Ana Amélia Lemos passou décadas fazendo a cobertura política nos
veículos de comunicação mais lidos, vistos e ouvidos do Rio Grande do
Sul. Durante todo aquele tempo, sempre que qualquer dúvida se levantava
sobre sua imparcialidade, a reação era imediata. Os críticos,
invariavelmente, eram classificados como “patrulhas” ou “pessoas que não
sabem lidar com a liberdade de imprensa”. Mas eis que Ana Amélia Lemos
aparece nas páginas de política como candidata a uma vaga de Senadora
pelo Partido Progressista batendo palmas para… Yeda Crusius.
O governo Yeda, e isso até os flocos de neve que decoram a Serra
gaúcha sabem, é alvo de uma montanha de suspeitas de corrupção, algumas
cabalmente comprovadas. Mais do que isso: até hoje Yeda mantém ao seu
lado, com poder absoluto de contrastar e demitir, uma assessora que está
indiciada por formação de quadrilha e corrupção; e até ontem, um Chefe
de Gabinete que usou o aparelho do Estado para espionar adversários
políticos e acompanhou delegados para avisar o pai de um traficante que o
filho seria preso.
O governo Yeda, e disso sabem bem os trabalhadores em educação e os
bancários, ordenou que a Brigada Militar disparasse balas de borracha,
bombas de efeito moral e usasse cães ferozes para tentar dissolver
protestos legítimos de cidadãos contra os desmandos evidentes da
administração tucana.
O governo Yeda não permitiu a conclusão de uma sindicância aberta há
mais de três anos para investigar o comportamento de um procurador do
Estado acusado de fazer parte de uma quadrilha que roubou R$ 44 milhões
do Detran.
O governo Yeda escolheu um Chefe para a Casa Civil que foi gravado
pelo vice-governador confessando o loteamento de cargos do primeiro
escalão para financiar partidos que, em troca, sustentaram a
administração e impediram que se investigasse as responsabilidades
políticas sobre as fraudes do Detran e das grandes obras.
O governo Yeda, bem… basta que se veja os altíssimos índices de
rejeição da governadora mesmo quando ela despeja em obras eleitoreiras
todo o dinheiro que deveria ter sido investido na educação, na saúde e
da segurança do povo gaúcho…
Pois é este governo que não mais a jornalista imparcial mas a
candidata Ana Amélia Lemos, aparece aplaudindo nas fotografias da
campanha. Convenhamos. Cumprindo este papel, Ana Amélia não está
propriamente prestando um serviço à credibilidade. Nem do jornalismo,
nem da política.
Nas últimas semanas, nossa grande mídia tem caprichado nos ataques ao
general Chávez. Diariamente, sucedem-se matérias que, além das habituais
críticas aos atritos com a imprensa oposicionista, anunciam uma crise
terrível, que atestaria o fracasso talvez definitivo do governo
venezuelano.
Baseiam-se em dados alarmantes. Em 2009, a inflação venezuelana foi de
25% e o crescimento de menos 3,3%, sendo que neste ano se prevê
repetição do crescimento negativo e da inflação, a qual poderia chegar a
40%.
Os números são verdadeiros, mas, quanto à conclusão, há reparos a fazer.
Como se sabe, a economia da Venezuela depende, e muito, da exportação do
petróleo (90% do total das exportações). Foi profundamente afetada pela
recente crise mundial, que reduziu o preço do petróleo de cerca de 120
para 40 dólares o barril.
Diante dessa situação, o governo adotou uma política extremamente
conservadora, tipo FMI. Ao invés de estimular os investimentos (como fez
o Brasil com sucesso), tratou de cortar despesas, o que trouxe
recessão. Some-se a isso uma grande seca, absolutamente sem precedentes,
no país, que gerou falta de energia e graves paralisações das
atividades industriais, mais uma política errada de supervalorização do
bolívar (moeda local), que encareceu e reduziu as exportações, e o
resultado foi crescimento negativo e aumento da inflação.
Apesar disso, estes dados estão longe de configurar uma crise de vastas proporções, semelhante à da Grécia.
De fato, enquanto os gregos gemem sob um débito público de 115% do
Produto Interno Bruto, o índice do país de Chávez, em 2009, foi de
apenas 19,9% - bem melhor do que o índice médio da União Européia, que
chega a 79%. E esse bom estado das finanças venezuelanas garante ao
governo a obtenção de empréstimos, se necessário, como aconteceu,
recentemente, quando a China adiantou 20 bilhões de dólares, por conta
de futuras entregas de petróleo.
Quanto à economia, as perspectivas de recuperação são positivas. O
governo corrigiu sua política errada de contenção e volta a investir no
desenvolvimento. Entre outras ações, iniciou um grande plano para
aumento da geração de energia elétrica, aplicando 6 bilhões de dólares.
Com o fim da crise mundial, o preço do petróleo que era de 40
dólares/barril em 2009, neste ano subiu para 82 dólares, em julho. Isso
dará maior fôlego para os planos de expansão da economia venezuelana.
Espera-se que as previsões sombrias de crescimento negativo de 3,3% e de
inflação entre 25 e 40% sejam, pelo menos, aliviadas.
A médio prazo, a Venezuela tem boas condições de deslanchar, voltando a
apresentar taxas de crescimento semelhantes às dos 10 primeiros anos do
governo Chávez, quando sua média superou 10% anuais. Recursos, parece
que não faltarão. A U.S. Energy Administration projetou que os preços do
petróleo deverão atingir 98 dólares/barril em 2020. Ótimo para a
Venezuela, cujas reservas petrolíferas são, depois das últimas
descobertas, as maiores do mundo, atingindo uma estimativa de 500
bilhões de barris. O governo Chávez, presentemente, estuda propostas de
empresas estrangeiras para explorações em joint venture com o estado
venezuelano.
Mesmo no período do segundo semestre de 2008/2009, em que o governo teve
suas receitas minguadas pelos reflexos da crise mundial, a redução dos
gastos não chegou à área do bem estar popular.
Chávez continuou aplicando 40% do orçamento (3 vezes mais do que o governo anterior) na área social.
Programas como construção em massa de casas populares, armazéns do povo,
vendendo produtos mais baratos, expansão constante da assistência
médica nas favelas e outros bairros carentes, criação acelerada de
escolas na periferia – com 3 refeições para as crianças -, água tratada e
saneamento básico foram levados a extensas massas populacionais.
Assim, contrapondo os sinistros números econômicos citados acima, o governo pôde apresentar números sociais bastante positivos.
O desemprego foi mantido sob controle, em 8,2%, índice muito bom se
comparado com outros países da região como a Colômbia, tão elogiada pela
grande mídia, que obteve 12,2% nesse índice.
A pobreza, que atingira 54% dos venezuelanos em 1999, início do governo
Chávez, chegou a 23% em 2009, ano em que a pobreza extrema foi reduzida
em 72%.
Ainda nesse crítico 2009, a Venezuela continuou com a melhor performance
em termos de desigualdades sociais na América Latina : os 20% mais
ricos detendo menos de 40% da riqueza nacional.
