sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ana Amélia Lemos e a credibilidade



Por Marcelino Korst no RsUrgente

Ana Amélia Lemos passou décadas fazendo a cobertura política nos veículos de comunicação mais lidos, vistos e ouvidos do Rio Grande do Sul. Durante todo aquele tempo, sempre que qualquer dúvida se levantava sobre sua imparcialidade, a reação era imediata. Os críticos, invariavelmente, eram classificados como “patrulhas” ou “pessoas que não sabem lidar com a liberdade de imprensa”. Mas eis que Ana Amélia Lemos aparece nas páginas de política como candidata a uma vaga de Senadora pelo Partido Progressista batendo palmas para… Yeda Crusius.
O governo Yeda, e isso até os flocos de neve que decoram a Serra gaúcha sabem, é alvo de uma montanha de suspeitas de corrupção, algumas cabalmente comprovadas. Mais do que isso: até hoje Yeda mantém ao seu lado, com poder absoluto de contrastar e demitir, uma assessora que está indiciada por formação de quadrilha e corrupção; e até ontem, um Chefe de Gabinete que usou o aparelho do Estado para espionar adversários políticos e acompanhou delegados para avisar o pai de um traficante que o filho seria preso.
O governo Yeda, e disso sabem bem os trabalhadores em educação e os bancários, ordenou que a Brigada Militar disparasse balas de borracha, bombas de efeito moral e usasse cães ferozes para tentar dissolver protestos legítimos de cidadãos contra os desmandos evidentes da administração tucana.
O governo Yeda não permitiu a conclusão de uma sindicância aberta há mais de três anos para investigar o comportamento de um procurador do Estado acusado de fazer parte de uma quadrilha que roubou R$ 44 milhões do Detran.
O governo Yeda escolheu um Chefe para a Casa Civil que foi gravado pelo vice-governador confessando o loteamento de cargos do primeiro escalão para financiar partidos que, em troca, sustentaram a administração e impediram que se investigasse as responsabilidades políticas sobre as fraudes do Detran e das grandes obras.
O governo Yeda, bem… basta que se veja os altíssimos índices de rejeição da governadora mesmo quando ela despeja em obras eleitoreiras todo o dinheiro que deveria ter sido investido na educação, na saúde e da segurança do povo gaúcho…
Pois é este governo que não mais a jornalista imparcial mas a candidata Ana Amélia Lemos, aparece aplaudindo nas fotografias da campanha. Convenhamos. Cumprindo este papel, Ana Amélia não está propriamente prestando um serviço à credibilidade. Nem do jornalismo, nem da política.

Chávez não é tão feio quanto parece

  Luiz Eça - Correio da cidadania   
 
Nas últimas semanas, nossa grande mídia tem caprichado nos ataques ao general Chávez. Diariamente, sucedem-se matérias que, além das habituais críticas aos atritos com a imprensa oposicionista, anunciam uma crise terrível, que atestaria o fracasso talvez definitivo do governo venezuelano.
 
Baseiam-se em dados alarmantes. Em 2009, a inflação venezuelana foi de 25% e o crescimento de menos 3,3%, sendo que neste ano se prevê repetição do crescimento negativo e da inflação, a qual poderia chegar a 40%.
 
Os números são verdadeiros, mas, quanto à conclusão, há reparos a fazer.
 
Como se sabe, a economia da Venezuela depende, e muito, da exportação do petróleo (90% do total das exportações). Foi profundamente afetada pela recente crise mundial, que reduziu o preço do petróleo de cerca de 120 para 40 dólares o barril.

Diante dessa situação, o governo adotou uma política extremamente conservadora, tipo FMI. Ao invés de estimular os investimentos (como fez o Brasil com sucesso), tratou de cortar despesas, o que trouxe recessão. Some-se a isso uma grande seca, absolutamente sem precedentes, no país, que gerou falta de energia e graves paralisações das atividades industriais, mais uma política errada de supervalorização do bolívar (moeda local), que encareceu e reduziu as exportações, e o resultado foi crescimento negativo e aumento da inflação.
 
Apesar disso, estes dados estão longe de configurar uma crise de vastas proporções, semelhante à da Grécia.
 
De fato, enquanto os gregos gemem sob um débito público de 115% do Produto Interno Bruto, o índice do país de Chávez, em 2009, foi de apenas 19,9% - bem melhor do que o índice médio da União Européia, que chega a 79%. E esse bom estado das finanças venezuelanas garante ao governo a obtenção de empréstimos, se necessário, como aconteceu, recentemente, quando a China adiantou 20 bilhões de dólares, por conta de futuras entregas de petróleo.
 
Quanto à economia, as perspectivas de recuperação são positivas. O governo corrigiu sua política errada de contenção e volta a investir no desenvolvimento. Entre outras ações, iniciou um grande plano para aumento da geração de energia elétrica, aplicando 6 bilhões de dólares.
 
Com o fim da crise mundial, o preço do petróleo que era de 40 dólares/barril em 2009, neste ano subiu para 82 dólares, em julho. Isso dará maior fôlego para os planos de expansão da economia venezuelana. Espera-se que as previsões sombrias de crescimento negativo de 3,3% e de inflação entre 25 e 40% sejam, pelo menos, aliviadas.
 
A médio prazo, a Venezuela tem boas condições de deslanchar, voltando a apresentar taxas de crescimento semelhantes às dos 10 primeiros anos do governo Chávez, quando sua média superou 10% anuais. Recursos, parece que não faltarão. A U.S. Energy Administration projetou que os preços do petróleo deverão atingir 98 dólares/barril em 2020. Ótimo para a Venezuela, cujas reservas petrolíferas são, depois das últimas descobertas, as maiores do mundo, atingindo uma estimativa de 500 bilhões de barris. O governo Chávez, presentemente, estuda propostas de empresas estrangeiras para explorações em joint venture com o estado venezuelano.
 
Mesmo no período do segundo semestre de 2008/2009, em que o governo teve suas receitas minguadas pelos reflexos da crise mundial, a redução dos gastos não chegou à área do bem estar popular.
 
Chávez continuou aplicando 40% do orçamento (3 vezes mais do que o governo anterior) na área social.
 
Programas como construção em massa de casas populares, armazéns do povo, vendendo produtos mais baratos, expansão constante da assistência médica nas favelas e outros bairros carentes, criação acelerada de escolas na periferia – com 3 refeições para as crianças -, água tratada e saneamento básico foram levados a extensas massas populacionais.
 
Assim, contrapondo os sinistros números econômicos citados acima, o governo pôde apresentar números sociais bastante positivos.
 
O desemprego foi mantido sob controle, em 8,2%, índice muito bom se comparado com outros países da região como a Colômbia, tão elogiada pela grande mídia, que obteve 12,2% nesse índice.
 
A pobreza, que atingira 54% dos venezuelanos em 1999, início do governo Chávez, chegou a 23% em 2009, ano em que a pobreza extrema foi reduzida em 72%.
 
