coletiva realizada no Rio
de Janeiro, Waters defendeu os palestinos, criticou o governo
israelense e declarou apoio à campanha BDS, que boicota produtos
fabricados em Israel. Também divulgou o Fórum Social Palestina Livre,
encontro internacional a ser realizado em Porto Alegre de 28 de novembro
a 1º de dezembro de 2012.
As declarações desagradaram a Federação Israelita do Rio de Janeiro
(FIERJ). Segundo nota, o advogado da FIERJ, Ricardo Brajterman, tentou
impedir na Justiça que Roger Walters voltasse a fazer “declarações
antissionistas” nos shows que seriam realizados no Brasil.
Em resposta, várias organizações críticas a Israel pela violação dos
direitos humanos dos palestinos, como o Comitê de Solidariedade e Apoio
ao Povo Palestino do Rio de Janeiro, a Frente em Defesa do Povo
Palestino e a Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) divulgaram
notas públicas de apoio às declarações de Roger e de repúdio à atitude
da FIERJ.
Trechos das notas em repúdio a posição da FIERJ
“Israel ocupa territórios palestinos em
desacordo com todas as leis internacionais, ergueu o muro do apartheid e
da colonização, que foi declarado ilegal pelo Tribunal Internacional
[de Justiça]. Constrói assentamentos na Cisjordânia, território
palestino ocupado por Israel, em desacordo com todas as resoluções
internacionais. Cerca e bombardeia a Faixa de Gaza, onde 1,5 milhão de
palestinos estão sujeitos a sobreviver abaixo das mínimas condições de
alimentação, educação e saúde.
Israel não respeita e não cumpre as resoluções da ONU e do direito
internacional, em total isolamento com a [sic] comunidade
internacional. O governo de Israel faz tudo isso em nome do sionismo e
quer impedir as pessoas de criticar essas ilegalidades e ações desumanas
e opressoras?”, escreveram os ativistas da Fepal.
“Repudiamos toda tentativa de intimidação
e censura à liberdade de expressão por parte dessa [FIERJ] ou de
qualquer outra organização. Tal atitude – inconstitucional, nos moldes
da ditadura militar que vigorou no Brasil dos anos 1960 aos anos 1980 –,
não tem mais espaço no Brasil”, afirmaram o Comitê de Solidariedade e
Apoio ao Povo Palestino e a Frente em Defesa do Povo Palestino, dando
todo o apoio e solidariedade a Roger Waters.
“Repudiamos veementemente a atitude e as
ameaças da FIERJ e reafirmamos nosso apoio a Roger Waters, à liberdade
de expressão e aos valores democráticos. Aproveitamos para agradecer
Roger Walters por não silenciar diante da injustiça e por emprestar sua imagem e sua voz para essa nobre causa da humanidade.”
Leia a carta que Roger Waters divulgou no Brasil sobre a sua militância pró-palestina
Desde minha visita a Israel e aos
territórios ocupados, em 2006, eu faço parte de um movimento
internacional para apoiar o povo palestino em sua luta por liberdade,
justiça e igualdade.
Sinto-me honrado por ter sido convidado
pelo Comitê Nacional Palestino BDS para anunciar a iniciativa da
realização do Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre,
Brasil, em novembro deste ano, em cooperação com o movimento social
brasileiro e redes internacionais da sociedade civil.
O objetivo será a criação de um encontro internacional que irá incentivar o instinto humano básico em todos os homens e mulheres
de boa fé para se unirem em apoio ao povo palestino em sua luta por
autodeterminação. Em todo o mundo, nosso movimento está crescendo.
Incentivado por eventos como o que acontecerá aqui no Brasil, a nossa voz vai crescer.
Continuaremos o nosso apelo pelo fim da
ocupação israelense de terras palestinas, pela derrubada dos muros de
colonização e de apartheid, pela criação de um Estado palestino com sua
capital em Jerusalém, pela concessão de direitos plenos e iguais aos
cidadãos árabe-palestinos de Israel e pelo direito dos refugiados
palestinos de voltar para suas casas, conforme exigido pela Convenção de
Genebra, como estipulado na resolução 194 da ONU de 1949 e também
reafirmado pelo Tribunal Internacional de Justiça em 9 de julho de 2004.
Estou muito encorajado pelo crescimento
desse movimento em Israel, especialmente entre os jovens judeus
israelenses, e também pelo não menos importante “Boicote de Dentro”, com
quem estou em contato.
Nós estamos com vocês.
Eventos em Israel e nos territórios
ocupados não são amplamente relatados nem com precisão no Ocidente. Em
novembro próximo, o Fórum Social Mundial Palestina Livre, em Porto
Alegre, vai ajudar a quebrar os muros de desinformação e cumplicidade.
Conclamo as pessoas de consciência para
que apoiem este fórum e ajudem a torná-lo um divisor de águas na
solidariedade internacional ao povo palestino.
A verdade nos libertará.
Em solidariedade,
Roger Waters.
Com informações do Brasil de Fato
''No enfrentamento cotidiano ao capital que o campesinato se constrói como classe''
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terça-feira, 3 de abril de 2012
Europa: até a prostituição em crise
Empobrecimento no Leste multiplica casos de tráfico de mulheres, levando violência até a países onde profissão foi regulamentada, como Holanda
Por Antonio Barbosa Filho*, de Amsterdã para o PASSA PALAVRAS
Em pelo menos nove países da Europa a prostituição é legalizada, e as profissionais do sexo têm direitos trabalhistas, tratamento
médico preventivo e proteção contra a exploração por gigolôs. Nem
sempre tudo que está nas leis é obedecido, mas o fato é que em países
como a Holanda a criminalidade que cerca a prostituição em outras partes
do mundo é bastante reduzida.
A relativa tranquilidade do chamado Red Light District
(Bairro da Luz Vermelha), onde encontram-se dezenas de bordéis e
centenas das famosas vitrinas onde as prostitutas se exibem e tentam
atrair seus clientes, está sendo abalada nos últimos dois anos pela
crise econômica que atinge a Europa. Segundo as autoridades, aumenta a
presença do crime organizado no tráfico de mulheres que buscam fugir dos
países mais pobres (especialmente os da antiga União Soviética, como
Moldova, Ucrânia, Belorússia, Romênia, Bulgária, República Tcheca e
outros). Trazidas para os países mais adiantados, como a Holanda,
Alemanha, Bélgica, Inglaterra e França, além da Escandinávia, muitas
delas são escravizadas através de dívidas que são obrigadas a assumir,
ou da violência pura e simples. Muitas vezes, elas passam antes por um
“estágio” em países intermediários como a Macedônia (parte da antiga
Iugoslávia), onde sofrem torturas e humilhações para ficarem “dóceis”
aos seus “donos”.
É impossível verificar os números envolvidos no tráfico de mulheres e
nas redes de prostituição, mas a polícia calcula que entre 200 mil e
400 mil mulheres e garotas sejam retiradas anualmente dos países do
Leste, e pelo menos a metade delas acaba sendo prostituída no Oeste – um
quarto iria para os Estados Unidos. Organizações de direitos humanos e
combate à escravidão lutam para que as polícias dos vários países ajam,
mas a corrupção neste setor é grande. O chefe de polícia encarregado de
combater este crime em Velesta, na Moldova, Vitalie Curarari, por
exemplo, chega a culpar as próprias mulheres: “Cinquenta por cento de
nossas mulheres vão para o estrangeiro procurar outros homens e depois
voltam apenas para se divorciarem de seus maridos”… Ele também culpa a
imprensa por fazer “sensacionalismo” ao denunciar as máfias do tráfico
humano e as crueldades praticadas contra mulheres prostituídas.
A situação econômica influencia na prostituição de várias maneiras.
Em primeiro lugar, força mulheres dos países pobres a aceitarem convites ou atenderem a anúncios oferecendo empregos
em países distantes. Há casos, por exemplo, de jovens que pensavam
estar embarcando para um emprego de garçonete na Itália, mas depois de
entregarem seus passaportes ao “agente de empregos” foram embarcadas
para outros países, presas nos fundos de prostíbulos, espancadas e
obrigadas a praticarem serviços sexuais sob ameaça e em troca de comida.
Também muitas jovens estudantes nas principais cidades de toda a
Europa, diante dos elevados preços das escolas (os governos cortam
gastos com Educação como parte de seus “ajustes fiscais e
orçamentários”), dos aluguéis e demais despesas, acabam recorrendo à
prostituição através de agências de acompanhantes. Este trabalho lhes
permite horários flexíveis, boa remuneração, e visitas a hotéis e
restaurantes que uma estudantes jamais poderia frequentar.
Já no Bairro da Luz Vermelha, em Amsterdã, as prostitutas reclamam
que o volume de clientes tem diminuído, e que eles passaram a pechinchar
muito mais pelos serviços. Fora desta área organizada e mais protegida,
há muitas mulheres se prostituindo por valores mínimos, como no Theemsweg,
uma área do tamanho de um campo de futebol, onde a Prefeitura instalou
vários pontos de ônibus. As mulheres se abrigam neles, e os carros as
apanham para uma relação rápida, dentro dos automóveis mesmo. Um
policial nos informa que ali 70% das mulheres estão no país ilegalmente,
e a maioria veio dos países do Leste europeu.