Em plena crise, o salário-mínimo continuou o mais alto da América
Latina. E no mês que vem, subirá ainda mais, a 521 dólares, para
recuperar o poder de compra da classe trabalhadora, afetado pela alta
inflação.
Na Educação, com recessão e tudo, o governo não alterou os 6% do
orçamento habitualmente gastos nessa área (nos países ricos, a média é
3,9%), responsáveis pelo índice de 93% da população alfabetizada – mais
do que no Brasil, México e Colômbia.
Todos esses dados são animadores, mas não se pode subestimar a alta
inflação e a recessão econômica que ainda não foram vencidas.
A grande mídia apontou incompetência, empreguismo e socializações
desordenadas como causas da presente situação difícil. Talvez tenha
alguma razão, embora haja dúvidas sobre alguns desses fatores ou pelo
menos quanto às cores exageradas com que foram pintados. No entanto,
ignorou os fatos positivos da realidade venezuelana e nega-se a admitir
possibilidade da recuperação econômica do país de Chávez.
Elas, as grandes empresas jornalísticas, tão ciosas da liberdade de
imprensa, deveriam lembrar que essa liberdade se justifica na medida em
que seja cumprida sua missão de informar, sem omissões ou distorções. No
caso de governo Chávez, passar um retrato fiel, evitando a tentação da
caricatura ou de retoques que o façam ficar parecido com Frankestein.
A Telebrás está de volta. Desde o
dia 3 de agosto, ela retornou às operações. Seus antigos funcionários
foram reconvocados e têm pela frente o desafio de reerguer a empresa,
demonstrar a excelência do serviço público e, mais especificamente,
implementar o Plano Nacional de Banda Larga.
Quando se informou que a Telebrás seria reativada, houve uma grita de
algumas empresas de telefonia e um ataque feroz da mídia tradicional.
Ressuscitar a estatal foi tratado como verdadeira heresia. Na crítica
mais amena, um disparate.
A volta da Telebrás não apenas provocou a ira do liberalismo como
representou uma derrota amarga, pois incidiu no setor que até hoje é
apresentado como modelo do processo de privatização e das benesses dele
decorrentes. O tratamento dado ao tema mais uma vez foi acometido de uma
patologia crônica, apontada por diversos estudiosos da mídia: a falta
de contextualização ou mesmo a descontextualização de um assunto.
Uma falta de contextualização primária esteve na ausência de um
diagnóstico sobre o setor, que sabidamente oferece serviços caros e de
péssima qualidade. Suas empresas são campeãs de reclamações de usuários e
de ações junto aos órgãos de defesa do consumidor.
Outra falta de contextualização, ainda mais importante, está em que
poucos se deram ao trabalho de trazer à tona a história da Telebrás e de
seu processo de privatização. Lacuna curiosa, pois, afinal, a quem
interessaria relembrar tal passado? Resposta: interessaria à maioria das
pessoas, aos que têm e aos que não têm acesso aos serviços de
telecomunicação.
Até hoje, a melhor forma de contar essa história e travar a batalha
da memória contra o esquecimento é revisitar o livro de Aloysio Biondi,
“O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado”. O livro teve
sua primeira edição em 1999. Sua 11ª edição se encontra disponível,
gentil e gratuitamente, no site da Editora Fundação Perseu Abramo:
http://www2.fpa.org.br/uploads/Bras...
Biondi, como se sabe, foi um monstro sagrado do jornalismo
brasileiro, grande mestre do jornalismo econômico. Faleceu há 10 anos
(em julho de
2000).
“O Brasil privatizado” abria seu capítulo “As estatais: sacos sem
fundo?” justamente falando da Telebrás. Biondi relembrava que, entre
1996 e 1997, a empresa teve um salto de 250% em seu lucro, desmentindo
categoricamente a mensagem fabricada de que as estatais só davam
prejuízo. No livro que tornou-se um clássico para a compreensão sobre o
que fizeram com o Brasil nos anos 90, Biondi contextualizava que tanto
os prejuízos quanto os lucros das estatais tinham sido fabricados para
atender a interesses muito bem identificados.
Dizia ele: “Os prejuízos que o achatamento de tarifas e preços trouxe
para as estatais teve efeitos que o consumidor conhece bem: nesses
períodos, elas ficaram sem dinheiro para investir e ampliar serviços.
Explicam-se, assim, as filas de espera para os telefones, ou as
constantes ameaças de “apagões” no sistema de eletricidade. Ou, dito de
outra forma: não é verdade que os serviços das estatais tenham se
deteriorado por “incompetência”. Como também é mentira que “o Estado
perdeu sua capacidade de investir”, como diz a campanha dos
privatizantes. O que houve foi uma política econômica absurda, que
sacrificou as estatais.” (pág. 30).
Lembrava ainda de uma decisão incrível: em 1989, um decreto do
presidente da República proibia o BNDE (hoje BNDES) de realizar
empréstimos a empresas estatais.
Biondi era um “antifukuyama”. Só para lembrar, Fukuyama foi um dos
garotos propaganda do neoliberalismo, muito badalado durante o Governo
Reagan, autor de uma tese espalhafatosa sobre o “fim da história” e da
vitória do capitalismo sobre tudo e sobre todos. Hoje, se alguém fizer
um Google sobre os “francis” existentes na face da Terra, Fukuyama
sequer aparece nas sugestões do motor de busca. Fica atrás de Francis
Bacon, Francis Ford Copola, Francisco Cuoco e Francisco Alves. Indício
de que quem corre o risco de desaparecer é o próprio Fukuyama.
Enfim, Biondi desmentia a tese do fim da história, mostrando que a
moda era tentar “cancelar” a história. Contextualizava a esdrúxula
decisão que proibia o BNDES de financiar empresas estatais lembrando ter
sido ele criado “exatamente com o objetivo de fornecer recursos para a
execução de projetos de infra-estrutura, que exigem desembolso de
bilhões e bilhões – e precisam de alguns anos para sua execução” (pág.
30).
A memória do texto de Biondi é mais uma vez útil a um momento em que o
BNDES também se tornou alvo de ataques violentos e virulentos à gestão
de Luciano Coutinho, veja só, por fazer exatamente aquilo para o qual o
banco existe: levantar investimentos e fazer financiamentos.
Biondi também usou o exemplo da Telebrás para relembrar uma diferença
básica do setor público em relação ao privado: além de prestar serviços,
as estatais deveriam ser utilizadas com o objetivo de justiça social.
Tais empresas não têm como objetivo fundamental o lucro, nem têm como
sina acumular prejuízos. Seu objetivo fundamental é garantir o
atendimento à população em serviços essenciais. O fato de que muitas
vezes acumularam prejuízos, além das malversações que acompanharam
algumas de suas gestões, decorria das condições de desigualdade do país.
A pobreza criava um obstáculo sério ao modelo de negócio de muitas
estatais. Milhões de brasileiros excluídos do mercado interno de massas
por um modelo de desenvolvimento excludente não tinham como contratar
serviços em níveis que garantissem a rentabilidade de certas empresas
estatais.