Ainda nesse crítico 2009, a Venezuela continuou com a melhor performance em termos de desigualdades sociais na América Latina : os 20% mais ricos detendo menos de 40% da riqueza nacional.
 
Em plena crise, o salário-mínimo continuou o mais alto da América Latina. E no mês que vem, subirá ainda mais, a 521 dólares, para recuperar o poder de compra da classe trabalhadora, afetado pela alta inflação.
 
Na Educação, com recessão e tudo, o governo não alterou os 6% do orçamento habitualmente gastos nessa área (nos países ricos, a média é 3,9%), responsáveis pelo índice de 93% da população alfabetizada – mais do que no Brasil, México e Colômbia.
 
Todos esses dados são animadores, mas não se pode subestimar a alta inflação e a recessão econômica que ainda não foram vencidas.
 
A grande mídia apontou incompetência, empreguismo e socializações desordenadas como causas da presente situação difícil. Talvez tenha alguma razão, embora haja dúvidas sobre alguns desses fatores ou pelo menos quanto às cores exageradas com que foram pintados. No entanto, ignorou os fatos positivos da realidade venezuelana e nega-se a admitir possibilidade da recuperação econômica do país de Chávez.
 
Elas, as grandes empresas jornalísticas, tão ciosas da liberdade de imprensa, deveriam lembrar que essa liberdade se justifica na medida em que seja cumprida sua missão de informar, sem omissões ou distorções. No caso de governo Chávez, passar um retrato fiel, evitando a tentação da caricatura ou de retoques que o façam ficar parecido com Frankestein.
 
Luiz Eça é jornalista.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O sorriso de Biondi

 Antonio Lassance
A Telebrás está de volta. Desde o dia 3 de agosto, ela retornou às operações. Seus antigos funcionários foram reconvocados e têm pela frente o desafio de reerguer a empresa, demonstrar a excelência do serviço público e, mais especificamente, implementar o Plano Nacional de Banda Larga.
Quando se informou que a Telebrás seria reativada, houve uma grita de algumas empresas de telefonia e um ataque feroz da mídia tradicional. Ressuscitar a estatal foi tratado como verdadeira heresia. Na crítica mais amena, um disparate.
A volta da Telebrás não apenas provocou a ira do liberalismo como representou uma derrota amarga, pois incidiu no setor que até hoje é apresentado como modelo do processo de privatização e das benesses dele decorrentes. O tratamento dado ao tema mais uma vez foi acometido de uma patologia crônica, apontada por diversos estudiosos da mídia: a falta de contextualização ou mesmo a descontextualização de um assunto.
Uma falta de contextualização primária esteve na ausência de um diagnóstico sobre o setor, que sabidamente oferece serviços caros e de péssima qualidade. Suas empresas são campeãs de reclamações de usuários e de ações junto aos órgãos de defesa do consumidor.
Outra falta de contextualização, ainda mais importante, está em que poucos se deram ao trabalho de trazer à tona a história da Telebrás e de seu processo de privatização. Lacuna curiosa, pois, afinal, a quem interessaria relembrar tal passado? Resposta: interessaria à maioria das pessoas, aos que têm e aos que não têm acesso aos serviços de telecomunicação.
Até hoje, a melhor forma de contar essa história e travar a batalha da memória contra o esquecimento é revisitar o livro de Aloysio Biondi, “O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado”. O livro teve sua primeira edição em 1999. Sua 11ª edição se encontra disponível, gentil e gratuitamente, no site da Editora Fundação Perseu Abramo: http://www2.fpa.org.br/uploads/Bras...
Biondi, como se sabe, foi um monstro sagrado do jornalismo brasileiro, grande mestre do jornalismo econômico. Faleceu há 10 anos (em julho de 2000).
“O Brasil privatizado” abria seu capítulo “As estatais: sacos sem fundo?” justamente falando da Telebrás. Biondi relembrava que, entre 1996 e 1997, a empresa teve um salto de 250% em seu lucro, desmentindo categoricamente a mensagem fabricada de que as estatais só davam prejuízo. No livro que tornou-se um clássico para a compreensão sobre o que fizeram com o Brasil nos anos 90, Biondi contextualizava que tanto os prejuízos quanto os lucros das estatais tinham sido fabricados para atender a interesses muito bem identificados.
Dizia ele: “Os prejuízos que o achatamento de tarifas e preços trouxe para as estatais teve efeitos que o consumidor conhece bem: nesses períodos, elas ficaram sem dinheiro para investir e ampliar serviços. Explicam-se, assim, as filas de espera para os telefones, ou as constantes ameaças de “apagões” no sistema de eletricidade. Ou, dito de outra forma: não é verdade que os serviços das estatais tenham se deteriorado por “incompetência”. Como também é mentira que “o Estado perdeu sua capacidade de investir”, como diz a campanha dos privatizantes. O que houve foi uma política econômica absurda, que sacrificou as estatais.” (pág. 30).
Lembrava ainda de uma decisão incrível: em 1989, um decreto do presidente da República proibia o BNDE (hoje BNDES) de realizar empréstimos a empresas estatais.
Biondi era um “antifukuyama”. Só para lembrar, Fukuyama foi um dos garotos propaganda do neoliberalismo, muito badalado durante o Governo Reagan, autor de uma tese espalhafatosa sobre o “fim da história” e da vitória do capitalismo sobre tudo e sobre todos. Hoje, se alguém fizer um Google sobre os “francis” existentes na face da Terra, Fukuyama sequer aparece nas sugestões do motor de busca. Fica atrás de Francis Bacon, Francis Ford Copola, Francisco Cuoco e Francisco Alves. Indício de que quem corre o risco de desaparecer é o próprio Fukuyama.
Enfim, Biondi desmentia a tese do fim da história, mostrando que a moda era tentar “cancelar” a história. Contextualizava a esdrúxula decisão que proibia o BNDES de financiar empresas estatais lembrando ter sido ele criado “exatamente com o objetivo de fornecer recursos para a execução de projetos de infra-estrutura, que exigem desembolso de bilhões e bilhões – e precisam de alguns anos para sua execução” (pág. 30).
A memória do texto de Biondi é mais uma vez útil a um momento em que o BNDES também se tornou alvo de ataques violentos e virulentos à gestão de Luciano Coutinho, veja só, por fazer exatamente aquilo para o qual o banco existe: levantar investimentos e fazer financiamentos.
Biondi também usou o exemplo da Telebrás para relembrar uma diferença básica do setor público em relação ao privado: além de prestar serviços, as estatais deveriam ser utilizadas com o objetivo de justiça social. Tais empresas não têm como objetivo fundamental o lucro, nem têm como sina acumular prejuízos. Seu objetivo fundamental é garantir o atendimento à população em serviços essenciais. O fato de que muitas vezes acumularam prejuízos, além das malversações que acompanharam algumas de suas gestões, decorria das condições de desigualdade do país. A pobreza criava um obstáculo sério ao modelo de negócio de muitas estatais. Milhões de brasileiros excluídos do mercado interno de massas por um modelo de desenvolvimento excludente não tinham como contratar serviços em níveis que garantissem a rentabilidade de certas empresas estatais.
Por isso, na atual situação do país, de expansão acelerada do mercado interno de massas, de ascensão de um contingente expressivo de pessoas à classe média e da tendência de crescimento da economia, do emprego e da renda dos brasileiros, o discurso contra as estatais está obsoleto. É como o relógio quebrado que homenageia a nostalgia e a ostentação, mas é incapaz de fornecer uma informação correta.
As estatais, diante do novo quadro econômico, já podem se dar ao luxo de serem extremamente lucrativas. Mas estão longe de constituir uma ameaça ao setor privado. Elas podem atuar em atividades nas quais empresas privadas têm demonstrado dificuldades crônicas em dar conta do recado ou, como no caso da Petrobrás, podem funcionar como grandes alavancas do crescimento econômico, responsáveis por irrigar inúmeras cadeias produtivas que sequer existiam, ou que tinham sido desativadas.
Passados dez anos desde que perdemos Aloysio Biondi, tem-se a exata dimensão da importância daquilo que ele nos mostrou e de sua contribuição para reverter a cegueira que tomava conta do País.
Me arrisco a dizer que, se vivo estivesse, o autor daquele texto célebre e indignado estaria tomado por um sorriso satisfeito com a volta dos elefantes. Até porque, “três elefantes incomodam, incomodam…. incomodam muito mais”.

Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política.

COLÔMBIA E VENEZUELA RETOMAM RELAÇÕES, PARA AZAR DO SERRA

Mair Pena Neto no Direto da Redação

Após um encontro entre Hugo Chávez e o novo presidente colombiano Juan Manuel Santos, Venezuela e Colômbia retomaram as relações diplomáticas, interrompidas pela permanente postura beligerante do ex-presidente Álvaro Uribe, aliado incondicional dos Estados Unidos, que sempre desempenhou o papel de fustigar Chávez.

Uribe deixou o poder tentando passar a seu sucessor uma agenda de conflito com o país vizinho, retomando a velha acusação de que a Venezuela abrigava as Forças Armadas Colombianas (Farc) em seu território e tomando a medida política e sem amparo legal de entrar com uma ação contra Chávez no Tribunal Penal Internacional sem a existência de processo prévio que a justificasse.

Embora apoiado por Uribe, o novo presidente colombiano preferiu apostar na paz e após um encontro pessoal com Chávez selou acordo para a retomada das relações, apostando em um diálogo “franco, direto e sincero” sem a contaminação de influências alheias aos países do continente.

O entendimento entre os dois presidentes pode levar a uma incorporação das Farc ao processo político colombiano, encerrando um conflito de 50 anos, que não foi resolvido antes, entre outros motivos, pelo Plano Colômbia, financiado pelos Estados Unidos, para um suposto combate ao narcotráfico, que na verdade visava eliminar o grupo guerrilheiro.

Sem a interferência dos EUA, os países sul-americanos são capazes de se entender, como aconteceu agora, numa negociação mediada pelo ex-presidente argentino Nestor Kirchner e cuja evolução será acompanhada pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul), uma comunidade criada em 2004 para integrar o continente e mediar seus conflitos.

 Alvaro Uribe foi sempre o contraponto a esta política de integração, que jamais interessou ao Estados Unidos, sobretudo pela onda de governos progressistas que tomou o continente. Com a saída de Uribe, o cargo ficou vago, e o candidato tucano José Serra pareceu interessado em ocupá-lo, desprezando o Mercosul, as relações comerciais do Brasil com os países vizinhos de economia menor e repetindo as acusações uribistas de que a Venezuela abriga as Farc.

Serra demonstrou prazer em levar adiante as desastradas declarações de seu inexperiente candidato a vice, Índio da Costa, que até sumiu de cena depois de acusar o PT de ligação com as Farc e com o narcotráfico. O comentário do vice garantiu ao PT direito de resposta no site de campanha do PSDB e o jovem velho político ainda responde na Justiça pelas acusações que não pode provar.

Serra poderia ter encerrado a questão, que todos entenderiam como arroubo juvenil de um jovem liberal de direita, mas fez questão de repeti-la, fomentando um ambiente negativo, que ligava Brasil, Venezuela, Farc e narcotráfico. Até o Departamento de Estado norte-americano o desautorizou ao elogiar pouco depois de suas declarações a atuação de Lula no combate ao terrorismo e sua condenação ao uso de violência pelas Farc.

O discurso de Serra tinha um alvo claro, a candidatura de Dilma Rousseff, que, se eleita, vai levar adiante a política externa integradora do Brasil a seus vizinhos e a ação soberana que levou o país a ganhar expressão e reconhecimento internacionais e o credenciou a mediar conflitos em qualquer lugar do mundo.

A normalização das relações entre Colômbia e Venezuela é mais um trunfo da unidade sul-americana e menos um ponto para a conservadora plataforma de Serra.

Transgénicos: nome de código, "Monsanto"

Qual a urgência das decisões recentes assumidas pela Comissão Europeia para facilitar o cultivo e utilização de transgénicos?
Soybean - Foto de [cipher] / flickr
Soybean - Foto de [cipher] / flickr

