Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 25 de março de 2008
Em liquidação, a auto-estima
"Pode-se evitar os raios solares com as persianas, e combater o gelo com um bom fogo na lareira; mas a umidade penetra furtivamente em nós enquanto dormimos; ela é silenciosa, imperceptível, ubíqua". Esta descrição de Virgínia Woolf serve bem como ilustração para a penetração sorrateira da comunicação mercadológica em nossas vidas. Neste Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, 15 de março, esta questão chama ainda mais nossa atenção quando nos lembramos do modo como as crianças foram eleitas à categoria de público alvo-preferido das estratégias de vendas. Focando em primeiro lugar crianças e adolescentes, a publicidade atinge justamente seus pontos vulneráveis — ou seja, o fato de a criança ser propensa a crer em tudo o que ouve e vê.
Elevado à categoria de necessidade, por mensagens dirigidas muito mais à emoção do que à razão, cada produto parece dizer, tal como no bordão cômico, "Seus problemas acabaram!". Por não estarem ainda maduras física e mentalmente, é natural das crianças tentar evitar o desconforto das frustrações inerentes à vida civilizada. Em contrapartida, deve ser natural dos adultos a capacidade de ajudar a criança a governar seus impulsos e suportar o vazio de não poder ter tudo, ensinando a ela que o sentido de existir é exatamente participar da vida como ela é e não do modo artificial como a mídia tenta reinventá-la.
"Prazer de dirigir", "prazer de morar", "prazer de comer". Com tanto prazer à venda, tornam-se cada vez mais insuportáveis as frustrações naturais da condição humana. Não se pode ganhar sem trégua, assim como não se pode esperar que faça somente verão o ano todo. Neste mundo do consumo, estamos sempre tentando chegar "lá". Lá onde, afinal? Consumir sem limites e perceber, no minuto seguinte, que o vazio continua igual ou pior, é tão desolador quanto ver reduzida a um padrão universal a singularidade de cada criança. Com suas mensagens dúbias, a publicidade obriga fingindo não obrigar, e exclui justamente ao não diferenciar os que podem esbanjar dos que sequer podem comer.
Embora as crianças não possam praticar os atos da vida civil, como trabalhar ou ganhar dinheiro, a comunicação mercadológica contradiz essa disposição, ao abordá-las como consumidoras
"Para você que já tem idade para brilhar", promete a nova linha de cosméticos. Em que moral e ética baseia-se o anúncio, veiculado recentemente, em revista dirigida às pré-adolescentes, para afirmar qual a idade certa para uma criança brilhar? Antes dessa idade elas eram o que, então? As crianças, quando livres da compulsão consumista, limitam, isto sim, o brilho as vendas. É assim que dia-a-dia deixamo-nos penetrar pela imposição vertical de conceitos que nos dizem o que querem e não ouvem sequer nossas perguntas mais simples: "Como assim?", "Por quê?", "Quem disse?". Lembrando as palavras do filósofo e psicólogo Pedrinho Guareschi: "A consciência é o quanto de resposta alguém consegue oferecer a uma pergunta e, diante da publicidade, a criança não tem o recurso necessário para sequer fazer a pergunta".
Se, para nós, adultos, dotados de juízo crítico, o poder material se confunde com a realização íntima, o que pensar dos pequenos diante da manobra astuta de vendas que, no lugar da qualidade do tênis, oferece como atributo o sucesso na carreira esportista? Esse fato faz com que a luta pelos direitos do consumidor se estenda para além dos direitos à segurança, qualidade, opção, informação, atenção e direito de escolha. Mesmo que todos esses requisitos fossem cumpridos ao pé da lei pelo mercado, não estariam contemplando o problema maior que é o fato da criança ser elevada à categoria de consumidor sem ter condições físicas ou mentais para isso, ou seja, quando ela ainda está construindo sua cidadania.