Tudo isso vem preocupando as autoridades holandesas, que legalizaram a
prostituição no ano 2000 para evitar a superexploração, a prostituição
de menores, a violência dos gigolôs, e a disseminação das drogas neste
meio. A legalização funcionou razoavelmente por vários anos, mas nada
fica imune diante da grave crise do capitalismo que atinge profissionais
de todas as áreas – inclusive as que comercializam o sexo.
* Antonio Barbosa Filho é jornalista e escritor, autor de A Bolívia de Evo Morales e A Imprensa x Lula – golpe ou sangramento? (All Print Editora). Em viagem pela Europa, acompanha as consequências da crise financeira pós-2008 e da onda corte de direitos sociais (‘políticas de austeridade’) iniciada em 2010
Uma crise estrutural exige uma mudança estrutural
por István Mészáros
[*]
Quando se afirma a necessidade de uma mudança estrutural radical
é necessário que fique desde logo claro que não se trata
de um apelo a uma utopia irrealizável. Bem pelo contrário, a
característica essencial das teorias utopistas modernas é
precisamente a projecção de que o melhoramento das
condições de vida dos trabalhadores pode ser alcançado no
quadro estrutural existente nas sociedades criticadas. Foi neste
espírito que Robert Owen de New Lanark, que mantinha uma parceria
insustentável com o filósofo utilitarista liberal Jeremy Bentham,
tentou realizar as suas reformas sociais e pedagógicas. Ele exigia o
impossível.
Como sabemos, o sonante princípio moral utilitarista do
"maior bem para o maior número"
não teve, desde que Bentham o advogou, nenhuma
tradução real. O problema é que, sem uma correcta
compreensão da natureza económica e social da crise do nosso
tempo – que hoje já não pode ser negada nem sequer pelos
defensores da ordem capitalista, mesmo que estes continuem a rejeitar a
necessidade de uma mudança estrutural – as hipóteses de
chegar a bom porto ficam seriamente comprometidas. O deperecimento do
"Estado Social", mesmo nos poucos países privilegiados onde
chegou realmente a ser implementado, apresenta-se como uma grande
lição neste domínio.
Permitam-me começar por citar um artigo recente dos editores de The Financial Times, jornal diário de referência da burguesia internacional.
Ao abordar os perigos das crises financeiras – reconhecidas agora até pelos seu editores como perigosas – terminam o seu editorial com as seguintes palavras: "Os dois lados (Democratas e Repúblicanos) são responsáveis pelo vazio de liderança e pela ausência de uma decisão responsável. É uma falha grave de governação e mais perigosa do que aquilo que Washington pensa." [1] A sabedoria editorial não vai mais longe que isto no que toca à questão das "dívidas soberanas" e do crescente défice orçamental. Aquilo que torna o editorial do Financial Times ainda mais vazio que o "vazio de liderança" que critica é o sonante subtítulo do artigo: "Washington deve parar de fazer pose e começar a governar". Como se os editoriais deste tipo não contribuíssem mais para a pose do que para a governação propriamente dita. Pois o que está realmente em questão é o endividamento catastrófico da toda-poderosa "casa-mãe" do capitalismo global, os Estados Unidos da América, onde a dívida do governo (excluindo as dívidas individuais e privadas) atinge já o valor de 14 milhões de milhões (trillions) de dólares – valor que aparece projectado na fachada de um edifício público de Nova Iorque a atestar a tendência crescente da dívida.
O que pretendo sublinhar é que a crise com que temos de lidar é uma crise profunda e estrutural que necessita da adopção de medidas estruturais e abrangentes, de modo atingirmos uma solução duradoura. É também necessário relembrar que a crise estrutural com que lidamos hoje não teve a sua origem em 2007, com o "rebentar da bolha" do mercado imobiliário americano, mas, pelo menos, quatro décadas antes. Eu já tinha exposto esta situação, nestes termos, em 1967, ainda antes da explosão do Maio de 68 em França [2] , e escrevi, em 1971, no prefácio à terceira edição de Marx's Theory of Alienation, que os acontecimentos e desenvolvimentos que então se davam: "testemunhavam de forma dramática a intensificação da crise estrutural global do capital".
A este respeito é necessário clarificar as diferenças relevantes entre os vários tipos e modalidades de crise. Não é de somenos importância o facto de uma crise na esfera social poder ser considerada periódica (conjuntural), ou de os seus fundamentos serem muito mais profundos do que isso. Pois, como é evidente, a forma de lidar com uma crise estrutural, uma crise dos fundamentos, não pode ser conceptualizada nos mesmos termos e segundo as mesmas categorias que se utilizam para lidar com as crises periódicas ou conjunturais. A diferença fundamental entre estes dois tipos de crise contrastantes é que a crise periódica ou conjuntural pode ser compreendida e resolvida dentro da estrutura actual, enquanto que a outra afecta a própria estrutura estabelecida no seu todo.
Em termos gerais, a diferença não se reduz a uma mera questão de gravidade contrastante entre os dois tipos de crise. Uma crise periódica ou conjuntural pode revelar-se de uma gravidade dramática – como foi o caso da Grande Depressão de 1929-1933 – e ainda assim poder ser resolvida dentro dos parâmetros do sistema em que ocorre. Da mesma forma, mas em sentido inverso, o carácter "não explosivo" de uma crise estrutural prolongada, contrastando com as "grandes tempestades" (palavras de Marx) nas quais se dão e se resolvem as crises conjunturais, pode levar à concepção de estratégias erradas resultantes de uma má interpretação induzida pela ausência de "tempestades"; Como se a ausência dessas "tempestades" fosse a prova cabal da estabilidade infinita do "capitalismo organizado" e da "integração da classe operária" no sistema.
Nunca é demais assinalar que a crise que vivemos não pode ser compreendida se não a remetermos para a estrutura social no seu todo. Isto quer dizer que, para clarificarmos a natureza desta crise, cada vez mais grave e duradoura, que afecta hoje o mundo inteiro, devemos considerar a crise do sistema capitalista no seu todo. Pois a crise do capital que experimentamos hoje é uma crise estrutural que tudo abrange.
Vejamos, de forma tão breve e concisa quanto possível, as caractéristicas fundamentais da crise estrutural com que lidamos.
Permitam-me começar por citar um artigo recente dos editores de The Financial Times, jornal diário de referência da burguesia internacional.
Ao abordar os perigos das crises financeiras – reconhecidas agora até pelos seu editores como perigosas – terminam o seu editorial com as seguintes palavras: "Os dois lados (Democratas e Repúblicanos) são responsáveis pelo vazio de liderança e pela ausência de uma decisão responsável. É uma falha grave de governação e mais perigosa do que aquilo que Washington pensa." [1] A sabedoria editorial não vai mais longe que isto no que toca à questão das "dívidas soberanas" e do crescente défice orçamental. Aquilo que torna o editorial do Financial Times ainda mais vazio que o "vazio de liderança" que critica é o sonante subtítulo do artigo: "Washington deve parar de fazer pose e começar a governar". Como se os editoriais deste tipo não contribuíssem mais para a pose do que para a governação propriamente dita. Pois o que está realmente em questão é o endividamento catastrófico da toda-poderosa "casa-mãe" do capitalismo global, os Estados Unidos da América, onde a dívida do governo (excluindo as dívidas individuais e privadas) atinge já o valor de 14 milhões de milhões (trillions) de dólares – valor que aparece projectado na fachada de um edifício público de Nova Iorque a atestar a tendência crescente da dívida.
O que pretendo sublinhar é que a crise com que temos de lidar é uma crise profunda e estrutural que necessita da adopção de medidas estruturais e abrangentes, de modo atingirmos uma solução duradoura. É também necessário relembrar que a crise estrutural com que lidamos hoje não teve a sua origem em 2007, com o "rebentar da bolha" do mercado imobiliário americano, mas, pelo menos, quatro décadas antes. Eu já tinha exposto esta situação, nestes termos, em 1967, ainda antes da explosão do Maio de 68 em França [2] , e escrevi, em 1971, no prefácio à terceira edição de Marx's Theory of Alienation, que os acontecimentos e desenvolvimentos que então se davam: "testemunhavam de forma dramática a intensificação da crise estrutural global do capital".
A este respeito é necessário clarificar as diferenças relevantes entre os vários tipos e modalidades de crise. Não é de somenos importância o facto de uma crise na esfera social poder ser considerada periódica (conjuntural), ou de os seus fundamentos serem muito mais profundos do que isso. Pois, como é evidente, a forma de lidar com uma crise estrutural, uma crise dos fundamentos, não pode ser conceptualizada nos mesmos termos e segundo as mesmas categorias que se utilizam para lidar com as crises periódicas ou conjunturais. A diferença fundamental entre estes dois tipos de crise contrastantes é que a crise periódica ou conjuntural pode ser compreendida e resolvida dentro da estrutura actual, enquanto que a outra afecta a própria estrutura estabelecida no seu todo.