As recentes decisões assumidas pela Comissão Europeia para facilitar o cultivo e utilização de organismos geneticamente modificados (OGM) ou transgénicos, apesar dos riscos para a saúde pública e o ambiente, foram acompanhadas por declarações a favor da capacidade de decisão dos governos dos Estados-Membros. No entanto, há que habilitar os cidadãos com informação que lhes permita ir mais fundo no conhecimento sobre o assunto. Na altura, a eurodeputada Marisa Matias, do grupo da Esquerda Unitária (GUE/NGL) perguntou “qual a urgência de tais decisões?” tomadas pela Comissão quando há legislação em preparação e prestes a sair. Uma das respostas pode ser encontrada numa simples palavra: “Monsanto”.
Monsanto é a multinacional que controla mais de 90 por cento das sementes transgénicas que se vendem em todo o mundo. Quem relata melhor a história é a investigadora Marie-Monique Robin no seu livro “O mundo segundo Monsanto: da dioxina aos OGM, uma multinacional que lhes deseja o melhor”.
As sondagens na Europa reflectem uma opinião radicalmente contrária aos alimentos transgénicos. Em Espanha, em 2006, os inquiridos numa sondagem escolheram os “transgénicos” como ameaça alimentar mais inquietante em comparação com mais 12 hipóteses, entre as quais as “vacas loucas”, salomonelas e gripe das aves. Na Alemanha, 95 por cento dos consumidores rejeitam os OGM; mesmo nos Estados Unidos, no Estado de Nova Iorque, 39 por cento dos consumidores são contrários e 33 por cento aceitam os OGM.
Que se passou então, perante tantas rejeições, desde que 1994 foi autorizado nos Estados Unidos o cultivo das primeiras sementes transgénicas, ponto de partida para uma situação caracterizada hoje por mais de 125 milhões de hectares semeados em todo o mundo com diferentes sementes de organismos geneticamente modificados?
Uma explicação importante é: Monsanto.
A empresa Monsanto nasceu em Saint Louis, Missouri, em 1901, dedicada à produção de sacarina para a Coca-Cola. Em 1935 comprou a Swan Chemical Co., que já fabricava os PCB, policlorobifenóis. Esta substância sintética tinha diversos usos como refrigerante e lubrificante, mas representava também um grave risco para a saúde pública que a empresa conhecia “mas de fez de conta que nada acontecia até à sua proibição definitiva, em 1977”, testemunha Marie-Monique Robin. A prova deste conhecimento está na grande quantidade de documentos procedentes de arquivos da Monsanto, obrigada a divulgá-los num processo judicial.
Monsanto monopolizou a produção de PCB em todo o mundo. Contaminou assim vastas áreas do planeta, uma vez que se trata de uma substância muito resistente na natureza.
Monsanto surge depois no fabrico de dioxinas, “a molécula mais perigosa jamais inventada pelo homem”, segundo Marie-Monique Robin. A dioxina é um produto derivado do fabrico de herbicidas, incrementado durante a Segunda Guerra Mundial. A multinacional montou uma fábrica específica em 1948 e trabalhou estreitamente com o Pentágono para desenvolver a utilização da dioxina como arma química. O perigo deste produto tornou-se publicamente evidente em 1976, com o acidente em Itália que ficou conhecido como "a catástrofe de Seveso".
Monsanto obtivera entretanto contrato para produzir o “agente laranja” (uma dioxina) para utilização pelo exército norte-americano na guerra do Vietname com o objectivo de destruir colheitas e matar as populações à fome.
De 1962 a 1971 os militares norte-americanos despejaram 80 mil milhões de litros de desfolhantes sobre 3,3 milhões de hectares de selva e terra agrícolas. Mais de três mil localidades foram contaminadas com a utilização de quantidades equivalentes a 400 quilos de dioxina pura - a dissolução de 80 gramas de dioxina numa rede de água potável poderia eliminar uma cidade de oito milhões de habitantes.
Dos herbicidas, Monsanto passou aos organismos geneticamente modificados (OGM) e descobriu a “árvore das patacas” na conjugação das duas áreas. Criou as sementes transgénicas e tornou-as imunes ao herbicida que produz, o Roundup, até então um “assassino” sistémico uma vez que matava indiscriminadamente as espécies vegetais. A Monsanto passou a vender – e a impor nos contratos – não apenas as sementes transgénicas mas também o Roundup para as proteger. Além disso, é vedada aos compradores a utilização de um produto genérico do Roundup.
Diz a publicidade de Monsanto que “o glifosfato é menos tóxico para os ratos do que o sal de mesa ingerido em grande quantidade” e tem razão. O glifosfato é, de facto, o princípio activo do Roundap, mas o Roundap é muito mais tóxico na sua fórmula global. O professor Robert Bellé, do Centro Nacional de Investigação Científica francês, concluiu que o Roundap desencadeia a primeira etapa que pode conduzir a situações de cancro 30 a 40 anos mais tarde. “O Roundap é um assassino de embriões e em concentrações mais fracas é um perturbador endócrino para os fetos”, escreveu.
O professor Séralani, que desenvolve investigações para a Comissão Europeia de modo a avaliar os efeitos dos alimentos transgénicos na saúde, é alvo de críticas duras da indústria de agrobiotecnologia por ter sido taxativo quanto aos efeitos do Roundup nas células humanas: “mata-as directamente”.
As provas em que se baseou a homologação do Roundup fizeram-se apenas com o princípio activo, mascarando os efeitos reais do produto. Este é o truque da propaganda de Monsanto.
Em 1993 a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos autorizou Monsanto a comercializar a hormona de crescimento bovino obtida por manipulação genética (rBGH), hormona que se introduz nas vacas para produzirem mais leite. Em Abril de 1998 uma fuga de informação fez deflagrar um escândalo político e científico por detrás desta autorização. Tanto Monsanto como a FDA tinham escondido dados essenciais.
Trabalhos científicos questionaram o uso desta hormona. Consideram-na prejudicial para a saúde das vacas e para a saúde humana. De facto, a hipófise das vacas e dos seres humanos produz uma hormona específica de crescimento mas ambas provocam a produção da mesma substância, a IGF, factor de crescimento insulítico de tipo I. O nível de IGFI é significativamente superior no leite produzido pelas vacas tratadas com rBGH do que no leite natural. O aumento da substância em causa multiplica por quatro o risco de cancro da próstata nos homens e por sete o risco de cancro da mama nas mulheres.
Devido à forte polémica, a hormona está oficialmente proibida na União Europeia desde 1 de Janeiro de 2000, com base no princípio segundo o qual “a biosfera não deve transformar-se num laboratório de alto risco para os seres humanos”.
De facto, segundo numerosos trabalhos científicos, a disseminação de organismos geneticamente modificados pode alterar os mecanismos e os ritmos do desenvolvimento humano.
Monsanto controla mais de 90 por cento da produção de OGM no mundo. É um monopólio Este monopólio ameaça a segurança alimentar sobretudo nos países mais pobres, onde mais de mil e quinhentos milhões de pessoas sobrevivem graças à conservação de sementes.
O movimento Greenpeace afirma que as possibilidades de um mundo livre de transgénicos continuam em aberto: 92 por cento das terras cultivadas no mundo estão livres de OGM. Apenas quatro países concentram 90 por cento da utilização de sementes modificadas: Estados Unidos 53 por cento, Argentina 18 por cento, Brasil 11,5 por cento e Canadá 6,1 por cento. No mercado existem apenas quatro sementes: soja, milho, algodão e colza; na Europa só 0,119 por cento do terreno cultivado é dedicado a OGM, contra quatro por cento, por exemplo, de agricultura ecológica.
“A manipulação genética”, escreve Paco Puche na revista “El Observador, “não tem nada a ver com o que os camponeses fazem há 10 mil anos, isto é, conservar as melhores dádivas das suas colheitas para as semear no ano seguinte; nem com os mecanismos de melhoramento através dos cruzamentos entre plantas seleccionadas dentro da mesma espécie. A manipulação genética salta por cima das barreiras biológicas que separam as espécies, despreza os mecanismos naturais de evolução e intervém nas interacções genéticas até agora inacessíveis ao ser humano”.
O processo de manipulação genética desenvolve-se em duas fases: em primeiro lugar extrai-se o gene da planta que interessa de um doador e incorpora-se numa molécula portadora, que pode ser um vírus; em segundo lugar implanta-se este vector no organismo receptor. Para avaliar o resultado da transformação há que injectar um gene resistente aos antibióticos e banhar as células numa solução antibiótica. As que sobrevivem são as que aceitaram a transferência. Sobre estas realizam-se depois bombardeamentos com “canhões de genes”, o que provoca a colocação do gene de forma aleatória em qualquer parte do genoma.
Os primeiros êxitos da Monsanto na sua batalha legislativa nos Estados Unidos para aceitação deste processo foram alcançados em 1992, quando foi aprovado um regulamento segundo o qual “os alimentos derivados de variedades vegetais segundo os novos métodos de modificação genética regulam-se no mesmo quadro e segundo a mesma perspectiva adoptada para o cruzamento tradicional de plantas”. Isto é, deixa de haver diferenças legislativas entre as selecções de sementes dentro da mesma espécie e as quebras das barreiras biológicas que separam as espécies.
Aos benefícios desta legislação, Monsanto acrescentou o estabelecimento de um quadro de declaração de patentes sobre todas as sementes geneticamente modificadas, facto que lhe permite controlar o mercado mundial em forma de monopólio.
Em causa estão a saúde pública no mundo, a preservação ambiental e a biodiversidade. Trabalhos científicos sobre estes assuntos permitiram estabelecer um decálogo de malfeitorias dos OGM e do controlo de Monsanto sobre a sua produção e comercialização: riscos para a saúde pública; contaminação genética sem controlo; aumento da contaminação química devido ao maior uso de biocidas; perda permanente da biodiversidade agropecuária e florestal; aumento da insegurança e perda da soberania alimentar; grande concentração de poder em poucas empresas; degradação da democracia através das pressões sobre a classe política e a actuação dos lobbies; aumento da desigualdade Norte-Sul; prejuízos para a agricultura ecológica devido à contaminação.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Crise, luta e esperança