Ninguém duvida que uma criança não pode comprar um apartamento ou carro. Embora as crianças não possam praticar os atos da vida civil, entre eles trabalhar, ganhar dinheiro e adquirir produtos, a comunicação mercadológica contradiz essa disposição legal ao abordar a criança como consumidora. Jean Baudrillard denuncia esta contradição numa cultura que enquanto protege as crianças de um lado as desprotege do outro: "A criança é transformada pela mídia no modelo ideal de consumidor. Se, por um lado, ela não é considerada socialmente como um ser completo, por outro, na perspectiva de sua inserção na cultura, ela é plena para o exercício do consumo".
Precisamos testar em nós mesmos o bem-estar que um não pode causar. Um bom começo é parar de comprar o prazer pré-determinado e dar uma chance ao gosto de escolher sem ser escolhido
Do brincar espontâneo de nossas crianças já quase não temos registro. Uma volta, volta e meia e plim!: a infância desapareceu. Aos seis anos ou menos, o cavalinho e a pipa já são brinquedos de "nerd". E por falta de pilhas, o pião não pode mais rodopiar. Este vampirismo moderno visa implantar nas crianças a vida falsa do consumismo, sugando-lhes, em troca, a seiva do prazer de existir. Precisamos protegê-las disso, antes que as previsões da psicóloga e autora Alice Miller, colhidas ao longo de sua experiência clínica, possam se confirmar para sempre: "Enquanto não nos sensibilizarmos pelo sofrimento das crianças, esse exercício de poder continuará despercebido, tomado como irrelevante e totalmente trivializado, por tratar-se ’apenas de crianças’. Em vinte anos, essas crianças se tornarão adultos que farão seus filhos pagar a conta".
Tomando para si o gosto infantil do fazer de conta, a publicidade finge querer o melhor para as crianças com toda sorte de apelos em busca de sua atenção. Assim, o bombardeio publicitário não cessa no admirável mundo da gratificação imediata e do nem parece que é - hospitais que nem parecem hospitais, bancos que nem parecem bancos, roupinhas de bebê que nem parecem roupas de bebê e mães que nem parecem que acabaram de dar a luz. Tudo para nos vender produtos de uma realidade construída sobre a base arenosa de um mundo só de prazer. Com mensagens dirigidas muito mais à emoção que à razão, cada produto parece ser a resposta exata aos nossos mais profundos anseios. Nunca os adultos foram tão tratados como crianças e nunca as crianças foram tão promovidas precocemente a adultos.
Procurar evitar a dor ou os aborrecimentos faz parte das defesas humanas. Porém, não é bom que tenhamos êxito nisso constantemente. Suportar o vazio da ausência de alguém ou de um objeto desejado, ao mesmo tempo que dói, nos impede de mascarar a dor e, sobretudo, ativa os recursos internos de que dispomos para sobreviver a ela. Nossa sanidade mental depende disso. É uma lástima ver tanta gente – principalmente crianças e jovens – fugindo, via consumo, para o mundo do alívio ilusório. Quanto mais destemidos e protetores forem os ’nãos’ que dissermos às nossas crianças, maior a sensação de segurança que elas introjetarão. Antes, porém, de dizermos o ’não’, precisamos testar em nós mesmos o bem-estar que ele pode causar. Um bom começo pode ser parar de comprar todo esse prazer padrão pré-determinado e dar uma chance ao gosto de escolher sem ser escolhido. E, no lugar do zapear de canais, pôr para tocar a música que, talvez agora, possa fazer mais sentido do que nos fazia antes: "Ou feia ou bonita, ninguém acredita na vida real".
segunda-feira, 24 de março de 2008
Fábio Carvalho envia o seguinte alerta acerca do anúncio do pagamento da chamada Lei Britto:
Considero oportuno informar os leitores do blog de que há graves equívocos na informação publicada pela imprensa gaúcha em geral, ao reproduzir, sem questionar, o anúncio do pagamento administrativo das parcelas da lei 10.395/95 (Lei Britto). Do modo como foi publicado, os servidores públicos podem ser induzidos ao prejuízo pela imprensa.