Em termos gerais, a diferença não se reduz a uma mera questão de gravidade contrastante entre os dois tipos de crise. Uma crise periódica ou conjuntural pode revelar-se de uma gravidade dramática – como foi o caso da Grande Depressão de 1929-1933 – e ainda assim poder ser resolvida dentro dos parâmetros do sistema em que ocorre. Da mesma forma, mas em sentido inverso, o carácter "não explosivo" de uma crise estrutural prolongada, contrastando com as "grandes tempestades" (palavras de Marx) nas quais se dão e se resolvem as crises conjunturais, pode levar à concepção de estratégias erradas resultantes de uma má interpretação induzida pela ausência de "tempestades"; Como se a ausência dessas "tempestades" fosse a prova cabal da estabilidade infinita do "capitalismo organizado" e da "integração da classe operária" no sistema.
Nunca é demais assinalar que a crise que vivemos não pode ser compreendida se não a remetermos para a estrutura social no seu todo. Isto quer dizer que, para clarificarmos a natureza desta crise, cada vez mais grave e duradoura, que afecta hoje o mundo inteiro, devemos considerar a crise do sistema capitalista no seu todo. Pois a crise do capital que experimentamos hoje é uma crise estrutural que tudo abrange.
Vejamos, de forma tão breve e concisa quanto possível, as caractéristicas fundamentais da crise estrutural com que lidamos.
A novidade histórica da crise actual manifesta-se em quatro aspectos:
O seu carácter universal, por oposição ao carácter circunscrito a uma esfera particular determinada (financeira ou comercial, ou afectando este ou aquele ramo específico da produção, ou aplicando-se a um tipo de trabalho, com a sua esfera específica de capacidades e níveis de produção, e não a outro, etc...)
O seu âmbito é verdadeiramente global (no mais ameaçado sentido literal do termo) ao invés de estar confinado a um conjunto determinado de países (como estiveram as maiores crises do passado),
A sua escala de tempo é extensa, contínua – permanente se preferirem – em vez de ser limitada e cíclica, como se acabaram por ser as anteriores crises do capital.
A sua forma de desdobramento, contrastando com os colapsos mais espectaculares e mais dramáticos do passado, pode ser considerada gradual, não excluindo no mesmo movimento a hipótese de violentas convulsões futuras: ou seja, quando a complexa máquina que se ocupa hoje da "gestão da crise", acabar, com o inevitável agravamento futuro das contradições crescentes, por perder vapor.Neste ponto é necessário tecer algumas considerações gerais sobre os critérios que definem uma crise estrutural, bem como acerca das formas que pode tomar a sua superação.
Para o pôr em termos mais simples e mais gerais, a crise estrutural afecta a totalidade de um complexo social, e todas as relações entre as partes que o constituem (ou sub-complexos), bem como a sua relação com outros complexos aos quais possa estar ligado. Em sentido inverso, uma crise não estrutural afecta somente as partes do complexo em questão, e assim, por mais grave que seja para as partes afectadas, não põe em perigo a sobrevivência da estrutura no seu todo.
Consequentemente, o deslocar das contradições é possível apenas enquanto a crise for parcial, relativa e controlável internamente pelo sistema, necessitando apenas de viragens - mesmo que de grandes dimensões - relativamente autónomas dentro do próprio sistema. Desta forma uma crise estrutural põe em questão a existência da totalidade do complexo envolvido, postulando a sua transcendência e a sua substituição por um complexo alternativo.
Este mesmo contraste pode ser revelado pelos limites imediatos que um complexo social particular tem, em qualquer período de tempo, quando comparados com aqueles que ficam além do seu alcance. Assim, uma crise estrutural não se prende aos limites imediatos, mas sim aos derradeiros limites de uma estrutura global... [3]
Assim, e num sentido óbvio, nada pode ser mais sério que a crise
estrutural do modo de reprodução metabólico do capital
(que define os derradeiros limites da ordem estabelecida). Mas, apesar da
profunda seriedade nos seus parâmetros gerais, a crise estrutural pode,
à primeira vista, não aparentar ser de uma importância
assim tão decisiva quando comparada com as vicissitudes
dramáticas de uma grande crise conjuntural. De facto, as
"tempestades" com que se manifestam as crises conjunturais são
bastante paradoxais, na medida em que, pelo seu modo de desdobramento, as
crises conjunturais não só descarregam tais tempestade mas
acabam, no mesmo movimento, por se resolver enquanto crises (na medida em que
as circunstâncias o permitem). Isto é possível
graças ao seu carácter parcial, que não implica os limites
últimos da estrutura global estabelecida. Ao mesmo tempo, e pela mesma
razão, as crises parciais podem apenas solucionar os problemas
estruturais subjacentes - que inevitavelmente se continuarão a
manifestar sob a forma de crises conjunturais - de forma temporária,
parcial e bastante limitada: até a próxima crise estrutural
começar a surgir no horizonte da sociedade.
Contrariamente, atendendo à natureza necessariamente complexa e prolongada de uma crise estrutural, que, não sendo episódica nem fugaz, se manifesta num tempo histórico determinado e é condicionada pelo sentido de uma época, é na inter-relação cumulativa do todo que a questão se decide, mesmo sob a (falsa) aparência de normalidade. Isto ocorre assim porque numa crise estrutural tudo está em jogo, envolvendo os mais abrangentes e derradeiros limites da ordem em questão, dos quais não pode haver uma instância particular simbólica. Sem a compreensão do todo das relações e implicações sistémicas dos acontecimentos particulares, perderemos a noção das mudanças significativas reais e das correspondentes alavancas de uma possível intervenção estratégica que possa afectar positivamente o problema, em vista da sua transformação sistémica. A nossa responsabilidade social clama por uma vigilância crítica e determinada das inter-relações cumulativas emergentes, que não se pode contentar nem reconfortar com a normalidade ilusória que antecede o desabamento do tecto que jaz sobre as nossas cabeças.
É por demais necessário sublinhar que, durante as três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a expansão económica dos países capitalistas de proa gerou a ilusão, mesmo junto dos mais distintos intelectuais de Esquerda, da superação histórica da "crise do capitalismo", e do surgimento de uma nova fase de "capitalismo organizado avançado ". Gostaria de ilustrar este problema com algumas passagens da lavra daquele que foi um dos maiores intelectuais militantes do século XX: Jean-Paul Sartre; por quem, como ficou claro no livro que escrevi sobre a sua obra, tenho a maior das considerações. No entanto, a verdade é que a adopção da ideia de que pela superação da "crise do capitalismo" a ordem estabelecida se tornou num "capitalismo avançado" foi para Sartre fonte de grandes dilemas. Isto é ainda mais significativo dado que ninguém poderá negar o compromisso que Sartre mantinha com a busca de uma solução emancipatória viável, nem tão pouco a sua integridade moral. Em relação ao nosso problema é da maior utilidade recordar a importante entrevista que Sartre concedeu ao grupo italiano Manifesto – depois de clarificarmos a sua concepção das insuperáveis implicações negativas da sua própria categoria explicativa da institucionalização inevitavelmente prejudicial, que ele chamava "grupo em fusão" na sua Critica da Razão Dialéctica – na qual ele chegou a esta dolorosa conclusão: "Ao mesmo tempo que reconheço a necessidade de organização tenho de confessar que não vejo como é que podem ser resolvidos os problemas aos quais se confronta uma qualquer estrutura organizada" [4]
A dificuldade prende-se com o facto de os termos da análise social de Sartre serem concebidos de uma forma tal que vários factores e correlações, que na realidade estão interligados, constituindo as diferentes faces de um mesmo complexo societal, são apresentados separadamente, por dicotomias e oposições, gerando um dilema insolúvel e condenando ao fracasso as forças emancipatórias sociais. Isto é claramente demonstrado na entrevista ao grupo Manifesto:
Contrariamente, atendendo à natureza necessariamente complexa e prolongada de uma crise estrutural, que, não sendo episódica nem fugaz, se manifesta num tempo histórico determinado e é condicionada pelo sentido de uma época, é na inter-relação cumulativa do todo que a questão se decide, mesmo sob a (falsa) aparência de normalidade. Isto ocorre assim porque numa crise estrutural tudo está em jogo, envolvendo os mais abrangentes e derradeiros limites da ordem em questão, dos quais não pode haver uma instância particular simbólica. Sem a compreensão do todo das relações e implicações sistémicas dos acontecimentos particulares, perderemos a noção das mudanças significativas reais e das correspondentes alavancas de uma possível intervenção estratégica que possa afectar positivamente o problema, em vista da sua transformação sistémica. A nossa responsabilidade social clama por uma vigilância crítica e determinada das inter-relações cumulativas emergentes, que não se pode contentar nem reconfortar com a normalidade ilusória que antecede o desabamento do tecto que jaz sobre as nossas cabeças.