Por isso, na atual situação do país, de expansão acelerada do mercado
interno de massas, de ascensão de um contingente expressivo de pessoas
à classe média e da tendência de crescimento da economia, do emprego e
da renda dos brasileiros, o discurso contra as estatais está obsoleto. É
como o relógio quebrado que homenageia a nostalgia e a ostentação,
mas é incapaz de fornecer uma informação correta.
As estatais, diante do novo quadro econômico, já podem se dar ao luxo
de serem extremamente lucrativas. Mas estão longe de constituir uma
ameaça ao setor privado. Elas podem atuar em atividades nas quais
empresas privadas têm demonstrado dificuldades crônicas em dar conta do
recado ou, como no caso da Petrobrás, podem funcionar como grandes
alavancas do crescimento econômico, responsáveis por irrigar inúmeras
cadeias produtivas que sequer existiam, ou que tinham sido desativadas.
Passados dez anos desde que perdemos Aloysio Biondi, tem-se a exata
dimensão da importância daquilo que ele nos mostrou e de sua contribuição para reverter a cegueira que tomava conta do País.
Me arrisco a dizer que, se vivo estivesse, o autor daquele texto
célebre e indignado estaria tomado por um sorriso satisfeito com a volta
dos elefantes. Até porque, “três elefantes incomodam, incomodam….
incomodam muito mais”.
Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política.
Após um encontro entre Hugo Chávez e o novo presidente colombiano
Juan Manuel Santos, Venezuela e Colômbia retomaram as relações
diplomáticas, interrompidas pela permanente postura beligerante do
ex-presidente Álvaro Uribe, aliado incondicional dos Estados Unidos, que
sempre desempenhou o papel de fustigar Chávez.
Uribe deixou o poder tentando passar a seu sucessor uma agenda de
conflito com o país vizinho, retomando a velha acusação de que a
Venezuela abrigava as Forças Armadas Colombianas (Farc) em seu
território e tomando a medida política e sem amparo legal de entrar com
uma ação contra Chávez no Tribunal Penal Internacional sem a existência
de processo prévio que a justificasse.
Embora apoiado por Uribe, o novo presidente colombiano preferiu
apostar na paz e após um encontro pessoal com Chávez selou acordo para a
retomada das relações, apostando em um diálogo “franco, direto e
sincero” sem a contaminação de influências alheias aos países do
continente.
O entendimento entre os dois presidentes pode levar a uma
incorporação das Farc ao processo político colombiano, encerrando um
conflito de 50 anos, que não foi resolvido antes, entre outros motivos,
pelo Plano Colômbia, financiado pelos Estados Unidos, para um suposto
combate ao narcotráfico, que na verdade visava eliminar o grupo
guerrilheiro.
Sem a interferência dos EUA, os países sul-americanos são capazes de
se entender, como aconteceu agora, numa negociação mediada pelo
ex-presidente argentino Nestor Kirchner e cuja evolução será acompanhada
pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul), uma comunidade criada em
2004 para integrar o continente e mediar seus conflitos.
Alvaro Uribe foi sempre o contraponto a esta política de integração,
que jamais interessou ao Estados Unidos, sobretudo pela onda de
governos progressistas que tomou o continente. Com a saída de Uribe, o
cargo ficou vago, e o candidato tucano José Serra pareceu interessado em
ocupá-lo, desprezando o Mercosul, as relações comerciais do Brasil com
os países vizinhos de economia menor e repetindo as acusações uribistas
de que a Venezuela abriga as Farc.
Serra demonstrou prazer em levar adiante as desastradas declarações
de seu inexperiente candidato a vice, Índio da Costa, que até sumiu de
cena depois de acusar o PT de ligação com as Farc e com o narcotráfico. O
comentário do vice garantiu ao PT direito de resposta no site de
campanha do PSDB e o jovem velho político ainda responde na Justiça
pelas acusações que não pode provar.
Serra poderia ter encerrado a questão, que todos entenderiam como
arroubo juvenil de um jovem liberal de direita, mas fez questão de
repeti-la, fomentando um ambiente negativo, que ligava Brasil,
Venezuela, Farc e narcotráfico. Até o Departamento de Estado
norte-americano o desautorizou ao elogiar pouco depois de suas
declarações a atuação de Lula no combate ao terrorismo e sua condenação
ao uso de violência pelas Farc.
O discurso de Serra tinha um alvo claro, a candidatura de Dilma
Rousseff, que, se eleita, vai levar adiante a política externa
integradora do Brasil a seus vizinhos e a ação soberana que levou o país
a ganhar expressão e reconhecimento internacionais e o credenciou a
mediar conflitos em qualquer lugar do mundo.
A normalização das relações entre Colômbia e Venezuela é mais um
trunfo da unidade sul-americana e menos um ponto para a conservadora
plataforma de Serra.
Qual a urgência das decisões recentes assumidas pela Comissão Europeia para facilitar o cultivo e utilização de transgénicos?
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As recentes decisões assumidas pela Comissão Europeia para facilitar o
cultivo e utilização de organismos geneticamente modificados (OGM) ou
transgénicos, apesar dos riscos para a saúde pública e o ambiente, foram
acompanhadas por declarações a favor da capacidade de decisão dos
governos dos Estados-Membros. No entanto, há que habilitar os cidadãos
com informação que lhes permita ir mais fundo no conhecimento sobre o
assunto. Na altura, a eurodeputada Marisa Matias, do grupo da Esquerda
Unitária (GUE/NGL) perguntou “qual a urgência de tais decisões?” tomadas
pela Comissão quando há legislação em preparação e prestes a sair. Uma
das respostas pode ser encontrada numa simples palavra: “Monsanto”.
Monsanto é a multinacional que controla mais de 90 por cento das
sementes transgénicas que se vendem em todo o mundo. Quem relata melhor a
história é a investigadora Marie-Monique Robin no seu livro “O mundo
segundo Monsanto: da dioxina aos OGM, uma multinacional que lhes deseja o
melhor”.
As sondagens na Europa reflectem uma opinião radicalmente contrária aos
alimentos transgénicos. Em Espanha, em 2006, os inquiridos numa
sondagem escolheram os “transgénicos” como ameaça alimentar mais
inquietante em comparação com mais 12 hipóteses, entre as quais as
“vacas loucas”, salomonelas e gripe das aves. Na Alemanha, 95 por cento
dos consumidores rejeitam os OGM; mesmo nos Estados Unidos, no Estado de
Nova Iorque, 39 por cento dos consumidores são contrários e 33 por
cento aceitam os OGM.
Que se passou então, perante tantas rejeições, desde que 1994 foi
autorizado nos Estados Unidos o cultivo das primeiras sementes
transgénicas, ponto de partida para uma situação caracterizada hoje por
mais de 125 milhões de hectares semeados em todo o mundo com diferentes
sementes de organismos geneticamente modificados?
Uma explicação importante é: Monsanto.