por Miguel Urbano Rodrigues

O fim da atual crise de civilização é imprevisível. Inevitável, conduzirá ao desmoronar do capitalismo ou a uma era de barbárie.





Prever datas para o desfecho seria, porém, um exercício de futurologia.
 Mas uma certeza se esboça já no horizonte: a derrota espera o imperialismo nas guerras criminosas que os EUA desencadearam para manter e ampliar o sistema de dominação mundial do capital. 
Os EUA estão atolados em guerras perdidas no Afeganistão e no Iraque e a sua aliança com o Estado neofascista de Israel é um fator de tensão permanente no Médio Oriente. As estratégias agressivas que desenvolvem na América Latina, na África e na Ásia Oriental são também incompatíveis com as aspirações dos povos ameaçados, contribuindo para o subir da maré anti-americana.

Nesta fase, iniciada com as agressões no Médio Oriente e Ásia Central, o imperialismo estadounidense encontrou situações históricas muito diferentes da que precedeu o seu envolvimento no Vietname e a humilhante derrota que ali sofreu. Nos EUA somente uma minoria percebeu que a guerra estava perdida quando Giap desfechou a ofensiva do Tet. A resposta de Johnson e Kissinger, cedendo aos generais do Pentágono, foi a ampliação da escalada. A agressão alastrou para o Laos e Washington enviou mais tropas para a fornalha vietnamita, semeando a morte e a devastação no Sudeste Asiático.

Transcorreram anos até à retirada dos EUA. Os povos foram lentos a compreender que o desfecho da trágica agressão ao Vietname era o prólogo de uma crise que significou a perda da hegemonia que Washington exercia sobre a economia do Ocidente desde o final da II Guerra. Nada foi igual desde então.

Mas o establishment norte-americano não extraiu as lições implícitas no fracasso das guerras da Coreia e do Vietnan. A estratégia foi reformulada, mas a ambição imperial permaneceu, assumindo novas formas.

O cenário das agressões adquiriu proporções planetárias a partir do desaparecimento da União Soviética.

A primeira guerra do Golfo foi decidida no final da presidência de George Bush pai perante a passividade da URSS, prestes a desintegrar-se. Washington proclamou então que a humanidade havia entrado numa era de paz permanente, sob a égide dos EUA, garantes da Nova Ordem Mundial. Um obscuro epígono do capitalismo, Francis Fukuyama, saudou a morte do comunismo e anunciou o "Fim da História", apontando o neoliberalismo como a ideologia para a eternidade.

O desmentido aos profetas imperiais não tardou.

Quando as torres do Word Trade Center desabaram, o mundo entrou numa fase de turbulências anunciatorias de uma profunda crise de civilização. Após o 11 de Setembro de 2001, Bush filho, alegando necessidade de uma "cruzada contra o terrorismo", e afirmando que Deus estava com os EUA, invadiu o Afeganistão, semeando a morte a destruição naquele remoto país da Ásia Central.

Depois chegou a segunda guerra iraquiana, iniciada à revelia do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A terra milenária da Mesopotâmia foi ocupada, os seus museus saqueados, o seu petróleo e gás entregues às petrolíferas dos EUA, dezenas de milhares de iraquianos chacinados.

Autoproclamando-se nação predestinada, com vocação para redimir a humanidade dos seus pecados, os EUA, sob a batuta da extrema-direita republicana, passaram a actuar como um Estado terrorista, disseminando o terrorismo pelo planeta.

Essa trágica situação somente foi possível pela cumplicidade da União Européia, do Japão e do Canadá, estados ditos civilizados. Com o seu aval ao establishment bushiano abriram as portas à barbárie.

A eleição de um negro para a Presidência dos EUA gerou a ilusão de que o pesadelo iria findar. Mas Barack Obama, que chegou à Casa Branca com o apoio entusiástico do grande capital, mudou o discurso, mas manteve a politica imperialista. Pior, agravou-a.

O PÂNTANO AFEGÃO

Admiradores do Presidente norte-americano afirmam que ele é um humanista, vítima de uma engrenagem que o instrumentaliza. Mas a defesa que dele fazem não convence.

O Premio Nobel da Paz tomou decisões que contribuíram para aprofundar a crise mundial. No plano interno a sua política tem sido, no fundamental, de capitulação perante as exigências do grande capital. Significativamente, o seu secretário do Tesouro, Geithner é um político que goza da confiança total de Wall Street.

No terreno internacional, o Presidente aumentou muito o orçamento do Pentágono, pediu ao Congresso verbas colossais para as guerras asiáticas, enviou mais 30.000 militares para o Afeganistão, e faz da vitória nessa guerra uma prioridade da sua política exterior.

Entretanto, acumula derrotas no teatro afegão. A ofensiva no Helmand foi um fracasso; a de Kandahar foi sucessivamente adiada.

A divulgação dos documentos secretos oferecidos pela WikiLeaks ao NY Times, ao Guardian e ao Der Spiegel instalou o pânico na Casa Branca, e o inquérito do Pentágono sobre a fuga de informações classificadas abalou fortemente a confiança dos americanos no sistema de segurança do Departamento de Defesa.

Em declarações recentes, Julian Assange, o australiano que criou o WikiLeaks, revelou que crimes cometidos pelo exército dos EUA excedem em horror os massacres do Vietnan. A chamada Força Tarefa Conjunta 373 tem por missão abater secretamente chefes talibãs e elementos suspeitos de pertencer à Al Qaeda.

