quarta-feira, 1 de junho de 2011

Quem é criminoso de guerra nos Bálcãs?

Escrito por Milton Temer   no Correio da Cidadania
 
A forma desmesurada com que os telejornais – não só no Brasil, mas também a normalmente discreta e isenta BBC, assim como os norte-americanos – entraram na divulgação da prisão de Ratko Mladic, comandante do exército sérvio durante a guerra dos Bálcãs, obriga uma reflexão mais séria sobre o tema.
 
Ratko Mladic não é um raio em céu azul de uma região até então tranqüila; não é um genocida psicopata que aparece do nada e desanda a eliminar populações. Ele é produto de uma tradição de confrontos religiosos e étnicos que marcou a região durante o século XX, com exceção do período em que Tito, vivo, consolidou a Iugoslávia unificada.
 
E Tito tinha essa força política por conta de uma liderança forjada em duas frentes violentíssimas durante a II Guerra Mundial. Croata, comandava a guerrilha comunista de resistência à invasão nazi-fascista dos exércitos de Hitler e Mussolini, cujos regimes tinham ampla aceitação entre seus compatriotas. Resistência de massa, quem fazia eram os sérvios, que já lutavam contra os nazistas organizando o pós-guerra socialista, distintamente dos maquisards franceses e dos partigiani italianos. Por isso, inclusive, sempre teve total independência em relação aos movimentos de Stalin, o que não ocorria com comunistas franceses e italianos.
 
Os problemas começam com a morte de Tito em 1980. Ao invés de uma chefia de Estado, com um presidente ou um primeiro-ministro eleito pelo voto direto de todos os iugoslavos, os sérvios – preocupados com a manutenção da Iugoslávia unificada – abriram mão dessa disputa, onde teriam ampla vantagem pela sua superioridade populacional sobre todas as outras etnias e nações juntas. Propuseram e avalizaram uma rotatividade entre todas as representações. Cada mandato teria presidente de uma das etnias.
 
Não funcionou, porque Croácia e Eslovênia – as que tinham aberto as portas dos Bálcãs ao nazi-fascismo da II Guerra – se empenharam no descompromisso com o regime socialista auto-gestionário, começando a buscar seus contatos e seus apoios entre as potências ocidentais.
 
Com o fim da União Soviética, soltam as amarras e partem para a separação, com hostilidade às populações sérvias em seus territórios, contra o que o governo sérvio reage.
 
Vale ressaltar aqui que, se o genocídio nos Bálcãs tem data inicial de ocorrência, se deu contra os sérvios na II Guerra Mundial – na ordem de 350 mil mortos – sob as botas da milícia fascista croata, os sustachi, que concorriam em ferocidade com as tropas das SS. Tinha por que temer a ação croata contra os seus que viviam na região.
 
Diante da reação sérvia, a OTAN entra no jogo, bombardeando brutalmente a Bósnia. Daí em diante, foi o Deus nos acuda. Todos contra todos, muito embora sobre os sérvios – por seu passado sempre pró-Rússia, dos czares ou dos sovietes – terminem por cair todas as acusações desse bizarro Tribunal de Haia, que sempre opera na direção dos interesses do Departamento de Estado americano e do Pentágono, sem que seja sequer reconhecido pelos Estados Unidos.
 
Nesse contexto, se os sérvios são levados ao banco dos réus, em todos os lados – inclusive nos comandos da OTAN –, têm de ser buscados os criminosos de guerra nessa sofrida região, caso se queira alguma justiça com isenção.
 
Como ilustração, sugiro que se busque no portal da GloboNews a reportagem exibida pelo Jornal das 6, de 26 de maio, em que Silvio Bocanera entrevista civis de uma região onde Mladic é tratado como herói. Apavorante para os habitantes, conforme revelam ao vivo as entrevistas de rua, é a ameaça dos bombardeios da OTAN sobre populações civis locais.
 
Milton Temer é jornalista.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Pacote do governo: discussão esquenta entre deputados. Cpers promete paralisação


Cpers promete paralisação para pressionar deputados (Foto: Ramiro Furquim/Sul21)

Felipe Prestes no Sul21

A entrega do pacote de projetos do governo do estado à Assembleia, na semana passada, encerrou apenas uma etapa da discussão sobre temas delicados que o conjunto de projetos aborda, como a previdência e o pagamento de RPVs. Apesar da maciça presença de deputados na entrega dos projetos pelo governador, as bancadas de oposição e de governo já organizam discussões internas e com a sociedade. Enquanto isto, entidades de servidores, como o Cpers, já se organizam para pressionar e barrar a aprovação dos projetos.
Após a aprovação do reajuste do magistério e dos funcionários de escolas, a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira, revelou que está sendo preparada uma paralisação para a semana de votação do pacote, cujos projetos começarão a trancar a pauta da Assembleia a partir do dia 25 de junho – a exceção é o projeto da inspeção veicular, que foi enviado sem pedido de urgência. O sindicato deve consultar a categoria para definir as manifestações, mas é certo que elas acontecerão. Na próxima quinta-feira (2), por exemplo, já está marcado ato público realizado por diversas entidades representativas dos servidores, na Praça da Matriz, a partir das 14 horas. “Precisamos que as bancadas não votem este pacote. A categoria deve paralisar na semana da votação. Se preciso for, pararemos por duas semanas, para que os projetos não sejam votados”.
PP se reúniu com 22 entidades de servidores (Foto: Geancarla de Aguiar/PP-RS)

PP ouviu servidores

Na segunda-feira (30), o PP recebeu 22 entidades de servidores em seu diretório estadual. O líder da bancada progressista, João Fischer, afirmou que o que mais preocupa os servidores é o regime de urgência dos projetos. “Os servidores estão apavorados com a urgência. Não haverá tempo para debater da forma necessária projetos tão importantes, que dizem respeito diretamente a eles”.
Fischer afirmou que há um temor entre os servidores de que o aumento da alíquota de contribuição previdenciária – de 11 para 16,5% — não fique restrito apenas àqueles que ganham acima do teto do regime geral da previdência (de R$3.689,66) como prevê projeto do governo, porque poderia ser inconstitucional um aumento destinado a parte dos servidores. “E eles estão muito preocupados com o pagamento das RPVs”, acrescentou. O deputado diz que deve encaminhar críticas e sugestões do partido à Casa Civil até o final desta semana.

PSB aprofunda debate

Nesta quarta-feira (1º), o PSB vai se reunir para aprofundar a discussão sobre os projetos do governo. A reunião ocorrerá na sede estadual do partido, às 19h, e contará com a presença dos quadros mais importantes da sigla no governo Tarso, o governador em exercício Beto Grill, e o secretário de Infraestrutura e Logística, Beto Albuquerque. Foi convidado a falar, o integrante da assessoria superior do governador, João Victor Domingues.
Agência AL
Miki Breier: É preciso enfrentar o debate da previdência (Foto: Agência AL)

O deputado Miki Breier (PSB) acredita que a pressão de servidores como os magistrados – os mais atingidos pelas mudanças na previdência – pode, sim, fazer com que deputados da base aliada fraquejem entre apoiar o governo, ou bater de frente com estas classes de servidores. “Teremos pressão muito forte. Deputados podem vacilar. Será o grande teste para a base aliada”, diz.
O socialista conta que sua bancada tem pensado mais em sugestões para o projeto de inspeção veicular, que terá mais tempo de discussão, porque foi enviado sem regime de urgência. Quanto à previdência, Miki Breier acredita que a proposta do governo pode ter defeitos, mas que o Executivo acerta ao colocar a questão em votação de forma rápida. “Temos que enfrentar este debate. O governo está enfrentando. Mudanças na previdência já vêm sendo discutidas há muito tempo, não dá para dizer que não haverá tempo para discussão”.
Breier acredita que seria muito difícil votar este projeto se ele não viesse em regime de urgência, ressaltando que o ano que vem é ano eleitoral. “Estas medidas não tão simpáticas têm que ser votadas este ano. Se não fizer isto no primeiro ano de governo, o projeto não sai”, diz. O PTB é outro partido que deve discutir o tema. O deputado Cassiá Carpes afirma que os seis parlamentares da sigla devem se reunir na semana que vem.

