Por Bernardo Cotrim
“Passei bons anos justificando para mim mesmo a manutenção da
assinatura. A ausência de uma alternativa que me permitisse manter o
hábito de ler um jornal impresso, a necessidade de saber o que “eles” (a
direita retrógrada, anti-povo) pensam, os dois artigos semanais do
Veríssimo…Hoje resolvi encerrar o amargo ciclo de masoquismo e
autoflagelação que se tornou a leitura d’O Globo”.
Comecei a ler O Globo diariamente aos 6 anos de idade. Meus
pais, leitores “compulsivos” (como se diz por aí, “minha mãe lê até bula
de remédio”), eram assinantes do jornal e o hábito de iniciar o dia
folheando as páginas d’O Globo foi rapidamente imitado por mim.
Primeiro os quadrinhos, depois o caderno de esportes, até passar a ler o
jornal “de cabo a rabo”. Conservei essa rotina por longos 24 anos. Até o
dia de hoje, mantive o costume de iniciar o meu dia “sujando os dedos
de tinta”, manuseando o papel.
É fato que, nos últimos anos, passei a fazê-lo sem o menor prazer. A
notícia cada vez mais editorializada, os toscos subterfúgios para
disfarçar os interesses econômicos e a opinião conservadora debaixo de
um falso manto de “imparcialidade” cada vez mais difícil de sustentar.
Não que eu tivesse ilusões de ser O Globo um jornal isento.
Sei das relações promíscuas dos membros do clã Marinho com os porões da
ditadura civil-militar; guardo na memória o apoio às privatizações, o
imenso destaque aos colunistas que vomitam obviedades preconceituosas e
são louvados como “formadores de opinião” (de quem, cara pálida?), mas
frente à decadência do velho JB (que, enfim, fechou suas portas, depois
de longa agonia) e a fragilidade dos demais jornais, O Globo resistiu como alternativa de informação.
No entanto, gente ao processo de transformações que o Brasil viveu (e
vive) durante o governo Lula, vocês ultrapassaram os limites do bom
senso. Transformaram-se em um panfleto sujo, jogaram todos os manuais de
jornalismo no lixo, assumiram o papel de “bastião da resistência” que
os frágeis partidos de direita não conseguiram sustentar. Passaram a
utilizar suas páginas para antecipar os discursos na tribuna que os
jereissatis, fruets e virgílios, espumando de raiva, despejavam nas
tribunas no dia seguinte.
Passei bons anos justificando para mim mesmo a manutenção da
assinatura. A ausência de uma alternativa que me permitisse manter o
hábito de ler um jornal impresso, a necessidade de saber o que “eles” (a
direita retrógrada, anti-povo) pensam, os dois artigos semanais do
Veríssimo…
Hoje resolvi encerrar o amargo ciclo de masoquismo e autoflagelação
que se tornou a leitura d’O Globo. Os frágeis argumentos em que me
agarrei aparecem ainda mais patéticos quando confrontados com a
realidade: estou ajudando a financiar uma peça publicitária para a
campanha do Serra. O Globo, há anos, deixou de ser um jornal digno do nome.
Vejamos: nos últimos dias, um escândalo de enormes proporções atingiu
o governo tucano do RS. Qual o espaço destinado à cobertura do caso?
Por que a prisão do governador do Amapá justifica a inclusão de uma foto
do Lula na capa? O princípio da isenção não deveria fazer com que a
“arapongagem” do governo Yeda (que espionava até crianças!) também
surgisse na capa acompanhada de uma foto do Serra?
Poderia listar, no mínimo, um caso de jornalismo marrom por dia publicado nas páginas d’O Globo
nos últimos 10 anos. E, ao mesmo tempo, sou incapaz de dizer qualquer
coisa que beire a racionalidade para justificar a minha permanência como
um finaciador dessa sujeira.
O fato é que, felizmente, hoje existem inúmeras opções de comunicação
ao alcance de um “clique”. Uma ampla rede democrática de comunicação
social constituiu-se na internet, várias vezes com maior agilidade de
informação (“furando” os jornalões comprometidos com a vontade dos seus
donos e com o lucro, e não com a liberdade de imprensa), e, sem sombra
de dúvida, muito mais comprometida com a veracidade dos fatos.
Por último, quero me solidarizar com os vários profissionais que aí
trabalham por necessidade e que não compactuam com a farsa que o jornal
se transformou. Talvez, se o jornal admitisse que tem “lado” e o
expressasse de forma mais explícita nos editoriais, sem manipular a
pauta inteira de cada edição (como fazem veículos bem mais sérios e
respeitáveis, como a Carta Capital), eu não estivesse hoje escrevendo
essa carta. Mas prefiro pagar para ser enganado levando o meu filho em
shows de ilusionismo, ao invés de servir como número nas estatísticas de
assinantes que o setor comercial d’O Globo apresenta para os seus ricos anunciantes.
(*) Ex-leitor
PS: Como sei que minha carta nunca será
publicada por vocês, tomo a liberdade de divulgá-la para os meus amigos e
familiares. Talvez existam outras pessoas tão indignadas quanto eu,
precisando apenas de um “empurrãozinho”.