É por demais necessário sublinhar que, durante as três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a expansão económica dos países capitalistas de proa gerou a ilusão, mesmo junto dos mais distintos intelectuais de Esquerda, da superação histórica da "crise do capitalismo", e do surgimento de uma nova fase de "capitalismo organizado avançado ". Gostaria de ilustrar este problema com algumas passagens da lavra daquele que foi um dos maiores intelectuais militantes do século XX: Jean-Paul Sartre; por quem, como ficou claro no livro que escrevi sobre a sua obra, tenho a maior das considerações. No entanto, a verdade é que a adopção da ideia de que pela superação da "crise do capitalismo" a ordem estabelecida se tornou num "capitalismo avançado" foi para Sartre fonte de grandes dilemas. Isto é ainda mais significativo dado que ninguém poderá negar o compromisso que Sartre mantinha com a busca de uma solução emancipatória viável, nem tão pouco a sua integridade moral. Em relação ao nosso problema é da maior utilidade recordar a importante entrevista que Sartre concedeu ao grupo italiano Manifesto – depois de clarificarmos a sua concepção das insuperáveis implicações negativas da sua própria categoria explicativa da institucionalização inevitavelmente prejudicial, que ele chamava "grupo em fusão" na sua Critica da Razão Dialéctica – na qual ele chegou a esta dolorosa conclusão: "Ao mesmo tempo que reconheço a necessidade de organização tenho de confessar que não vejo como é que podem ser resolvidos os problemas aos quais se confronta uma qualquer estrutura organizada" [4]
A dificuldade prende-se com o facto de os termos da análise social de Sartre serem concebidos de uma forma tal que vários factores e correlações, que na realidade estão interligados, constituindo as diferentes faces de um mesmo complexo societal, são apresentados separadamente, por dicotomias e oposições, gerando um dilema insolúvel e condenando ao fracasso as forças emancipatórias sociais. Isto é claramente demonstrado na entrevista ao grupo Manifesto:
Manifesto: Em que bases precisas é que se pode preparar uma alternativa revolucionária?
Sartre: Repito, é mais na base da "alienação" do que na base das "necessidades". Em suma na reconstrução do individual e da liberdade, reconstrução essa tão necessária que as mais refinadas técnicas de integração não se podem dar ao luxo de ignorar. [5]
Desta forma Sartre, pela sua compreensão estratégica de como
superar o carácter opressivo da realidade capitalista, constrói
uma oposição indefensável entre a
"alienação" dos trabalhadores e as suas
"necessidades" alegadamente já satisfeitas, tornando muito
difícil prever uma solução prática
exequível. O problema não se prende apenas com a desmesurada
credibilização das "refinadas técnicas de
integração", teoria sociológica refinada e muito em
voga, mas muito superficial. Infelizmente, o problema é bem mais
sério.
O real problema é o da validação do "capitalismo avançado", e da tese subsequente da "integração" da classe operária no sistema, que Sartre partilha em larga medida com Herbert Marcuse. A verdade é que, em contraste com a integração (sem dúvida possível) de alguns trabalhadores na ordem capitalista, a classe trabalhadora - antagonista estrutural do capital, e que representa a única alternativa hegemónica historicamente possível ao sistema do capital - não pode ser integrada na estrutura exploradora e alienante de reprodução social do capital. O que torna impossível tal assimilação é o antagonismo estrutural subjacente entre capital e trabalho que decorre necessariamente da realidade das relações de classe, isto é, da incontornável relação de domínio e subordinação que entre elas existe.
Neste discurso, até a plausibilidade mínima da falsa alternativa, de tipo Sartriano e Marcusiano, entre contínua alienação e "satisfação das necessidades" é "estabelecida" com base na descarrilhante compartimentalização das (suicidárias) indeterminações estruturais do capital, globalmente implementadas e globalmente insustentáveis, das quais depende a mais elementar viabilidade sistémica da hegemónica ordem social vigente do capital. Assim é extremamente problemático separar o "capitalismo avançado" das chamadas "zonas marginais" e do "terceiro mundo". Como se a ordem reprodutiva do "capitalismo avançado" se pudesse sustentar por um qualquer período de tempo, e no futuro mesmo indefinidamente, sem a exploração constante das "zonas marginais" e sem o domínio imperialista do "terceiro mundo".
É aqui necessário citar a passagem na qual Sartre trata destes problemas. Essa passagem reveladora é a seguinte:
O real problema é o da validação do "capitalismo avançado", e da tese subsequente da "integração" da classe operária no sistema, que Sartre partilha em larga medida com Herbert Marcuse. A verdade é que, em contraste com a integração (sem dúvida possível) de alguns trabalhadores na ordem capitalista, a classe trabalhadora - antagonista estrutural do capital, e que representa a única alternativa hegemónica historicamente possível ao sistema do capital - não pode ser integrada na estrutura exploradora e alienante de reprodução social do capital. O que torna impossível tal assimilação é o antagonismo estrutural subjacente entre capital e trabalho que decorre necessariamente da realidade das relações de classe, isto é, da incontornável relação de domínio e subordinação que entre elas existe.
Neste discurso, até a plausibilidade mínima da falsa alternativa, de tipo Sartriano e Marcusiano, entre contínua alienação e "satisfação das necessidades" é "estabelecida" com base na descarrilhante compartimentalização das (suicidárias) indeterminações estruturais do capital, globalmente implementadas e globalmente insustentáveis, das quais depende a mais elementar viabilidade sistémica da hegemónica ordem social vigente do capital. Assim é extremamente problemático separar o "capitalismo avançado" das chamadas "zonas marginais" e do "terceiro mundo". Como se a ordem reprodutiva do "capitalismo avançado" se pudesse sustentar por um qualquer período de tempo, e no futuro mesmo indefinidamente, sem a exploração constante das "zonas marginais" e sem o domínio imperialista do "terceiro mundo".
É aqui necessário citar a passagem na qual Sartre trata destes problemas. Essa passagem reveladora é a seguinte:
O capitalismo avançado, em relação com a consciência que tem da sua própria condição, e apesar das enormes disparidades na distribuição de dividendos, consegue satisfazer as necessidades elementares da maior parte da classe operária – ficam ainda por satisfazer as zonas marginais, 15 por cento dos trabalhadores dos Estados Unidos, os negros e os imigrantes, os idosos e, a uma escala global, o "terceiro mundo". Mas o capitalismo satisfaz certas necessidades primárias, e também satisfaz certas necessidades artificialmente criadas, como por exemplo a necessidade de ter um carro. Esta situação, obrigou-me a rever a minha "teoria das necessidades" uma vez que estas necessidades já não estão, no "capitalismo avançado", em oposição fundamental ao sistema. Pelo contrário, elas tornaram-se, pelo menos em parte e quando controladas pelo sistema, num instrumento de integração do proletariado em certos processos produzidos e dirigidos pelo lucro. O trabalhador esgota-se para produzir um carro e para ganhar o dinheiro para poder comprar um carro; esta compra dá-lhe a impressão de ter suprimido uma necessidade sua. O sistema explora-o ao mesmo tempo que lhe oferece um objectivo e a possibilidade de o alcançar. A consciência do carácter intolerável do sistema já não deve ser procurada na impossibilidade de satisfazer as necessidades básicas, mas sobretudo na consciência da alienação – por outras palavras, no facto de que esta vida não merece ser vivida e não tem significado, que este mecanismo é enganador, que estas necessidades são falsas, artificialmente criadas, extenuantes e que só servem uma lógica de lucro. Mas unir uma classe com base nisto é ainda mais difícil. [6]
Se aceitarmos sem mais esta caracterização da ordem do
"capitalismo avançado", a tarefa de produção de
uma consciência emancipatória não é apenas
"mais difícil",
é
impossível.
Mas o fundamento dúbio a partir da qual podemos chegar a um tal
conclusão
apriorística,
pessimista e derrotista – que prescreve, do alto da
"nova teoria das necessidades" formulada pelos intelectuais, a
renúncia dos operários, às suas "ávidas
necessidades artificiais", representadas pelos carros, e a sua
substituição pelo postulado, completamente abstracto, de que
"esta vida não vale a pena ser vivida e não tem sentido"
(um postulado nobre, mas considerávelmente abstracto, e de
resto efectivemente contrariado pela necessidade real que têm os membros
da classe trabalhadora de assegurar as condições de uma
existência economicamente sustentável) – é
simultaneamente a aceitação de
afirmações
insustentáveis e a
omissão,
igualmente inaceitável, de
algumas das mais vitais determinações do actual sistema do
capital na sua
crise estrutural
historicamente irreversível.