A empresa Monsanto nasceu em Saint Louis, Missouri, em 1901, dedicada à
produção de sacarina para a Coca-Cola. Em 1935 comprou a Swan Chemical
Co., que já fabricava os PCB, policlorobifenóis. Esta substância
sintética tinha diversos usos como refrigerante e lubrificante, mas
representava também um grave risco para a saúde pública que a empresa
conhecia “mas de fez de conta que nada acontecia até à sua proibição
definitiva, em 1977”, testemunha Marie-Monique Robin. A prova deste
conhecimento está na grande quantidade de documentos procedentes de
arquivos da Monsanto, obrigada a divulgá-los num processo judicial.
Monsanto monopolizou a produção de PCB em todo o mundo. Contaminou
assim vastas áreas do planeta, uma vez que se trata de uma substância
muito resistente na natureza.
Monsanto surge depois no fabrico de dioxinas, “a molécula mais perigosa
jamais inventada pelo homem”, segundo Marie-Monique Robin. A dioxina é
um produto derivado do fabrico de herbicidas, incrementado durante a
Segunda Guerra Mundial. A multinacional montou uma fábrica específica em
1948 e trabalhou estreitamente com o Pentágono para desenvolver a
utilização da dioxina como arma química. O perigo deste produto
tornou-se publicamente evidente em 1976, com o acidente em Itália que
ficou conhecido como "a catástrofe de Seveso".
Monsanto obtivera entretanto contrato para produzir o “agente laranja”
(uma dioxina) para utilização pelo exército norte-americano na guerra do
Vietname com o objectivo de destruir colheitas e matar as populações à
fome.
De 1962 a 1971 os militares norte-americanos despejaram 80 mil milhões
de litros de desfolhantes sobre 3,3 milhões de hectares de selva e terra
agrícolas. Mais de três mil localidades foram contaminadas com a
utilização de quantidades equivalentes a 400 quilos de dioxina pura - a
dissolução de 80 gramas de dioxina numa rede de água potável poderia
eliminar uma cidade de oito milhões de habitantes.
Dos herbicidas, Monsanto passou aos organismos geneticamente
modificados (OGM) e descobriu a “árvore das patacas” na conjugação das
duas áreas. Criou as sementes transgénicas e tornou-as imunes ao
herbicida que produz, o Roundup, até então um “assassino” sistémico uma
vez que matava indiscriminadamente as espécies vegetais. A Monsanto
passou a vender – e a impor nos contratos – não apenas as sementes
transgénicas mas também o Roundup para as proteger. Além disso, é vedada
aos compradores a utilização de um produto genérico do Roundup.
Diz a publicidade de Monsanto que “o glifosfato é menos tóxico para os
ratos do que o sal de mesa ingerido em grande quantidade” e tem razão. O
glifosfato é, de facto, o princípio activo do Roundap, mas o Roundap é
muito mais tóxico na sua fórmula global. O professor Robert Bellé, do
Centro Nacional de Investigação Científica francês, concluiu que o
Roundap desencadeia a primeira etapa que pode conduzir a situações de
cancro 30 a 40 anos mais tarde. “O Roundap é um assassino de embriões e
em concentrações mais fracas é um perturbador endócrino para os fetos”,
escreveu.
O professor Séralani, que desenvolve investigações para a Comissão
Europeia de modo a avaliar os efeitos dos alimentos transgénicos na
saúde, é alvo de críticas duras da indústria de agrobiotecnologia por
ter sido taxativo quanto aos efeitos do Roundup nas células humanas:
“mata-as directamente”.
As provas em que se baseou a homologação do Roundup fizeram-se apenas
com o princípio activo, mascarando os efeitos reais do produto. Este é o
truque da propaganda de Monsanto.
Em 1993 a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos
autorizou Monsanto a comercializar a hormona de crescimento bovino
obtida por manipulação genética (rBGH), hormona que se introduz nas
vacas para produzirem mais leite. Em Abril de 1998 uma fuga de
informação fez deflagrar um escândalo político e científico por detrás
desta autorização. Tanto Monsanto como a FDA tinham escondido dados
essenciais.
Trabalhos científicos questionaram o uso desta hormona. Consideram-na
prejudicial para a saúde das vacas e para a saúde humana. De facto, a
hipófise das vacas e dos seres humanos produz uma hormona específica de
crescimento mas ambas provocam a produção da mesma substância, a IGF,
factor de crescimento insulítico de tipo I. O nível de IGFI é
significativamente superior no leite produzido pelas vacas tratadas com
rBGH do que no leite natural. O aumento da substância em causa
multiplica por quatro o risco de cancro da próstata nos homens e por
sete o risco de cancro da mama nas mulheres.
Devido à forte polémica, a hormona está oficialmente proibida na União
Europeia desde 1 de Janeiro de 2000, com base no princípio segundo o
qual “a biosfera não deve transformar-se num laboratório de alto risco
para os seres humanos”.
De facto, segundo numerosos trabalhos científicos, a disseminação de
organismos geneticamente modificados pode alterar os mecanismos e os
ritmos do desenvolvimento humano.
Monsanto controla mais de 90 por cento da produção de OGM no mundo. É
um monopólio Este monopólio ameaça a segurança alimentar sobretudo nos
países mais pobres, onde mais de mil e quinhentos milhões de pessoas
sobrevivem graças à conservação de sementes.
O movimento Greenpeace afirma que as possibilidades de um mundo livre
de transgénicos continuam em aberto: 92 por cento das terras cultivadas
no mundo estão livres de OGM. Apenas quatro países concentram 90 por
cento da utilização de sementes modificadas: Estados Unidos 53 por
cento, Argentina 18 por cento, Brasil 11,5 por cento e Canadá 6,1 por
cento. No mercado existem apenas quatro sementes: soja, milho, algodão e
colza; na Europa só 0,119 por cento do terreno cultivado é dedicado a
OGM, contra quatro por cento, por exemplo, de agricultura ecológica.
“A manipulação genética”, escreve Paco Puche na revista “El Observador,
“não tem nada a ver com o que os camponeses fazem há 10 mil anos, isto
é, conservar as melhores dádivas das suas colheitas para as semear no
ano seguinte; nem com os mecanismos de melhoramento através dos
cruzamentos entre plantas seleccionadas dentro da mesma espécie. A
manipulação genética salta por cima das barreiras biológicas que separam
as espécies, despreza os mecanismos naturais de evolução e intervém nas
interacções genéticas até agora inacessíveis ao ser humano”.
O processo de manipulação genética desenvolve-se em duas fases: em
primeiro lugar extrai-se o gene da planta que interessa de um doador e
incorpora-se numa molécula portadora, que pode ser um vírus; em segundo
lugar implanta-se este vector no organismo receptor. Para avaliar o
resultado da transformação há que injectar um gene resistente aos
antibióticos e banhar as células numa solução antibiótica. As que
sobrevivem são as que aceitaram a transferência. Sobre estas realizam-se
depois bombardeamentos com “canhões de genes”, o que provoca a
colocação do gene de forma aleatória em qualquer parte do genoma.