O principal equívoco é a forte sugestão de que não há diferença entre esperar pelo parcelamento até 2010 e ingressar com ações judiciais (ou aguardar pelo julgamento das mesmas). "Os servidores que acionaram o Estado na Justiça têm duas opções: desistir do processo e aceitar o parcelamento [até 2010] ou continuar a demanda para receber todo o reajuste de uma só vez", escreve a colunista Rosane de Oliveira, na Página 10 de Zero Hora.
A assertiva parece desconsiderar a hipótese de claro prejuízo do servidor que renunciar à demanda judicial (os casos devem ser analisados individualmente por pessoa da confiança do servidor). Para além da perspectiva de ter o implante integral antes de 2010, existe um passivo, ora. Esse dinheiro devido ao servidor aparece ao final do texto da colunista, quando lemos que "o governo terá de discutir o passivo acumulado nos últimos cinco anos, uma babilônia de R$ 3 bilhões". Por razões que transcendem os jardins suspensos, não existe, até agora, anúncio para saldar essa babilônia. E aí? Isso significa, hoje, duas opções para quem se sente prejudicado: Justiça ou Justiça. Não se oferta outra alternativa.
Na página 6 do mesmo jornal, a indução ao erro ganha contorno agravante, com destaque para a declaração de Mateus Bandeira, da Sefaz, publicada em olho. "Quem quiser entrar na Justiça agora vai gastar desnecessariamente com honorários advocatícios porque vai ter o reajuste". É mesmo? Quanta irresponsabilidade! Parece o tal negócio: se colar, colou. A declaração de Bandeira, tal como foi publicada, simplesmente ignora a existência do passivo e insinua que, para o servidor, sairá mais barato aguardar o parcelamento. NÃO É VERDADE.
Escrito por Marco Weissheimer
O Testamento do Dr. Mabuse - (Das Testament des Dr. Mabuse )
Clássico de Fritz Lang, "O Testamento do Dr. Mabuse" é uma obra-prima que serve de referência até os nossos dias. Aos que já o assistiram, é uma oportunidade de conferir novamente numa versão de qualidade superior, e aos que ainda não o conhecem, é a chance de admirar, mais de 70 anos depois, uma jóia cinematográfica restaurada, completa e inédita.
Legendas exclusivas
Fonte
Créditos: Makingoff - Willams
Gênero: Crime / Horror / Mistério
Diretor: Fritz Lang
Duração: 114 minutos
Ano de Lançamento: 1933
País de Origem: Alemanha
Idioma do Áudio: Alemão
IMDB: http://imdb.com/title/tt0023563/
Qualidade de Vídeo: DVD Rip
Vídeo Codec: XviD
Vídeo Bitrate: 752 Kbps
Áudio Codec: Mp3
Áudio Bitrate: 123
Resolução: 568 x 472
Formato de Tela: Tela Cheia (4x3)
Frame Rate: 25.000 FPS
Tamanho: 723 Mb
Legendas: Em anexo
- "O Testamento do Dr. Mabuse" é a segunda parte da aclamada trilogia de Fritz Lang, a qual tem início com Dr. Mabuse (1922), que é dividido em duas partes: "Dr. Mabuse: O Jogador" e "Dr. Mabuse: O Inferno do Crime", e é finalizada com "Os Mil Olhos do Dr. Mabuse" (1960).
- Consta que após a proibição da estréia do filme na Alemanha, Fritz Lang foi convocado ao gabinete de Joseph Goebbels, chefe da propaganda do nazismo e grande fã de sua filmografia, que o convidou para supervisionar os filmes alemães. Após negar o convite (o diretor alegou possuir antepassados judeus), Lang teve que fugir na mesma noite para Paris e, logo após, para os Estados Unidos.
- Ao contrário do cineasta, sua esposa e roteirista, Thea von Harbou, escolheu permanecer na Alemanha nazista, da qual era simpatizante. Mais tarde, com o agravar da situação, eles se separaram.
- A direção de fotografia é do expressionista Fritz Arno Wagner (o mesmo de "Metrópolis") e a produção do judeu Seymour Nebenzal, que também terminaria fugindo do nazismo.