Desde logo, falar de "capitalismo avançado " – quando o sistema do capital, enquanto forma de reprodução social metabólica, se encontra na fase descendente do seu desenvolvimento histórico, e, portanto, é avançado apenas de um ponto de vista capitalista e sob nenhuma outra forma, visto que apenas se mantém de uma forma cada vez mais destrutiva e, em última análise, auto-destrutiva – é muito problemático. Outra asserção: a caracterização da esmagadora maioria da humanidade – a categoria da pobreza, que inclui "os negros e os imigrantes", os "idosos" e "em grande escala, o terceiro mundo" – como pertencente a "zonas marginais" (no sentido dos "marginais" de Marcuse), é igualmente insustentável. Pois, na realidade, é o "mundo capitalista avançado" que constitui uma margem privilegiada no seio do sistema, que é, a longo prazo, totalmente insustentável, e que nega à maior parte do mundo as suas necessidades mais básicas. Esta é a verdadeira margem e não aquilo que Sartre descreve na sua entrevista ao grupo Manifesto como constituindo as "zonas marginais". Mesmo no que diz respeito aos Estados Unidos, a margem de pobreza é consideravelmente subestimada: apenas 15% da população. Para além disso, caracterizar os carros dos operários como meras "necessidades artificiais" que apenas "servem o lucro" é ter um ponto de vista completamente unilateral. Pois, ao contrário de muitos intelectuais, nem todos os operários relativamente bem pagos, para já não falar da classe trabalhadora como um todo, têm a sorte de ter o seu local de trabalho ao lado da porta do seu quarto.
Para além do mais, algumas das mais graves falhas e contradições estruturais encontram-se surpreendentemente ausentes da descrição feita por Sartre do "capitalismo avançado", o que esvazia virtualmente o conceito de sentido. Assim, uma das mais importantes necessidades, sem a qual nenhuma sociedade – passada, presente ou futura – pode sobreviver, é a necessidade de trabalhar, tanto para os indivíduos produtivamente activos – reunidos numa ordem social completamente emancipada – como para a sociedade em geral, na sua relação sustentável com a natureza. A incapacidade congénita do sistema do capital para resolver este problema estrutural fundamental, que afecta todas as categorias de trabalhadores, não apenas no "terceiro mundo", mas também nos mais privilegiados países do "capitalismo avançado", uma tal incapacidade, que leva a um aumento perigoso do desemprego, constitui um dos limites absolutos do sistema do capital no seu todo. Outro problema sério, que reforça a inviabilidade presente e futura do sistema do capital é o peso cada vez maior dado a sectores parasitários na economia – como a especulação aventureira, produtora de crise, que infesta (sob a forma de uma necessidade objectiva, muita vezes erroneamente representada sobre a forma de erro ou falha pessoal) o sector financeiro, e a fraude institucionalizada que se lhe associa – em contraste com os ramos produtivos da economia social, necessários à satisfação das necessidades humanas genuínas. Uma tal configuração manifesta um acentuado, e ameaçador, contraste com a fase ascendente do desenvolvimento histórico do capital, quando o prodigioso dinamismo expansionista do sistema (incluindo a revolução industrial) era devido a feitos produtivos socialmente viáveis e valorizáveis. Temos ainda que adicionar a tudo isto os fardos económicos perdulários impostos à sociedade de forma autoritária pelo estado e pelo complexo militar/industrial – a permanente indústria de armamento e as guerras correspondentes – como parte integral do perverso "crescimento económico" do "capitalismo avançado organizado". E, para mencionar apenas mais uma das consequências catastróficas do desenvolvimento sistémico do capital "avançado", devemos ter em mente a perdulária transgressão ecológica do nosso insustentável modo de reprodução social metabólico num planeta finito [7] a sua exploração ganaciosa dos recursos materiais não-renováveis e a cada vez mais perigosa destruição da natureza. Dizê-lo não é tentar parecer sábio depois do facto consumado. Escrevi na mesma altura em que Sartre deu a sua entrevista ao grupo Manifesto que:
Desde logo, falar de "capitalismo avançado " – quando o sistema do capital, enquanto forma de reprodução social metabólica, se encontra na fase descendente do seu desenvolvimento histórico, e, portanto, é avançado apenas de um ponto de vista capitalista e sob nenhuma outra forma, visto que apenas se mantém de uma forma cada vez mais destrutiva e, em última análise, auto-destrutiva – é muito problemático. Outra asserção: a caracterização da esmagadora maioria da humanidade – a categoria da pobreza, que inclui "os negros e os imigrantes", os "idosos" e "em grande escala, o terceiro mundo" – como pertencente a "zonas marginais" (no sentido dos "marginais" de Marcuse), é igualmente insustentável. Pois, na realidade, é o "mundo capitalista avançado" que constitui uma margem privilegiada no seio do sistema, que é, a longo prazo, totalmente insustentável, e que nega à maior parte do mundo as suas necessidades mais básicas. Esta é a verdadeira margem e não aquilo que Sartre descreve na sua entrevista ao grupo Manifesto como constituindo as "zonas marginais". Mesmo no que diz respeito aos Estados Unidos, a margem de pobreza é consideravelmente subestimada: apenas 15% da população. Para além disso, caracterizar os carros dos operários como meras "necessidades artificiais" que apenas "servem o lucro" é ter um ponto de vista completamente unilateral. Pois, ao contrário de muitos intelectuais, nem todos os operários relativamente bem pagos, para já não falar da classe trabalhadora como um todo, têm a sorte de ter o seu local de trabalho ao lado da porta do seu quarto.
Para além do mais, algumas das mais graves falhas e contradições estruturais encontram-se surpreendentemente ausentes da descrição feita por Sartre do "capitalismo avançado", o que esvazia virtualmente o conceito de sentido. Assim, uma das mais importantes necessidades, sem a qual nenhuma sociedade – passada, presente ou futura – pode sobreviver, é a necessidade de trabalhar, tanto para os indivíduos produtivamente activos – reunidos numa ordem social completamente emancipada – como para a sociedade em geral, na sua relação sustentável com a natureza. A incapacidade congénita do sistema do capital para resolver este problema estrutural fundamental, que afecta todas as categorias de trabalhadores, não apenas no "terceiro mundo", mas também nos mais privilegiados países do "capitalismo avançado", uma tal incapacidade, que leva a um aumento perigoso do desemprego, constitui um dos limites absolutos do sistema do capital no seu todo. Outro problema sério, que reforça a inviabilidade presente e futura do sistema do capital é o peso cada vez maior dado a sectores parasitários na economia – como a especulação aventureira, produtora de crise, que infesta (sob a forma de uma necessidade objectiva, muita vezes erroneamente representada sobre a forma de erro ou falha pessoal) o sector financeiro, e a fraude institucionalizada que se lhe associa – em contraste com os ramos produtivos da economia social, necessários à satisfação das necessidades humanas genuínas. Uma tal configuração manifesta um acentuado, e ameaçador, contraste com a fase ascendente do desenvolvimento histórico do capital, quando o prodigioso dinamismo expansionista do sistema (incluindo a revolução industrial) era devido a feitos produtivos socialmente viáveis e valorizáveis. Temos ainda que adicionar a tudo isto os fardos económicos perdulários impostos à sociedade de forma autoritária pelo estado e pelo complexo militar/industrial – a permanente indústria de armamento e as guerras correspondentes – como parte integral do perverso "crescimento económico" do "capitalismo avançado organizado". E, para mencionar apenas mais uma das consequências catastróficas do desenvolvimento sistémico do capital "avançado", devemos ter em mente a perdulária transgressão ecológica do nosso insustentável modo de reprodução social metabólico num planeta finito [7] a sua exploração ganaciosa dos recursos materiais não-renováveis e a cada vez mais perigosa destruição da natureza. Dizê-lo não é tentar parecer sábio depois do facto consumado. Escrevi na mesma altura em que Sartre deu a sua entrevista ao grupo Manifesto que:
Outra contradição básica do sistema capitalista de controlo é que ele não pode separar "avanço" de destruição, nem "progresso" de desperdício – independentemente de quão catastrófico seja o resultado. Quanto mais liberta o seu poder produtivo, mais desencandeia o seu poder destrutivo; e quanto mais aumenta o seu volume de produção, mais é obrigado a enterrar tudo sob montanhas de desperdícios. O conceito de economia é radicalmente incompatível com a "economia" da produção do capital que, necessariamente, junta ultraje ao ultraje ao usar primeiro, num ganacioso desperdício, os recursos limitados do nosso planeta, para depois agravar o resultado através da poluição e do envenenamento do ambiente humano, com a sua produção massiva de lixos e eflúvios. [8]
Assim, as asserções problemáticas e as importantes
omissões
presentes na caracterização sartriana do
"capitalismo avançado" enfraquecem consideravelmente o poder
de negação do seu discurso emancipatório. Baseando-se num
princípio dicotómico, que afirma repetidamente "a
irredutibilidade da ordem cultural à ordem natural", Sartre procura
sempre soluções de "ordem cultural", ou seja, ao
nível da consciência individual, através
do trabalho intelectual comprometido da "consciência sobre a
consciência".