Os primeiros êxitos da Monsanto na sua batalha legislativa nos Estados
Unidos para aceitação deste processo foram alcançados em 1992, quando
foi aprovado um regulamento segundo o qual “os alimentos derivados de
variedades vegetais segundo os novos métodos de modificação genética
regulam-se no mesmo quadro e segundo a mesma perspectiva adoptada para o
cruzamento tradicional de plantas”. Isto é, deixa de haver diferenças
legislativas entre as selecções de sementes dentro da mesma espécie e as
quebras das barreiras biológicas que separam as espécies.
Aos benefícios desta legislação, Monsanto acrescentou o estabelecimento
de um quadro de declaração de patentes sobre todas as sementes
geneticamente modificadas, facto que lhe permite controlar o mercado
mundial em forma de monopólio.
Em causa estão a saúde pública no mundo, a preservação ambiental e a
biodiversidade. Trabalhos científicos sobre estes assuntos permitiram
estabelecer um decálogo de malfeitorias dos OGM e do controlo de
Monsanto sobre a sua produção e comercialização: riscos para a saúde
pública; contaminação genética sem controlo; aumento da contaminação
química devido ao maior uso de biocidas; perda permanente da
biodiversidade agropecuária e florestal; aumento da insegurança e perda
da soberania alimentar; grande concentração de poder em poucas empresas;
degradação da democracia através das pressões sobre a classe política e
a actuação dos lobbies; aumento da desigualdade Norte-Sul; prejuízos
para a agricultura ecológica devido à contaminação.
O
fim da atual crise de civilização é imprevisível. Inevitável, conduzirá
ao desmoronar do capitalismo ou a uma era de barbárie.
Prever datas para o desfecho seria, porém, um exercício de futurologia.
Mas uma certeza se
esboça já no horizonte: a derrota espera o imperialismo nas guerras
criminosas que os EUA desencadearam para manter e ampliar o sistema de
dominação mundial do capital.
Os EUA estão
atolados em guerras perdidas no Afeganistão e no Iraque e a sua aliança
com o Estado neofascista de Israel é um fator de tensão permanente no
Médio Oriente. As estratégias agressivas que desenvolvem na América
Latina, na África e na Ásia Oriental são também incompatíveis com as
aspirações dos povos ameaçados, contribuindo para o subir da maré
anti-americana.
Nesta fase,
iniciada com as agressões no Médio Oriente e Ásia Central, o
imperialismo estadounidense encontrou situações históricas muito
diferentes da que precedeu o seu envolvimento no Vietname e a humilhante
derrota que ali sofreu. Nos EUA somente uma minoria percebeu que a
guerra estava perdida quando Giap desfechou a ofensiva do Tet. A
resposta de Johnson e Kissinger, cedendo aos generais do Pentágono, foi a
ampliação da escalada. A agressão alastrou para o Laos e Washington
enviou mais tropas para a fornalha vietnamita, semeando a morte e a
devastação no Sudeste Asiático.
Transcorreram anos
até à retirada dos EUA. Os povos foram lentos a compreender que o
desfecho da trágica agressão ao Vietname era o prólogo de uma crise que
significou a perda da hegemonia que Washington exercia sobre a economia
do Ocidente desde o final da II Guerra. Nada foi igual desde então.
Mas o establishment
norte-americano não extraiu as lições implícitas no fracasso das
guerras da Coreia e do Vietnan. A estratégia foi reformulada, mas a
ambição imperial permaneceu, assumindo novas formas.
O cenário das agressões adquiriu proporções planetárias a partir do desaparecimento da União Soviética.
A primeira guerra
do Golfo foi decidida no final da presidência de George Bush pai perante
a passividade da URSS, prestes a desintegrar-se. Washington proclamou
então que a humanidade havia entrado numa era de paz permanente, sob a
égide dos EUA, garantes da Nova Ordem Mundial. Um obscuro epígono do
capitalismo, Francis Fukuyama, saudou a morte do comunismo e anunciou o
"Fim da História", apontando o neoliberalismo como a ideologia para a
eternidade.
O desmentido aos profetas imperiais não tardou.
Quando as torres do
Word Trade Center desabaram, o mundo entrou numa fase de turbulências
anunciatorias de uma profunda crise de civilização. Após o 11 de
Setembro de 2001, Bush filho, alegando necessidade de uma "cruzada
contra o terrorismo", e afirmando que Deus estava com os EUA, invadiu o
Afeganistão, semeando a morte a destruição naquele remoto país da Ásia
Central.
Depois chegou a
segunda guerra iraquiana, iniciada à revelia do Conselho de Segurança
das Nações Unidas. A terra milenária da Mesopotâmia foi ocupada, os seus
museus saqueados, o seu petróleo e gás entregues às petrolíferas dos
EUA, dezenas de milhares de iraquianos chacinados.
Autoproclamando-se
nação predestinada, com vocação para redimir a humanidade dos seus
pecados, os EUA, sob a batuta da extrema-direita republicana, passaram a
actuar como um Estado terrorista, disseminando o terrorismo pelo
planeta.
Essa trágica
situação somente foi possível pela cumplicidade da União Européia, do
Japão e do Canadá, estados ditos civilizados. Com o seu aval ao
establishment bushiano abriram as portas à barbárie.
A eleição de um
negro para a Presidência dos EUA gerou a ilusão de que o pesadelo iria
findar. Mas Barack Obama, que chegou à Casa Branca com o apoio
entusiástico do grande capital, mudou o discurso, mas manteve a politica
imperialista. Pior, agravou-a.
O PÂNTANO AFEGÃO
Admiradores do
Presidente norte-americano afirmam que ele é um humanista, vítima de uma
engrenagem que o instrumentaliza. Mas a defesa que dele fazem não
convence.
O Premio Nobel da
Paz tomou decisões que contribuíram para aprofundar a crise mundial. No
plano interno a sua política tem sido, no fundamental, de capitulação
perante as exigências do grande capital. Significativamente, o seu
secretário do Tesouro, Geithner é um político que goza da confiança
total de Wall Street.
No terreno
internacional, o Presidente aumentou muito o orçamento do Pentágono,
pediu ao Congresso verbas colossais para as guerras asiáticas, enviou
mais 30.000 militares para o Afeganistão, e faz da vitória nessa guerra
uma prioridade da sua política exterior.
Entretanto, acumula derrotas no teatro afegão. A ofensiva no Helmand foi um fracasso; a de Kandahar foi sucessivamente adiada.
A divulgação dos
documentos secretos oferecidos pela WikiLeaks ao NY Times, ao Guardian e
ao Der Spiegel instalou o pânico na Casa Branca, e o inquérito do
Pentágono sobre a fuga de informações classificadas abalou fortemente a
confiança dos americanos no sistema de segurança do Departamento de
Defesa.
Em declarações
recentes, Julian Assange, o australiano que criou o WikiLeaks, revelou
que crimes cometidos pelo exército dos EUA excedem em horror os
massacres do Vietnan. A chamada Força Tarefa Conjunta 373 tem por missão
abater secretamente chefes talibãs e elementos suspeitos de pertencer à
Al Qaeda.