- Dentre as várias sequências impressionantes do filme, chama a atenção o trabalho que Lang fez para representar as alucinações construídas pelo Dr. Mabuse, bem como uma cena na qual um industrial pede socorro à polícia e, logo após, todos os objetos da sua mesa tornam-se de cristal. Para a construção desta cena, Lang lançou mão de um artifício ao mesmo tempo simples e engenhoso. Assim como fez em "Metrópolis", no qual ele substituiu as estátuas dos sete pecados capitais por pessoas idênticas, de carne e osso, no filme de 1933 ele apenas trocou os objetos da mesa por outros idênticos, feitos sob encomenda. Embora simples, ainda hoje é um truque que intriga muitas pessoas que assistem o filme.
Fritz Lang é uma pedra basilar da história do cinema. Sem Metrópolis, o gênero da ficção ciêntifica seria sem dúvida mais pobre. Contudo, o seu espólio de trabalhos tem outras pérolas que nos mostram um homem muito à frente do seu tempo. Este O Testamento do Dr. Mabuse é um desses exemplos.
Tendo como pano de fundo uma cidade deslocada de país e um tempo sem data, é contada a história de Dr. Mabuse e o sua gangue de criminosos. Mabuse era um doutor que se tornou líder de uma gangue que espalhava o crime por onde passava. Este mesmo doutor foi apanhado, contudo já enlouquecido pela maldade, e foi parar em um asilo dirigido pelo Dr. Baum. Embora já longe da vida antiga, ele continua a escrever planos para crimes. O estranho é que estes planos chegam às mãos da gangue que segue, como uma receita, as indicações do bom doutor.
Neste filme vemos, em 1933, as regras base do enredo de um thriller contemporâneo. A história resiste ao passar do tempo de forma incrível, e o mais impressionante é que com mais de 70 anos de distância vemos métodos e situações que facilmente vamos encontrar num episódio de CSI.
O suspense, que se mantém ao longo do filme, é de uma eficiência assustadora. Suspeitamos do que poderá estar acontecendo, mas sem ter a certeza absoluta. A tensão que existe ao longo do filme, assim como as peripécias do inspector Lohman e de Thomas Kent, são os paradigmas pelos quais outros realizadores se regem hoje.
A forma como Lang filma o desconhecido e como nos dá pistas sem revelar tudo é um autêntico guia de como se deve realizar um filme.
Apenas tenho pena que a versão que vi fosse muito antiga, com uma legendagem incompleta, o que veio tirar um pouco do prazer em ver este filme.
Das Testament des Dr. Mabuse é um filme fundamental de ser visto.
Fonte
Coopere, deixe semeando ao menos duas vezes o tamanho do arquivo que baixar.
Não esqueçam de fazer o cadastro no Makingoff(é gratuito) antes de baixar o filme.
Downloads abaixo:
Das_Testament_des_Dr._Mabuse__1933_.torrent ( 28.56KB ) filme
Das_Testament_des_Dr._Mabuse__1933__DVDRip_by_Willams_megalilo.rar legendas
A América Latina aprende a dizer não | | | |
Luiz de Eça | |
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Pela segunda vez na História, Tio Sam foi desobedecido pelos povos ao sul do Rio Grande...
Depois de sepultar a ALCA, na IV Cúpula das Américas, os países latino-americanos barraram mais uma demanda básica da política externa americana, ao rejeitar a doutrina da "ação preventiva" na reunião da OEA de debate da invasão do Equador pela Colômbia.
A posição da Casa Branca, que defende o direito de um país atacar o território do outro quando sentir sua segurança ameaçada, já vigora "de fato" no âmbito da ONU, empurrada goela abaixo da comunidade internacional pelo poder hegemônico dos Estados Unidos.
Mas na América Latina ainda não é aceita.
Considera-se altamente discutível essa idéia de fazer justiça pelas próprias mãos, ao invés de pedir providências a quem é de direito.