Sugere assim que a solução está
num aumento da "consciência da alienação" - na
"ordem cultural" - ao mesmo tempo que rejeita a viabilidade de uma
estratégia revolucionária baseada numa necessidade de "ordem
natural". As necessidades materiais, aliás consideradas como
estando já satisfeitas para a maioria dos trabalhadores, constituiriam
um "mecanismo ilusório e falso" e um "instrumento de
integração do proletariado".
Sartre está certamente bastante preocupado com o desafio que representa responder à questão de como aumentar "a consciência do carácter intolerável do sistema". Mas, como é inevitável notar, a própria base tida como condição vital para o sucesso de tal empresa – o poder da "consciência da alienação" sublinhado por Sartre – necessita fortemente de um suporte material. De outra forma, a ideia (mesmo deixando de lado a fraqueza da dita base e a sua circularidade auto-referencial) de que tal consciência "pode prevalecer face ao carácter intolerável do sistema" está condenada a ser posta de lado, como um ideal nobre, mas ineficaz. As declarações pessimistas de Sartre a propósito de necessidade de vencer a realidade materialmente e culturalmente destrutiva, mas solidamente estruturada, deste "conjunto miserável que é o nosso planeta", com as suas "horríveis, feias e más determinações, sem esperança", mostram que esta questão é problemática mesmo se vista do interior do sistema de representações sartriano.
Nesta medida, a questão primeira diz respeito à demonstrabilidade, ou não, do carácter objectivamente intolerável do sistema, pois se tal demonstração carecer de substância, como é proclamado pela noção de um "capitalismo avançado" capaz de satisfazer todas as necessidades materiais, com a mera excepção das "zonas marginais", então "o longo e paciente trabalho de construção da consciência" advogado por Sartre torna-se quase impossível. Este é o tal embasamento objectivo que é necessário (e actualmente pode) ser estabelecido dentro dos seus próprios termos de referência, e que requer a desmistificação radical do carácter cada vez mais destrutivo do "capitalismo avançado". A " consciência do carácter intolerável do sistema" só pode ser construída sobre este terreno material – que inclui o sofrimento causado pela incapacidade do capital "avançado" satisfazer mesmo as necessidades mais elementares nas suas "zonas marginais", o que é claramente demonstrado pelos motins alimentares que têm lugar em vários países – de forma a poder ultrapassar a dicotomia (postulada) entre a ordem cultural e a ordem natural.
Na sua fase ascendente, o sistema do capital pôde basear os seus feitos produtivos num dinamismo expansionista interno – sem ser ainda imperiosa uma orientação monopolista/imperialista que permita aos países mais avançados garantir militarmente o domínio do mundo. No entanto, na senda da circunstância historicamente irreversível que é a sua entrada numa fase produtiva descendente, o sistema do capital tornou-se inseparável de uma necessidade, cada vez mais intensa, de expansão militarista/monopolista e de uma distensão constante da seu quadro estrutural, tendendo, na sua lógica produtiva interna, para o estabelecimento criminoso e perdulário de uma "indústria do armamento permanente", que vai de par com as guerras que necessariamente se lhe encontram associadas.
Na verdade, ainda antes do despoletar da Primeira Guerra Mundial, Rosa Luxemburgo havia identificado claramente a natureza deste fatídico desenvolvimento monopolista/imperialista, rumo a uma orientação destrutivamente produtiva, ao escrever no seu livro A acumulação de Capital que: "O Capital em si mesmo controla, em última análise, o movimento rítmico da produção militar através do poder legislativo e da imprensa, cuja função é a de moldar a chamada "opinião pública". É por isso que esta região particular de acumulação capitalista parece, à primeira vista, capaz de uma expansão infinita." [10]
Por outro lado, a utilização cada vez mais perdulária de energia e de recursos materiais vitais e estratégicos, manifesta não apenas a articulação cada vez mais destrutiva das determinações estruturais do Capital no plano militar (através de uma manipulação legislativa da "opinião pública" que nunca é questionada, e muito menos regulamentada), mas também a cada vez maior usurpação da natureza. Ironicamente, mas de forma nada surpreendente, este momento do desenvolvimento histórico regressivo do sistema do Capital trouxe também consigo amargas consequências para a organização internacional do trabalho.
Com efeito, esta nova articulação do sistema do capital, iniciada no último terço do século XIX, com a sua fase imperialista monopolista intimamente ligada a um domínio global total, deu inicio a uma nova modalidade de dinamismo expansionista (ainda mais antagonista e, em última análise, insustentável), que dá lucros esmagadores a um punhado de países imperialistas privilegiados, e que, assim, adia o "momento da verdade", inseparável da irreprimível crise estrutural vivida pelo sistema nos nossos dias. Este tipo de desenvolvimento imperialista monopolista impulsionou inevitavelmente a possibilidade de uma acumulação e expansão capitalista militar, independentemente do preço a pagar pela destrutividade cada vez maior deste novo dinamismo, que assumiu já a forma de duas guerras mundiais devastadoras, bem como a da total aniquilação da humanidade implícita numa terceira guerra mundial, isto sem contar com a destruição da natureza, que se tornou evidente na segunda metade do séc. XX.
Hoje em dia, estamos a assistir ao aprofundamento da crise estrutural do sistema do capital. A sua destrutividade é visível em todo o lado, e não dá sinais de diminuir. Para o futuro, é crucial a forma como conceptualizamos esta crise, no sentido de encontrar uma solução. Pelo mesmo motivo, é também crucial reexaminar algumas das mais significativas soluções propostas no passado. Aqui não nos será possível mais do que mencionar, com uma brevidade estenográfica, os pontos de vista contrastantes que foram defendidos no passado e indicar a sorte que conhecem nos dias de hoje.
Em primeiro lugar, há que recordar que é mérito do filósofo liberal John Stuart Mill ter notado quão problemático poderia ser um crescimento capitalista infinito, consideração que o levou a propor como solução um "estado estacionário da economia". Naturalmente, um tal "estado estacionário" no quadro do sistema do capital não é mais do que uma ilusão, uma vez que é totalmente incompatível com o imperativo de expansão e acumulação do capital. Mesmo actualmente, quando tanta destruição é causada por um crescimento inadequado e pelas mais ineficazes utilizações dos nossos recursos energéticos e estratégicos vitais, a mitologia do crescimento constante é constantemente reafirmada, juntamente com a projecção ideal de uma "redução da pegada ecológica" em 2050, quando na realidade se está a seguir uma direcção completamente contrária a um tal objectivo. Assim, a realidade do liberalismo revelou-se ser a destrutividade agressiva do neoliberalismo.
Um destino semelhante teve a perspectiva social-democrata. Marx formulou claramente os seus receios acerca deste perigo na sua Critica do Programa de Gotha, mas eles foram totalmente ignorados. Também aqui a contradição entre a promessa Bernsteiniana de um "socialismo evolutivo" e a sua realização prática se revelou impressionante. E isto não apenas graças à capitulação dos partidos e governos sociais-democratas face ao engodo das guerras imperialistas, mas também através da conversão da social-democracia em geral – incluindo o "New Labour" britânico – a versões mais ou menos evidentes de neo-liberalismo, levando ao abandono não apenas do "caminho do socialismo evolutivo", mas de toda e qualquer promessa de reforma social significativa.
Para além disso, uma solução muito propagandeada, após a II Guerra Mundial, às desigualdades crescentes do sistema do capital, foi a difusão mundial do Estado Social. No entanto, a realidade prosaica deste alegado feito histórico é hoje em dia evidente, não só na total incapacidade para instituir o dito Estado Social onde quer que seja no chamado "Terceiro Mundo", mas através da liquidação, em curso, das conquistas relativas desse Estado Social do pós-guerra – nos campos da segurança social, saúde e educação – até mesmo nos poucos países privilegiados onde ele alguma vez chegou a ser instituído.
E, claro, não podemos ignorar a promessa (feita por Estaline e outros) de realizar a fase mais elevada do socialismo através da derrube e da abolição do capitalismo, pois, tragicamente, sete décadas após a Revolução de Outubro, os países da antiga União Soviética e da Europa de Leste vivem uma restauração do capitalismo na sua forma regressiva neoliberal.
O denominador comum de todas estas tentativas – apesar das suas diferenças fundamentais – é que todas elas tentaram alcançar os seus objectivos do interior do quadro estrutural da ordem metabólica social estabelecida. Todavia, como nos ensina a dolorosa experiência histórica, o nosso problema não é simplesmente "derrubar o capitalismo". Pois, mesmo que um tal objectivo possa ser alcançado numa determinada extensão, ele está condenado a ser um feito muito instável, visto que tudo o que é derrubado pode também ser restaurado. A verdadeira – e muito mais difícil – questão, é a da necessidade de uma mudança estrutural radical.
O significado tangível de uma tal mudança estrutural é a completa erradicação do capitalismo do processo social metabólico, ou, por outras palavras, a erradicação do capital do processo metabólico de reprodução societal.