Grupos de matadores
especiais intitulados Kia são responsáveis pelo assassínio de centenas
de civis em ataques cujas vítimas são designadas nos relatórios como
"mortos em ações".
O rol dos crimes
das tropas de ocupação da NATO também ocuparia muitas páginas. A chacina
de Kunduz, da responsabilidade do contingente alemão, abalou o governo
da chanceler Merkel, mas foi apenas uma das muitas matanças de civis
cometidas pelas tropas de ocupação.
Julian Assange cita
como exemplo das atrocidades dos aliados o bombardeamento de uma aldeia
por uma força polaca. Dezenas de pessoas ali reunidas para festejar um
casamento morreram num ato de retaliação concebido com crueldade.
Rotineiramente, o
alto comando norte-americano promove inquéritos nesses casos para
"apurar responsabilidades". Mas ninguém é punido.
Hamid Karzai, o presidente fantoche, protesta e pede providências, mas a indignação é simulada.
Milhares de civis
nas aldeias da fronteira paquistanesa foram mortos pelos bombardeamentos
realizados pelos drones – os aviões sem piloto. O atual comandante
Supremo, o general Petraeus, define essas "missões" assassinas como
indispensáveis ao êxito da nova estratégia de luta "contra o terrorismo"
FARSA DRAMÁTICA
Hillary Clinton, o vice-presidente Joe Binden e James Baker, o secretário da Defesa, têm visitado frequentemente o Afeganistão.
A encenação pouco
varia. Deslocam-se para levantar o moral das tropas, dizer lhes que
estão a lutar pela pátria, pela liberdade e a democracia contra o
terrorismo, que a luta exige grandes sacrifícios, mas que a vitória na
guerra afegã é uma certeza.
Todos aproveitam
para pedir ao Presidente Karzai que "governe democraticamente", afaste
colaboradores que não merecem a confiança dos EUA, e ponha termo à
corrupção implantada no país.
Karzai faz
promessas, reúne assembleias tribais que lhe aprovam a política e repete
que é fundamental negociar com os "talibãs recuperáveis". É ele, chefe
da máfia, o primeiro responsável pelo sumiço de milhares de milhões de
dólares doados em conferências internacionais para o desenvolvimento e
reconstrução do país, destruído pela invasão americana. A realidade não
alterou o método. Em Kabul, a última dessas conferências acaba de
aprovar mais uns milhares de milhões para "ajudar" o Afeganistão.
Entretanto, a produção de ópio, insignificante à data da invasão, aumentou 90% na última década.
É do domínio público que familiares do presidente mantêm íntimas ligações com o negócio da droga.
Nas suas periódicas
visitas ao Paquistão, Hillary Clinton admoesta o presidente Asif
Zardari pela insuficiência do esforço de guerra nas áreas tribais do
Waziristão na fronteira do Afeganistão. Joe Binden repete-lhe o
discurso. Ambos insinuam cumplicidade do Exército com as chefias
talibãs.
O Primeiro-ministro
britânico Cameron ao visitar o país foi tão longe nas suas críticas que
o governo de Islamabad cancelou uma visita a Londres do chefe dos
serviços de inteligência paquistaneses convidado pelo Intelligence
Service.
Crónicas de
correspondente europeus em Kabul e declarações de soldados dos EUA
regressados da guerra afegã esclarecem que a moral das tropas de combate
caiu para um nível muito baixo.
A demissão do
general Stanley McChrystal, que criticara numa entrevista o presidente
Obama, contribuiu para acentuar o mal-estar no Alto Comando. O general
tem um currículo de criminoso, mas as suas opiniões sobre a condução da
guerra são partilhadas por muitos oficiais.
Assim vão as coisas na guerra podre do Afeganistão.
No Iraque, a
"pacificação" é um mito como demonstra o aumento de mortos em atentados
bombistas em Bagdad e na região Norte, controlada pelos kurdos. O
discurso de Obama aos veteranos deficientes, no dia 1 de Agosto, sobre a
retirada das tropas foi um exercício de hipocrisia, semeado de mentiras
e estatísticas falsas.
Na Palestina,
Israel continua a bloquear Gaza, bombardeada com frequência, e amplia a
construção de casas na Jerusalém árabe e em colonatos na Cisjordânia.
O Irão é atingido
por novas sanções, aprovadas pelo Conselho de Segurança, e a CIA promove
atentados terroristas no Kuzistão, fronteiro do Iraque, e na província
baluche, vizinha do Paquistão.
Na América Latina,
Uribe, nas vésperas de ceder a presidência a Juan Manuel Santos, seu
filhote político, criou uma crise com a Venezuela bolivariana ao forjar
acusações sobre a presença das FARC em território daquele país. Os EUA,
que vão instalar sete novas bases militares na Colômbia, aprovaram
imediatamente a provocação.
________________________________________
Neste contexto de
escalada militar em múltiplas frentes, a crise interna prossegue. O
magro crescimento do PIB esconde a realidade.
O número de casas
vendidas é o mais baixo dos últimos anos. Milhares de empresas fecham
todos os meses. Em cidades outrora famosas pela riqueza, como Detroit e
Pittsburg, bairros inteiros estão hoje desabitados. O desemprego
alastra. Nas universidades aumenta o ensino elitista. A tão elogiada
reforma dos "cuidados de saúde" dificultou mais o acesso de milhões de
imigrantes ilegais aos hospitais (v.Fred Goldstein, odiario.info,
22/04/2010).
A Finança, essa
prospera. Os gestores dos grandes bancos continuam a receber reformas e
prémios fabulosos. Um desses gigantes, o Wells Fargo, acumulou lucros de
milhares de milhões de dólares com a lavagem do dinheiro da droga (v.
Cadima, Avante! , 29/07/2010).
O controlo
hegemónico do sistema mediático pelo grande capital impede, porém, a
humanidade de tomar consciência da profundidade da crise. Nos EUA, pólo
do sistema, o discurso do Presidente transmite um panorama optimista da
situação, anunciando melhores tempos e vitórias imaginárias.
Somente uma minoria
de cidadãos, nos EUA, na Europa, e nos demais continentes estão em
condições de descodificar o discurso da mentira irradiado pelo grande
capital.
Para as forças
progressistas ajudar os povos a compreender a complexidade e a extrema
gravidade da crise do sistema é, por isso mesmo, uma tarefa
revolucionária. Porque essa compreensão é fundamental para o incremento e
dinamização da luta dos trabalhadores em cada país contra o projeto de
dominação imposto pelo sistema que ameaça mergulhar a humanidade na
barbárie.
A análise crítica da controvérsia entre liberalismo e
comunitarismo, a teoria social da justiça e o problema da tolerância são
algumas das marcas da obra do filósofo e cientista político alemão
Rainer Forst, discípulo de Jürgen Habermas. No livro Contextos da Justiça,
recém-lançado pela editora Boitempo, o autor investiga o conceito de
“justiça”, buscando evidenciar o que é considerado justo em cada época
ou cultura, de acordo com os contextos históricos específicos.