Seria substituir o conceito do respeito à soberania, à integridade territorial – básico no direito internacional desde o século 17 –, pelo da lei das selvas.
Inclusive porque o julgamento do que seria "segurança ameaçada" ficaria por conta do governo do país que se sentisse nessa situação.
Mas seria seu governo sempre objetivo e equilibrado na análise dos fatos e na tomada das correspondentes decisões militares? Não é o que tem sido provado. O exemplo mais emblemático é a invasão do Iraque.
Aqui, a aplicação do princípio da "legítima defesa" dos Estados Unidos contra ameaças comprovadamente inexistentes já custou cerca de 100 mil vítimas iraquianas e a destruição do país, além de 4.000 soldados americanos mortos e 600 bilhões de dólares do tesouro de Washington que, hoje, mais do que nunca, bem precisado estaria deles para enfrentar sua crise econômica.
Como esse, há muitos outros exemplos da aplicação desastrada do princípio da "ação preventiva".
Em 1986, depois que um atentado terrorista matou dois soldados americanos em Munique, o então presidente Reagan, mediante indícios não concludentes de conivência do ditador Khadafi, da Líbia, "defendeu" seu país mandando bombardear o complexo residencial da família do adversário. Khadafi saiu ileso, mas não sua netinha de um ano de idade, que morreu com mais cerca de 100 pessoas.
Em 1998, por ordem do presidente Clinton, aviões americanos arrasaram uma fábrica em Cartum, capital do Sudão, onde, segundo a CIA, se produziam bombas químicas, um terrível perigo para os Estados Unidos.
Foi um pequeno erro: eram apenas shampoos. Que, porém, não deixaram de causar dano ao povo americano, obrigado a arcar com pesada indenização paga pela Casa Branca ao proprietário bombardeado para trancar ação por ele ajuizada nos Estados Unidos.
Como se sabe, os governos do continente consideraram a ação colombiana violadora do direito internacional, portanto, um crime. Porém, como o tigre está enfraquecido, mas ainda tem garras, não se ousou condenar o criminoso, ou seja, a Colômbia, que foi obrigada a apenas pedir desculpas e jurar não repetir sua malfeitoria.
Tudo acabaria melhor se fosse ouvida a proposta do chanceler do Brasil, que pedia a paz na Colômbia através da soltura dos reféns e anistia das FARCs.
Infelizmente, por enquanto, isso é o chamado sonho impossível. Nenhuma das partes é favorável.
A Uribe, por razões eleitorais, interessa a continuidade da guerra contra a guerrilha, com quem a população está totalmente incompatibilizada depois de 42 anos de lutas que expulsaram de suas casas entre 2 e 3 milhões de pessoas. Pesquisa mostrou que o massacre da fronteira com o Equador foi apoiado por 84% dos respondentes.
Por sua vez, as FARCs, em manifesto datado de setembro último, declaram que aceitam abandonar as armas, mas jamais para um "governo títere dos Estados Unidos" como o de Uribe.
Por fim, a própria justiça colombiana é um obstáculo à paz. E tem boas razões.
Atores destacados do drama, os paramilitares foram criados com a conivência do presidente quando governava o departamento de Antioquia, com o objetivo de auxiliar o exército e proteger os camponeses contra a guerrilha.
Cedo aliaram-se ao narcotráfico, tornaram-se algozes dos camponeses – roubando suas terras - e cometeram uma onda de assassinatos políticos. Segundo informes da ONU, 80% dos crimes da guerra civil foram cometidos pelos paramilitares que, entre 1982 e 2005, seqüestraram 1.163 pessoas, assassinaram mais de 1.700 indígenas, 2.550 sindicalistas e cerca de 5 mil membros do União Patriótica (partido que foi exterminado por eles), além de usurparem mais de 6 milhões de hectares de terras.
Uribe acabou declarando os paramilitares ilegais e prendendo uns quantos. Mas pegou mal quando a justiça colombiana prendeu dois governadores de estado e 13 deputados (a maioria governistas), muito próximos a ele, além de surgirem denúncias contra generais e ministros - todos por associação a paramilitares.