Inconstitucionalidade

Segundo o deputado Adroaldo Loureiro (PDT), o partido também tem dúvidas quanto a constitucionalidade do aumento de contribuição previdenciária para parte dos servidores. “O nó para a nossa bancada é a questão da alíquota diferenciada. Nossos técnicos avaliar sua legalidade. O governo tem seus argumentos, mas nós ainda estamos em dúvida”.
Miriam: "Todos concordam que as mudanças precisam ser feitas" (Foto: Ramiro Furquim/Sul21)

A líder do governo, Miriam Marroni, diz que não há nenhuma decisão definitiva do STF sobre cobranças de alíquotas diferentes para servidores. Mas que, em casos analisados pelo governo, o Supremo tem ressaltado que o INSS já possui categorias diferenciadas. Outro princípio no qual o governo se baseia é o que diz que não se pode tratar desiguais (no caso os servidores de maiores e menores salários) como se fossem iguais. Além disto, Miriam ressalta que a alíquota proposta pelo governo não ferirá a capacidade contributiva dos servidores atingidos, tendo pouco impacto no bolso destes servidores. “O aumento não é nenhum absurdo”, diz.
Miriam admite que a base não está 100% fechada com tudo o que dizem os projetos, mas afirma que há “poucos ruídos”. Em especial, ressalta, há propostas divergentes para a definição dos pagamentos de RPVs. Ainda assim, diz que os deputados governistas estão fechados quanto à importância dos projetos. “Ninguém tem problema quanto ao conceito dos projetos. Todos concordam que estas mudanças precisam ser feitas”. Miriam deve intensificar as conversas com as bancadas na semana que vem.

Críticas ao Cpers

A líder de governo criticou a postura do sindicato dos profissionais da educação. Segundo Miriam Marroni, as mudanças não atingem os que menos recebem, e garantem a segurança da previdência, que corre risco de quebrar em quatro ou cinco anos. “Esperava do Cpers a defesa disto. Fico surpresa que uma dirigente sindical seja contra um projeto que impede que a previdência quebre. Acho uma irresponsabilidade”.

The Economist: Benvindos ao Antropozóico

da revista britânica Economist, via Viomundo

Os humanos mudaram a forma como o mundo funciona. Agora também precisam mudar a forma como pensam sobre isso

A Terra é uma coisa grande: se fosse dividida de forma equânime por todos os 7 bilhões de habitantes, cada um ficaria com quase um trilhão de toneladas. Pensar que o funcionamento de um ente tão vasto poderia ser mudado de forma duradoura por uma espécie que tem corrido pela superfície dele por menos de 1% de 1% de sua história parece, considerando apenas isso, absurdo. Mas não é. Os humanos se tornaram uma força da natureza que muda o planeta em escala geológica — mas numa velocidade mais rápida que a geológica.
Só um projeto de engenharia, a mina de Syncrude nas areias betuminosas de Athabasca, envolve o movimento de 30 bilhões de toneladas de terra — duas vezes mais que a quantidade de sedimento que flui em todos os rios no mundo em um ano. Aquele fluxo de sedimento, enquanto isso, está encolhendo: quase 50 mil grandes represas no último meio século reduziram o fluxo [de sedimento nos rios] em quase um quinto. É uma das razões pelas quais os deltas da Terra, onde vivem centenas de milhões de pessoas, estão erodindo num ritmo que impede que sejam reabastecidos.
Os geólogos se importam com sedimentos, martelando neles para descobrir o que têm a dizer sobre o passado — especialmente sobre as grandes porções de tempo que a Terra atravessa de um período geológico a outro. Com o mesmo espírito os geólogos olham para a distribuição de fósseis, para traços das geleiras, para o nível dos oceanos. Agora, um número destes cientistas argumenta que futuros geólogos, observando este momento do progresso da Terra, vão concluir que algo muito estranho está acontecendo.
O ciclo do carbono (e o debate sobre o aquecimento global) é parte da mudança. Assim também é o ciclo do nitrogênio, que converte nitrogênio puro da atmosfera em químicos úteis, e que os humanos ajudaram a acelerar em mais de 150%. Eles e outros processos antes naturais foram interrompidos, remodelados e, principalmente, acelerados. Os cientistas estão crescentemente usando um novo nome para este período. Em vez de nos colocar ainda no Cenozóico, uma era particularmente estável que começou há cerca de 10 mil anos, os geólogos dizem que já estamos vivendo no Antropozóico: a idade do homem.
The new geology leaves all in doubt
O que os geólogos escolhem chamar de um período histórico normalmente importa pouco para o resto da humanidade; disputas na Comissão Internacional de Estratigrafia sobre os limites do Período Ordoviciano normalmente não capturam as manchetes. O Antropozóico é diferente. É um daqueles momentos em que cai a ficha científica, como quando Copérnico entendeu que a Terra girava em torno do sol, momentos que podem mudar fundamentalmente a visão das pessoas sobre coisas muito além da ciência. Significa muito mais que reescrever alguns livros didáticos. Significa repensar a relação entre as pessoas e seu mundo — e agir de acordo com o resultado.
A parte de “repensar” é a mais fácil. Muitos cientistas naturais abraçam a confortável crença de que a natureza pode ser pensada, na verdade deveria ser pensada, separadamente do mundo humano, com as pessoas como meras observadoras. Muitos ambientalistas — especialmente aqueles da tradição norte-americana inspirada em Henry David Thoreau — acreditam que “o mundo selvagem é a preservação do mundo”. Mas as regiões isoladas, para o bem e para o mal, estão se tornando crescentemente irrelevantes.
Quase 90% da atividade vegetal do mundo, por algumas estimativas, é encontrada em ecossistemas onde o homem tem um papel significativo. Embora a agricultura tenha mudado o mundo por milênios, o evento Antropozóico dos combustíveis fósseis, da engenharia agrícola e, principalmente, dos fertilizantes artificiais à base de nitrogênio, incrementaram vastamente o poder da agricultura. A relevância das regiões preservadas para nosso mundo encolheu em face deste avanço. A quantidade de biomassa que agora anda sobre o planeta em forma de humanos ou animais de criação pesa muito mais que todos os outros grandes animais juntos.
Os ecossistemas do mundo são crescentemente dominados por um grupo limitado e homogêneo de culturas, animais de criação e criaturas cosmopolitas que se dão bem em ambientes dominados por humanos. Criaturas menos úteis ou adaptáveis se dão mal: a taxa de extinção hoje é bem mais rápida que durante períodos geológicos normais.
Recycling the planet
O quanto as pessoas deveriam se amedrontar com isso? Seria estranho se não se preocupassem. A história do planeta contém muitas eras menos estáveis e clementes que o Cenozóico. Quem pode garantir que a ação humana não pode empurrar o planeta para nova instabilidade?
Alguns vão querer simplesmente voltar o relógio. Mas retornar às coisas como eram não é realista, nem moralmente alcançável. Um planeta que em breve pode sustentar 10 bilhões de seres humanos precisa trabalhar de forma diferente de que quando sustentava 1 bilhão de pessoas, a maioria camponeses, 200 anos atrás. O desafio do Antropozóico é usar a engenhosidade humana para ajeitar as coisas para que o planeta possa cumprir sua tarefa do século 21.
Aumentar a resiliência do planeta vai provavelmente envolver algumas mudanças dramáticas e muitos pequenos ajustes. Um exemplo do primeiro pode vir da geoengenharia. Hoje o abundante dióxido de carbono emitido na atmosfera fica para a natureza recolher, o que ela não pode fazer suficientemente rápido. Embora as tecnologias ainda sejam nascentes, a ideia de que os humanos possam remover o carbono dos céus da mesma forma que ele é colocado lá é uma razoável expectativa Antropozóica; não evitaria o aquecimento global a curto prazo, mas poderia reduzir seu impacto, com isso reduzindo as mudanças na química dos oceanos causadas pelo excesso de carbono.
Mais frequentemente a resposta estará nos pequenos ajustes — em encontrar formas de aplicar o músculo humano em favor da natureza, em vez de contra ela, ajudando assim a tendência natural de reciclar as coisas. A interferência humana no ciclo do nitrogênio tornou o nitrogênio muito mais disponível para plantas e animais; fez muito menos para ajudar o planeta a lidar com todo aquele nitrogênio quando as plantas e animais se satisfazem. Assim, sofremos cada vez mais com as “zonas mortas” costeiras, invadidas pelo brotar de algas alimentadas por nitrogênio. Pequenas coisas, como uma agricultura mais inteligente e melhor tratamento de esgoto, poderiam ajudar muito.
Para os homens, ter um envolvimento íntimo com vários processos interconectados numa escala planetária envolve muitos riscos. Mas é possível acrescentar à resiliência do planeta, em geral com medidas simples e graduais, se elas forem bem pensadas. E uma das mensagens do Antropozóico é que as ações graduais que nos trouxeram até aqui podem rapidamente se somar para provocar mudanças globais.