Grupos de matadores especiais intitulados Kia são responsáveis pelo assassínio de centenas de civis em ataques cujas vítimas são designadas nos relatórios como "mortos em ações".

O rol dos crimes das tropas de ocupação da NATO também ocuparia muitas páginas. A chacina de Kunduz, da responsabilidade do contingente alemão, abalou o governo da chanceler Merkel, mas foi apenas uma das muitas matanças de civis cometidas pelas tropas de ocupação.

Julian Assange cita como exemplo das atrocidades dos aliados o bombardeamento de uma aldeia por uma força polaca. Dezenas de pessoas ali reunidas para festejar um casamento morreram num ato de retaliação concebido com crueldade.

Rotineiramente, o alto comando norte-americano promove inquéritos nesses casos para "apurar responsabilidades". Mas ninguém é punido.

Hamid Karzai, o presidente fantoche, protesta e pede providências, mas a indignação é simulada.

Milhares de civis nas aldeias da fronteira paquistanesa foram mortos pelos bombardeamentos realizados pelos drones – os aviões sem piloto. O atual comandante Supremo, o general Petraeus, define essas "missões" assassinas como indispensáveis ao êxito da nova estratégia de luta "contra o terrorismo"

FARSA DRAMÁTICA

Hillary Clinton, o vice-presidente Joe Binden e James Baker, o secretário da Defesa, têm visitado frequentemente o Afeganistão.

A encenação pouco varia. Deslocam-se para levantar o moral das tropas, dizer lhes que estão a lutar pela pátria, pela liberdade e a democracia contra o terrorismo, que a luta exige grandes sacrifícios, mas que a vitória na guerra afegã é uma certeza.

Todos aproveitam para pedir ao Presidente Karzai que "governe democraticamente", afaste colaboradores que não merecem a confiança dos EUA, e ponha termo à corrupção implantada no país.

Karzai faz promessas, reúne assembleias tribais que lhe aprovam a política e repete que é fundamental negociar com os "talibãs recuperáveis". É ele, chefe da máfia, o primeiro responsável pelo sumiço de milhares de milhões de dólares doados em conferências internacionais para o desenvolvimento e reconstrução do país, destruído pela invasão americana. A realidade não alterou o método. Em Kabul, a última dessas conferências acaba de aprovar mais uns milhares de milhões para "ajudar" o Afeganistão.

Entretanto, a produção de ópio, insignificante à data da invasão, aumentou 90% na última década.

É do domínio público que familiares do presidente mantêm íntimas ligações com o negócio da droga.

Nas suas periódicas visitas ao Paquistão, Hillary Clinton admoesta o presidente Asif Zardari pela insuficiência do esforço de guerra nas áreas tribais do Waziristão na fronteira do Afeganistão. Joe Binden repete-lhe o discurso. Ambos insinuam cumplicidade do Exército com as chefias talibãs.

O Primeiro-ministro britânico Cameron ao visitar o país foi tão longe nas suas críticas que o governo de Islamabad cancelou uma visita a Londres do chefe dos serviços de inteligência paquistaneses convidado pelo Intelligence Service.

Crónicas de correspondente europeus em Kabul e declarações de soldados dos EUA regressados da guerra afegã esclarecem que a moral das tropas de combate caiu para um nível muito baixo.

A demissão do general Stanley McChrystal, que criticara numa entrevista o presidente Obama, contribuiu para acentuar o mal-estar no Alto Comando. O general tem um currículo de criminoso, mas as suas opiniões sobre a condução da guerra são partilhadas por muitos oficiais.

Assim vão as coisas na guerra podre do Afeganistão.

No Iraque, a "pacificação" é um mito como demonstra o aumento de mortos em atentados bombistas em Bagdad e na região Norte, controlada pelos kurdos. O discurso de Obama aos veteranos deficientes, no dia 1 de Agosto, sobre a retirada das tropas foi um exercício de hipocrisia, semeado de mentiras e estatísticas falsas.

Na Palestina, Israel continua a bloquear Gaza, bombardeada com frequência, e amplia a construção de casas na Jerusalém árabe e em colonatos na Cisjordânia.

O Irão é atingido por novas sanções, aprovadas pelo Conselho de Segurança, e a CIA promove atentados terroristas no Kuzistão, fronteiro do Iraque, e na província baluche, vizinha do Paquistão.

Na América Latina, Uribe, nas vésperas de ceder a presidência a Juan Manuel Santos, seu filhote político, criou uma crise com a Venezuela bolivariana ao forjar acusações sobre a presença das FARC em território daquele país. Os EUA, que vão instalar sete novas bases militares na Colômbia, aprovaram imediatamente a provocação.
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Neste contexto de escalada militar em múltiplas frentes, a crise interna prossegue. O magro crescimento do PIB esconde a realidade.

O número de casas vendidas é o mais baixo dos últimos anos. Milhares de empresas fecham todos os meses. Em cidades outrora famosas pela riqueza, como Detroit e Pittsburg, bairros inteiros estão hoje desabitados. O desemprego alastra. Nas universidades aumenta o ensino elitista. A tão elogiada reforma dos "cuidados de saúde" dificultou mais o acesso de milhões de imigrantes ilegais aos hospitais (v.Fred Goldstein, odiario.info, 22/04/2010).

A Finança, essa prospera. Os gestores dos grandes bancos continuam a receber reformas e prémios fabulosos. Um desses gigantes, o Wells Fargo, acumulou lucros de milhares de milhões de dólares com a lavagem do dinheiro da droga (v. Cadima, Avante! , 29/07/2010).

O controlo hegemónico do sistema mediático pelo grande capital impede, porém, a humanidade de tomar consciência da profundidade da crise. Nos EUA, pólo do sistema, o discurso do Presidente transmite um panorama optimista da situação, anunciando melhores tempos e vitórias imaginárias.

Somente uma minoria de cidadãos, nos EUA, na Europa, e nos demais continentes estão em condições de descodificar o discurso da mentira irradiado pelo grande capital.

Para as forças progressistas ajudar os povos a compreender a complexidade e a extrema gravidade da crise do sistema é, por isso mesmo, uma tarefa revolucionária. Porque essa compreensão é fundamental para o incremento e dinamização da luta dos trabalhadores em cada país contra o projeto de dominação imposto pelo sistema que ameaça mergulhar a humanidade na barbárie.
Vila Nova de Gaia, 02/Agosto/2010

O original encontra-se em http://www.odiario.info/?p=1698

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

Para cada cabeça, uma sentença

A análise crítica da controvérsia entre liberalismo e comunitarismo, a teoria social da justiça e o problema da tolerância são algumas das marcas da obra do filósofo e cientista político alemão Rainer Forst, discípulo de Jürgen Habermas. No livro Contextos da Justiça, recém-lançado pela editora Boitempo, o autor investiga o conceito de “justiça”, buscando evidenciar o que é considerado justo em cada época ou cultura, de acordo com os contextos históricos específicos.