Essas ligações perigosas ficaram documentadas pela National Security Archive (NSA, Arquivo de Segurança Nacional), organização americana não-governamental que publica documentos antes confidenciais liberados pelo Ato de Liberdade de Informação.
Pretendendo resolver o problema dos paramilitares, Uribe propôs que todos aqueles que se desmobilizassem e confessassem seus delitos seriam absolvidos, quando não fossem réus de crimes de morte ou seqüestro. Quanto aos que tivessem incorrido nesses ilícitos, teriam suas penas reduzidas de 40 (como preceitua a lei) para 5 a 8 anos.
Mas a Suprema Corte se opôs, declarando que uma anistia só pode cobrir crimes políticos, coisa que assassinato, seqüestro, tortura e roubo não são. E ue, portanto, os paramilitares deveriam ser julgados e apenados como criminosos de direito comum.
O problema se agrava porque essa interpretação abrange não somente os paramilitares, mas também os guerrilheiros das FARCs, que praticam crimes de seqüestro e tráfico de drogas. Crimes sim, isso é um fato inegável.
As intenções idealistas dos líderes das FARCs não os absolvem. No máximo, poderão ser consideradas como atenuantes.
Claro, a paz para o povo colombiano é um bem tão importante que talvez justificasse passar uma borracha no passado, ainda que perdoando ações merecedoras de punições.
Mas isso só se fará através de um acordo nacional entre os personagens centrais do drama, não importa quem sejam, pois, afinal, eles são a realidade.
Assim como disse "não" à proposta americana de incluir a lei das selvas na Carta da OEA, a América Latina vê-se agora diante da opção de dizer "não" ao maniqueísmo, que divide a Colômbia entre "mocinhos e bandidos", e buscar um acordo entre contrários que leve a paz a um povo que não merece o sofrimento de 42 anos de guerra civil.
Luiz Eça é jornalista.
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domingo, 23 de março de 2008
Roy Hargrove - Nothing Serious (2006)
OEA DIZ QUE COLÔMBIA VIOLOU ARTIGO 21; EQUADOR DIZ QUE BOMBAS AMERICANAS FORAM USADAS NO ATAQUE ÀS FARC
- Se a Colômbia usou mesmo as bombas americanas a coisa vai ficar feia entre os militares da região;
- O Equador alega que um Hércules dos Estados Unidos decolou da base aérea de Eloy Alfaro, em Manta, na costa do Equador, às 19 horas locais na noite que precedeu o ataque, retornando no dia seguinte. Os americanos dizem que o Hércules estava em missão de rotina no monitoramento do narcotráfico; a base de Manta é a que o presidente Rafael Correa quer tirar dos americanos em 2009, quando vencer o arrendamento;
- Os pais de um equatoriano dizem que, além de levar o corpo de Raúl Reyes para a Colômbia, os colombianos também levaram o corpo do filho deles. O presidente do Equador afirmou que, se isso se confirmar, o caso será muito mais grave, já que envolveria a morte de um cidadão equatoriano causada pelo bombardeio de um vizinho.
Luiz Carlos Azenha
SÃO PAULO - Nos próximos minutos o número de soldados americanos mortos desde a invasão do Iraque atingirá 4 mil. É simbólico. É o número que interessa aos eleitores e contribuintes americanos. Quatro mil mortos em cinco anos. Mas não parece. Não parece porque o desembarque dos corpos nos Estados Unidos não pode ser filmado. Não parece porque os 30 mil feridos americanos não aparecem feridos em campo de batalha. É raro ver uma foto de um soldado ferido na capa de um jornal americano ou imagens de um fuzileiro naval morto no Iraque em alguma rede nacional de televisão. É atestado de competência do gerenciamento de imagens e da mídia feito pelo Pentágono e pela Casa Branca.