PS do Viomundo: Num mundo em que a Kátia Abreu e o Aldo Rebelo se juntam, tudo é possível.

Oposição critica seleção de livros didáticos distribuídos pelo MEC


Amanda Cieglinski, da Agência Brasil, via Sul21

Brasília – Senadores do PSDB criticaram hoje (31) o conteúdo de livros didáticos que são distribuídos pelo Ministério da Educação (MEC) às escolas públicas de ensino fundamental e médio. Eles convocaram o ministro da Educação, Fernando Haddad, para discutir conteúdos ideológicos e políticos que estariam presentes em obras de história. De acordo com os senadores, os livros contêm elogios ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e críticas ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
“Há sim viés ideológico. Deve-se excluir as editoras de qualquer responsabilidade nisso, a responsabilidade é dos autores e dos responsáveis pela seleção e aprovação do conteúdo. É uma realidade que cabe ao ministério enfrentar. É inevitável constatar que há parcialidade”, criticou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).
O senador Cyro Miranda (PSDB-GO) afirmou que a obra fere os princípios constitucionais porque faz “doutrinação política e ideológica”. Os parlamentares também pediram explicações sobre a polêmica sobre um livro didático de educação de jovens e adultos (EJA) que admite o uso da norma popular da língua portuguesa. No texto, a autora da obra Por uma Vida Melhor afirma que os alunos podem falar do “jeito errado”, mas devem atentar ao uso da norma culta, cujas regras precisam ser dominadas.
Haddad afirmou que diversas entidades da área educacional defenderam a obra que, segundo ele, considera a realidade dos alunos adultos que estão retornando à escola para aprender a norma culta. Para ele, os que criticaram o livro não leram todo o conteúdo do capítulo e apenas analisaram frases fora do contexto.
“Sou filho de imigrantes libaneses que nunca pisaram na escola e eu entendo perfeitamente a abordagem pedagógica da autora. Quando o adulto volta para a escola ele traz vícios naturais [da fala popular] e o livro o convida a traduzir essa linguagem para a norma culta, esse é o papel do educador. A partir do contexto, da situação de fala, [cabe a ele] orientar o aluno a compreender a norma culta”, disse. Sobre os livros de história, Haddad disse que não irá emitir opinião porque não analisou todo o conteúdo da obra.
Álvaro Dias defendeu que há viés político na defesa da língua popular em detrimento da norma culta. Os senadores fizeram uma referência ao jeito de falar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Foi feita uma conotação [pela autora do livro] com o jeito que o ex-presidente Lula se expressava, mostrar que aquilo era normal”, disse Cyro Nogueira.
Em resposta ao senador Álvaro Dias, Haddad citou o soviético Josef Stalin e o alemão Adolf Hitler e defendeu que há uma “involução” no debate. “Stalin ao menos lia os livros antes de fuzilá-los [os autores]. Estamos saindo de uma situação stalinista e assumindo agora um viés facista ao criticar o livro sem ler”, disse.
O ministro explicou como é feito o processo de seleção dos livros, que são avaliados por universidades federais, e afirmou que esses critérios podem ser aperfeiçoados caso seja essa a avaliação do Congresso Nacional. A senadora Kátia Abreu (DEM-TO) defendeu que não há critérios objetivos na análise das obras e que não é possível confiar na “santidade” das universidades.
“Ninguém está discutindo o benefício da distribuição do livro didático, mas o que está pegando são os critérios. Não existe isenção com relação à escolha dos livros, somos seres humanos e temos nossas preferências”, disse. Ela também defendeu que a identidade dos especialistas que avaliam as obras precisa ser revelada, já que, segundo o ministro, esses especialistas não são conhecidos pelo ministério.

Edição: Talita Cavalcante

'Dilma perdeu seu grande projeto político'








 
Depois de uma aparente lua-de-mel, que marcou os cem dias iniciais de seu governo, a presidente Dilma Rousseff enfrenta o revés da primeira grave crise política, com as denúncias envolvendo a súbita evolução patrimonial do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, e, na sequência, a derrota na votação do Código Florestal. Uma derrota imposta não pela oposição, hoje minguada, mas por um aliado da própria coalizão, o PMDB. Um fracasso que representa, na opinião do professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do Cebrap, Marcos Nobre, o fim do grande projeto político de Dilma: governar com relativa autonomia, com indicações ao segundo escalão que vinham seguindo critérios mais técnicos, sem se dobrar ao "pemedebismo", termo preferido de Nobre para denominar a cultura política brasileira. Para Nobre, os recentes acontecimentos, que incluem a "absurda" entrada do ex-presidente Lula em cena, mostram que Dilma perdeu a queda-de-braço e vai ter que ceder. Terá uma tarefa "muito difícil" para se reeleger e deve exercer o mesmo papel de seus antecessores: ser apenas a síndica do condomínio pemedebista. Com um agravante, avisa: o de que o sistema político se esgotou e tende a levar o país à paralisia.

A entrevista é de Cristian Klein e publicada pelo jornal Valor,
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Eis a entrevista.

O que aconteceu com o governo Dilma?