Em geral tratado como se fosse imparcial, este conceito é revisto sobre o pano de fundo das contextualizações históricas. Nas palavras do autor, “a diferenciação dos ‘contextos da justiça’ deve ajudar a esclarecer as condições normativas segundo as quais a estrutura básica de uma sociedade pode ser considerada justa”.

Publicado pela primeira vez na Alemanha em 1994 e traduzido para inglês em 2002, Contextos da Justiça discorre sobre autores comunitaristas – como Michael J. Sandel, Alasdair MacIntyre, Charles Taylor e Michael Walzer – e liberais – como John Rawls, Ronald Dworkin e Joseph Raz. Forst conduz daí uma abordagem original e sintética dessas duas perspectivas filosóficas.

Para Forst, numa perspectiva democrática, no liberalismo, os cidadãos não aceita as leis que lhes são impostas em suas consciências, apesar de acatarem-nas na vida em sociedade. Por outro lado, no comunitarismo, os cidadãos não aceitam as leis - no que ele considera um ato não-violento de desobediência civil.

Estrutura

Dividido em cinco capítulos, o livro se desenvolve sobre quatro categorias: a constituição do "eu", a neutralidade do direito, o ethos da democracia e a concepção da teoria moral universalista. O quinto capítulo é dedicado à teoria dos “contextos da justiça” propriamente dita. Forst entende que, apenas a partir da consideração desses quatro conceitos, pode-se criar uma teoria do direito suficientemente ampla.

Em meio a essas questões, o autor também discorre sobre temas como a democracia discursiva, a crítica feminista do liberalismo, o multiculturalismo e a sociedade civil. Provocativa, a obra pode interessar a quem se importa com os debates em torno da justiça social e política.

Atualmente, Rainer Forst é professor de teoria política no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Johann Wolfgang Goethe, em Frankfurt, e suas principais áreas de investigação são teoria política, pragmatismo, tolerância e justiça social. Publicou, entre outros livros, Toleranz: philosophische Grundlagen und gesellschaftliche Praxis einer umstrittenen Tugend (2000), Toleranz im Konflikt: Geschichte, Gehalt und Gegegenwart eines umstrittenen Begriffs (2003) e Das Recht auf Rechtfertigung: Elemente einer konstruktivistischen Theorie der Gerechtigkeit (2007), todos inéditos no Brasil.

Fonte: OperaMundi

Álvaro Uribe e os crimes de lesa humanidade




Elaine Tavares *

Adital - A mídia brasileira é pródiga em falar do conflito armado na Colômbia, sempre na perspectiva do governo, até estes dias, de Álvaro Uribe. Este, geralmente foi mostrado como o grande democrata que estava fazendo todo o possível para acabar com uma guerra civil que perdura por décadas.  Jamais se ouviu ou se leu na mídia comercial brasileira sobre a famosa "black list", um documento produzido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que mostra Uribe como um narcotraficante. O documento é explícito: Álvaro Uribe é um senador (isso em 1991) que colabora ativamente com o cartel de Medellín, recebe dinheiro por isso e é amigo pessoal de Pablo Escobar. Talvez por isso mesmo os EUA tenham apoiado o então senador quando este quis ser presidente da Colômbia e o foi por dois mandatos. Não é sem razão que Uribe permitiu a instalação de nove bases militares estadunidenses no território colombiano.

Durante estes anos em que esteve à frente do governo colombiano, Uribe certamente não deixou de ser um fiel servidor do narcotráfico e não é à toa que agora inicia um processo de guerra contra a Venezuela, alegando mentiras sobre a ligação do governo de Chávez com os "terroristas" das FARCs. Segue o mesmo exemplo de seu chefe, George Bush, quando quis fazer a guerra contra o Iraque, a partir de mentiras como a que o Iraque teria armas químicas.

Primeiro, as FARCs não são formadas por terroristas. São exércitos regulares que lutam, armados, contra o exército da Colômbia e tem um plano de libertação para o país. Segundo, Uribe tem todo o interesse em se manter fora da cadeia, já que é um narcotraficante reconhecido inclusive pelos EUA, então precisa criar sobre si uma cortina de fumaça. E terceiro, durante seus mandatos promoveu tantos crimes e atrocidades que igualmente deve ser julgado por crime de lesa humanidade.

Na última semana, uma fossa encontrada no pequeno povoado de La Macarena, a uns 200 quilômetros de Bogotá, região que é conhecida como uma das mais "quentes" no processo do conflito colombiano, revelou parte de toda essa atrocidade que o terrorismo de estado tem praticado ao longo dos anos. Mais de dois mil cadáveres foram encontrados, amontoados uns sobre os outros, alguns ainda com as mãos e pés amarrados. Este se trata de um dos maiores enterros coletivos de vítimas que se tem notícia na América Latina. Segundo as informações dos jornais colombianos, a fossa teria corpos desde o ano de 2005, sempre renovados.

O exército colombiano se apressou em dizer que os corpos eram de guerrilheiros que haviam morrido em combate. Mas, o povo da região não confirma isso. Pelo contrário, o que os moradores dizem é que aqueles corpos são de líderes sociais, camponeses e militantes populares que desapareceram sem deixar qualquer rastro.

A cova foi descoberta por conta da denúncia realizada por gente que esteve por anos atuando junto aos paramilitares e que se entregou sob a proteção de uma controvertida lei chamada de Lei de Justiça e Paz. Esta lei garante aos informantes uma pena simbólica se eles confessarem seus crimes. Durante estas sessões de "confissão", um dos chefes de um grupo paramilitar chamado John Jairo Rentería revelou que ele e seu grupo chegaram a enterrar mais de 800 pessoas em uma fazenda na cidade de Puerto Asís. Também confessou que os seus comandados usavam estas pessoas (sindicalistas, militantes sociais, estudantes) para aprender como esquartejar uma pessoa e revelou que alguns procedimentos eram feitos com as pessoas ainda vivas.

A audiência e a localização dos corpos da cova de La Macarena aconteceram no mesmo dia em que o governo de Santos, atual presidente colombiano, pediu uma reunião urgente na OEA para denunciar a Venezuela como um estado que estava acolhendo membro das FARCs. Nada mais do que outra cortina de fumaça para tentar encobrir o horror da descoberta e das outras tantas atrocidades produzidas pelo governo de seu amigo e antecessor Álvaro Uribe.

O povo organizado da Colômbia quer que tudo seja esclarecido e exige ainda a punição de Uribe por estes crimes, imprescritíveis, de lesa humanidade.