Qual é a diferença essencial entre o Vietnã e o Iraque? É que, durante a guerra do Vietnã, em que 50 mil sodados americanos morreram, o exército americano era de voluntários. Qualquer jovem de mais de 18 anos de idade podia ser convocado. No Iraque, os americanos colocaram um exército profissional. Os jovens são atraídos com promessas de emprego, educação e vários outros benefícios. Além disso, dessa vez a guerra foi terceirizada: bilhões e bilhões de dólares em dinheiro público foram transferidos para empresas privadas ligadas a integrantes do governo Bush que fazem de tudo, de transportar e alimentar os soldados a interrogatórios e serviços de segurança.
Quais as consequências políticas, esperadas ou inesperadas, da invasão e da ocupação?
1) Um governo majoritariamente xiita no Iraque;
2) Fortalecimento do Irã, que com isso projeta o seu poder regional através de aliados na região - do Hezbollah no Líbano ao Hamas nos territórios palestinos;
3) Instabilidade no norte do Iraque, com o aumento da tensão entre curdos e sunitas, que disputam o controle das reservas de petróleo na região; temendo a ascensão dos curdos, a Turquia promoveu sua própria guerra preventiva, com ataques a guerrilheiros no Iraque. A guerrilha do PKK quer reunir os curdos do Iraque, Irã, Turquia e Síria em um país independente;
4) Liberdade absoluta para Israel tomar as medidas que achou necessárias nos territórios palestinos, o que levou o ex-presidente Jimmy Carter a escrever em livro que os israelenses implantaram um regime de apartheid contra os palestinos, com muro e tudo;
5) Transformação do Iraque em campo de treinamento terrorista para o desenvolvimento dos chamadas IEDs, aparatos explosivos improvisados, acionados através de controle remoto ou telefone celular; e para que os Estados Unidos aplicassem novas técnicas de combate à insurgência, envolvendo a guerra psicológica, de informação e social. No Afeganistão, alguns antropólogos agora acompanham as tropas, participando de missões de "resolução de conflito."
Os democratas querem acabar com a guerra, levar as tropas de volta para casa e aplicar parte do dinheiro hoje investido no Iraque na economia doméstica. O orçamento militar não deverá sofrer cortes. Tanto Hillary Clinton quanto Barack Obama prometem manter os gastos militares, só que focados no combate ao terrorismo no Afeganistão.
Os republicanos acham que a vitória no Iraque está ao alcance das mãos. É obvio que os Estados Unidos já venceram, do ponto de vista militar. Mas perderam politicamente. Porém, a turma de Bush mira em interesses econômicos bastante claros: na manutenção de gastos militares que favorecem os amigos e no controle das reservas de petróleo do Iraque.
O republicano John McCain falou em até "um século" de presença americana no Iraque. Falou no modelo da Alemanha e do Japão, países em que até hoje os Estados Unidos mantém bases militares. Ao custo de 4 mil vidas a cada 5 anos, em mais dez anos o número de soldados mortos no Iraque chegaria a 12 mil.
O cálculo de McCain e dos republicanos é de que a população americana estaria disposta a topar esse "sacrifício" em nome de um triunfo completo. A contrapartida seria o acesso americano às maiores reservas de petróleo de qualidade do mundo. Petróleo de primeira, à flor da terra - se comparado com o que a Petrobras retira do mar - e que será essencial para tocar a economia americana pelos próximos 30 anos.
Os democratas parecem apostar na diplomacia com o Irã e a Venezuela para reduzir a pressão sobre o preço do petróleo. Enquanto isso, os Estados Unidos investiriam em energias alternativas.
Porém, as promessas de campanha podem trombar com interesses econômicos essenciais. Ainda hoje operam em território americano usinas de energia tocadas a carvão que são altamente poluentes e já deveriam ter sido aposentadas há duas décadas. Produzem energia baratíssima se comparada às alternativas. Alguém duvida que só serão fechadas quando estiverem no osso?
Em quase tudo um governo do republicano John McCain seria muito parecido com o de um dos dois pré-candidatos democratas - Barack Obama e Hillary Clinton. A diferença fundamental é na questão do Iraque.