A Dilma teve de renegociar os acordos feitos pelo Lula. O Lula ampliou a base do governo a tal ponto que não existe mais oposição. Quando acontece isso, a oposição vai para dentro do governo. Na verdade, o jogo entre governo e oposição é entre PT e PMDB e, digamos, seus satélites. Nesse processo de ampliação da base, Dilma resolveu aproveitar o que chamo de excesso de adesão para tentar fazer uma seleção dos quadros do segundo escalão. Quis aproveitar a situação a favor dela. Estava usando todo seu capital eleitoral para fazer essa negociação dura com o PMDB e com os outros partidos, para que aqueles que fossem acolhidos no segundo escalão fossem mais técnicos, com mais qualidade gerencial, e política também, no sentido de tentar encontrar currículos que fossem mais "ficha limpa". E o caso Palocci termina essa tentativa da Dilma. Nesse momento, a Dilma vai entregar o que o PMDB pedir. É a parte triste da história.

A Dilma errou ao conduzir a negociação política e ao escalar Palocci para a Casa Civil?

Não sei se errou porque o caso é muito estranho e não temos esclarecimento. Se Palocci não der explicações razoáveis, ela errou com certeza porque não aplicou os critérios que ela mesma disse que iria aplicar, no primeiro escalão.

Parlamentares reclamam muito de não serem atendidos pela presidente. Consta que a cada dez indicações de nomes levados por Palocci, Dilma aceitaria, por exemplo, apenas dois ou três.

Isso tem lá sua parte de verdade e tem também a parte de que o Palocci está tentando tirar a responsabilidade dele mesmo.

Como a presidente pôde perder a votação do Código Florestal tendo uma base tão grande? Faltou habilidade ou seria inevitável?

Inevitável nada é. E habilidade realmente não é uma característica dos líderes escolhidos pela Dilma.

Que líderes?

O [Cândido] Vaccarezza [líder do governo na Câmara]. É de
uma inabilidade flagrante.

Ele subiu à tribuna dizendo que tinha acabado de conversar com a Dilma, que teria lhe dito considerar uma "vergonha" o Código que a Câmara iria aprovar. Isso causou muitas reações.

Além da ameaça que aparentemente existiu de que a Dilma demitiria os ministros do PMDB. Então, o que se tem é um processo de chantagem mútua. O PMDB chantageia porque quer as nomeações, e a Dilma chantageia de volta dizendo: "Então eu demito". Aí, é uma queda-de-braço. Só que, com o caso Palocci, enfraqueceu o lado da Dilma. O enfraquecimento dela foi tal que o Lula ocupou o espaço dela. E isso realmente é um dos grandes absurdos do momento político brasileiro. Ele obriga a Dilma a sair a público para falar a favor do seu ministro, mesmo que em termos muito genéricos. Isso só ajuda a aumentar o estado de confusão da situação política brasileira. Não ajuda em nada a intervenção do Lula.

Há um duplo comando?

Não... Porque em política existe uma regra que é: há uma pessoa que tem a caneta. Isso faz muita diferença. Mas aumenta a confusão. O que aconteceu no Código Florestal? O PMDB disse: "Olha, se continuarem neste ritmo as exigências que estão sendo feitas para as nomeações de segundo escalão, vamos votar contra o governo". E escolheram um projeto, o Código Florestal, que não é vital para o funcionamento da máquina governamental. Escolheram quando perceberam que Dilma endureceu porque tomou essa votação como se fosse, no parlamentarismo, um voto de desconfiança. Ela levou a votação nesses termos, coisa que não deveria ter feito. Resolveu tirar a limpo e quando, no meio, acontece o caso Palocci, ela não tinha mais força para enfrentar essa base.

Havia saída?

Qualquer que seja o governo ele acaba sendo submetido à lógica do sistema político, que funciona de maneira autônoma. Algo do tipo: "Se você não mexer comigo, eu não mexo com você". Isso significa que funciona na base da chantagem mútua e na base do veto mútuo. Um exemplo: o caso dos líderes parlamentares religiosos que fizeram um acordo de que não chamariam o Palocci à Câmara se fosse retirado de pauta o material contra homofobia do Ministério da Educação. É um acordo quase mafioso do sistema político, de autoproteção.

Isso corresponde a um processo de cartelização, que caracterizaria atualmente os sistemas partidários pelo mundo?

Não, é uma coisa muito brasileira e, acho, um pouco incomparável. O PMDB criou, lá na década de 80, uma cultura política duradoura para o Brasil, que diz assim: "Se você entrar para o partido - qualquer um pode entrar -, se você se organizar como grupo de pressão, tem o seu interesse garantido e pode ter certeza de que será consultado a respeito de qualquer assunto que diz respeito a esse interesse". Portanto, tem direito de veto. Com isso, você não tem debate público real, porque as questões não vão para o debate, são vetadas antes, como nesse caso que dei do [deputado federal do PR do Rio, Anthony] Garotinho versus Palocci.

A imagem de uma presidente refém de grupos de pressão não é contraditória com a ideia predominante de que o governo tem a primazia e sua posição quase sempre prevalece, porque pode oferecer cargos, verbas etc?

É, mas eu acho que essa ideia de um governo todo-poderoso é completamente ilusória. Basta ver o que o Lula, do alto de seus 80% de popularidade, conseguiu passar no Congresso. O que ele conseguiu passar de realmente decisivo? Nada. O desafio anual do governo é passar a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] e depois passar a lei orçamentária.

Qual é a solução para se escapar desse pemedebismo?

É preciso ter governos mais enxutos e mais coesos, que coloquem uma linha e digam: a partir daqui eu não aceito.

Mesmo que seja um governo minoritário?

Mesmo. Mas aí é preciso ter um apoo popular significativo para você conseguir se manter. Algum movimento vai ter que ser feito. E necessariamente é diminuir a adesão ao governo. Num certo sentido, Dilma estava fazendo isso, ou tentando fazer, ao colocar critérios rígidos para escolher o segundo escalão. Com o caso Palocci ela perde esse grande projeto político que era dela e vai simplesmente continuar sendo uma síndica do pemedebismo.

É factível que o Brasil venha a ter um governo minoritário ao estilo dos escandinavos com essa cultura política de barganha?

É, mas aí você está me dizendo que o pemedebismo é inevitável. Pode ser. A maioria das pessoas do PT, por exemplo, com quem eu converso, dizem que esta é a estrutura, que se você quiser fazer política pela esquerda, precisa ocupar essa cultura política pela esquerda. O que eu posso dizer contra um argumento realista? Nada. Por que o realismo sempre está certo. Agora, o que muda o mundo não é o realismo. Pode-se dizer: "Isso é ser realista, é ser pragmático". Mas, bom, nós vamos para o buraco, vamos construir uma democracia horrorosa, que é o que estamos fazendo. É um sistema que funciona na base da chantagem.

Esse modelo de pragmatismo, de maior diluição ideológica, não vem se tornando uma tendência mundial, como o caso clássico do Partido Trabalhista britânico?

Com toda razão. Esse movimento para o centro você pode observar em vários países, não vou dizer em todos. Mas no Brasil, a tendência tem uma certa especificidade. Porque não existe na Espanha, na Alemanha, na Escandinávia, essa tradição pemedebista. Ou seja, ser político é estar no poder, seja qual for o governo.

Não seria esta a origem do problema: o alto custo de ser oposição no Brasil? As reformas não deveriam começar por aí?

Sem dúvida. É um problema de cultura política, sim, e é um problema de estrutura também. Você tem uma concentração de recursos na União que é absurda. A União pode manter Estados e municípios a pão e água. Isto não é possível. Esse grau de concentração foi produzido em grande medida pelo Plano Real que retomou o poder para a União, um poder que era disseminado pelos Estados. Os Estados faziam política econômica! Esse processo de concentração e fortalecimento da União foi importante para se estabelecer alguma espécie de estabilidade, mas tem agora um efeito perverso. Porque o sistema político pemedebista, que era a fragmentação entre os Estados, se readaptou a esse modelo centralizado. O que acontece num sistema pemedebizado? Significa que a Dilma, a partir de agora, é refém desse sistema e que ela vai operar nos limites que este sistema colocar para ela. Qual é o problema disso? É que leva à paralisia.