Em geral tratado como se fosse imparcial, este conceito é revisto
sobre o pano de fundo das contextualizações históricas. Nas palavras do
autor, “a diferenciação dos ‘contextos da justiça’ deve ajudar a
esclarecer as condições normativas segundo as quais a estrutura básica
de uma sociedade pode ser considerada justa”.
Publicado pela primeira vez na Alemanha em 1994 e traduzido para inglês em 2002, Contextos da Justiça
discorre sobre autores comunitaristas – como Michael J. Sandel,
Alasdair MacIntyre, Charles Taylor e Michael Walzer – e liberais – como
John Rawls, Ronald Dworkin e Joseph Raz. Forst conduz daí uma abordagem
original e sintética dessas duas perspectivas filosóficas.
Para Forst, numa perspectiva democrática, no liberalismo, os
cidadãos não aceita as leis que lhes são impostas em suas consciências,
apesar de acatarem-nas na vida em sociedade. Por outro lado, no
comunitarismo, os cidadãos não aceitam as leis - no que ele considera um
ato não-violento de desobediência civil.
Estrutura
Dividido em cinco capítulos, o livro se desenvolve sobre quatro
categorias: a constituição do "eu", a neutralidade do direito, o ethos da
democracia e a concepção da teoria moral universalista. O quinto
capítulo é dedicado à teoria dos “contextos da justiça” propriamente
dita. Forst entende que, apenas a partir da consideração desses quatro
conceitos, pode-se criar uma teoria do direito suficientemente ampla.
Em meio a essas questões, o autor também discorre sobre temas como
a democracia discursiva, a crítica feminista do liberalismo, o
multiculturalismo e a sociedade civil. Provocativa, a obra pode
interessar a quem se importa com os debates em torno da justiça social e
política.
Atualmente, Rainer Forst é professor de teoria política no
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Johann Wolfgang Goethe,
em Frankfurt, e suas principais áreas de investigação são teoria
política, pragmatismo, tolerância e justiça social. Publicou, entre
outros livros, Toleranz: philosophische Grundlagen und gesellschaftliche Praxis einer umstrittenen Tugend (2000), Toleranz im Konflikt: Geschichte, Gehalt und Gegegenwart eines umstrittenen Begriffs (2003) e Das Recht auf Rechtfertigung: Elemente einer konstruktivistischen Theorie der Gerechtigkeit (2007), todos inéditos no Brasil.
Fonte: OperaMundi
Adital - A mídia
brasileira é pródiga em falar do conflito armado na Colômbia, sempre na
perspectiva do governo, até estes dias, de Álvaro Uribe. Este,
geralmente foi mostrado como o grande democrata que estava fazendo todo o
possível para acabar com uma guerra civil que perdura por décadas. Jamais
se ouviu ou se leu na mídia comercial brasileira sobre a famosa "black
list", um documento produzido pelo Departamento de Defesa dos Estados
Unidos, que mostra Uribe como um narcotraficante. O documento é
explícito: Álvaro Uribe é um senador (isso em 1991) que colabora
ativamente com o cartel de Medellín, recebe dinheiro por isso e é amigo
pessoal de Pablo Escobar. Talvez por isso mesmo os EUA tenham apoiado o
então senador quando este quis ser presidente da Colômbia e o foi por
dois mandatos. Não é sem razão que Uribe permitiu a instalação de nove
bases militares estadunidenses no território colombiano.
Durante estes anos
em que esteve à frente do governo colombiano, Uribe certamente não
deixou de ser um fiel servidor do narcotráfico e não é à toa que agora
inicia um processo de guerra contra a Venezuela, alegando mentiras sobre
a ligação do governo de Chávez com os "terroristas" das FARCs. Segue o
mesmo exemplo de seu chefe, George Bush, quando quis fazer a guerra
contra o Iraque, a partir de mentiras como a que o Iraque teria armas
químicas.
Primeiro, as FARCs
não são formadas por terroristas. São exércitos regulares que lutam,
armados, contra o exército da Colômbia e tem um plano de libertação para
o país. Segundo, Uribe tem todo o interesse em se manter fora da
cadeia, já que é um narcotraficante reconhecido inclusive pelos EUA,
então precisa criar sobre si uma cortina de fumaça. E terceiro, durante
seus mandatos promoveu tantos crimes e atrocidades que igualmente deve
ser julgado por crime de lesa humanidade.
Na última semana,
uma fossa encontrada no pequeno povoado de La Macarena, a uns 200
quilômetros de Bogotá, região que é conhecida como uma das mais
"quentes" no processo do conflito colombiano, revelou parte de toda essa
atrocidade que o terrorismo de estado tem praticado ao longo dos anos.
Mais de dois mil cadáveres foram encontrados, amontoados uns sobre os
outros, alguns ainda com as mãos e pés amarrados. Este se trata de um
dos maiores enterros coletivos de vítimas que se tem notícia na América
Latina. Segundo as informações dos jornais colombianos, a fossa teria
corpos desde o ano de 2005, sempre renovados.
O exército
colombiano se apressou em dizer que os corpos eram de guerrilheiros que
haviam morrido em combate. Mas, o povo da região não confirma isso. Pelo
contrário, o que os moradores dizem é que aqueles corpos são de líderes
sociais, camponeses e militantes populares que desapareceram sem deixar
qualquer rastro.
A cova foi
descoberta por conta da denúncia realizada por gente que esteve por anos
atuando junto aos paramilitares e que se entregou sob a proteção de uma
controvertida lei chamada de Lei de Justiça e Paz. Esta lei garante aos
informantes uma pena simbólica se eles confessarem seus crimes. Durante
estas sessões de "confissão", um dos chefes de um grupo paramilitar
chamado John Jairo Rentería revelou que ele e seu grupo chegaram a
enterrar mais de 800 pessoas em uma fazenda na cidade de Puerto Asís.
Também confessou que os seus comandados usavam estas pessoas
(sindicalistas, militantes sociais, estudantes) para aprender como
esquartejar uma pessoa e revelou que alguns procedimentos eram feitos
com as pessoas ainda vivas.
A audiência e a
localização dos corpos da cova de La Macarena aconteceram no mesmo dia
em que o governo de Santos, atual presidente colombiano, pediu uma
reunião urgente na OEA para denunciar a Venezuela como um estado que
estava acolhendo membro das FARCs. Nada mais do que outra cortina de
fumaça para tentar encobrir o horror da descoberta e das outras tantas
atrocidades produzidas pelo governo de seu amigo e antecessor Álvaro
Uribe.
O povo organizado
da Colômbia quer que tudo seja esclarecido e exige ainda a punição de
Uribe por estes crimes, imprescritíveis, de lesa humanidade.
Na decisão tomada no dia 28 de Julho,
aprovaram-se seis novas variedades de milho híbrido que vão ser
comercializadas na União Europeia. As espécies híbridas vêm quase todas
dos Estados Unidos.