O capital é em si mesmo um modo de controlo global; o que significa que ou ele controla tudo ou implode enquanto sistema de controlo societal reprodutivo. Consequentemente, o capital, enquanto tal, não pode ser controlado nalguns dos seus aspectos, enquanto outros são deixados de lado. Todas as medidas e modalidades experimentadas para "controlar" as várias funções do capital de forma permanente, falharam. De acordo com a sua incontrolabilidade estrutural – que significa que não é concebível, dentro do quadro estrutural do sistema do capital, uma qualquer alavancagem que permita manter o próprio sistema controlado de forma duradoura – o capital deve ser completamente erradicado. Este é o sentido central do trabalho de Marx.
Nos nossos dias, a questão do controle – através de uma mudança estrutural que responda ao aprofundamento da crise estrutural – tornou-se urgente, não só no sistema financeiro, devido ao desperdício de biliões de dólares, mas em todos os sectores. Os mais importantes jornais financeiros capitalistas queixam-se de que "a China está sentada sobre três milhões de milhões de dólares em dinheiro", alimentando ilusões de que, através de um "melhor uso desse dinheiro", possa surgir uma solução. Mas a dura verdade é que o endividamento global crescente do capitalismo eleva-se a um valor dez vezes superior ao dos dólares "não usados" pela China. Para além disso, mesmo que o enorme montante da dívida pudesse ser eliminado de alguma forma, ainda que ninguém saiba dizer como, a verdadeira questão mantém-se: Como é que ele foi gerado e como podemos estar seguros que não o voltará a sê-lo no futuro? É por isso que a dimensão produtiva do sistema – nomeadamente a própria relação do capital – deve sofrer uma mudança fundamental no sentido de ultrapassar a crise estrutural através de uma mudança estrutural apropriada.
A dramática crise financeira que vivemos durante os últimos três anos é apenas um aspecto das três vertentes da destrutividade do sistema do capital:
Sartre está certamente bastante preocupado com o desafio que representa responder à questão de como aumentar "a consciência do carácter intolerável do sistema". Mas, como é inevitável notar, a própria base tida como condição vital para o sucesso de tal empresa – o poder da "consciência da alienação" sublinhado por Sartre – necessita fortemente de um suporte material. De outra forma, a ideia (mesmo deixando de lado a fraqueza da dita base e a sua circularidade auto-referencial) de que tal consciência "pode prevalecer face ao carácter intolerável do sistema" está condenada a ser posta de lado, como um ideal nobre, mas ineficaz. As declarações pessimistas de Sartre a propósito de necessidade de vencer a realidade materialmente e culturalmente destrutiva, mas solidamente estruturada, deste "conjunto miserável que é o nosso planeta", com as suas "horríveis, feias e más determinações, sem esperança", mostram que esta questão é problemática mesmo se vista do interior do sistema de representações sartriano.
Nesta medida, a questão primeira diz respeito à demonstrabilidade, ou não, do carácter objectivamente intolerável do sistema, pois se tal demonstração carecer de substância, como é proclamado pela noção de um "capitalismo avançado" capaz de satisfazer todas as necessidades materiais, com a mera excepção das "zonas marginais", então "o longo e paciente trabalho de construção da consciência" advogado por Sartre torna-se quase impossível. Este é o tal embasamento objectivo que é necessário (e actualmente pode) ser estabelecido dentro dos seus próprios termos de referência, e que requer a desmistificação radical do carácter cada vez mais destrutivo do "capitalismo avançado". A " consciência do carácter intolerável do sistema" só pode ser construída sobre este terreno material – que inclui o sofrimento causado pela incapacidade do capital "avançado" satisfazer mesmo as necessidades mais elementares nas suas "zonas marginais", o que é claramente demonstrado pelos motins alimentares que têm lugar em vários países – de forma a poder ultrapassar a dicotomia (postulada) entre a ordem cultural e a ordem natural.
Na sua fase ascendente, o sistema do capital pôde basear os seus feitos produtivos num dinamismo expansionista interno – sem ser ainda imperiosa uma orientação monopolista/imperialista que permita aos países mais avançados garantir militarmente o domínio do mundo. No entanto, na senda da circunstância historicamente irreversível que é a sua entrada numa fase produtiva descendente, o sistema do capital tornou-se inseparável de uma necessidade, cada vez mais intensa, de expansão militarista/monopolista e de uma distensão constante da seu quadro estrutural, tendendo, na sua lógica produtiva interna, para o estabelecimento criminoso e perdulário de uma "indústria do armamento permanente", que vai de par com as guerras que necessariamente se lhe encontram associadas.
Na verdade, ainda antes do despoletar da Primeira Guerra Mundial, Rosa Luxemburgo havia identificado claramente a natureza deste fatídico desenvolvimento monopolista/imperialista, rumo a uma orientação destrutivamente produtiva, ao escrever no seu livro A acumulação de Capital que: "O Capital em si mesmo controla, em última análise, o movimento rítmico da produção militar através do poder legislativo e da imprensa, cuja função é a de moldar a chamada "opinião pública". É por isso que esta região particular de acumulação capitalista parece, à primeira vista, capaz de uma expansão infinita." [10]
Por outro lado, a utilização cada vez mais perdulária de energia e de recursos materiais vitais e estratégicos, manifesta não apenas a articulação cada vez mais destrutiva das determinações estruturais do Capital no plano militar (através de uma manipulação legislativa da "opinião pública" que nunca é questionada, e muito menos regulamentada), mas também a cada vez maior usurpação da natureza. Ironicamente, mas de forma nada surpreendente, este momento do desenvolvimento histórico regressivo do sistema do Capital trouxe também consigo amargas consequências para a organização internacional do trabalho.
Com efeito, esta nova articulação do sistema do capital, iniciada no último terço do século XIX, com a sua fase imperialista monopolista intimamente ligada a um domínio global total, deu inicio a uma nova modalidade de dinamismo expansionista (ainda mais antagonista e, em última análise, insustentável), que dá lucros esmagadores a um punhado de países imperialistas privilegiados, e que, assim, adia o "momento da verdade", inseparável da irreprimível crise estrutural vivida pelo sistema nos nossos dias. Este tipo de desenvolvimento imperialista monopolista impulsionou inevitavelmente a possibilidade de uma acumulação e expansão capitalista militar, independentemente do preço a pagar pela destrutividade cada vez maior deste novo dinamismo, que assumiu já a forma de duas guerras mundiais devastadoras, bem como a da total aniquilação da humanidade implícita numa terceira guerra mundial, isto sem contar com a destruição da natureza, que se tornou evidente na segunda metade do séc. XX.
Hoje em dia, estamos a assistir ao aprofundamento da crise estrutural do sistema do capital. A sua destrutividade é visível em todo o lado, e não dá sinais de diminuir. Para o futuro, é crucial a forma como conceptualizamos esta crise, no sentido de encontrar uma solução. Pelo mesmo motivo, é também crucial reexaminar algumas das mais significativas soluções propostas no passado. Aqui não nos será possível mais do que mencionar, com uma brevidade estenográfica, os pontos de vista contrastantes que foram defendidos no passado e indicar a sorte que conhecem nos dias de hoje.
Em primeiro lugar, há que recordar que é mérito do filósofo liberal John Stuart Mill ter notado quão problemático poderia ser um crescimento capitalista infinito, consideração que o levou a propor como solução um "estado estacionário da economia". Naturalmente, um tal "estado estacionário" no quadro do sistema do capital não é mais do que uma ilusão, uma vez que é totalmente incompatível com o imperativo de expansão e acumulação do capital. Mesmo actualmente, quando tanta destruição é causada por um crescimento inadequado e pelas mais ineficazes utilizações dos nossos recursos energéticos e estratégicos vitais, a mitologia do crescimento constante é constantemente reafirmada, juntamente com a projecção ideal de uma "redução da pegada ecológica" em 2050, quando na realidade se está a seguir uma direcção completamente contrária a um tal objectivo. Assim, a realidade do liberalismo revelou-se ser a destrutividade agressiva do neoliberalismo.
Um destino semelhante teve a perspectiva social-democrata. Marx formulou claramente os seus receios acerca deste perigo na sua Critica do Programa de Gotha, mas eles foram totalmente ignorados. Também aqui a contradição entre a promessa Bernsteiniana de um "socialismo evolutivo" e a sua realização prática se revelou impressionante. E isto não apenas graças à capitulação dos partidos e governos sociais-democratas face ao engodo das guerras imperialistas, mas também através da conversão da social-democracia em geral – incluindo o "New Labour" britânico – a versões mais ou menos evidentes de neo-liberalismo, levando ao abandono não apenas do "caminho do socialismo evolutivo", mas de toda e qualquer promessa de reforma social significativa.
Para além disso, uma solução muito propagandeada, após a II Guerra Mundial, às desigualdades crescentes do sistema do capital, foi a difusão mundial do Estado Social. No entanto, a realidade prosaica deste alegado feito histórico é hoje em dia evidente, não só na total incapacidade para instituir o dito Estado Social onde quer que seja no chamado "Terceiro Mundo", mas através da liquidação, em curso, das conquistas relativas desse Estado Social do pós-guerra – nos campos da segurança social, saúde e educação – até mesmo nos poucos países privilegiados onde ele alguma vez chegou a ser instituído.