Por que ela é refém e o Lula não foi?

O Lula foi, claro que foi, ele montou este sistema. E ele montou de tal maneira que ele aparecia como alguém que mandava muito e não mandava coisa alguma.

O Lula não mandava?

Muito pouco. Por onde o governo Lula passou neste sistema de vetos? Pense nas políticas pelas quais o Lula é conhecido: Bolsa-Família, Luz para Todos, os PACs, que estão empacados. Foi por onde o sistema não vetava. Quem é contra o aumento do salário mínimo? Quem é contra dar Bolsa-Família? Com isso ele produziu um crescimento econômico que permitiu um realinhamento da economia. Fez uma política "keynesiana". Agora, essa ideia de que Lula mandava muito não procede. Ele é muito importante? Sim, fez o Brasil voltar à ideia de que o país pode ter futuro, de país que cresce. Mas do ponto de vista do sistema político não mudou nada.

Por que o PMDB não consegue ser o síndico?

Quantos votos teve Ulisses Guimarães em 1989, na eleição presidencial, 4,89%? O PMDB aprendeu a lição. Não pode ser síndico de seu condomínio. Porque se o síndico for outro e der errado, a culpa é do síndico. Não é dele. Então essa é a lógica do PMDB: põe a culpa no síndico. Não é a lógica do PMDB só. É de todos os partidos do sistema político brasileiro.

O PT é um PMDB?

Não, o PT é um partido diferente. Por isso ele é síndico. O Fernando Henrique estabeleceu dois polos, que são dois síndicos. Na eleição do condomínio você pode escolher entre eles: o do PT ou o do PSDB.

Que são duas alternativas ao pemedebismo...

Alternativas a tomar conta do condomínio pemedebista. O PSB é assim, o PSD do Kassab é assim. Você acha que Aécio é líder da oposição? Aécio não lidera oposição nenhuma. Ele está esperando que o governo Dilma dê errado para afirmar que isso é um fracasso, depois de dizer que Lula e Dilma eram ótimos. Ou seja, é um mero oportunismo eleitoral. Agora qual é o limite que tem um Estado para fazer o governo Dilma fracassar? Peguemos a Copa. Em que Estados está havendo maior problema? São Paulo, Minas... Só que tem limite. Porque os Estados e municípios dependem de repasses federais.

Não seria um tiro no próprio pé do PSDB, ao arriscar seu governo nesses Estados?

Sim, mas se a Copa não der certo, a culpa é do governo federal, não do estadual. É da Dilma.

A governabilidade da presidente está ameaçada, a crise tende a se aprofundar, com perda de iniciativa de agenda?

A iniciativa de agenda desaparece. Como no governo Lula. Qual foi a iniciativa de agenda dele? Enfrentamento da crise mundial. Foi muito importante, mas foi uma crise mundial! Mas a Dilma pode levar perfeitamente os quatro anos até o final - sendo síndica do pemedebismo.

Ela vai ser a síndica ou ficará à sombra do antecessor?

Acho que a Dilma não vai deixar isso acontecer. Ela deixou claro quando Lula resolveu ocupar o espaço dela. Você acha que o Lula precisa dizer à presidente o que ela tem que fazer? Não tem o menor cabimento. Pode existir um conflito entre os dois? Pode.

Tende a acontecer?

Não tenho a menor ideia. Há aquela lei da política: de criatura e criador. Mas neste caso há um elemento fundamental que é o PT. Quem vai segurar para que isso ocorra ou não é o PT.

E a reeleição?

Se a inflação não for colocada sob controle, se as obras de infraestrutura não forem realizadas para a Copa, e se não tiver uma taxa mínima de crescimento, está ameaçada a reeleição dela, claramente. A tarefa dela é muito difícil. Tem a maior base política da história do Brasil, e a menor margem de manobra. Essa é a situação dela.

E qual a chance de a oposição capitalizar esse momento?

Se Dilma fracassar durante o mandato. Mas capitalizar o Palocci é difícil porque o PSDB está pedindo desculpas por criticá-lo. Não tem oposição!

Há suspeitas de que a divulgação das denúncias teria sido fogo amigo e partido do próprio PT.

Tem, com certeza. Porque, por paradoxal que pareça, o Palocci é o representante do Lula no governo Dilma. E não tem ninguém com quem o PT tenha tido mais divergência do que com o próprio Lula. Claro, essas divergências ficaram todas debaixo do tapete e estavam esmagadas por 80% de popularidade. Mas houve divergências sérias. O PT sentia que não tinha mais a liderança do governo Lula. O Palocci é a continuidade dessa lógica. Num certo sentido, tem fogo amigo sim. Mas tem fogo amigo para todo lado. O PSDB está em guerra. O PT está em guerra. O líder do partido está em guerra aberta com o líder do governo na Câmara. O PMDB está unido, mas apenas momentaneamente, como estratégia.

O PMDB também não sofre uma influência do PT, ao se tornar cada vez mais coeso e disciplinado, como já havia chamado a atenção na votação do mínimo?

Não, acho que quem dá lições sempre é o PMDB. O PMDB diz para onde o sistema está indo.

Já que o Lula, com toda a sua popularidade, e a Dilma, agora, no seu estilo linha-dura, não conseguiram dobrar o pemedebismo, quem seria capaz?

Mas é a sociedade que tem que exigir. Você só ouve argumento realista. Mas eu digo que, se continuar assim, trava. Tende à paralisia e daí o que vai acontecer é uma crise muito maior. O governo Lula teve um efeito extraordinário de inclusão. Mas essas pessoas ainda não falaram! A gente ainda não viu o que vai ser o efeito dessas pessoas que têm acesso a internet, jornal, revista, informação política. Tem efeitos dessas mudanças da estratificação social que a gente não conhece.

Qual é a causa desse sistema pemedebista?

É uma cultura política, que vem de muito longe, que se explica pela nossa história ditatorial recente, é importante dizer isso. Os avanços feitos nos últimos 17 anos ocorreram apesar desse sistema político.

O pemedebismo é favorecido pelo sistema eleitoral proporcional, que torna o sistema fragmentado? Qual seria o seu modelo preferido, um sistema com apenas dois ou três partidos?

O número não importa. Quem é que faz uma reforma política - que na verdade é uma reforma eleitoral? O próprio sistema político. O problema não é da regra enquanto tal. Os protestos na Espanha e os da Primavera Árabe têm suas razões completamente diferentes. Mas o que o sistema político está achando é que enquanto o país estiver crescendo ninguém vai reclamar. E isso é uma loucura, as pessoas vão reclamar.

Quais os principais problemas que precisam ser atacados?

Primeiro, destravar o debate público. No Brasil, se uma questão é colocada imediatamente o problema é: a favor ou contra o governo? E não pode se resumir a isso.

A existência de uma oposição mais forte não levaria justamente ao não debate e à estratégia de ser "do contra", como ocorria com o PT - por sinal papel típico de quem está na oposição?

Não aconteceu isso com o PT, não. Não foi assim. Quer dizer, em alguns casos, como no primeiro mandato do Fernando Henrique, pode ter sido. Mas o PT aprendeu a ser oposição, durante o governo Fernando Henrique. Pegue o caso Telebrás. Ia ter a privatização da Telebrás e o que o PT fez? Apresentou um projeto alternativo de privatização.