As espécies
híbridas vêm quase todas dos Estados Unidos: três variedades da empresa
Pioneer, duas da Monsanto e uma dos suíços da Syngenta.
Argumentando que de trata de um questão de necessidade, a União
Europeia (UE) autorizou, no passado dia 28 de Julho, a importação de
mais seis variedades de milho geneticamente modificado, destinados à
alimentação animal e humana, sem que os Estados membros fossem ouvidos.
As espécies híbridas vêm quase todas dos Estados Unidos: três
variedades da empresa Pioneer, duas da Monsanto e uma dos suíços da
Syngenta.
O milho convencional passa a vir misturado com o híbrido, uma vez que
nos EUA não se faz a distinção entre os dois - há 55 variedades de
organismos geneticamente modificados (OGM) autorizadas naquele país.
"Portugal tem defendido que devem ser as autoridades nacionais de cada
Estado membro a decidir sobre o cultivo no seu território nacional de
organismos geneticamente modificados. Devem ser avaliadas as opções que
permitam garantir a transparência dos processos de tomada de decisão,
restaurando a confiança dos cidadãos e, acima de tudo, a salvaguarda das
especificidades de cada território", comentou ao Diário de Notícias
(DN) o gabinete de imprensa do Ministério do Ambiente.
Mas há quem defenda, sem mais, que a UE não tinha outra opção senão
aceitar a comercialização destes OGM. "A UE não tinha outro remédio. A
alternativa era ficarmos sem matéria-prima, uma vez que na Europa não se
produz milho suficiente para a alimentação", defende Pedro Fevereiro,
do Centro de Investigação de Biotecnologia.
No entanto, segundo Gualter Baptista, do Grupo de Acção e Intervenção
Ambiental (GAIA), esta afirmação é falsa e não justifica a atitude da
UE. "Não é verdade que não haja milho e soja sem transgénicos em
quantidade. Depende das épocas de cultivo e por isso, por vezes, há
falta destes produtos", comentou o activista.
Para o ambientalista, há uma "dependência" do milho americano. "Esta é
uma decisão que vai contra a vontade dos europeus. Há dois anos houve
uma petição exigindo que os animais alimentados com produtos OGM fossem
rotulados, para dar a oportunidade ao consumidor de decidir aquilo que
quer comer", disse em declarações ao DN. Esta é uma opinião subscrita
pelo Ministério do Ambiente, que defende que "a aceitação por parte das
populações devem ser tidas em conta".
Nos
últimos três anos foram assassinadas mais de 140 mil pessoas no Brasil.
Uma média de 47 mil pessoas por ano. Uma parcela expressiva destas
mortes, que varia de região para região, é atribuída à ação da polícia,
que se respalda na impunidade para continuar cometendo seus crimes. São
25 assassinatos ao ano por cada 100 mil pessoas, índice considerado de
violência epidêmica, segundo organismos internacionais, e que se mantém
estável, apesar dos esforços do governo federal com o PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) da Segurança, lançado em agosto de 2007, e o
Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que
tinha por meta reduzir em 50% os assassinatos neste ano de 2010, mas não
o conseguiu. A situação é um pouco melhor que alguns
anos atrás: em 2000, o índice era de 26,7; em 2001, de 27,8; em 2002, de
28,45, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada). Não fazemos ideia do que esses números significam. Apenas
para ter uma comparação, nos três anos mais cruentos da invasão do
Iraque (2005-2007) foram assassinados, por atos de guerra, 80 mil
civis. Uma média de 27 mil mortes por ano. Se os assassinatos com armas de fogo são
uma face da violência vivida na nossa sociedade, ela não é a única. Logo
atrás, em termos de letalidade, estão os acidentes fatais de trânsito,
com cerca de 33 mil mortos em 2002, e 35 mil mortes por ano em 2004 e
2005. Isto, sem falar nos acidentados não fatais socorridos pelo Sistema
Único de Saúde, que multiplicam muitas vezes os números aqui
apresentados e representam um custo que o Ipea estima em R$ 5,3 bilhões
para o ano de 2002. Novamente aqui os jovens são as principais vítimas, e
uma pesquisa aponta que 95% dos acidentes de trânsito são de
responsabilidade do motorista: desrespeito à sinalização, excesso de
velocidade, avanço do sinal.1 Quanto aos atropelamentos, foram mais de
40 mil em 2006, penalizando principalmente os mais idosos. A lista da violência alonga-se
incrivelmente. Sobre as mulheres, os negros, os índios, os gays, sobre
os mendigos na rua, sobre os movimentos sociais etc. Uma discussão num
botequim de periferia pode terminar em morte. A privação do emprego, do
salário digno, da educação, da saúde, do transporte público, da moradia,
da segurança alimentar, tudo isso pode ser compreendido, considerando
que são direitos assegurados por nossa Constituição, como outras tantas
violências. Para buscar interpretar estes
acontecimentos, não é possível isolar uma única forma de violência,
ainda que suas distintas manifestações requeiram políticas também
diferenciadas para enfrentá-las. É o jeito de viver em sociedade, que
assumimos ao longo do tempo, que nos leva a esta situação-limite. Quando a Justiça não funciona,
principalmente para os pobres; quando a polícia mata com impunidade, em
vez de garantir a lei e a ordem; quando o que nos ensinam é que temos de
tirar vantagem sobre os demais; quando as políticas públicas não
garantem a proteção social das famílias; quando os jovens não têm
perspectiva de emprego neste modelo de desenvolvimento; tudo somado,
desaparece o que é de interesse comum, a coisa pública, a afirmação dos
direitos, as regras de convivência democrática. É aqui que mora o perigo. Se o domínio
privado do espaço público prevalecer, como é o caso das milícias e do
narcotráfico nas favelas, assim como dos sistemas de segurança privada
nos acessos aos condomínios de luxo e nos shoppings, então continuaremos
a viver uma guerra contínua e não declarada que estenderá seu manto de
sofrimento por toda a sociedade. Hannah Arendt valoriza o espaço público
como espaço de socialização, da comunicação, do debate, do exercício
democrático, do cultivo das liberdades. Claude Lefort, Viveret e toda
uma corrente de pensadores nacionais e estrangeiros que defende o
exercício da democracia direta pelos cidadãos, falam da (re)apropriação
do espaço público, de um processo de (re)fundação democrática que crie
novas instituições para um novo tempo, com maior controle social e
sentido público. Sem espaço público não há democracia, e o
espaço público é também uma construção associada à construção do
próprio Estado, que necessita se abrir para o controle social para
produzir políticas que universalizem direitos. As experiências recentes
de construção de um novo jeito de viver que ocorrem em países vizinhos,
como a Bolívia e o Equador, dizem que este caminho é possível e que
existem movimentos fortes na sociedade que bancam estas mudanças. A maior violência para alguém é estar
sozinho, sem trabalho, sem proteção social, desvalorizado perante si
mesmo, privado dos seus meios de socialização, de um papel a cumprir na
sociedade.
Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.