Veja fotos da cova descoberta em La Macarena.
www.iela.ufsc.br

* Jornalista

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

União Européia autoriza importação de milho transgénico

Na decisão tomada no dia 28 de Julho, aprovaram-se seis novas variedades de milho híbrido que vão ser comercializadas na União Europeia. As espécies híbridas vêm quase todas dos Estados Unidos.
UE autoriza importação de milho transgénico
As espécies híbridas vêm quase todas dos Estados Unidos: três variedades da empresa Pioneer, duas da Monsanto e uma dos suíços da Syngenta.
Argumentando que de trata de um questão de necessidade, a União Europeia (UE) autorizou, no passado dia 28 de Julho, a importação de mais seis variedades de milho geneticamente modificado, destinados à alimentação animal e humana, sem que os Estados membros fossem ouvidos.
As espécies híbridas vêm quase todas dos Estados Unidos: três variedades da empresa Pioneer, duas da Monsanto e uma dos suíços da Syngenta.
O milho convencional passa a vir misturado com o híbrido, uma vez que nos EUA não se faz a distinção entre os dois - há 55 variedades de organismos geneticamente modificados (OGM) autorizadas naquele país.
"Portugal tem defendido que devem ser as autoridades nacionais de cada Estado membro a decidir sobre o cultivo no seu território nacional de organismos geneticamente modificados. Devem ser avaliadas as opções que permitam garantir a transparência dos processos de tomada de decisão, restaurando a confiança dos cidadãos e, acima de tudo, a salvaguarda das especificidades de cada território", comentou ao Diário de Notícias (DN) o gabinete de imprensa do Ministério do Ambiente.
Mas há quem defenda, sem mais, que a UE não tinha outra opção senão aceitar a comercialização destes OGM. "A UE não tinha outro remédio. A alternativa era ficarmos sem matéria-prima, uma vez que na Europa não se produz milho suficiente para a alimentação", defende Pedro Fevereiro, do Centro de Investigação de Biotecnologia.
No entanto, segundo Gualter Baptista, do Grupo de Acção e Intervenção Ambiental (GAIA), esta afirmação é falsa e não justifica a atitude da UE. "Não é verdade que não haja milho e soja sem transgénicos em quantidade. Depende das épocas de cultivo e por isso, por vezes, há falta destes produtos", comentou o activista.
Para o ambientalista, há uma "dependência" do milho americano. "Esta é uma decisão que vai contra a vontade dos europeus. Há dois anos houve uma petição exigindo que os animais alimentados com produtos OGM fossem rotulados, para dar a oportunidade ao consumidor de decidir aquilo que quer comer", disse em declarações ao DN. Esta é uma opinião subscrita pelo Ministério do Ambiente, que defende que "a aceitação por parte das populações devem ser tidas em conta".

Fonte: EsquerdaNet

domingo, 8 de agosto de 2010

As muitas violencias




por Silvio Caccia Bava no LeMondeDiplomatique
Nos últimos três anos foram assassinadas mais de 140 mil pessoas no Brasil. Uma média de 47 mil pessoas por ano. Uma parcela expressiva destas mortes, que varia de região para região, é atribuída à ação da polícia, que se respalda na impunidade para continuar cometendo seus crimes. São 25 assassinatos ao ano por cada 100 mil pessoas, índice considerado de violência epidêmica, segundo organismos internacionais, e que se mantém estável, apesar dos esforços do governo federal com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da Segurança, lançado em agosto de 2007, e o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que tinha por meta reduzir em 50% os assassinatos neste ano de 2010, mas não o conseguiu. 
A situação é um pouco melhor que alguns anos atrás: em 2000, o índice era de 26,7; em 2001, de 27,8; em 2002, de 28,45, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Não fazemos ideia do que esses números significam. Apenas para ter uma comparação, nos três anos mais cruentos da invasão do Iraque (2005-2007) foram assassinados, por atos de guerra, 80 mil civis.  Uma média de 27 mil mortes por ano.
Se os assassinatos com armas de fogo são uma face da violência vivida na nossa sociedade, ela não é a única. Logo atrás, em termos de letalidade, estão os acidentes fatais de trânsito, com cerca de 33 mil mortos em 2002, e 35 mil mortes por ano em 2004 e 2005. Isto, sem falar nos acidentados não fatais socorridos pelo Sistema Único de Saúde, que multiplicam muitas vezes os números aqui apresentados e representam um custo que o Ipea estima em R$ 5,3 bilhões para o ano de 2002. Novamente aqui os jovens são as principais vítimas, e uma pesquisa aponta que 95% dos acidentes de trânsito são de responsabilidade do motorista: desrespeito à sinalização, excesso de velocidade, avanço do sinal.1 Quanto aos atropelamentos, foram mais de 40 mil em 2006, penalizando principalmente os mais idosos.
A lista da violência alonga-se incrivelmente. Sobre as mulheres, os negros, os índios, os gays, sobre os mendigos na rua, sobre os movimentos sociais etc. Uma discussão num botequim de periferia pode terminar em morte. A privação do emprego, do salário digno, da educação, da saúde, do transporte público, da moradia, da segurança alimentar, tudo isso pode ser compreendido, considerando que são direitos assegurados por nossa Constituição, como outras tantas violências.

Para buscar interpretar estes acontecimentos, não é possível isolar uma única forma de violência, ainda que suas distintas manifestações requeiram políticas também diferenciadas para enfrentá-las. É o jeito de viver em sociedade, que assumimos ao longo do tempo, que nos leva a esta situação-limite.

Quando a Justiça não funciona, principalmente para os pobres; quando a polícia mata com impunidade, em vez de garantir a lei e a ordem; quando o que nos ensinam é que temos de tirar vantagem sobre os demais; quando as políticas públicas não garantem a proteção social das famílias; quando os jovens não têm perspectiva de emprego neste modelo de desenvolvimento; tudo somado, desaparece o que é de interesse comum, a coisa pública, a afirmação dos direitos, as regras de convivência democrática.
É aqui que mora o perigo. Se o domínio privado do espaço público prevalecer, como é o caso das milícias e do narcotráfico nas favelas, assim como dos sistemas de segurança privada nos acessos aos condomínios de luxo e nos shoppings, então continuaremos a viver uma guerra contínua e não declarada que estenderá seu manto de sofrimento por toda a sociedade.
Hannah Arendt valoriza o espaço público como espaço de socialização, da comunicação, do debate, do exercício democrático, do cultivo das liberdades. Claude Lefort, Viveret e toda uma corrente de pensadores nacionais e estrangeiros que defende o exercício da democracia direta pelos cidadãos, falam da (re)apropriação do espaço público, de um processo de (re)fundação democrática que crie novas instituições para um novo tempo, com maior controle social e sentido público.
Sem espaço público não há democracia, e o espaço público é também uma construção associada à construção do próprio Estado, que necessita se abrir para o controle social para produzir políticas que universalizem direitos. As experiências recentes de construção de um novo jeito de viver que ocorrem em países vizinhos, como a Bolívia e o Equador, dizem que este caminho é possível e que existem movimentos fortes na sociedade que bancam estas mudanças.
A maior violência para alguém é estar sozinho, sem trabalho, sem proteção social, desvalorizado perante si mesmo, privado dos seus meios de socialização, de um papel a cumprir na sociedade.


Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.