E, claro, não podemos ignorar a promessa (feita por Estaline e outros) de realizar a fase mais elevada do socialismo através da derrube e da abolição do capitalismo, pois, tragicamente, sete décadas após a Revolução de Outubro, os países da antiga União Soviética e da Europa de Leste vivem uma restauração do capitalismo na sua forma regressiva neoliberal.
O denominador comum de todas estas tentativas – apesar das suas diferenças fundamentais – é que todas elas tentaram alcançar os seus objectivos do interior do quadro estrutural da ordem metabólica social estabelecida. Todavia, como nos ensina a dolorosa experiência histórica, o nosso problema não é simplesmente "derrubar o capitalismo". Pois, mesmo que um tal objectivo possa ser alcançado numa determinada extensão, ele está condenado a ser um feito muito instável, visto que tudo o que é derrubado pode também ser restaurado. A verdadeira – e muito mais difícil – questão, é a da necessidade de uma mudança estrutural radical.
O significado tangível de uma tal mudança estrutural é a completa erradicação do capitalismo do processo social metabólico, ou, por outras palavras, a erradicação do capital do processo metabólico de reprodução societal.
O capital é em si mesmo um modo de controlo global; o que significa que ou ele controla tudo ou implode enquanto sistema de controlo societal reprodutivo. Consequentemente, o capital, enquanto tal, não pode ser controlado nalguns dos seus aspectos, enquanto outros são deixados de lado. Todas as medidas e modalidades experimentadas para "controlar" as várias funções do capital de forma permanente, falharam. De acordo com a sua incontrolabilidade estrutural – que significa que não é concebível, dentro do quadro estrutural do sistema do capital, uma qualquer alavancagem que permita manter o próprio sistema controlado de forma duradoura – o capital deve ser completamente erradicado. Este é o sentido central do trabalho de Marx.
Nos nossos dias, a questão do controle – através de uma mudança estrutural que responda ao aprofundamento da crise estrutural – tornou-se urgente, não só no sistema financeiro, devido ao desperdício de biliões de dólares, mas em todos os sectores. Os mais importantes jornais financeiros capitalistas queixam-se de que "a China está sentada sobre três milhões de milhões de dólares em dinheiro", alimentando ilusões de que, através de um "melhor uso desse dinheiro", possa surgir uma solução. Mas a dura verdade é que o endividamento global crescente do capitalismo eleva-se a um valor dez vezes superior ao dos dólares "não usados" pela China. Para além disso, mesmo que o enorme montante da dívida pudesse ser eliminado de alguma forma, ainda que ninguém saiba dizer como, a verdadeira questão mantém-se: Como é que ele foi gerado e como podemos estar seguros que não o voltará a sê-lo no futuro? É por isso que a dimensão produtiva do sistema – nomeadamente a própria relação do capital – deve sofrer uma mudança fundamental no sentido de ultrapassar a crise estrutural através de uma mudança estrutural apropriada.
A dramática crise financeira que vivemos durante os últimos três anos é apenas um aspecto das três vertentes da destrutividade do sistema do capital:
1. No campo militar, as intermináveis guerras que o capital tem gerado desde que surgiu, nas últimas décadas do séc. XIX, o imperialismo monopolista, e as ainda mais devastadoras armas de destruição massiva surgidas nos últimos sessenta anos.
2. A intensificação do impacto destrutivo do capital no domínio ecológico, que afecta directamente e põe em risco a base mais elementar da própria existência humana; e
3. No domínio da produção material, um desperdício cada vez maior, resultante do desenvolvimento de uma "produção destrutiva", que se substitui à anteriormente louvada, "destruição produtiva" ou "criativa"
Estes são os graves problemas sistémicos da nossa
crise
estrutural,
que apenas podem ser resolvidos através de uma
mudança estrutural
abrangente.
Como conclusão, gostaria de citar as últimas cinco linhas de Dialéctica da Estrutura e da História, , onde se lê:
Como conclusão, gostaria de citar as últimas cinco linhas de Dialéctica da Estrutura e da História, , onde se lê:
Notas"Naturalmente, a dialéctica histórica, por si só e em abstracto, não nos pode garantir um desfecho positivo. Esperar tal coisa seria renunciar ao nosso papel no desenvolvimento da consciência social, que é parte da dialéctica histórica. A radicalização da consciência social num sentido emancipatório é o que precisamos, mais do que nunca, para o futuro." [11]
1. "Breaking the US budget impasse," The Financial Times, June 1, 2011, http://ft.com
2. Ver a minha entrevista de 2009 ao Denate Socialista, republicada como "The Tasks Ahead," em The Structural Crisis of Capital (New York: Monthly Review Press, 2010), 173–202.
3. Esta citação é retirada da secção 18.2.1 de Beyond Capital (New York: Monthly Review Press, 1995), 680–82.
4. Entrevista de Sartre ao grupo italiano Manifesto publicada em: "Masses, Spontaneity, Party" in Ralph Milliband and John Saville, eds., The Socialist Register, 1970 (London: Merlin Press, 1970), 245
5. Ibid., 242
6. Ibid., 238-39
7. A gravidade deste problema não pode continuar a ser ignorada. Para nos apercebermos da sua magnitude, é suficiente citar um excerto de um excelente livro que nos dá uma visão global do desenvolvimento do processo de destruição da natureza, na medida em que ele resulta do ultrapassar de determinadas barreiras proibitivas traçadas pelas ciências do ambiente: "estes limiares já foram nalguns casos ultrapassados e, noutros, sê-lo-ão se se mantiver o curso actual do desenvolvimento económico. Para além disso, isto pode ser reconduzido, em todos os casos, a uma causa primeira: o padrão recorrente do desenvolvimento sócio-económico global, ou seja, o modo de produção capitalista e as suas tendências expansionistas. O problema pode ser designado, em termos globais, como "brecha ecológica global", se nos referirmos à quebra generalizada da relação humana com a natureza que nasce de um sistema alienado de acumulação capitalista infinita. Tudo isto sugere que o uso do termo Antropoceno para descrever uma nova era geológica, que se substitui ao Holoceno, é simultaneamente a descrição de um novo fardo sobre os ombros da Humanidade e o reconhecimento de uma crise imensa – um acontecimento potencialmente terminal na ordem da evolução geológica, que poderá destruir o mundo tal como o conhecemos. Por um lado, tem-se verificado uma grande aceleração do impacto humano no sistema planetário desde a revolução industrial e, mais particularmente, desde 1945 – ao ponto de os ciclos bio-geo-químicos, a atmosfera, o oceano e o sistema terrestre como um todo já não poderem ser vistos como impermeáveis à actividade económica humana. Por outro lado, o curso actual dos acontecimentos não poderá tanto ser descrito como o aparecimento de uma nova era geológica estável (o Antropoceno), mas mais propriamente como um Holoceno terminal, ou, mais sinistramente, como um fim do Quaternário, o que é uma forma de nos referirmos às extinções em massa que geralmente separam as eras geológicas. Os limites e pontos de ruptura planetários, que levam à degradação das condições de vida na Terra, podem ser alcançados dentro em breve, diz-nos a ciência, se se prosseguir o rumo actual. O Antropoceno pode ser o separador mais breve, um momento rapidamente aniquilado na linha do tempo geológico." John Bellamy Foster, Brett Clark and Richard York, The Ecological Rift: Capitalism's War on the Earth (New York:Monthly Review Press, 2010), 18-19.
8. Ver a minha conferência em memória de Isaac Deutscher The Necessity of Social Control na London School of Economics em 26 de Janeiro de 1971.Reeditada em Beyond Capital, 872-97.
9. Sartre, 239
10. Rosa Luxemburg, The Accumulation of Capital (London: Routledge, 1963), 466
11. István Mészáros, Social Structure and Forms of Consciousness, vol. 2: The Dialectic of Structure and History (New York: Monthly Review Press, 2011), 483
[*] Professor emérito na Universidade de Sussex, onde ocupou durante 50 anos a cátedra de Filosofia. O seu livro, Marx's Theory of Alienation, foi galardoado com o Isaac Deutscher Prize em 1970. É também autor de Beyond Capital, Socialism or Barbarism. The Structural Crisis of Capital, The Challenge and the Burden of Historical Time (vencedor do Premio Libertador al Pensamiento Crítico de 2008) e de Social Structure and Forms of Consciousness (2 vol.) – todos eles publicados pela Monthly Review Press . Esta comunicação foi apresentada no Brasil em Junho de 2011 e na Conferência Marxism 2011, em Londres, em Julho do mesmo ano.
O original encontra-se em http://monthlyreview.org/2012/03/01/structural-crisis-needs-structural-change .
Tradução de Miguel Queiroz e Inês Félix.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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