Ministra exige esclarecimentos sobre estupro em quartel de Santa Maria


Maria do Rosário: "Não podemos aceitar que um jovem sofra estupro e se passem quatro dias sem que a família tome conhecimento" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch * no Sul21

Até ser interrogada pela reportagem do Sul21, a ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, não estava inteirada das circunstâncias que envolvem o abuso sexual sofrido por um soldado dentro do quartel, em Santa Maria, descoberto no final da semana passada. Chocada, operou rapidamente nos bastidores, consultando até mesmo alguns advogados, até chegar a uma conclusão: o caso, que por enquanto está apenas na esfera militar, deveria estar sendo tratado na Justiça comum. “Trata-se de um crime comum, cuja responsabilização deveria se dar na Justiça comum e exclusivamente na Justiça comum”, disse a ministra com exclusividade, durante seminário estadual sobre convivência familiar e comunitária em Porto Alegre.
O incidente ocorreu no dia 17, quando um soldado foi estuprado por outros quatro colegas, enquanto cumpria pena administrativa no Parque Regional de Manutenção de Santa Maria. O caso só veio à tona dias depois, já que o soldado ficou oito dias internado, quatro deles sem ter nenhum contato com seus familiares. “Não podemos aceitar que um jovem tenha sofrido o que, de fato, foi um estupro e se passem quatro dias sem que a sua família tome conhecimento”, indignou-se Maria do Rosário. A ministra prometeu cobrar de forma enérgica as autoridades militares sobre o caso. “Vou conversar com o Comando do Exército. Os comandantes (do regimento) vão ter que responder por isso”, garantiu.
Por ter acontecido no âmbito da caserna, o crime está sendo conduzido internamente, em um inquérito militar. Mas a ministra garantiu que vai acompanhar de perto toda a investigação. “O código penal brasileiro, quando trata de crimes sexuais, já não concebe mais a ideia de atentado violento ao pudor. Todo tipo penal é conformado como estupro. A existência da figura penal do atentado violento ao pudor no código militar já demonstra um equívoco imenso no ordenamento jurídico brasileiro”, argumenta Maria do Rosário.
Corpo de delito confirmou violência sexual
O soldado teria sido rendido por quatro colegas, que se revezaram nos abusos enquanto os demais seguravam o agredido. Após a violência, que teria sido denunciada no dia seguinte por um sargento, o jovem ficou oito dias internado no hospital militar, sendo liberado no último dia 25. Durante metade desse período, o soldado não teve nenhum contato com seus familiares, que não sabiam sequer que o crime sexual havia ocorrido. Quando foi ao hospital visitar o filho, a mãe do jovem teria recebido ameaças veladas, além de insinuações de que o sexo teria sido consentido e que o jovem violentado era homossexual. Segundo a família, a alegação foi de que o soldado era maior de idade e só ele poderia decidir se queria comunicar ou não seus pais a respeito do incidente.
“A família está arrasada”, diz Lauro Bastos, um dos advogados que defende o soldado e seus familiares. Segundo ele, o jovem está recebendo acompanhamento psiquiátrico para lidar com o trauma decorrente da agressão que sofreu. A defesa solicitou na segunda-feira (30) a transferência do rapaz para outro quartel, já que no momento ele continua lotado no Parque Regional de Manutenção, onde o crime foi cometido. Os advogados aguardam também uma resposta sobre o pedido feito à Procuradoria da Justiça Militar, no sentido de que os representantes do jovem tenham pleno acesso às investigações.
De acordo com o advogado Lauro Bastos, o exame de lesões corporais, solicitado pela família da vítima, comprova a violência sexual. No entanto, a defesa dos agressores pode alegar que o ato foi consentido, o que é negado com veemência pelo jovem. Quanto às ameaças, o advogado adota uma postura de prudência. “As denúncias foram feitas pela família”, admite, “mas a apuração sobre esses eventuais constrangimentos deve ser feita durante o inquérito da Justiça Militar”.
Os acusados seguem normalmente em suas atividades, já que não houve flagrante. Os soldados envolvidos no estupro foram incorporados em março, junto com o agredido, e encontram-se em serviço temporário. A investigação da Justiça Militar corre em sigilo e tem até 40 dias para ser concluído. Mesmo com o inquérito militar, os advogados registraram a ocorrência na Polícia Civil, o que mantém em aberto a possibilidade de desdobramentos na Justiça comum.
De qualquer modo, causa estranheza aos advogados o longo período em que o jovem foi mantido no hospital, além da dificuldade em obter informações junto aos militares. “São oito dias internado, sem nenhuma justificativa razoável”, critica. “O acesso (a informações) é muito fechado, tanto em relação aos exames (feitos no hospital militar) quanto aos procedimentos dentro do próprio quartel. Temos o dever de buscar esclarecimentos sobre tudo isso, e isso vai ser feito”.
Em declarações anteriores, autoridades militares garantiram que não havia esforço algum em esconder informações sobre o caso. Procurado pelo Sul21, o Comando Militar do Sul não fez declarações sobre o caso, já que o expediente do dia encerra-se às 17h.
Um outro incidente envolvendo soldados gaúchos ganhou amplo destaque em parte da imprensa gaúcha durante a semana. Soldados da unidade militar de Dom Pedrito gravaram e divulgaram um vídeo no qual aparecem dançando ao som de um arranjo funk do Hino Nacional. Os envolvidos, que podem ser indiciados por desrespeito aos símbolos nacionais e receber até dois anos de detenção, seguem normalmente suas atividades.

* Com colaboração de Rachel Duarte

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Frequência e qualidade


O debate em torno da frequência mínima do aluno em sala de aula, em nosso país, tem sido polêmica. Nas últimas décadas, tem assumido um aspecto assistencialista em função de medidas governamentais, mas que não deixam de alimentar um debate constante sobre a qualidade da educação nacional. É extremamente importante esse diálogo, já que perseguimos a melhoria da qualidade dos serviços educacionais.
A aprovação pela Comissão de Educação do Senado, no dia 4 de maio, da frequência mínima do aluno em sala de aula - que passará dos atuais 75% para 80% de exigência - vem, de certa forma, ao encontro das metas do novo Plano Nacional de Educação, que se encontra em tramitação no Congresso. Ele determina, em sua meta número 6: oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica.
Observa-se que há uma tentativa gradual de aproximar- se da meta proposta, já que o debate sobre o aumento da frequência na sala de aula caminha paralelamente ao projeto de ampliação da carga horária mínima anual. Atualmente, a carga horária é de 800 horas por ano e, de acordo com o projeto aprovado, passará para 960 horas. Essa proposta de alteração significa, na prática, aumentar a permanência do aluno na escola, que poderá ser revertida em aumento diário do tempo na escola ou expansão dos dias letivos previstos anualmente.
Mesmo sabendo que o Brasil, em comparação com outras nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), possui uma carga horária reduzida, existem divergências entre os especialistas quanto ao tema.
Qualquer proposta de alteração na forma de atendimento da escola deve passar por uma ampla análise da conjuntura escolar, desde a infraestrutura do colégio, o currículo, a gestão, a formação e a qualificação de todos os profissionais da educação que atuam no espaço escolar.
A ampliação do tempo de permanência do aluno na escola pode denunciar uma preocupação do governo com seu programa de transferência de renda, no que se refere ao excesso de absenteísmo nas escolas.
Dados de 2009 demonstram que o Estado de São Paulo concentra mais da metade dos municípios do país onde há maior descumprimento da exigência para recebimento do benefício. No Paraná, mais de 13 mil beneficiários podem ter o pagamento do Bolsa Família suspenso pela falta de frequência escolar ou desatualização dos dados cadastrais do programa. Pela exigência do programa, os estudantes com idade entre 6 e 15 anos precisam cumprir o mínimo de 85% da carga horária mensal.
De qualquer forma, os projetos apresentados pela Comissão de Educação do Senado são pertinentes porque abrem espaço para o debate e podem se revelar grandes aliados na tarefa de todos nós: garantir, de forma efetiva, um amplo debate nacional sobre a qualidade da educação nacional.


Adriana de Bortoli Gentil - Pedagoga e mestre em Educação
Artigo publicado em 26/05/2011 no JORNAL DE BRASILIA - DF
fonte: clique aqui

domingo, 29 de maio de 2011

Exploração de trabalho infantil....

Esse vídeo mostra as barbaridades que se manifestam em determinadas seitas religiosas, que se dizem evangélicas, mas não passam de grupos de aproveitadores fanáticos que se utilizam das pobres crianças para angariar fundos para suas "igrejas".
Sabemos que devemos respeitar a diversidade religiosa e suas manifestações, mas isso ai raia às beiras do absurdo ao se utilizarem da ingenuidade infantil para enriquecimento ilícito.
É muito preocupante essas novas facetas religiosas que vem aumentando, principalmente nessa crise social que nos deparamos hoje.
Não podemos correr o risco de ver nosso povo, oprimido, não esclarecido, cair nesse ardil e ficar a mercê dessa corja exploradora.
Portanto, devemos cada vez mais buscar esclarecer a população sobre essa questão sem evidentemente, contrariar a legislação sobre a livre manifestação religiosa que todos tem deireito.

Aborto seletivo pode explicar déficit de 8 milhões de meninas na Índia

A India e suas contradições: espiritualismo x materialismo; alta tecnologia x pobreza extrema; humanidade x consumismo...

Famílias forçam mães a abortar os bebês após exames confirmando sexo feminino
Moncho Torres/24.05.2011/EFEMoncho Torres/24.05.2011/EFE

Nas últimas três décadas, houve 12 milhões de abortos seletivos de fetos femininos na Índia
A indiana Kulwant (aqui chamada por um nome fictício, por razões legais) tem três filhas com idades de 24, 23 e 20 anos e um filho com 16 anos.
No período entre os nascimentos da terceira menina e do menino, Kulwant engravidou três vezes, mas foi forçada pela família a abortar os bebês após exames de ultrassom terem confirmado que eram do sexo feminino.
O caso ilustra um problema cada vez mais sério na Índia: o censo de 2011 no país revelou um forte declínio no número de meninas com menos de sete anos.
Militantes que fazem campanha para que a prática de abortar meninas seja abandonada temem que oito milhões de fetos do sexo feminino tenham sido abortados na última década. Para alguns, o que acontece hoje na Índia é infanticídio.
Emocionada, Kulwant disse que a sogra a "insultava por eu ter tido apenas meninas. Ela disse que seu filho ia se divorciar de mim se eu não tivesse um menino".
Ela contou que tem vívidas lembranças do primeiro aborto.
- O bebê já tinha quase cinco meses. Ela era linda. Eu tenho saudades dela e das outras que matamos.

Indesejadas

Até o nascimento do filho, todos os dias, Kulwant levava surras e ouvia xingamentos do marido, sogra e cunhado. Uma vez, segundo ela, o grupo tentou colocar fogo nela.
- Eles estavam com raiva. Não queriam meninas na família, queriam meninos para que pudessem receber bons dotes.
A prática de pagar dotes foi declarada ilegal na Índia em 1961, mas o problema persiste e o valor do dote sobe constantemente, afetando ricos e pobres.
O marido de Kulwant morreu três anos após o nascimento do filho.
- Foi praga por causa das meninas que matamos. Por isso ele morreu tão jovem.
A vizinha de Kulwant, Rekha (nome fictício), tem uma menina de três anos de idade. Em setembro do ano passado, quando ficou grávida novamente, foi forçada pela sogra a abortar dois gêmeos após um exame de ultrassom revelar que eram meninas.
- Eu disse que não há diferença entre meninas e meninos, mas aqui eles pensam de outra forma. Não há felicidade quando nasce uma menina. Eles dizem que o menino vai carregar a linhagem adiante, mas meninas se casam e vão para uma outra família.
Kulwant e Rekha vivem em Sagarpur, uma região de classe média-baixa no sudeste de Nova Déli.

Bebê Milagre

Longe dali, na cidadezinha de Bihvarpur, no Estado de Bihar, a bebê Anuskha - a mais jovem de quatro meninas - sobreviveu por pouco.
Quando sua mãe, Sunita Devi, ficou grávida em 2009, foi a uma clínica para fazer um exame de ultrassom.
- Perguntei ao médico se era menina ou menino. Eu disse a ela que era pobre e que tinha três meninas, e não podia tomar conta de mais uma.
A médica disse que o bebê era do sexo feminino.
- Pedi um aborto. Ela disse que ia custar US$ 110.
Sunita não tinha o dinheiro e não fez o aborto. Hoje, Anushka tem nove meses de idade. A mãe diz que não sabe como vai alimentar e educar as filhas, ou pagar por seus dotes.
A história dessas mulheres se repete em milhões de lares em toda a Índia, afetando ricos e pobres. Porém, quanto maior o poder econômico da família, menores são as chances de que "milagres" como o de Anushka se repitam.

Números

Embora o número total de mulheres tenha aumentado no país - devido a fatores como um aumento na expectativa de vida - a proporção entre o número de meninas e o de meninos no país é a segunda pior do mundo, só ficando atrás da China.
Em 1961, para cada mil meninos com menos de sete anos de idade, havia na Índia 976 meninas. Hoje, o índice nacional caiu para 914 meninas. Os números são piores em algumas localidades.
Em um distrito na região sudoeste de Nova Déli, o índice é de 836 meninas com menos de sete anos para cada mil meninos. A média em toda a capital não é muito melhor, 866 meninas para cada mil meninos.
Os dois Estados com os piores índices, Punjab e Haryana, são vizinhos da capital. Nesses locais, no entanto, houve alguma melhora em comparação com censo anterior.
O censo recente revelou pioras nos índices de 17 Estados, com as piores quedas registradas em Jammu e Kashmir.

'Vergonha Nacional'

Especialistas atribuem o problema a uma série de fatores, entre eles, infanticídio, abuso e negligência de crianças do sexo feminino.
O governo indiano foi forçado a admitir que sua estratégia para combater o problema falhou, disse o ministro da Fazenda do país, G.K. Pillai, após a publicação do relatório do censo.
- Quaisquer que tenham sido as medidas adotadas nos últimos 40 anos, elas não tiveram nenhum impacto sobre os números.
O primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, qualificou o aborto de fetos do sexo feminino e o infanticídio como uma "vergonha nacional" e pediu que haja uma cruzada para salvar bebês meninas.
O mais conhecido ativista indiano a fazer campanhas sobre o assunto, Sabu George, disse, no entanto, que até o momento o governo não se empenhou verdadeiramente em parar com a prática.
Para George e outros militantes, o declínio no número de meninas se deve, principalmente, à disponibilidade cada vez maior, na Índia, de exames pré-natais para a determinação do sexo do bebê.

Controle da Natalidade

George explicou que, até 30 anos atrás, os índices eram "razoáveis". Porém, em 1974, o prestigioso All India Institute of Medical Sciences publicou um estudo que dizia que testes para a determinação do sexo do bebê eram uma benção para as mulheres indianas.
Para o instituto, as mulheres não precisavam mais ter vários bebês para atingir o número certo de filhos homens. A entidade encorajou a determinação e eliminação de fetos do sexo feminino como um instrumento efetivo de controle populacional.
- No final da década de 80, todos os jornais de Nova Déli estavam anunciando ultrassons para a determinação de sexo. Clínicas do Punjab se gabavam de que tinham dez anos de experiência em eliminar meninas e convidavam os pais a visitá-las.
Em 1994, o o Ato Teste de Determinação Pré-Natal tornou abortos para a seleção do sexo ilegais. Em 2004, a lei recebeu uma emenda proibindo a seleção do sexo do bebê mesmo no estágio anterior à concepção.
O aborto de forma geral é permitido até as primeiras 12 semanas de gravidez. O sexo do feto só pode ser determinado por ultrassom após cerca de 14 semanas.
"O que é necessário é uma implementação mais severa da lei", disse Varsha Joshi, diretora de operações do censo em Nova Déli.
Existem hoje na Índia 40 mil clínicas de ultrassom registradas e muitas mais sem registro. Segundo Joshi, a maioria das famílias envolvidas na prática pertence à classe média indiana, hoje em expansão, e à elite econômica do país. Para ela, esses grupos sabem que a tecnologia existe e tem condições de pagar pelo teste e subsequente aborto.
"Temos de adotar medidas efetivas para controlar a promoção da determinação do sexo pela comunidade médica. E abrir processos contra médicos que fazem isso", disse o ativista Sabu George.
- Caso contrário, temos medo de pensar em como será a situação em 2021.

Modelo a Ser Seguido?

Alguns Estados indianos, no entanto, vêm criando iniciativas que podem, talvez, servir de modelo para os demais.
É o caso do Estado de Bihar, onde famílias de baixa renda estão participando do Esquema de Proteção da Menina.
Como parte do programa, o Estado investe duas mil rúpias (cerca de R$ 70) em um fundo aberto no nome da criança. O dinheiro cresce ao longo da vida da menina. Quando ela completa 18 anos, segundo as autoridades, o fundo vale dez vezes mais e pode ser usado para pagar pelo casamento ou pela educação universitária da menina.
O programa está disponível apenas para os que vivem abaixo da linha da pobreza e cada família pode registrar apenas duas filhas.
A iniciativa, anunciada em novembro de 2007, é parte de um plano do governo para tornar bebês meninas desejadas e, ao mesmo tempo, tornar atraente a ideia de uma família pequena.
Infelizmente, o programa não pode ajudar Anushka, o "bebê milagre". Sua mãe é analfabeta e ela não tem certidão de nascimento, então não pode participar do esquema.

Fonte: BBC Brasil

Breve história da revolução islandesa





290511_revolucao_na_islandiaDiário Liberdade - Na Islândia está a ter lugar uma revolução socialista em silêncio.

O povo fez demitir-se um governo inteiro, negou-se a pagar a dívida dos bancos e os mais importantes foram nacionalizados, bancários e altos executivos foram encarcerados por esbanjar o dinherio do povo e acaba de ser constituída uma assembleia popular para redigir uma nova constituição que defenda os interesses do populares.
A negativa do povo da Islândia a pagar a dívida que as elites abastadas tinham adquirido com a Grã Bretanha e a Holanda gerou muito medo no seio da 
União Europeia. Prova deste temor é o absoluto silenciamento do que está a acontecer nesta ilha norte-europeia. Nesta pequena nação de 320.000 habitantes a voz da classe política burguesa tem sido substituída pela do povo indignado perante tanto abuso de poder e roubo do dinheiro da classe trabalhadora.

O mais admirável é que esta guinada na política sócio-económica islandesa está a acontecer de um jeito pacífico e imparável. Uma autêntica revolução contra o poder que nos tem conduzido até a crise atual.
Este processo de democratização da vida política que dura já dois anos é um claro exemplo de como é possível que o povo não pague a crise gerada pelos ricos.
Esta tomada de consciência e luta pela instauração de uma autêntica democracia no país cujas decisões recaiam no povo e não nos políticos burgueses contrasta com as mornas contestações dos povos europeus.

Lembremos como para além da luta grega, a mais importante de todas as que está havendo no continente europeu, países como o Estado espanhol ou Portugal estão aplicando as políticas antidemocráticas do FMI com poucos empecilhos.  
No Reino de Espanha apenas a luta nas nações sem estado -a Galiza, o País Basco e os Países Catalães- tivo certa dosse de radicalização com as greves gerais convocadas em exclusivo nestes povos. No resto do estado o controlo da luta operária pelos sindicatos espanhóis CCOO e UGT tem permitido esfriar a quente atmosfera social que começa de novo a aquecer com as mobilizações dos "indignados e indignadas" do 15-M.

Mas que é o que aconteceria se o resto de povos europeus tomassem exemplo?
Expomos a seguir os importantes avanços do povo islandês face ao controlo popular do seu Estado:
2008. Nacionaliza-se o principal banco do país. Queda da moeda nacional, a bolsa suspende a sua atividade. O país declara-se falido.
2009. Os protestos populares frente ao parlamento conseguem a convocatória de eleições antecipadas e provocam a demissão do Primeiro Ministro, e de todo o seu governo em bloco. A situação económica do país é preocupante.

Uma lei propõe a devolução da dívida à Grã Bretanha e à Holanda através do pagamento de 3.500 milhões de euros, quantidade que será paga por todas as famílias islandesas mensalmente durante os próximos 15 anos com uns juros de 5,5%.
2010. O povo toma as ruas e solicita submeter a lei a referendo.
Em janeiro de 2010 o Presidente nega-se a ratificá-la e anuncia que haverá consulta popular.
Em março o referendo deixa clara a opinião do povo: 93% dos votos são contrários ao pagamento por parte do povo da dívida gerada pelos bancos. Dívida que sim está sendo paga com o dinheiro público noutros pontos da Europa como no Estado espanhol com a bênção do governo social-democrata do PSOE.
Por sua vez, o governo iniciou uma pesquisa para esclarecer as responsabilidades da crise. Començam as detenções de vários bancários e altos executivos. A Interpol dita uma ordem e todos os burgueses implicados fogem do país.

Neste contexto de crise, uma assembleia popular é eleita para redigir uma nova constituição que recolha as lições aprendidas da crise e que sustitua a atual, a semelhança da constituição danesa.
Para levar ao cabo este trabalho recorre-se diretamente ao povo soberano. De 522 pessoas candidatáveis 25 ciudadãos, sem filiação política, são eleitos. Para se candidatar apenas era preciso ser maior de idadr e ter o apoio de 30 pessoas.

A assembleia constitucional començará o seu trabalho em fevereiro de 2011 e apresentará um projeto de carta magna a partir das recomendações consensuadas em distintas assembleias que terão lugar por todo o país.
Deverá ser aprobada pelo atual Parlamento e pelo que for constituído após as próximas eleições legislativas.

Eis a breve história da Revolução Islandesa: demissão de todo o governo, nacionalização da banca, referendo para o povo decidir sobre as medidas económicas que devem ser adoptadas, prisão para os responsáveis da crise e da falência do país e elaboração de uma nova constituição pelo povo.

O povo islandês soube dar uma lição de democracia à Europa toda e ao resto do mundo. Uma lição, porém, silenciada pela mídia que continua a representar os interesses de quem gerou esta crise: a burguesia.